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Processo n.º 116/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal corre o processo comum colectivo n°
40/03.8 TELSB, em que é arguido, além doutros, A., inicialmente patrocinado pela
advogada Drª B..
Nesse processo foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferido
acórdão que foi depositado na secretaria em 26/5/2006, no qual o arguido A. foi
condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, sob a forma
agravada, p.p. pelos artº 21º, nº 1, e 24º, c), do D.L. 15/93, de 22/1, na pena
de 8 anos de prisão.
Através de requerimento que deu entrada no tribunal em 30/5/2006, a advogada,
Drª B., renunciou ao mandato que lhe tinha sido conferido pelo arguido, sem
explicitar as razões dessa renúncia.
O arguido foi notificado da renúncia ao mandato em 9/6/2006, tendo em 27/6/2006,
vindo requerer a junção aos autos de procuração forense a favor da advogada Drª
C.
Em 11/7/2006, via fax, já patrocinado pela nova advogada constituída, o arguido
veio interpor recurso do acórdão condenatório proferido nos autos.
Este recurso não foi admitido com o fundamento de ter sido deduzido fora do
prazo legal.
O arguido reclamou deste despacho, alegando, além do mais, que a aplicação
stricto sensu do disposto no artº 39º, do C.P.C., em processo penal, põe em
causa o direito de defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso
consagrado no artº 32º, da C.R.P..
O Mmº Juiz “a quo” manteve o despacho reclamado.
Foi cumprido o disposto no art. 688º nº 4, 2ª parte, do CPC, “ex vi” do art. 4º
do CPP, tendo o Ministério Público respondido, pugnando pelo indeferimento da
reclamação.
Foi ordenada a subida dos autos de reclamação ao Tribunal da Relação de Évora,
onde o Exmº Juiz Desembargador, Vice-Presidente deste tribunal, proferiu
decisão que julgou improcedente a reclamação com os seguintes fundamentos:
“A questão que se discute na presente reclamação consiste em saber se a
renúncia ao mandato produz efeitos no decurso do prazo para interpor recurso do
acórdão condenatório.
O Código de Processo Penal no seu artigo 64º nº 1 al. d) estatui que é
obrigatória a assistência de defensor nos recursos ordinários ou
extraordinários.
Este diploma legal é totalmente omisso no que diz respeito à revogação e
renúncia do mandato. Face a tal omissão, e por força do disposto no seu artigo
4º, e na falta de disposições que permitam a analogia, devem observar-se as
normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta
delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal.
O Código do Processo Civil, no seu artigo 39º, regula a revogação e renúncia do
mandato da seguinte forma…
Como se pode observar, pela leitura da disposição legal transcrita, trata-se de
uma regulamentação bastante exaustiva e precisa que se harmoniza perfeitamente
com o processo penal, acautelando suficientemente os direitos de defesa do
arguido.
Nos termos desta disposição legal, cuja redacção foi introduzida pela reforma do
processo civil de 1995/1996, a renúncia ao mandato passou a produzir efeitos com
a notificação da renúncia ao mandante.
Notificada à parte a renúncia do mandatário deve considerar-se suspenso o prazo
de interposição do recurso, que voltará a correr logo que seja constituído novo
mandatário no prazo a que alude o nº 3 do citado artigo 39º do CPC, ou quando
ocorrer nomeação oficiosa nos termos do nº 4 do mesmo preceito.
No caso concreto estamos perante um acórdão que foi depositado na secretaria em
26/05/2006.
Assim, o prazo para a interposição do recurso iniciar-se-ia no dia seguinte à
data do respectivo depósito e terminaria em 12/06/2006.
Acontece que, através de requerimento que deu entrada no tribunal em 30/5/2006,
a advogada, Srª Drª B., renunciou ao mandato que lhe tinha sido conferido pelo
arguido.
O arguido foi notificado da renúncia ao mandato em 9/6/2006, tendo em 26/6/2006,
vindo requerer a junção aos autos de procuração forense a favor da advogada
Ex.ma Srª C..
Em 11/7/2006, via fax, já patrocinado pela nova advogada constituída, o arguido
velo interpor recurso do acórdão proferido nos autos.
Destes factos resulta que o prazo se suspendeu em 9/6/2006 (data em que ocorreu
a notificação da renúncia ao mandato) e voltou a correr em 26/6/2006 (data em
que foi constituído o novo mandatário).
Atendendo a que, nos termos do art. 411º do CPP, o prazo para interposição do
recurso é de 15 dias, constata-se que o recurso interposto em 11/7/2007 está
manifestamente fora de prazo”.
O arguido interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b), do nº 1, do artº 70º, da Lei da Organização, Funcionamento
e Processo do Tribunal Constitucional (doravante referida como LTC), nos
seguintes termos:
“O recorrente pretende que seja apreciada a inconstitucionalidade:
a) Do artigo 39º nº 2 do Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº
44129, de 28 de Dezembro de 1961, na redacção actualmente em vigor que lhe foi
dada pelo Decreto-Lei 180/96, de 25 de Setembro, enquanto considerado aplicável
ao processo penal nos termos do artigo 4º do Código de Processo Penal, aprovado
pelo Decreto-Lei 78/87, de 17 de Fevereiro, na interpretação que lhe foi dada
pelo Venerando Presidente desse Tribunal, no Despacho proferido na reclamação à
margem identificada, por entender que esse preceito, nessa interpretação, viola
o princípio constitucional de que o processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso (artigo 32º nº 1 da Constituição da
República Portuguesa).
O despacho do Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Évora interpretou
a norma do nº 2 do artigo 39º do Código de Processo Civil, no sentido de que a
mesma se harmoniza com os princípios do processo penal e que assim, ocorrendo
uma renúncia ao mandato no decurso do prazo de recurso de um acórdão
condenatório, os efeitos da mesma só se produzem com a sua notificação ao
mandante, só nessa data se suspendendo o referido prazo.
Esta inconstitucionalidade da norma interpretada neste sentido foi já
devidamente suscitada na reclamação apresentada ao Presidente do Venerando
Tribunal da Relação de Évora do despacho que não admitira o recurso interposto
pelo arguido ora recorrente”.
O arguido recorrente apresentou alegações de recurso com as seguintes
conclusões:
“1 – Nos presentes autos, a anterior mandatária do arguido ora Recorrente
renunciou ao mandato quando haviam decorrido 4 dias do prazo para apresentação
da motivação de recurso de acórdão condenatório, faltando, consequentemente,
decorrer 11 dias;
2 – O arguido veio a ser notificado dessa renúncia quando faltavam apenas 3 dias
para o final desse referido prazo de recurso;
3 – Constituiu nova mandatária dentro do prazo que lhe foi conferido para tal, a
qual subscreveu a motivação de recurso e apresentou no prazo de 15 dias contados
dessa constituição, por entender que o prazo para interposição e motivação do
mesmo, se havia interrompido com a renúncia ao mandato, e que, por conseguinte,
decorreria na íntegra após a sua constituição como mandatária.
4 – Entendemos que só esse entendimento assegura cabalmente todas as garantias
de defesa do arguido consagradas no processo penal e na Lei Fundamental.
5 – Porém, foi esse recurso rejeitado, por extemporaneidade da sua
apresentação.
6 – Ainda que entendendo não cumprir tão cabalmente esse desígnio, aceita-se que
se possa entender que o prazo não se interrompe com a renúncia ao mandato, mas
apenas se suspende, voltando a decorrer o que do mesmo restava.
7 – Mas também em conformidade com esse entendimento, o recurso foi tempestivo,
ainda que lançando mão da faculdade prevista no artigo 145º do Cód. Proc. Civil,
pois foi entregue no segundo dia útil subsequente ao termo do prazo.
8 – Pelo que não deveria ter sido rejeitado mas sim o recorrente notificado para
o pagamento da multa nos termos do nº 6 do mesmo artigo 145º;
9 – Apresentada a competente reclamação para o Presidente do Venerando Tribunal
da Relação da Évora foi a mesma indeferida, por se entender que, na falta de
preceito específico no Código de Processo Penal que regule a renúncia ao
mandato, se aplica o artigo 39 º nº 2 do Código de Processo Civil, nos termos do
qual os efeitos da renúncia ao mandato só se produzem com a sua notificação ao
mandante.
10 – De acordo com essa interpretação, e no caso concreto, restariam ao arguido
apenas 3 dias para apresentar a sua motivação de recurso, sendo de considerar
que a existência de um prazo, certo e conhecido atempadamente, é um elemento
essencial da própria defesa do arguido.
11 – A notificação ao mandante é um acto efectuado pela secretaria judicial pelo
que tal interpretação deixaria entregue ao livre arbítrio da mesma a maior ou
menor extensão de um prazo ou, até, a sua total inexistência.
12 – Pelo que tal preceito, na interpretação que foi feita, não se harmoniza com
os princípios do processo penal pois não assegura as garantias de defesa do
arguido, designadamente o direito ao recurso.
13 – Sendo assim, nessa interpretação, ferido de inconstitucionalidade por
violação do artigo 32º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
14 – Pelo que deve ser declarada a inconstitucionalidade material da norma do
artigo 39º nº 2 do Código de Processo Civil, enquanto aplicada ao processo
penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Venerando Presidente do Tribunal
da Relação de Évora”.
O Ministério Público apresentou contra-alegações, onde concluiu do seguinte
modo:
“1. Havendo renúncia ao mandato de advogado constituído, estando a decorrer o
prazo para interposição do recurso da decisão condenatória, não se afigura
passível de censura constitucional uma interpretação do artigo 39º, nº 2 do
Código de Processo Civil, que considere suspenso o citado prazo pelo período que
decorre entre a notificação de renúncia e a constituição de novo mandatário,
estando este ainda em tempo para interpor o respectivo recurso.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
*
Fundamentação
A questão decidenda é a de saber se a aplicação subsidiária do disposto no artº
39º, do C.P.C., em processo penal, com a interpretação de que a renúncia de
mandatário constituído do arguido, no decurso de prazo para recurso, só suspende
a contagem deste com a notificação da renúncia ao arguido, prosseguindo essa
contagem com a constituição de novo mandatário, viola o direito constitucional à
defesa do arguido, nomeadamente o direito ao recurso, consagrados no artº 32º,
nº 1, da C.R.P..
O direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente
proclamado, é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias
explicitadas nos diversos números do artº 32º, da C.R.P., mas também todas as
demais que decorram da necessidade de efectiva defesa do arguido.
Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal
equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve
actuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual
a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação,
de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade
de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas
interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de
defesa do arguido.
Uma das manifestações deste direito à defesa, actualmente (desde a Revisão de
1997) com consagração específica no texto constitucional (artº 32º, nº 1, in
fine) é o direito ao recurso.
De modo a garantir a possibilidade de defesa contra a prolação de decisões
injustas, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de as impugnar para um
segundo grau de jurisdição, delas recorrendo.
Mas, para que esta possibilidade seja efectiva, é necessário que as normas
processuais que regulamentam o direito ao recurso assegurem que o arguido
recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os
fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício
consciente, fundado e eficaz desse seu direito.
Neste domínio, entrelaça-se a aplicação de um outro direito constitucional
processual penal, que é o direito do arguido a ser assistido por defensor (artº
32º, nº 3, da C.R.P.).
Na verdade, atentas as especiais exigências técnico-jurídicas que presidem à
decisão sobre a eventual utilidade ou conveniência de interpor recurso e à
elaboração da sua motivação, a assistência do arguido por defensor tecnicamente
habilitado nesta fase é um elemento do núcleo essencial do seu direito de defesa
que deve ser assegurado pelo legislador ordinário, o que sucede no artº 64º, nº
1, d), do C.P.P..
Ponderadas estas considerações gerais, poderá dizer-se que estes direitos
constitucionais se mostrarão violados sempre que não se conceda um prazo
razoável ao arguido em processo penal para impugnar decisão relevante que o
afecte, devendo nesse período encontrar-se ininterruptamente assistido por
defensor tecnicamente habilitado.
Neste recurso está em questão a interpretação adoptada pela decisão recorrida do
regime da influência da renúncia do mandatário do arguido ao mandato que lhe
foi conferido por este, no decurso do prazo para interposição de recurso de
acórdão condenatório. Não importa saber se essa interpretação é a mais correcta
no plano infra-constitucional, mas sim se essa interpretação é tolerada pelas
enunciadas directrizes constitucionais.
Tendo a mandatária do arguido renunciado ao mandato em 30-5-2006, sem explicitar
as razões dessa renúncia, quando o prazo para este recorrer do acórdão que o
havia condenado na pena de 8 anos de prisão se havia iniciado em 27-5-2006, e
tendo o arguido sido notificado da renúncia em 9-6-2006, entendeu a decisão
recorrida, aplicando o disposto no artº 39º, do C.P.C., que aquele prazo apenas
se suspendeu com a notificação da renúncia ao mandato ao arguido, prosseguindo
a sua contagem com a constituição de novo mandatário. A decisão recorrida
contabilizou o prazo de recurso entre a data do depósito da sentença e a data da
notificação ao arguido da renúncia da sua mandatária, somando este período de
tempo ao que decorreu após a constituição de novo mandatário.
Da aplicação subsidiária do artº 39º, do C.P.C., ao processo penal, face à
inexistência de regulamentação específica, resulta que a renúncia ao mandato por
parte de advogado constituído pelo arguido não tem como consequência a imediata
extinção da relação de mandato e a consequente cessação das obrigações do
mandatário para com o seu cliente (artº 39º, nº 1, do C.P.C.), mantendo-se o
dever do mandatário renunciante prestar assistência ao mandante, o qual tem de
ser “pontual e escrupulosamente” cumprido, como impõe o artº 83º, do E.O.A..
Nos termos do nº 2, do artº 39º, do C.P.C., a renúncia só produz efeitos,
extinguindo a relação de mandato, com a sua notificação ao mandante, pelo que só
a partir da recepção da declaração de renúncia pelo arguido, cessam os deveres
do mandatário renunciante para com o seu cliente.
Assim, não se pode considerar que o arguido, entre a declaração de renúncia e a
sua recepção pelo destinatário, ficou desprovido de defensor. E, não constando
da declaração de renúncia as razões de tal atitude, também não é possível
ponderar se, a partir da emissão dessa declaração, a assistência ao arguido
ficou enfraquecida, de modo a considerar-se que deixou de estar assegurado o seu
direito a defender-se.
Após a constituição de novo mandatário pelo arguido é inequívoco que este passou
novamente a estar assistido por defensor, pelo que também a contagem do prazo de
recurso após este acto não ofende o direito de defesa do arguido.
Conclui-se, pois, que durante os dois períodos que a decisão recorrida
contabilizou, somando-os, para considerar decorrido o prazo de recurso, o
arguido esteve sempre devidamente assistido por defensor.
Resta agora saber se, tendo-se verificado uma mudança de defensor no decurso do
prazo de recurso, a necessidade de assegurar um efectivo direito de defesa ao
arguido se satisfaz com a concessão de um único prazo de recurso, a repartir
pelos sucessivos defensores, como sustentou a decisão recorrida.
Se, para assegurar um efectivo direito de defesa, é necessário que o arguido
esteja assistido por um defensor na fase de recurso, já não se revela um
requisito do núcleo essencial desse direito que a pessoa do defensor seja a
mesma durante o decurso do prazo de recurso.
A ponderação da decisão de recorrer e a elaboração da motivação do recurso, com
a inerente escolha das questões a suscitar, é um labor que, apesar de ter um
cunho pessoal, permite a transmissão pelo primitivo defensor para o novo
defensor do trabalho intelectual e material já desenvolvido.
O prazo para a interposição do recurso é atribuído ao arguido e não à pessoa do
seu defensor, não exigindo a necessidade de garantia de um efectivo direito ao
recurso em processo penal, que se concedam tantos prazos distintos quantos os
defensores que se sucedam na assistência ao arguido.
Se a mudança da pessoa do defensor, no decurso do prazo de recurso, é
susceptível de causar alguma perturbação ao exercício do respectivo direito, não
se pode dizer, numa visão geral e abstracta, que a manutenção, nesses casos, do
prazo único previsto na lei (15 dias) para a dedução do recurso penal, põe em
causa, de modo inadmissível, a possibilidade do arguido recorrer das decisões
que o afectam.
E se, no caso concreto, essa perturbação assumir uma dimensão tal que ponha em
causa uma real possibilidade de exercício do direito ao recurso, o regime
processual penal permite que o arguido invoque a figura do justo impedimento
(artº 107º, nº 2, do C.P.P.), para que possa exercer de modo efectivo o seu
direito ao recurso, nunca ficando a sua posição de sujeito processual
desprotegida.
É certo que este Tribunal já por duas vezes julgou inconstitucional a contagem
ininterrupta do prazo para interposição de recurso em casos em que ocorreu uma
substituição do defensor do arguido:
- No acórdão nº 39/04, de 14 de Janeiro de 2004 (pub. no D.R. II Série, de
20-2-2004), julgou-se “inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º 1, e
do princípio da segurança e da confiança jurídica, ínsito no princípio do Estado
de Direito consagrado no artigo 2º, ambos da Constituição da República
Portuguesa, a norma do n.º 1 do artigo 420º do Código de Processo Penal, na
interpretação segundo a qual é extemporâneo o recurso interposto pelo novo
defensor do arguido dentro do prazo reiniciado a partir da sua nomeação, depois
de ter sido proferido em 1ª instância despacho, não impugnado, a interromper o
anterior prazo de interposição de recurso, motivado por pedido de escusa do
anterior patrono deduzido na sua pendência”.
- No acórdão nº 159/04, de 17 de Março de 2004 (pub. no D.R. II Série,
23-4-2004), julgou-se “inconstitucional, por violação do disposto nos artº 20º,
nº 1, e 32º, nº 1, da C.R.P., a norma resultante da interpretação conjugada dos
artº 66º, nº 4, e 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o
prazo para interposição do recurso, de 15 dias, se conta ininterruptamente, a
partir da data do depósito da decisão na Secretaria, mesmo no caso de recusa de
interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja
substituição foi requerida, o que foi deferido por o tribunal a quo considerar
existir justa causa para essa substituição”.
Contudo, enquanto na primeira situação, o que pesou no julgamento de
inconstitucionalidade foi o facto do tribunal recorrido ter, anteriormente à
rejeição do recurso por extemporaneidade, proferido despacho, declarando
interrompido o respectivo prazo, donde resultou uma violação dos princípios da
segurança e da confiança jurídica, na segunda situação foi a desconsideração
pela decisão recorrida da circunstância do defensor substituído ter-se recusado
a interpor recurso que fundamentou o julgamento de inconstitucionalidade.
Em nenhuma destas decisões se entendeu que a contagem ininterrupta do prazo de
recurso, ocorrendo no seu decurso a substituição da pessoa do defensor do
arguido, só por si, violava qualquer directriz constitucional.
Ora, nenhuma daquelas circunstâncias, que foram decisivas para os julgamentos
acima referidos, se verifica no presente processo – a declaração de renúncia ao
mandato não explicitou as razões da mesma e nas instâncias nunca se declarou que
o prazo de recurso se havia interrompido.
Não se mostrando violados os direitos constitucionais do arguido à defesa,
nomeadamente ao recurso e à assistência por defensor (artº 32º, nº 1 e 3, da
C.R.P.), pela aplicação subsidiária do disposto no artº 39º, do C.P.C., em
processo penal, com a interpretação de que a renúncia de mandatário constituído
do arguido, no decurso de prazo para recurso, só suspende a contagem deste com a
notificação da renúncia ao arguido, prosseguindo essa contagem com a
constituição de novo mandatário, deve ser negado provimento ao recurso para este
Tribunal.
*
Decisão
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por
A. da decisão do Vice-Presidente da Relação de Évora de 27-11-2006.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta
(artº 6º, nº 1, do D.L. nº 303/98).
*
Lisboa, 16 de Maio de 2007
João Cura Mariano
Rui Pereira
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos