Imprimir acórdão
Processo n.º 696/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO o primeiro interpôs recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho daquele Tribunal de 5 de julho de 2012 que indeferiu a reclamação apresentada pelo ora recorrente de despacho proferido em 3 de maio de 2012 pelo 2.º Juízo Criminal dos Juizos de Competência Criminal de Vila Nova de Famalicão na parte em que considerou extemporâneo o recurso da sentença de 30 de agosto de 2011 que condenara o ora recorrente na coima de Euros 1250 pela prática da contraordenação que lhe foi imputada pela autoridade administrativa.
2. O requerimento de interposição de recurso tinha o seguinte teor (cfr. fls. 50-51):
«(…)
O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 70º, n,º 1, al. b) da L.T.C.
A norma cuja constitucionalidade o ora recorrente pretende ver apreciada é a constante do artigo 74.º, n.º 1 do Código do Processo Civil com o sentido plasmado no douto despacho recorrido de que o prazo de interposição do recurso de sentença, em processo de contraordenacional é de apenas de 10 dias, não lhe sendo aplicável o prazo previsto no Código do Processo Penal.
Com efeito, a aludida norma interpretada com o sentido que lhe foi dado no douto despacho recorrido é manifestamente inconstitucional por violar os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica, corolários do princípio do estado de direito (art. 2º da CRP) e a próprio princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da CRP;
Sendo certo que, a referida questão concreta de inconstitucionalidade foi suscitada na fundamentação da nossa reclamação;
O recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso (vd. Artigo 72.º, n.º 1, al. b) da L.T.C. e 401.º, n.º 1, al. b) do C.P.P.)
O presente recurso deverá subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo do processo (vd. os artigos 78.º, n.º 1 da L:T.C. e 406.º, n.º 1, 407.º, nº 1, al. a) e 408.º, n.º 1, al. a) do CPP).
3. Face ao teor do requerimento apresentado, no seu n.º 2, a Relatora proferiu despacho com o seguinte teor (fls. 57):
«Notifique-se o recorrente para, no prazo de 10 (dez) dias, aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso quanto ao seu n.º 2 confirmando ou indicando, tendo ocorrido lapso, qual a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie.».
4. Notificado nos termos legais em 5/12/2012, o recorrente respondeu ao convite de aperfeiçoamento (cfr. fls. 59), identificando a norma cuja constitucionalidade pretende ver apreciada (artigo 74.º, n.º 1 do R.G.C.O.), mas apenas no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo, pelo que, não tendo sido paga imediatamente a multa devida, foram passadas guias nos termos legais, conforme cota lavrada a fls. 60.
5. O reclamante foi notificado nos termos legais, para proceder ao pagamento da multa, em 4/01/2013 (cfr. fls. 61-62).
6. Em 24/01/2013 o processo foi concluso à Relatora com a informação de que até aquela data não fora junto aos autos o comprovativo do pagamento da multa devida nos termos legais, pelo que, na mesma data, o recurso foi julgado deserto pela Relatora (cfr. fls. 63).
7. Notificado do despacho de fls. 63, o recorrente apresentou reclamação para a conferência nos seguintes termos (cfr. fls. 67-68):
«Como é manifesto, o douto despacho de 4/12/2013 não determinou qualquer cominação para a inércia do recorrente ora reclamante, nomeadamente a deserção do recurso;
Nem os próprios termos da notificação que dele foi efetuada ao ora reclamante:
Acresce que a notificação que foi efetuada ao ora reclamante para os efeitos previstos no artº 145º, nº 6 do CPC também não inclui qualquer advertência ou cominação quanto à relevância processual do nosso requerimento de 21/12/2012.
O que significa que nenhum das ditas omissões do ora reclamante em caso algum poderão determinar, pelo menos de forma automática, a deserção do recurso.
Tanto mais que, como é manifesto, o lapso cometido pelo reclamante era (e continua a ser) facilmente suprível pelo tribunal.
Sendo certo que, o ora reclamante apenas se equivocou quanto ao diploma legal em causa, mas já não quanto ao respetivo artigo que contém a norma cuja constitucionalidade é questionada.
Norma essa, que aliás, está devidamente identificada quer na nossa reclamação para o presidente do Tribunal da Relação do Porto, quer no despacho de 5/07/2012.
Termos em que, no integral provimento da presente reclamação, a decisão ora reclamada deverá ser revogada e substituída por outra em que que proceda à admissão do recurso interposto pelo ora requerente, com toda as legais consequências ou, em que pelo menos, seja ordenada a repetição das notificações efetuadas ao ora reclamante agora com a cominação do não conhecimento do recurso.»
O ora reclamante apresentou ainda requerimento com o teor seguinte (cfr. fls. 66):
«Os fatos imputados ao recorrente ora requerente terão sido praticados no já longínquo dia 29/11/2012.
Sucede que, quando o arguido foi notificado para se pronunciar sobre as infrações que lhe são imputadas nos respetivos autos de contraordenação nºs 966/06 e 92/07 da GNR de Vila Nova de Famalicão, já há muito havia decorrido o prazo prescricional 3 anos previsto no artº 27º, als. b) do DL. Nº 433/82, de 17/12, com a redação que lhe foi dada pela lei nº 109/2001, de 24/12;
Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se irá que, entretanto, já decorreu o prazo máximo de prescrição a que se alude no nº 3 do artº 28º do diploma citado.
Prescrição essa, que, desde já, se deixa aqui expressamente invocado para todos os efeitos legais;
E cuja procedência implica a extinção do procedimento contraordenacional que deu origem aos presentes autos;
Com o consequente arquivamento dos presentes autos;
O que se deixa aqui expressamente requerido para todos os efeitos legais.».
8. Notificado dos requerimentos apresentados pelo requerente, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio dizer o seguinte, pronunciando-se no sentido do indeferimento da reclamação para a conferência:
«Requerimento de fls. 66
1º
O recorrente vem invocar que ocorreu a prescrição do procedimento contra-
-ordenacional, requerendo o arquivamento dos autos.
2º
Ora, apreciar esta questão, não é da competência do Tribunal Constitucional, mas sim das outras instâncias, que o deverão fazer, se assim o entenderem, quando o processo for devolvido ao tribunal recorrido.
Requerimento de fls. 67 e 68: reclamação para a conferência do despacho que julgou o recurso deserto
3º
A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional da decisão que, na Relação do Porto, lhe indeferiu a reclamação do despacho proferido em 1.ª instância, que lhe não admitira, por extemporaneidade, o recurso interposto para aquela Relação.
4º
O n.º 2 do requerimento não era claro, uma vez que, embora se referisse como a norma cuja inconstitucionalidade se pretendia ver apreciada o artigo 74.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a interpretação adiantada, nada tinha a ver com o disposto naquele preceito.
5.º
Foi então que, pela Exm.ª Senhora Conselheira Relatora, foi proferido despacho a mandar notificar o recorrente para aperfeiçoar esse ponto do requerimento que, diga-se, era essencial, uma vez que, de outra forma, desconhecer-se-ia qual era exata norma, cuja questão de inconstitucionalidade devia constituir objeto do recurso.
6.º
No prazo de dez dias fixado, o recorrente nada disse.
7.º
No 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo, veio prestar o esclarecimento, afirmando que se tratou de um lapso e identificando correta e concretamente a norma.
8.º
Não tendo efetuado o pagamento da multa a que alude o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, foi notificado pela Secretaria para esse efeito, de acordo com o disposto no n.º 6 daquele artigo.
9.º
Como no prazo de dez dias fixado, não pagou a multa e nada disse, foi o recurso julgado deserto.
10.º
Saber se o recorrente quando foi notificado para poder aperfeiçoar o requerimento (vd. artigo 5.º) tinha de ser advertido para as consequências de não responder, não tem qualquer relevância na situação dos autos, uma vez que a resposta foi apresentada.
11.º
Segundo o n.º 5 do artigo 145.º do Código de Processo Civil a validade do ato praticado dentro dos três dias subsequentes do termo do prazo, fica dependente do pagamento da multa.
12.º
É o que diz expressamente a lei, não tendo obviamente que constar expressamente da notificação essa cominação, notificação essa que, sublinhe-se, é necessariamente feita na pessoa dos mandatários (art.º 83.º, n.º 1, da LTC).
13.º
De salientar que o recorrente nem antes, nem agora, invoca qualquer justo impedimento.
14.º
Naturalmente que não sendo válido o ato, o recurso foi julgado deserto, tal como dispõe o n.º 7 do artigo 75.º-A, da LTC.
15.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
9. O ora reclamante reclama para a conferência da decisão da Relatora de 24/01/2013 por discordar do decidido quanto à deserção do recurso por entender que quer a notificação do despacho para proceder ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso, quer a notificação para o pagamento da multa por apresentação da resposta aquele despacho no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo não cominaram expressamente a cominação para a inércia do recorrente, nomeadamente a deserção do recurso e, em consequência, que as omissões do ora reclamante não podiam determinar de forma automática a deserção do recurso. Invoca ainda que o lapso cometido pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso – e que determinou o despacho de aperfeiçoamento – seria «facilmente suprível pelo Tribunal».
Não assiste razão ao ora reclamante.
9.1 É ao requerente que cumpre indicar expressamente no requerimento de interposição de recurso, entre outros elementos, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que este Tribunal aprecie (cfr. artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC).
9.2 Tratando-se de um ponto essencial do requerimento de interposição de recurso e existindo prima facie dúvida quanto ao mesmo, foi o requerente convidado a aperfeiçoar o seu requerimento, nesse ponto, com fundamento no mesmo artigo.
9.3 A cominação da falta de resposta consta expressamente do n.º 5 da disposição em causa.
9.4 Tendo a resposta sido apresentada pelo requerente, não releva a falta de indicação expressa da cominação legalmente prevista no referido n.º 5 do artigo 75.º-A da LTC.
9.5 Todavia, tendo a resposta sido apresentada no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo legal para resposta ao convite de aperfeiçoamento, a Secretaria procedeu à notificação do requerente, feita na pessoa do seu mandatário (cfr. artigo 83.º, n.º 1, da LTC) para pagamento da multa devida nos termos do n.º 6 do artigo 145.º do C.P.C – fundamento legal que pressupõe a prática do ato pelo ora reclamante fora de prazo, ainda que dentro dos três primeiros dias subsequentes ao termo do prazo, sem que a multa devida tenha sido paga imediatamente nos termos do n.º 5 daquele artigo.
9.6 Decorrendo expressamente do n.º 5 da mesma disposição do C.P.C que a validade de ato praticado dentro dos três dias subsequentes ao termo do prazo fica dependente do pagamento de multa, não se afigura que tal cominação tivesse de constar da notificação para o pagamento da multa devida.
9.7 Acresce que o recorrente não invocou nem antes, nem no seu requerimento de reclamação para a conferência, qualquer justo impedimento nos termos previstos nos artigos 145.º, n.º 4 e 146.º do C.P.C.
10. Por último, quanto ao requerimento do ora reclamante de fls. 66, relativo à invocação de prescrição do procedimento contra-ordenacional, não sendo a apreciação da questão da competência deste Tribunal, não há que conhecer do mesmo.
III – Decisão
11. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação para a conferência.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UC, nos termos dos artigos 7.º e 9.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.