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Processo n.º 751/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Na presente ação de acidente de trabalho, pendente no Tribunal de Trabalho de Setúbal, foi proferido despacho a deferir o requerimento do sinistrado e determinar a remição da pensão anual de €3.263,10. Para tanto, o Tribunal recusou a aplicação do disposto no segmento final do n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (doravante LAT), “na parte em que impede a remição de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira”, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 59.º, n.º 1, al. f) da Constituição.
Essa recusa de aplicação assentou nos seguintes fundamentos:
“A pensão fixada ao sinistrado A. resulta de uma incapacidade parcial permanente (IPP) inferior a 30%, mas porque é superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta, está sujeita aos seguintes condicionalismos:
1.º não é remível – art. 75.º n.º 1, in fine, da Lei 98/2009, de 4 de setembro (Lei dos Acidentes de Trabalho, ou LAT/2009);
2.º não é sequer parcialmente remível, por não resultar de IPP igual ou superior a 30% – art. 75.º n.º 2, proémio, da LAT/2009;
3.º e também não é actualizável anualmente, conforme a média do crescimento real do PIB e a variação média anual do índice de preços no consumidor – pois o Fundo de Acidentes de Trabalho (FAT) apenas se responsabiliza pela atualização do valor das pensões devidas por IPP igual ou superior a 30% ou por morte, nos termos do art. 82.º n.º 2 da LAT/2009 e do art. 1.º n.º 1 al. c), ponto i), do DL 142/99, de 30 de abril, que criou aquele Fundo.
No caso dos autos, ainda não se coloca o problema da atualização da pensão, pois a mesma foi calculada com referência ao dia seguinte à data da alta, ocorrida já este ano, a 06.01.2012.
Porém, por requerimento de 17.05.2012, o sinistrado pediu a remição da sua pensão.
De acordo com o supra referido art. 75.º n.º 1, in fine, da LAT/2009, a pretensão do sinistrado seria de indeferir, por a sua pensão ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor no dia seguinte à data da alta.
No entanto, pensamos que esta proibição ofende os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação às vítimas de acidente de trabalho, consignados nos arts. 13.º n.º 1, l 8.º n.º 2 e 59.º n.º 1 al. f) da Constituição.
Vejamos os fundamentos do nosso raciocínio.
Acerca de tema semelhante já teve o Tribunal Constitucional a oportunidade de se pronunciar, no seu Acórdão n.º 302/99, de 18.05.1999, relatado por Bravo Serra, onde se explicitaram os motivos pelos quais se pode justificar constitucionalmente a proibição de remição das pensões por acidente de trabalho. Citemos as passagens mais relevantes desse aresto:
«O estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respetivo labor.
E, por isso, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou a doença profissional não implicou a futura continuação do desempenho de labor por parte do trabalhador (ainda que tenha reflexo, mesmo em medida não muito relevante, na retribuição por aquele desempenho, justamente pela circunstância de não apresentar uma total capacidade de trabalho), se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada – e sabido que é que, de uma banda, o montante das pensões é de pouco relevo e, de outra, que o quantitativo fixado se degrada com o passar do tempo – possa ser «transformada» em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera perceção de uma «renda» anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja.
Transformação essa que ocorrerá a requerimento do trabalhador ou da entidade responsável pelo pagamento da pensão, ou, até, obrigatoriamente, por força da própria lei, neste último caso quando a incapacidade for diminuta (até 10%) e o montante da pensão for reduzido.
Outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho.
Se o montante dessas pensões se perspetivar como algo que atua (ou atuaria desejavelmente) como um mínimo de asseguramento de subsistência, então compreende-se que o legislador pretenda, como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na sua alegação, colocar o trabalhador a coberto dos riscos de aplicação do capital de remição.
Efetivamente, a aplicação de um capital ainda que no momento em que essa intenção é formulada se apresente como um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à perceção da pensão anual – é sempre alguma coisa que, em virtude de ser aleatória, comporta riscos.
E daí se aceitar que, nos casos em que a incapacidade de trabalho se situa em maior percentagem (com o consequente maior montante da pensão), o legislador, para ressalva do próprio trabalhador que dessa incapacidade padece, não autorize a remição das respetivas pensões, desta sorte estabelecendo uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.»
Foi com base nestes pressupostos que o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do art. 64.º n.º 2 do Decreto 360/71, na parte em que impedia a remição de uma pensão igual ou superior a 20% mas inferior a 30%, em que a capacidade de ganho não estava substancialmente reduzida, por estabelecer uma limitação ao poder do trabalhador ponderar se não se revelaria mais compensador a efetivação da remição, ocorrendo assim uma discriminação materialmente infundada.
Os mesmos princípios são aplicáveis ao caso dos autos.
Na verdade, o trabalhador foi afetado de uma incapacidade inferior a 30%, a qual não implica a futura continuação do seu desempenho laboral, embora tenha reflexo, em medida não muito relevante, na sua capacidade de ganho. Logo, nestas condições não se vislumbra qualquer fundamento, constitucionalmente legítimo, que limite o poder do trabalhador em avaliar se é mais compensador continuar a receber a pensão anual, ou optar pela sua remição, aplicando o capital daí resultante.
Note-se que, não estando a capacidade de ganho do trabalhador fortemente limitada, não se pode adotar uma atitude paternalista de proibição da remição, com o fundamento do risco de aplicação do capital assim obtido.
Mantendo o trabalhador o essencial da sua capacidade de ganho, apenas a ele deve competir essa decisão, não existindo fundamentos constitucionalmente válidos que legitimem a limitação da sua capacidade para administrar o seu património, nomeadamente no que concerne à utilização do capital obtido com a remição da pensão devida por acidente de trabalho – em especial quando o sinistrado requereu expressamente pretender a remição da pensão.
No fundo, está em causa a tutela da autonomia da vontade do sinistrado em acidente de trabalho, o qual, por não estar fortemente limitado na sua capacidade de ganho, pode e deve decidir se opta pela continuação do recebimento da pensão anual, ou se prefere obter o respetivo capital de remição.
Estão prejudicados, pois, os princípios da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação aos sinistrados em acidente de trabalho, consignados nos arts. 13.º n.º 1, 18.º n.º 2 e 59.º n.º 1 al. f) da Constituição, pelo que declaro a inconstitucionalidade do art. 75.º n.º 1, in fine, da LAT/2009, na parte em que impede a remição de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira.
Consequentemente, defiro o requerimento do sinistrado de 17.05.2012 e determino a remição, a partir dessa data, da sua pensão anual de € 3.263.10.
Proceda ao cálculo e entrega do capital de remição, com referência à data de 17.05.2012, de (€ 3263.10 x 14.270) € 46.564,44, se a presente decisão vier a ser confirmada em sede de recurso de constitucionalidade.
Valor do incidente de remição parcial: € 46.564,44.”
2. O Ministério Público interpôs recurso desse despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º e da alínea a), do n.º 1 e n.º 3, do artigo 72.º da LTC, o qual foi admitido.
3. Neste Tribunal, o recorrente Ministério Público e a recorrida Companhia de Seguros B. S.A. apresentaram alegações.
3.1. O recorrente Ministério Público extraiu das alegações as seguintes conclusões:
“1. Não decorre da Constituição nem da Jurisprudência do Tribunal Constitucional que as pensões anuais vitalícias de pequeno montante, devidas por acidente de trabalho e que correspondam a graus de incapacidade pouco elevados, não possam ser obrigatoriamente remidas.
2. A norma do n.º 1 do artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, condiciona a obrigatoriedade de remissão à verificação cumulativa de dois requisitos: a incapacidade parcial permanente ser inferior a 30%; o valor da pensão anual não ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal.
3. Gozando o legislador ordinário de ampla liberdade na concretização daqueles dois requisitos e não me parecendo que os mesmos consagrem soluções desrazoáveis, aquela norma, vista isoladamente, não nos merece censura constitucional.
4. Na situação dos autos, a incapacidade foi fixada em 3%, portanto muito abaixo dos 30%, apenas não sendo possível a remição por o valor da pensão ultrapassar o limite estabelecido no n.º1 do artigo 75.º
5. Se a pensão não foi actualizável – como se considerou na decisão recorrida -, porque inferior a 30% (artigo 82.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009), impedir a remição nestes casos, significa a sua degradação progressiva, com a consequente violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição).
6. Assim, não sendo o valor das pensões actualizável, a norma do artigo 75.º, n.º 1, in fine, da Lei nº 98/2009, na parte em que impede a remição da pensão anual vitalícia, correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira, é inconstitucional por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
7. Deve, consequentemente, negar-se provimento ao recurso.”
3.2. Por seu turno, a B. – Companhia de Seguros, SA formulou a seguinte síntese conclusiva:
“1ª) A recorrida acompanha as doutas Conclusões de recurso do Ministério Público elencadas sob os nºs 1 a 4, perfilhando igualmente o entendimento de que, cabendo ao FAT a atualização de pensões por acidentes de trabalho, as pensões que se encontram na situação da dos autos deveriam igualmente ser atualizáveis, sob pena de se verem degradadas com o decurso do tempo, ficando em causa o satisfatório direito à reparação.
2ª) Todavia, salvo melhor e diferente saber, porque se lhe afigura que a declaração de inconstitucionalidade da norma do artº 75º, nº 1 da Lei nº 98/2009, com a amplitude pretendida, não só representaria uma resposta desajustada face aos interesses em confronto e aos valores a preservar, podendo mesmo representar uma fonte de perturbação do sistema reparatório de acidentes de trabalho, colocando dificuldades na relação com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, quando é certo que a lei ordinária tem um mecanismo que permite integração de lacunas legais, como é o caso do artº 10º do Código Civil.
3ª) Na verdade, a pelo menos aparente incoerência decorrente da entrada em vigor da Lei nº 98/2009, na falta de previsão do regime de atualização de pensões a cargo do FAT, diferentemente do regime que vigorava no domínio da Lei nº 100/97, representa uma lacuna que pode e deve ser integrada no âmbito do ordenamento infraconstitucional.
4ª) Pelo exposto, a recorrida propende a considerar que a norma do artº 75º, nº 1 da Lei nº 98/2009 não padece de inconstitucionalidade.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
4. A questão colocada nos presentes autos pelo recorrente radica na apreciação da conformidade constitucional da norma do n.º 1, parte final, do artigo 75.º da LAT, “na parte em que impede a remição de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira”.
Não oferece dúvidas que essa dimensão normativa foi objeto de recusa de aplicação na decisão recorrida, com referência à remição total da pensão anual vitalícia devida a sinistrado por acidente de trabalho.
Com efeito, perante requerimento do sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, no sentido de obter a remição total da pensão anual e vitalícia de €3.263,10 - fixada em função de uma incapacidade permanente parcial de 3% e do salário anual de €155.385,58, contando o requerente 46 anos de idade à data do sinistro -, o Tribunal a quo considerou que a sua satisfação era vedada pelo disposto na parte final do n.º1 do artigo 75.º da LAT, que interpretou como impedindo igualmente a remição por iniciativa do sinistrado (remição facultativa) nas situações em que a pensão anual vitalícia não é obrigatoriamente remida. E, porque considerou tal proibição lesiva dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa reparação das vítimas de acidente de trabalho, consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição, recusou a sua aplicação e deferiu ao requerido, determinando a remição integral da pensão.
Assim, o eventual sucesso do recurso, e o inerente juízo de conformidade constitucional, obrigará à reponderação do decidido, de acordo, aliás, com o que expressamente se aponta na decisão recorrida.
5. Em termos prévios, importa considerar a imbricação da questão sub judicio com a normação relativa à atualização da pensão fixada nos presentes autos sustentada pelo Ministério Público na parte final das suas alegações.
Pretende o Ministério Público que a questão colocada depende, na aferição da solvabilidade constitucional do n.º 1, do artigo 75.º, da LAT, da posição que se tome sobre a possibilidade de atualização da pensão aqui em discussão, face ao disposto no artigo 82.º, n.º 2 da LAT e no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), ponto i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril. Para tanto, considera que a decisão recorrida afirmou expressa e perentoriamente que a pensão fixada não é atualizável, entendimento do direito infraconstitucional que se impõe a este Tribunal como um dado e que, nessa medida, sedimenta essa premissa do raciocínio a formular quanto à questão de constitucionalidade incidente sobre a solução legal de proibição de remição da pensão anual vitalícia.
Pensamos, porém, que não foi esse o entendimento do Tribunal recorrido.
É certo que a decisão recorrida aponta ao regime decorrente do artigo 82.º, n.º 2 da LAT e do art. 1.º, n.º 1, al. c), ponto i), do DL 142/99, de 30 de abril, o sentido de impedir a atualização da pensão fixada nos presentes autos. Todavia, essa ponderação não encontrou relevo aplicativo, ou sequer articulação específica no iter argumentativo seguido pelo Tribunal a quo, em termos de se poder concluir que integra a sua ratio decidendi, ou seja, o leque de critérios normativos determinantes do julgado, sem os quais a decisão seria outra. Ao invés, a expressão “ainda não se coloca o problema de atualização da pensão, pois a mesma foi calculada com referência ao dia seguinte à data da alta, ocorrida já este ano, a 06.01.2012” sinaliza reserva de análise sobre essa dimensão problemática, incluindo naturalmente a compatibilidade constitucional da insuscetibilidade de atualização da pensão, uma vez atingido o momento processualmente adequado.
Cumpre, então, tomar a questão colocada, com autonomia relativamente ao problema - por certo conexo e relevante, mas sem efetiva aplicação na decisão recorrida - da atualização da pensão fixada nestes autos.
Dito isto, cabe notar que o Tribunal Constitucional, nesta 2ª secção, através dos Acórdãos n.º 79/2013 e 107/2013 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, como os adiante referidos), foi recentemente chamado a apreciar essa questão em recursos interpostos ao abrigo da alínea a) do artigo 70.º da LTC, em autos igualmente pendentes no Tribunal do Trabalho de Setúbal, vindo em ambos a julgar inconstitucional, por violação dos artigo 13.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, alínea f), ambos da Constituição, a norma contida no artigo 82.º, n.º 2 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, em articulação com o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), ponto i), do Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de abril, na parte em que impede a atualização de pensões por incapacidades permanentes parciais (IPP) inferiores a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da mesma Lei, por serem superiores a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta.
6. A norma cuja aplicação foi recusada aloja-se em preceito com a seguinte redação:
Artigo 75.º
Condições de remição
1 — É obrigatoriamente remida a pensão anual vitalícia devida a sinistrado com incapacidade permanente parcial inferior a 30 % e a pensão anual vitalícia devida a beneficiário legal desde que, em qualquer dos casos, o valor da pensão anual não seja superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
2 — Pode ser parcialmente remida, a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal, a pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade igual ou superior a 30 % ou a pensão anual vitalícia de beneficiário legal desde que, cumulativamente, respeite os seguintes limites:
a) A pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida em vigor à data da autorização da remição;
b) O capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30 %.
3 — Em caso de acidente de trabalho sofrido por trabalhador estrangeiro, do qual resulte incapacidade permanente ou morte, a pensão anual vitalícia pode ser remida em capital, por acordo entre a entidade responsável e o beneficiário da pensão, se este optar por deixar definitivamente Portugal.
4 — Exclui-se da aplicação do disposto nos números anteriores o beneficiário legal de pensão anual vitalícia que sofra de deficiência ou doença crónica que lhe reduza definitivamente a sua capacidade geral de ganho em mais de 75 %.
5 — No caso de o sinistrado sofrer vários acidentes, a pensão a remir é a global.
7. Denota-se dessa normação que o instituto da remição de pensão devida por acidente de trabalho, assenta, na sua delimitação material - positiva e negativa - na ponderação de dois fatores - o nível de incapacidade permanente parcial (IPP) e o valor da pensão anual vitalícia – e outros tantos limiares de relevância distintiva fixados pelo legislador – grau de desvalorização do sinistrado correspondente a IPP igual ou superior a 30% e valor de pensão igual ou superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta ou da morte.
Assim, e como se afirma no Acórdão n.º 79/2013, em função das várias combinações dos fatores contemplados no sistema de condições de remição consagrado no artigo 75.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, encontram-se quatro situações diferenciadas:
i) As pensões obrigatoriamente remíveis na sua totalidade, o que acontece quando não for atingido, nem ultrapassado, qualquer dos limiares relevantes (n.º1);
ii) As pensões facultativamente remíveis em parte, quando verificado grau de incapacidade igual ou superior a 30%, com o limite negativo de preservação cumulativa de pensão sobrante não inferior ao apontado montante correspondente a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida no dia seguinte à data da alta ou da morte e de capital de remissão não superior ao que resultaria de IPP de 30% (n.º2);
iii) As pensões insuscetíveis de remição, total ou parcial, em razão da conjugação de um grau de incapacidade inferior a 30% com montante de pensão superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (n.ºs 1 e 2, a contrario); e
iv) As pensões insuscetíveis de remição, total ou parcial, em razão da conjugação de grau de incapacidade igual ou superior a 30% e pensão de montante inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida (n.º 1 e 2, a contrario).
A dimensão normativa recusada inscreve-se no terceiro plano apontado, correspondente aos casos em que se exprime a escolha do legislador no sentido da insuscetibilidade da remição da pensão anual vitalícia devida por acidente de trabalho, por prevalência do limite negativo ratione valoris, mesmo perante manifestação de vontade do sinistrado nesse sentido.
8. Importa considerar que esse terceiro plano de situações distintas não se colocava no regime que precedeu a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, pese embora nele já se encontrassem os fatores e limiares supra referidos.
Efetivamente, com o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, diploma que regulamentou a Lei n.º 100/97, de 13 de dezembro, definiu o legislador no seu artigo 56.º como sujeitas a remição obrigatória as pensões anuais não superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada, assim como as pensões devidas, de qualquer valor, por incapacidade permanente e parcial inferior a 30%. À luz desse regime, porque a incapacidade fixada nos presentes autos fica aquém – mesmo muito aquém – do limite de 30%, nada obstava à sua remição, que era mesmo comandada como obrigatória.
Temos, então, que a diferença entre os regimes em sucessão no universo de pensões correspondentes a IPP não superior a 30% e, ao mesmo tempo, de valor superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida, como ocorre nos presentes autos, reside em que, no domínio da Lei n.º 100/97, de 13 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, a pensão seria imperativamente remida, enquanto no regime da LAT opera sempre, mesmo nos casos de IPP com menor gravidade, a limitação da remição em função do valor, vedando ao sinistrado a satisfação da sua vontade, formada e formalizada no sentido de obter justa compensação através de uma única prestação patrimonial, por via do instituto da remição - integral - da pensão. Ou seja, o que antes foi configurado como obrigatório, impondo-se mesmo contra a vontade do sinistrado, passou, com a LAT, a ser vedado, indiferentemente da expressão da perda da capacidade de ganho decorrente pelo grau de incapacidade determinado pelo sinistro.
9. A resposta à interrogação sobre as razões que presidiram a essa modificação encontra-se na exposição de motivos do projeto de lei n.º 786/X, iniciativa legislativa que desembocou na Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro. Aí vem referido o propósito de genérico de sistematização de matérias, a que se junta, especificadamente quanto às condições de remição da pensão devida por acidente de trabalho, e dentre estas, os casos de remição obrigatória, a intenção da sua adequação à jurisprudência do Tribunal Constitucional. Lê-se na referida exposição de motivos:
“A regulamentação específica que se propõe não visa romper com o regime estabelecido quer pela Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, quer pelo Decreto-Lei n.º 248/99, de 2 de julho, quer mesmo pelas disposições normativas constantes no anterior Código do Trabalho entretanto revogadas, mas sim proceder a uma sistematização das matérias que o integram, organizando-o de forma mais inteligível e acessível, e corrigir os normativos que se revelaram desajustados na sua aplicação prática, quer do ponto de vista social, quer do ponto de vista constitucional e legal, como é exemplo o caso da remição obrigatória de pensão por incapacidade parcial permanente.”
E, mais adiante, referindo-se novamente ao instituto da remição, reitera-se o propósito da sua adequação à jurisprudência do Tribunal Constitucional:
“- Altera o regime de remição de pensões, seguindo a recente jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto a esta matéria e esclarece que o regime da remição de pensão por doença profissional é sempre facultativo e só é admissível no caso de doenças profissionais sem caráter evolutivo.”
Por seu turno, os trabalhos preparatórios aduzem a indicação de que, nesse esforço de sistematização e de adequação às exigências sociais, também o alcance da remição facultativa mereceu ponderação. Regista-se, com interesse para o problema em análise, que na discussão na especialidade foi rejeitada por maioria proposta do PCP no sentido de permitir a remição da pensão devida por incapacidade permanente parcial inferior a 30%, a requerimento do sinistrado ou beneficiário legal maior de idade, sem qualquer limite quantitativo”(cfr. http://www.parlamento.pt/ActividadeParlamentar/Paginas/DetalheIniciativa.aspx?BID=34568).
10. Compreende-se a invocação pelo legislador da jurisprudência do Tribunal Constitucional, pela frequência de pronúncias no sentido da desconformidade constitucional de várias dimensões normativas inscritas no regime de remição obrigatória constante do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril.
Repetindo a síntese constante do Acórdão n.º 163/2008, registaram-se sobre essa matéria as seguintes decisões:
- Acórdãos n.ºs 322/2006 e 323/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), quando interpretada no sentido de impor, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente superior a 30% e ocorridos anteriormente à data da sua entrada em vigor;
- Acórdãos n.ºs 457/2006, 491/2006, 492/2006, 493/2006, 516/2006, 519/2006, 520/2006 e 611/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões devidas por acidentes de trabalho, ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor desse diploma, de que haja resultado a morte do sinistrado, que não sejam superiores a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, opondo-se o beneficiário à remição;
- Acórdãos n.ºs 529/2006 e 533/2006, que julgaram inconstitucional a norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória de pensões vitalícias de montante anual inicial não superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da fixação da pensão, atribuídas ao cônjuge do trabalhador sinistrado, por acidente de trabalho de que resultou a morte deste, e fixadas em momento anterior ao da entrada em vigor desta norma;
- Acórdãos n.ºs 577/2006 e 578/2006, que decidiram pela inconstitucionalidade da norma do artigo 56º, nº 1, alínea a), interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes superiores a 30% ou por morte;
- Acórdão n.º 521/2006, que decidiu julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 56º, nº 1, alínea a), e 74º, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas por incapacidades parciais permanentes iguais a 30%, resultantes de acidente ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 292/2006, que julgou inconstitucional o conjunto normativo constante do nº 1 do artigo 33º da Lei nº 100/97, de 13 de setembro, e da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de abril, quando interpretados no sentido de imporem, independentemente da vontade do trabalhador, a remição total de pensões cujo montante não seja superior a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida mais elevada à data da sua fixação, atribuídas em consequência de acidentes de trabalho de que resultou uma incapacidade parcial permanente de 30% e ocorridos anteriormente à data da entrada em vigor daquela Lei;
- Acórdão n.º 468/2002, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de setembro, na interpretação segundo a qual aquele preceito é aplicável à remição das pensões previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 17º e no artigo 33º, ambos da Lei nº 100/97, de 13 de setembro;
- Acórdão n.º 34/2006, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais permanentes nos casos em que estas excedam 30%.
- Acórdão n.º 438/2006, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição, pretendida pela seguradora;
- Acórdão n.º 268/2007, que julgou inconstitucional a norma do artigo 74º, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 382-A/99, de 22 de setembro, interpretada no sentido de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por morte, opondo-se o titular à remição.
O sentido dessa jurisprudência quanto à desconformidade constitucional do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, face ao direito dos trabalhadores à justa reparação, encontra expressão impressiva no Acórdão n.º 58/2006:
“Na verdade, tendo o estabelecimento de pensões por incapacidade em vista a compensação pela perda de capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respetivo labor, compreende-se que, se uma tal perda não foi por demais acentuada e, assim, não afeta significativamente a continuação do desempenho da sua atividade laboral, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (cujo quantitativo, em regra, de pouco relevo, se degrada com o passar do tempo) possa ser “transformada” em capital, a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera perceção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja; porém, quando em causa estiverem acidentes de trabalho cuja gravidade acentuadamente diminuiu a capacidade laboral do sinistrado e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência, servindo a pensão de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho, então a aplicação de um capital, mesmo que no momento em que é feito aparente ser um investimento adequado, porquanto proporcionador de um rendimento mais satisfatório do que o correspondente à perceção da pensão anual, é sempre algo que, por ser aleatório, comporta riscos. Neste último tipo de situações, tornar legalmente obrigatória a remição significaria privar o trabalhador da faculdade de ponderar se é menos arriscado continuar a receber a pensão e recusar a remição, impondo-lhe a assunção de um risco que, com a extensão que a dimensão normativa admite, torna precário e limita o direito dos trabalhadores a uma justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho.
Assim, a remição total obrigatória – isto é, independentemente da vontade do beneficiário – de uma pensão vitalícia atribuída por uma incapacidade parcial permanente superior a 30% é inconstitucional por violação do direito à justa reparação por acidente de trabalho, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.”
11. Como se viu, na assumida tarefa de dar sequência à jurisprudência do Tribunal Constitucional, o legislador da LAT afastou do âmbito de aplicação da remição (total) obrigatória as situações em que a perda da capacidade de ganho for mais gravosa e, agora, também aquelas em que a pensão atinja ou ultrapasse o montante reputado de significativo para o interesse tutelado, fixado no valor correspondente a seis vezes a remuneração mínima mensal garantida. Mas, nesse impulso, foi mais longe, vedando igualmente a remição integral – aquela que está aqui em apreço – a pedido do sinistrado sempre que a perceção de pensão anual vitalícia desse montante não seja preservada.
A questão colocada nestes autos assume, pois, contornos distintos do percurso jurisprudencial atrás referido. Não se trata de apreciar a solvabilidade constitucional da imposição de assunção de um risco, consubstanciado na imperativa “transformação” de pensão mensal pela remição num dado capital, mas sim da razoabilidade e proporcionalidade de outra imposição, igualmente limitativa da autonomia da vontade, mas agora com o sentido oposto: proibição (indireta) ratione valoris da remição facultativa total, cerceando ao sinistrado essa opção, mormente em casos, como o presente, de perda da capacidade de ganho com expressão inequivocamente reduzida (IPP de 3%), deixando praticamente intocada a suscetibilidade do sinistrado de angariar meios de subsistência através do desenvolvimento regular de atividade laboral.
Será essa proibição ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, bem como da justa indemnização, consagrados nos artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 59.º, n.º 1, al. f) da Constituição, como considerou o Tribunal a quo?
12. Importa começar por dizer que a resposta afirmativa a essa questão não encontra apoio na doutrina do Acórdão n.º 302/99, citado na decisão recorrida. Não só os parâmetros então equacionados eram distintos, como das suas conclusões não resultam argumentos no sentido da ilegitimidade constitucional da escolha do legislador democrático na imposição de restrições à autonomia da vontade do trabalhador fundadas apenas no montante da pensão fixada.
Com efeito, o Acórdão n.º 302/99 apreciou questão normativa decorrente do disposto artigo 64º, nº 2, do Decreto nº 360/71, de 21 de agosto, conjugado com o artigo 2º do Decreto-Lei 668/75, de 24 de novembro, no sentido de não permitir, 'em circunstância alguma, nem a remição nem a atualização das pensões decorrentes de incapacidades iguais ou superiores a 20% e inferiores a 30%'. E, inversamente do que se afirma no despacho recorrido, não foi com base “nestes pressupostos” que o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional a proibição da remição de pensão anual vitalícia por incapacidade situada entre 20% e 29%. Para tanto, articulou, como elemento determinante do juízo formulado, a circunstância da pensão anual não ser atualizável e, nessa medida, em virtude de continuada erosão monetária, incapaz de assegurar duradouramente uma subsistência condigna, na mesma proporção da perda da capacidade de ganho.
Afastado o argumento da ausência de atualização – que, como se viu, não pode ser aqui aceite como premissa incontroversa – verifica-se que o Acórdão n.º 302/99 acolhe o entendimento de que os limites à remição total da pensão anual vitalícia, e inerente restrição à tutela da autonomia da vontade do próprio trabalhador lesado, encontram justificação razoável no desiderato de colocar o sinistrado a coberto do risco de aplicação do capital obtido, preservando os meios compatíveis com “uma subsistência digna”, por referência a limiar mínimo fixado pelo legislador. Ponto é que o valor da pensão, pela sua exiguidade, não possa ser tida, de todo, como imprestável para assegurar, de um modo mínimo, uma subsistência condigna do lesado, sem o que falecem as razões para a sua preservação.
Essa mesma doutrina encontra lugar igualmente no Acórdão n.º 292/2006, em que, face ao regime da Lei n.º 100/97, de 13 de dezembro, e do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, se reafirma a justificação da limitação ratione valoris da autonomia da vontade no domínio da remição facultativa de pensões devidas por acidentes de trabalho, teleologicamente ordenada à perceção continuada de compensação capaz de colocar o sinistrado – qualquer sinistrado, mesmo aquele que a certo momento da sua vida ativa aufere proventos elevados - a coberto da ameaça de outros infortúnios, agora de índole financeira.
Cabe ainda notar que, quer o Acórdão n.º 302/99, quer o Acórdão 292/2006, equacionam a conformidade com o princípio da justa reparação do infortúnio laboral da consagração legal de remição impositivamente decretada, postulando uma correlação entre o grau reduzido de incapacidade e a fixação de pensão desprovida de “qualquer relevância económica” e de “diminuto valor, incapaz de atuar como um meio, ainda que complementar, de subsistência condigna”. Ora, para além do mais, o caso dos autos demonstra que, embora as pensões devidas por acidentes de trabalho causadores de reduzido grau de incapacidade determinem por regra pensão de baixo montante, situações há, excecionais, em que a conjugação de retribuição muito acima dos valores medianos e a idade do sinistrado determinam a ultrapassagem do limiar valorativo erigido abstratamente pelo legislador ordinário como, objetivamente, correspondendo a pensão de “pouco relevo”. Também por essa via, os parâmetros considerados naqueles arestos afastam-se daqueles presentes nestes autos.
13. Tomando a questão em apreço, não encontramos razões para nos afastarmos desse entendimento e afirmar a ilegitimidade constitucional de solução normativa que excecione a relevância do primado da autonomia da vontade do trabalhador sinistrado em função da garantia, em todas as situações, de pensão de valor não diminuto, porque capaz de assegurar a sua subsistência, colocando qualquer sinistrado, mesmo aquele pouco afetado na sua capacidade laboral, a salvo de riscos financeiros e, no limite, da perda completa da compensação pela lesão sofrida.
Na verdade, a remição de pensão anual envolve sempre um risco: por um lado, o capital assim gerado não comporta atualizações em função de inflação; por outro, pode o tempo de vida do sinistrado exceder a esperança média de vida, com base na qual o capital de remição é calculado. Se a primeira perda pode eventualmente ser ultrapassada com recurso da aplicações financeiras, sem esquecer que o respetivo prémio (juro) encontra-se por regra alinhado com o perfil de risco, o mesmo não acontece, ou acontece muito dificilmente, com a segunda contingência.
Nessa medida, a dimensão normativa questionada, e o impedimento ao poder do trabalhador de dispor sobre o objeto do ressarcimento de acidente de trabalho ratione valoris, responde a interesse material e constitucionalmente fundado, em função da necessidade de acautelar a subsistência condigna do trabalhador sinistrado, ao longo de toda a sua vida.
É certo que outra poderia ter sido a opção valorativa do legislador democrático, no âmbito da sua ampla liberdade de conformação, dando prevalência ao fator da perda da capacidade de ganho em situações de muito reduzida expressão sobre o fator do valor da pensão, mas essa circunstância não permite considerar que a normação em apreço, no estabelecimento de duplo requisito para a remição total da pensão, ofende o direito dos trabalhadores à justa reparação por acidente de trabalho ou doença profissional, acolhido na al. f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição. Esse princípio mantém-se respeitado pela perceção de pensão anual vitalícia, desde que atualizável, sem que se possa afirmar hodiernamente como invariavelmente mais favorável a via da aplicação de capitais.
Paralelamente, também não se encontra no regime infração do princípio da proporcionalidade (art.º 18.º, n.º 2 da Constituição), relativamente ao qual o Tribunal a quo pouco elabora. O montante fixado pelo legislador ordinário como limiar de relevo económico obstativo da remição, e do mesmo jeito como capaz de assegurar um mínimo de subsistência, a colocar invariavelmente a salvo da alia inerente à aplicação de capital, mostra-se adequado e necessário, sem ultrapassar a justa medida, face ao interesse garantístico perseguido, mormente por referência aos montantes das prestações asseguradas pelo sistema de segurança social.
Esta mesma linha argumentativa conduz também ao afastamento da apontada ofensa do princípio da igualdade (art.º 13.º, n.º 1 da Constituição), na medida em que não ocorre qualquer discriminação materialmente infundada. Desde logo, porque não se identifica, neste campo de análise (remição facultativa total), conformação distinta de situações jurídico subjetivas comparáveis. No regime da LAT, a pensão anual vitalícia devida por acidente de trabalho de trabalhador português, de montante de seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, é sempre preservada da “transformação” em capital, mesmo que a título de pensão sobrante.
Outra poderá ser a ponderação quando for viável assegurar a perceção de pensão anual vitalícia daquele montante, mormente a título de pensão sobrante e, do mesmo jeito, respeitar a conformação da vontade do sinistrado afetado de redução das capacidades de ganho menos gravosa (com expressão em IPP inferior a 30%), por recurso a remição parcial da pensão anual vitalícia. Esse foi o caminho trilhado no Acórdão n.º 79/2013, em que se julgou inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, nº 1 e 18.º, n.º 1, ambos da Constituição, a norma contida no artigo 75.º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, na parte em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade inferior a 30%, não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito por serem superiores a seis vezes a retribuição mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira. Porém, a questão de constitucionalidade em apreço não apresenta essa conformação, nem o Tribunal a quo recusou a aplicação, por contrária à Constituição, de solução normativa atinente à remição parcial de pensão anual vitalícia devida por acidente de trabalho.
III. Decisão
14. Pelo exposto, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º1, parte final, do artigo 75.º da LAT, na parte em que impede a remição total de pensão anual vitalícia correspondente a incapacidade inferior a 30%, mas superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta, mesmo quando o sinistrado assim o requeira;
b) Julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público; e
c) Determinar a reforma da sentença recorrida, em conformidade com o decidido.
Sem custas.
Lisboa, 29 de maio de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Pedro Machete – João Cura Mariano - Joaquim de Sousa Ribeiro.