Imprimir acórdão
Processo nº 271/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. B, pronunciado por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, de 30 de Junho de 2000 (de fls. 2105) 'como autor material de um crime de burla agravada', recorreu do despacho de pronúncia para o Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso, nos seguintes termos (acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, de fls. 2222):
'3. Quanto ao recurso do arguido.
3.1 Começa este por considerar que o despacho recorrido não está fundamentado e que esse dever de fundamentação é semelhante ao exigido para a sentença pelo que a sua inobservância determinaria a nulidade do dito despacho. Não tem razão. Como é sabido a instrução é uma fase processual intermédia, digamos assim, em benefício da clarificação da ideia, que visa a comprovação judicial da decisão de acusar tomada pelo MºPº. Como acentua a doutrina trata-se de uma fase dotada de uma audiência rápida e informal, mas oral e contraditória. Não tem, como é evidente, as exigências formais da audiência de julgamento pois não se destina a comprovar a culpabilidade (ou não) do arguido e a decidir em conformidade, condenando-o (ou não). Por isso é que os requisitos do despacho de pronúncia são uns, os do art. 308º, n.ºs 1 e 2 com remessa expressa para o art.
283º, n.ºs 2 a 4 e os da sentença são outros diferentes, diferença essa que radica precisamente nos diferentes níveis de exigência das fases de instrução e de julgamento. E por isso também é que a falta de respeito pelos requisitos essenciais da sentença, os dos n.ºs 2 e 3 do art. 274º determina a sua nulidade cominada no art. 379º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma. Nulidade essa que assume um carácter específico e diferenciado do regime geral previsto nos artºs 119º e
120º, sendo que estas disposições determinam com clareza que fora das que ali são previstas só constituirão nulidades as que expressamente forem cominadas em outras disposições legais (e é o caso da sentença). Por conseguinte, não pode validamente defender-se que no despacho de pronúncia há um dever de fundamentação idêntico ao que está previsto no n.º 2 do art. 374º sendo obrigatória a enumeração dos factos indiciados e não indiciados e uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a convicção do tribunal. Em primeiro lugar porque a lei não o exige. Em segundo lugar porque o cumprimento dessa alegada exigência colidiria com a lei expressa que impõe o cumprimento dos requisitos do art. 283º, n.ºs 2 a 4 aí sim sob pena de nulidade expressamente cominada. Em terceiro lugar porque as exigências do art. 374º são justificadas pelo concomitante e prévio cumprimento na audiência de um conjunto de princípios a que não há lugar na instrução designadamente e sobretudo o princípio da imediação sem que, portanto, haja naquela fase processual 'a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa ter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão' (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, p.
232). Bem como, aliás, o princípio do contraditório a que na instrução apenas o debate está sujeito e não também os actos instrutórios, como resulta do art.
289º, n.º 2, diversamente do que sucedia no art. 293º do projecto da Comissão de Revisão (cfr. Neste sentido, v. g. Figueiredo Dias, 'Os Princípios Estruturantes do Processo e a Revisão de 1998 do CPP', RPCC, ano 8 – 2º, p. 211 e Acórdão desta Relação no proc. 2798/99).
É certo, porém, que o despacho de pronúncia é uma decisão e não um despacho de mero expediente e está, por isso, sujeito a fundamentação mas não com base no já mencionado artigo 374º como pretende o recorrente antes sim porque o dever de fundamentação consagrado constitucionalmente no art. 205º CRP está previsto em termos genéricos no art. 97º, n.º 4. Dando de barato que o despacho recorrido carece realmente de fundamentação quais seriam as consequências na marcha do processo? A resposta, inequívoca, dá-a Maia Gonçalves. (CPP Anotado, 9º ed., p. 264). A falta de fundamentação dos actos decisórios quando não tenha tratamento específico previsto na lei constitui irregularidade, submetida ao regime do art.
123º, salientando aquele Autor que caso de tratamento específico na lei é o da falta de fundamentação da sentença que importa nulidade. Aqui, deve ter-se presente o art. 118º segundo o qual (n.º 1) a violação ou a inobservância das disposições do CPP só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que (n.º 2) nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular. Como já concluímos que o regime de fundamentação da sentença não é o aplicável à decisão instrutória resta agora concluir outrossim que a falta de fundamentação desta decisão (a admitir que ela existe) será uma irregularidade a arguir nos termos do art. 123º, ou seja, pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. Não tendo o recorrente arguido essa irregularidade ela está sanada. Mas ainda que se considerasse, como pretende o recorrente que a invocada falta de fundamentação constituía nulidade, é incontornável que ela seria dependente de arguição e não uma nulidade insanável que essas são as que taxativamente estão previstas no art. 119º ou expressamente em outras disposições legais (v. g. art. 321º) o que não é o caso. Ora, sendo uma nulidade dependente de arguição o regime dessa arguição é o previsto no art. 120º que o recorrente não cumpriu. Esse regime impõe que a nulidade seja expressamente arguida pelo interessado tratando-se de acto a que ele assista antes de tal acto ter terminado ou tratando-se de nulidade respeitante à instrução até ao encerramento do debate instrutório [n.º 3 als a) e c)]. No caso em apreço à leitura da decisão instrutória esteve presente a mandatária do recorrente que nada arguiu pelo que tal nulidade (putativa) também estaria sanada. A verdade, porém, é que nem irregular o acto é. O art. 205º, n.º 1 CRP determina que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Ora, para o despacho de pronúncia a lei prevê detalhadamente o seu conteúdo e que é, por força do disposto no art. 308º, n.º 1, o que consta do n.º 3 do art.
283º, decerto considerando que esse conteúdo é o bastante no que respeita à finalidade da instrução já acima mencionada. Situação diversa é a do despacho de
[não] pronúncia em relação ao qual a lei se limita 'secamente' a referir o circunstancialismo em que há lugar à sua prolação (cfr. Parte final do n.º 1 do art. 308º). Por isso é que Maia Gonçalves observa (ob. cit., p. 560, na anot. 2 do art. 307º) que o despacho de pronúncia 'é obrigatoriamente fundamentado, com as razões de facto e de direito que conduziram à pronúncia'. Ou seja, a fundamentação do despacho de pronúncia consiste na narração dos factos pelos quais o arguido irá ser submetido a julgamento, na indicação das disposições legais que a esses factos são aplicáveis e na enumeração das provas que provam a prática desses factos. E o despacho posto em causa cumpre as formalidades em apreço sendo certo que foi inclusivamente feita uma incursão explicativa sobre a integração dos factos no crime de burla. Não há, em suma qualquer deficiência no despacho recorrido e a existir estaria sanada (...)'.
2. Deste acórdão veio o arguido recorrer para o Tribunal Constitucional, por requerimento de 28 de Fevereiro de 2001, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade 'dos arts. 308º e 383º, nºs 2,
3 e 4 do Cód. Proc. Penal por violação dos arts. 205º, nº 1 e 5 e 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, estes quando consagram o direito ao recurso e os princípios do contraditório e da igualdade de armas, nos termos e diferentes vertentes assinaladas nas alegações de recurso interposto da decisão instrutória, com especial incidência na individualização formulada nas conclusões'.
Admitido o recurso, por despacho que não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82), e recebidos os autos neste Tribunal, foi o recorrente convidado, nos termos conjugados do disposto nos nºs
1, 5 e 6 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a 'indicar qual a norma (ou normas) que pretende que o Tribunal aprecie, contida (ou contidas) nos preceitos legais que refere no requerimento de interposição de recurso'.
Em resposta, o recorrente veio reafirmar o que já tinha indicado no requerimento de interposição de recurso e a transcrever o teor do artigo 308º e do nº 3 do artigo 283º, ambos do Código de Processo Penal, acrescentando:
'6. Deles derivando uma dispensa de fundamentação da decisão a proferir em sede de decisão instrutória, a qual se propugna contende com os preceitos constitucionais supramencionados – situação que, aliás, foi afirmada pelo Acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
7. Sendo que a indicação do artigo 283º do Cód. Proc. Penal decorre da remissão que o art. 308º do mesmo Cód. faz, excluindo a obrigatoriedade de fundamentação da decisão instrutória'.
3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou as suas alegações, concluindo nos seguintes termos:
'a) a absoluta e completa ausência de fundamentação mínima do despacho de pronúncia proferido nos presentes autos, carente, em absoluto, de motivação viabilizadora da reconstituição do itinerário cognoscitivo percorrido pelo julgador para alcançar a conclusão vertida no mesmo, contrariamente ao determinado pelos 205º, nº 1, 32º nº 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa, constitui uma efectiva nulidade que afecta a decisão instrutória;
b) não se podendo conferir menor dignidade a tal vício, identificando-o como de mera irregularidade, quer por força da circunstância de estarmos perante a consideração de direitos fundamentais (garantias de defesa do arguido), o que faz ferir a lei contrária do vício de invalidade, atento o disposto no artigo 18º da Constituição da República Portuguesa;
c) quer ainda por a não determinação por parte da lei geral e comum de tal falta de fundamentação como nulidade não implicar uma omissão ou ausência de elemento regulamentador da actividade do julgador;
d) sendo que, a conferir ao art. 309º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, quando este prevê nulidades específicas e concretas da decisão instrutória, um carácter excluidor de outras nulidades susceptíveis de afectar a decisão instrutória, como seja a carência de fundamentação, está-se a dar ao mesmo uma interpretação violadora do art. 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa (quando este consagra as garantias de defesa em processo criminal) e do princípio da legalidade, que, como princípio geral e fundamental de direito, brota do artigo 16º Constituição da República Portuguesa;
e) sendo que a nulidade suscitada de falta de fundamentação é efectiva, nos termos supra assinalados, pois que não apenas os artigos 205º, nº
1 e 32º nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa abrangem todo o processo, como ainda a restrição que o Acórdão recorrido preconiza à fundamentação da decisão instrutória derivada do tero do art. 308º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Penal não preenche os requisitos mínimos consignados naqueles preceitos fundamentais.'
Por seu turno, o Ministério Público veio contra-alegar, defendendo, em síntese, que decorre do acórdão recorrido que o que nele se decide 'assenta, de modo claro e inquestionável, num fundamento alternativo, autónomo relativamente à questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente no
âmbito do (adequado) cumprimento do dever de fundamentação da decisão instrutória impugnada: a sanação e preclusão da irregularidade ou nulidade procedimental que, porventura, tivesse sido cometida, em consequência de uma eventualmente deficiente fundamentação daquela decisão instrutória'. Ora, 'não questionando o recorrente (...) a constitucionalidade das normas que consideram ‘sanável’, nos termos gerais, a eventual deficiência de fundamentação de um despacho interlocutório (...), é manifesto que a dirimição da questão de constitucionalidade suscitada quanto às normas dos artigos 308º e 383, nºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Penal, nenhuma repercussão poderia ter no sentido da decisão concretamente proferida'. Não deveria, assim, tomar-se conhecimento do recurso, por falta de interesse processual. Todavia, o Ministério Público acrescentou ainda que a correcta colocação da questão de constitucionalidade suscitada implicaria necessariamente a invocação da inconstitucionalidade do nº 4 do artigo 97º do Código de Processo Penal e defendeu que a tese do recorrente é, em qualquer caso, manifestamente improcedente.
Contra-alegaram também as recorridas C. e D, propugnado a rejeição do recurso por 'manifestamente improcedente, não sendo, em consequência, julgadas inconstitucionais as normas constantes dos arts. 308º, 283º, nºs 2,3 e
4 e 309º nº 1 todos do CPP (...)'.
4. Convidado, nos termos do nº 2 do artigo 704º do Código de Processo Civil, a pronunciar-se sobre a questão do não conhecimento do recurso, suscitada pelo Ministério Público nas suas alegações, o recorrente veio responder nos seguintes termos:
'3
Quanto à primeira situação invocada, sempre se terá de proceder à interrogação prévia de saber se, de facto, a nulidade invocada, e tal como configurada, é susceptível de ser sanada – sendo certo que, caso o fosse, nunca se poderia entender a pronúncia por parte do Acórdão recorrido sobre a nulidade e inerente inconstitucionalidade invocadas.
4
Saber se a declaração de nulidade arguida detém utilidade processual concreta ou não constitui um elemento segundo, subsequente, a verificar numa etapa ulterior do conhecimento da questão suscitada.
5
Tanto mais que, contrariamente ao que constitui pressuposto de toda a argumentação suscitada pelo Ministério Público, a decisão instrutória não é, em si, um despacho intercalar, mas, em si, uma sentença, não sendo possível equiparar a mesma a um mero despacho de desenvolvimento processual – se por via da decisão instrutória, o processo pode, desde logo, terminar, está-se, desde logo, a antecipar a sentença (ainda que, claro, com elementos de conhecimento diversos).
6
Que a nulidade foi suscitada é um facto – e igualmente constitui um facto a tempestividade de tal arguição.
7
Até porque, aspecto que se alastra à segunda questão equacionada pelo Ministério Público, a inconstitucionalidade arguida perante o Tribunal da Relação de Lisboa foi conhecida e negada – e sobre o despacho em apreço dispões os normativos cuja inconstitucionalidade foi suscitada.
8
Não se vislumbrando, em consequência, prejuízo ao conhecimento do recurso'.
5. Importa começar por apreciar as condições de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto, designadamente em face do obstáculo suscitado pelo Ministério Público.
Antes, porém, cumpre fazer duas observações. Em primeiro lugar, cabe lembrar que, como se sabe, não pode o Tribunal Constitucional, no âmbito deste recurso, pronunciar-se, nem sobre a questão de saber se ocorreu ou não o vício que o recorrente aponta à fundamentação da decisão instrutória, nem sobre a determinação de qual seria a adequada qualificação de tal vício, se tivesse ocorrido. Em segundo lugar, que é no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade que o recorrente define o objecto do recurso que interpõe, não sendo possível ampliá-lo nas alegações depois apresentadas (cfr. a título de exemplo, o acórdão nº 366/96 deste Tribunal, Diário da República II, de 10 de Maio de 1996). Não se pode, assim, conhecer da inconstitucionalidade que o recorrente, nas alegações de fls. 2247, veio apontar ao nº 1 do artigo 309º do Código de Processo Penal.
6. Como resulta dos termos em que a lei o regula e o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas tem natureza instrumental; só pode ser conhecido o respectivo objecto se o julgamento sobre ele proferido puder afectar a decisão de que se recorre (ver, por exemplo, o acórdão nº 463/94, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994). Se assim não fosse, o julgamento emitido pelo Tribunal Constitucional seria inútil. Ora a questão de constitucionalidade colocada pelo recorrente – como resulta da resposta ao convite para indicar a norma ou normas submetidas à apreciação do Tribunal Constitucional – centra-se na alegada 'dispensa de fundamentação da decisão a proferir em sede de decisão instrutória', que decorreria, na sua perspectiva, da interpretação que a decisão recorrida fez dos artigos 308º e
283º, nºs 2, 3 e 4 do Código de Processo Penal.
Para o recorrente, em síntese, verifica-se, como se viu, uma
'absoluta e completa falta de fundamentação mínima do despacho de pronúncia proferido nos presentes autos' (cf. as conclusões das alegações), sendo que a Constituição imporia um grau de fundamentação do despacho de pronúncia idêntico ao da sentença final; e tal falta de fundamentação constituiria uma nulidade
(razão pela qual seria inconstitucional o nº 1 do artigo 309º, 'ao reconduzir a uma mera irregularidade a falta de fundamentação, excluindo a natureza de nulidade de tal vício').
Ora é verdade que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, agora impugnado, começou por negar que o despacho de pronúncia carecesse de fundamentação, por obedecer às exigências – menos intensas do que as legalmente previstas no artigo 374º do Código de Processo Penal para a sentença final – decorrentes do artigo 205º da Constituição e do nº 4 do artigo 97º daquele Código. Mas é igualmente exacto que também se pronunciou sobre as consequências que decorreriam, para o caso concreto, de uma hipotética falta de fundamentação do mesmo despacho de pronúncia, concluindo que se traduziriam na verificação de uma mera irregularidade, sanada pela falta de arguição pelo recorrente. Mesmo que se entendesse que 'a invocada falta de fundamentação constituía nulidade', diz-se no acórdão recorrido, 'é incontornável que ela seria dependente de arguição e não uma nulidade insanável', pois que as nulidades insanáveis se encontram taxativamente previstas no artigo 119º do Código de Processo Penal. Não tendo o recorrente procedido a tal arguição no momento legalmente fixado para o efeito no artigo 120º do mesmo Código, também a nulidade se encontraria sanada.
Por isso, pôde o acórdão ora recorrido concluir que 'não há, em suma, qualquer deficiência no despacho recorrido e a existir estaria sanada
(...)'.
7. Do exposto resulta pois, claramente, a falta de utilidade do presente recurso. Mesmo que o Tribunal Constitucional viesse a julgar inconstitucionais as normas impugnadas, nunca tal julgamento poderia conduzir a uma alteração da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao dever de fundamentação, pois que este considerou que, a haver deficiência, ela estaria sanada, por falta de arguição tempestiva pelo recorrente. E isto, quer se entenda que tal deficiência gera nulidade, quer se considere que ela determina uma mera irregularidade.
É certo que o recorrente, pronunciando-se sobre a questão do não conhecimento do recurso, suscitada pelo Ministério Público, diz que a nulidade foi suscitada, e oportunamente suscitada. Mas omite completamente qualquer indicação que suporte tais afirmações.
Para ter utilidade o presente recurso, haveria o recorrente de ter questionado, no momento próprio, ao lado da constitucionalidade das normas aplicáveis à exigência de fundamentação do despacho de pronúncia, a constitucionalidade das normas por força das quais uma falta de fundamentação não acarreta uma nulidade insanável.
Ora o recorrente não só não questiona a constitucionalidade da norma constante do nº 4 do 97º do Código de Processo Penal, do qual depende a delimitação do âmbito do dever de fundamentar os actos decisórios dos juízes
(como refere o Ministério Público nas suas alegações), mas também não impugna no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal as normas que consideram sanável a falta de fundamentação do referido despacho (como também sublinha o Ministério Público).
8. É, assim, evidente a falta de interesse processual no conhecimento do objecto do presente recurso.
Acresce, em qualquer caso, que é no mínimo duvidoso que o acórdão recorrido tenha interpretado e aplicado as normas impugnadas no sentido que lhes foi imputado. Dele não se retira que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha julgado conforme com a lei a total falta de fundamentação do despacho de pronúncia. Diferentemente, este Tribunal considerou que o dever de fundamentação existia, e foi integralmente cumprido, embora afirmando que a intensidade de tal dever não é equivalente à que se exige a uma sentença final condenatória.
Assim, decide-se não tomar conhecimento do recurso interposto, por falta de interesse processual. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs. Lisboa,21 de Dezembro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida