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Proc. nº 356/2001
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. J... e M... deduziram oposição à execução fiscal n.º 1156/85 que contra eles moveu a C.... O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por decisão de 7 de Junho de 1995, julgou a oposição procedente, ordenando o arquivamento da execução. Interposto recurso pela C..., o Tribunal Tributário de 2ª Instância, por acórdão de 27 de Fevereiro de 1996, anulou a decisão recorrida. O Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, na sequência da prolação do acórdão de 27 de Fevereiro de 1996, proferiu nova decisão, datada de 8 de Abril de 1997, julgando a oposição procedente.
A C... interpôs de novo recurso, vindo o Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 11 de Novembro de 1997, a julgar a oposição improcedente.
2. Os oponentes interpuseram recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, suscitando, entre o mais, a incompetência em razão da matéria dos tribunais tributários e do Supremo Tribunal Administrativo para decidir as questões relativas às execuções fiscais 'em que é interessada a C...'. Nas alegações apresentadas não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 11 de Outubro de
2000, considerou, nos termos do artigo 9º, nº 5, do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto, serem competentes os tribunais tributários para o conhecimento da oposição, negando provimento ao recurso.
Os recorrentes requereram o esclarecimento do acórdão de 11 de Outubro de 2000, sustentando a inconstitucionalidade orgânica do artigo 9º, nº
5, do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto, por violação dos artigos 168º, nº
1, alínea g), e 201º da Constituição.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 21 de Fevereiro de
2001, não tomou conhecimento da questão de inconstitucionalidade suscitada, em virtude de se encontrar esgotado o poder jurisdicional do tribunal, não concedendo a aclaração.
3. J... e M... interpuseram recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma do artigo 9º, nº 5, do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto.
O recurso não foi admitido, por despacho de 22 de Março de 2001, em virtude de a questão de inconstitucionalidade normativa não ter sido suscitada durante o processo.
Os recorrentes vêm agora reclamar, ao abrigo dos artigos 76º, nº 1, e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, afirmando que sustentaram a questão de inconstitucionalidade que pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional 'logo que a norma do nº 5 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto, foi aplicada expressamente no acórdão de mérito de que se recorre', ou seja, no requerimento de aclaração (depois, portanto, da prolação do acórdão recorrido).
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre decidir.
4. Sendo o recurso que os reclamantes pretendem ver admitido interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que se possa tomar conhecimento do seu objecto, que a questão de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequada quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
A norma que os reclamantes submetem à apreciação do Tribunal Constitucional consta do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, diploma que transformou a C... em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos. Essa norma determina que as execuções pendentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 287/93, de 20 de Agosto, continuam a reger-se, até final, pelos regras de competência e de processo anteriormente vigentes.
Quando os reclamantes sustentaram, nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, a incompetência dos tribunais tributários para apreciar a oposição à execução, era fundamentalmente essa solução normativa que pretendiam impugnar, pois foi essa a norma que expressamente determinou a manutenção da competência dos tribunais tributários para apreciar os processos pendentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto. Nessa medida, impendia sobre eles o ónus de suscitar as questões de constitucionalidade normativa que considerassem pertinentes.
Não cumpriram esse ónus. Tal incumprimento não se ficou a dever à falta de oportunidade processual para a suscitação tempestiva da questão de inconstitucionalidade, mas sim a uma estratégia processual deficiente. Na verdade, não foi proferida qualquer decisão objectivamente inesperada nos presentes autos, sendo, pelo contrário, absolutamente previsível que o tribunal recorrido viesse a aplicar a norma que expressamente determina as regras de competência aplicáveis aos processos pendentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto.
Há, pois, que concluir que não foi suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade que os reclamantes pretendem submeter à apreciação do Tribunal Constitucional, pelo que o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, não podia ser admitido por falta dos respectivos pressupostos processuais.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando, consequentemente, o despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade reclamado.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 10 de Julho de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa