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Processo n.º 962/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª secção do Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. O Ministério Público interpôs recurso, ao abrigo da alínea
a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, da decisão proferida pelo Tribunal do
Trabalho de Setúbal, nos autos de processo especial por acidente de trabalho em
que figura como sinistrado A., que recusou aplicação, com fundamento em violação
do princípio da igualdade, à norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º do Código
das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro,
na medida em que dela resulta que, nas causas emergentes do acidente de
trabalho, o sinistrado que não seja representado ou patrocinado pelo Ministério
Público não goza de isenção de custas.
A decisão recorrida é, na parte que importa, do seguinte teor:
“(…)
Repensando, porém, a questão, oferece-nos dizer o seguinte:
A presunção de uma (eventual) situação de maior carência económica por parte dos
sinistrados subjacente à isenção consagrada quando representados pelo Ministério
Público mal se compreenderia e compatibilizaria com a solução legalmente vigente
nas demais acções laborais (que não infortunísticas) em que o trabalhador, não
obstante esse patrocínio, não goza de idêntica isenção.
Ora, tal leva-nos a concluir que, na verdade, não será essa presumida
incapacidade económica a razão justificativa da isenção consagrada no preceito
em questão. E, daí que a sua ratio apenas poderá assentar na natureza dos
interesses em discussão nos processos emergentes de acidente de trabalho, aliás
não apenas privados, mas também públicos (atente-se que se está perante direitos
de natureza indisponível e processos de natureza obrigatória) e na função social
dessa isenção, natureza e função essas que tanto se verificam, e de igual modo,
nos sinistrados patrocinados pelo Ministério Público, como nos patrocinados por
mandatário judicial.
E, nesta perspectiva, impressiona a argumentação aduzida no recurso, com a qual
se concorda, quando se refere que o acidente de trabalho, e suas consequências,
é sentido por igual forma por qualquer acidentado, independentemente do
patrocínio.
Por outro lado, e também independentemente de quem assegura o patrocínio, certo
é que, em ambas as situações, com o processo especial emergente de acidente de
trabalho visa-se o restabelecimento do estado de saúde do sinistrado, a sua
recuperação para a vida activa e a reparação da perda da sua capacidade de
trabalho (e, consequentemente, da sua capacidade económica).
Ou seja, e considerando a ratio da referida isenção, não vemos, na verdade, que
a mesma constitua diferente e válida justificação do diferente tratamento legal.
Por outro lado, atento o interesse, não apenas privado ou particular do
sinistrado em acidente de trabalho, mas também o de natureza ou ordem pública
que lhe subjaz e de onde decorre, designadamente, a indisponibilidade dos
respectivos direitos e a obrigatoriedade de acção, mal se compreenderia (nem se
compatibilizaria) que, por falta de cumprimento da legislação sobre custas,
designadamente no que se reporta à omissão de pagamento de taxas de justiça
inicial e subsequente, pudesse ver-se inviabilizado o andamento ou
prosseguimento de acção, declarativa ou executiva (cfr. quanto a esta,
designadamente, o disposto no art.º 90º nº 4 do CPT, emergente de acidente de
trabalho.
O princípio da igualdade constitucionalmente consagrado não impede um diferente
tratamento perante situações diferentes: no entanto, impede tal diferença
relativamente a situações idênticas ou que assentam em análogos pressupostos.
Afigura-se-nos, pois, que a norma constante do art° 2º nº 1 al. e) do CCJ, na
redacção introduzida pelo DL 324/03, de 27.12., na medida em que, consagrando
embora uma isenção de custas relativamente aos sinistrados em processos de
acidente de trabalho quando representados pelo Ministério Público, a não
consagra relativamente aos que sejam patrocinados por advogado é
inconstitucional por violação do principio da igualdade consagrado no artº 13º
nº 1 da CRP.
Poder-se-ia, eventualmente, dizer que a norma constante do preceito em questão,
na sua previsão de atribuição dessa isenção aos sinistrados representados pelo
Ministério Público, não seria, em si, inconstitucional, pois que
inconstitucional seria a não consagração de idêntico direito aos sinistrados não
representados por aquele. E, a assim se entender, estaríamos perante uma
inconstitucionalidade, não já por acção, mas por omissão, com as consequências,
tão-só, previstas no artº 283º da CRP. E se, porventura, assim se entendesse,
consideramos igualmente que não se poderia fazer apelo à pretendida consequência
da repristinação das normas por ela revogadas, pois que, como decorre do artº
282º nº 1 da CRP, tal apenas ocorre com a declaração de inconstitucionalidade
com força obrigatória geral.
Afigura-se-nos, no entanto e salvo melhor opinião, poder defender-se, com apelo
ao juízo de constitucionalidade que se impõe relativamente a sinistrados em
processos de acidente de trabalho sejam eles representados pelo Ministério
Público ou advogado, que a norma sob apreciação, na medida em que a restringe
aos representados por aquele (Ministério Público) é, nessa medida,
inconstitucional e devendo, em consequência e como requerido, ser desaplicado
(artº 204º da CRP) o segmento da mesma que condiciona essa isenção ao referido
patrocínio, solução esta que perfilhamos.
Mas, e ainda que, porventura, assim se não considerasse, sempre se poderia,
salvo melhor opinião, também entender serem inconstitucionais os preceitos do
Código das Custas Judiciais na interpretação segundo a qual impõem aos
sinistrados em processo especial emergente de acidente de trabalho, quando
representados por mandatário judicial, o pagamento de custas quando,
relativamente aos patrocinados pelo Ministério Público, os isentam desse
pagamento, por violação do citado princípio da igualdade.
Deste modo, e em face do exposto, entendemos ser de reparar o despacho
recorrido, substituindo por outro que, nos termos do mencionado juízo de
inconstitucionalidade, considera o sinistrado/Autor isento de custas, o que se
decide.”
2. O Ministério Público apresentou alegações em que sustenta
poderem formular-se duas questões de constitucionalidade em torno do regime
legal desaplicado pela decisão recorrida. A primeira consiste em saber se a
eliminação da isenção subjectiva incondicionada, que na versão anterior do
Código das Custas Judiciais era concedida ao trabalhador nos processos
emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional, viola alguma norma ou
princípio constitucional. A segunda é a de saber se viola o princípio da
igualdade a disparidade de tratamento que a lei estabelece conforme o
trabalhador seja ou não representado ou patrocinado pelo Ministério Público.
Quanto à segunda questão, o Ministério Público desenvolve
argumentação no sentido de que esta isenção de custas é explicável pela intenção
de evitar que as pessoas a que o Estado deve particular assistência e protecção
possam acabar por ser oneradas em função do resultado da acção, eventualmente
ligado à própria (in)eficácia da actuação processual do Ministério Público.
Assim, o regime que dispensa o trabalhador/sinistrado do pagamento de custas
quando seja o Ministério Público a representá-lo – actuação que visa realizar,
não apenas o interesse subjectivo do trabalhador sinistrado, mas o próprio
interesse, objectivo e público, na tutela e assistência adequada às vítimas de
acidentes laborais – e já não quando o trabalhador prescinde dessa representação
oficiosa estabeleceria uma distinção racionalmente fundada, não violando o
princípio da igualdade.
Mas, quanto à primeira questão, sustenta que a eliminação da
isenção subjectiva de que beneficiava o trabalhador/sinistrado não é compatível
com o direito fundamental que o artigo 59.º, nº 1, alínea f) da Constituição da
República Portuguesa concede aos trabalhadores que sejam vítimas de acidente
laboral, norma constitucional que impõe ao Estado a criação – e manutenção – de
instrumentos que assegurem uma adequada assistência e justa indemnização aos
trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional. Não
podendo impor-se aos trabalhadores sinistrados o “monopólio” ou exclusividade da
sua representação judiciária pelo Ministério Público (cfr. acórdão n.º 190/92),
será incompatível com tal direito fundamental passar a tributar os processos de
acidente de trabalho quando o trabalhador opte por exercer pessoalmente ou
através de advogado o que supõe ser o seu direito, colocando-o em risco de ter
de suportar as custas sempre que a pretensão deduzida não venha a obter total
provimento.
Tendo, em conformidade, concluído:
“1- É materialmente inconstitucional, por violação do direito à assistência e
justa reparação devida aos trabalhadores, vítimas de acidente laboral, o regime
normativo, constante do artigo 2º, nº 1, alínea e), do Código das Custas
Judiciais em vigor, segundo o qual não goza da isenção subjectiva o trabalhador
sinistrado, não representado ou patrocinado pelo Ministério Público, que – não
tendo requerido oportunamente apoio judiciário – venha a decair em processo
emergente de acidente de trabalho.
2- Termos em que deverá, embora por diferente fundamento jurídico –
constitucional confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado pela
decisão recorrida.”
Por seu turno, o recorrido (o trabalhador sinistrado) alegou e
concluiu nos seguintes termos:
“a) O Código de Custas Judiciais, ao limitar a isenção subjectiva de custas
concedida aos sinistrados num acidente de trabalho àqueles que sejam
patrocinados pelo Ministério Público, viola o princípio da igualdade
estabelecido no artº 13º da Constituição da República.
b) Já que nenhuma razão razoável e lógica se vislumbra, à luz dos princípios
constitucionais, para restringir tal benefício apenas a uns sinistrados do
trabalho, retirando-o a outros, quando é certo que se encontram todos numa mesma
situação de crise pessoal e social e com a mesma indispensabilidade de recurso
aos Tribunais.
c) Por outro lado, a disposição do Código de Custas Judiciais em causa, ao
estabelecer como traço distintivo de atribuição da isenção subjectiva de custas
o facto de se estar ou não representado pelo Ministério Público, vem também
limitar a liberdade de escolha de patrocínio, pois sobrecarrega com um ónus
material, que ao outro isenta, o patrocínio por advogado, condicionando, assim,
inequivocamente, o exercício de tal liberdade.
d) Por tal, o segmento da referida disposição legal no segmento em que restringe
só aos sinistrados patrocinados pelo Ministério Público o benefício de isenção
de custas, para além de violar o princípio da igualdade, violenta ainda o
princípio da livre escolha de patrocínio por advogado, inscrito no nº 2 do artº
20º da Constituição da Republica.
e) Desse modo, a douta decisão recorrida não merece qualquer censura pelo facto
de ter desaplicado, por considerá-lo materialmente inconstitucional, o segmento
das alíneas e) do nº 1 do artº 2º do Código de Custas Judiciais que limita a
isenção subjectiva de custas nela fixadas ao sinistrados laborais que estejam
representados pelo Ministério Público.”
II-Fundamentos
3. Dispõe o artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção resultante do
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro:
“Artigo 2.º
Isenções subjectivas
1 – Sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas:
(…)
e) Os sinistrados em acidente de trabalho e os portadores de doença profissional
nas causas emergentes do acidente ou da doença, quando representados ou
patrocinados pelo Ministério Público;
(…)”
Da taxatividade das isenções em matéria de custas e da
subordinação da isenção subjectiva em análise à condição de representação ou
patrocínio pelo Ministério Público, o despacho recorrido extraiu, a contrario, a
norma de sujeição a custas dos sinistrados que não sejam representados ou
patrocinados pelo Ministério Público, a que recusou aplicação por violação do
princípio da igualdade.
Este condicionamento (aliás, repetido para os “beneficiários legais” na alínea
seguinte do mesmo preceito legal) restringe, por comparação com o regime
anterior, o âmbito da isenção a favor dos sinistrados em acidentes de trabalho e
dos portadores de doença profissional, que até então beneficiavam sempre de
isenção de custas (absoluta ou não condicionada) nas causas emergentes do
acidente ou da doença. O legislador adoptou, quanto aos sinistrados e portadores
de doença profissional, o critério que, na versão anterior do Código das Custas
Judiciais, vigorava para a isenção subjectiva dos incapazes ou pessoas
equiparadas, cuja isenção era, já então, condicionada à representação pelo
Ministério Público (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea i) do CCJ, anteriormente às
alterações decorrentes do Decreto-Lei n.º 324/2003 que, aliás, eliminou essa
isenção).
4. O Tribunal teve já oportunidade de apreciar, no essencial,
a questão de constitucionalidade que no presente recurso se discute. Fê-lo no
acórdão n.º 109/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, em que estava
em causa a norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 8.º, alínea d),
e 2.º, n.º 1, alínea e), a contrario, ambos do Código das Custas Judiciais, na
medida em que prevêem a condenação em custas do trabalhador não patrocinado no
processo pelo Ministério Público no incidente de revisão de incapacidade e que
não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido
agravamento da incapacidade, considerando então como valor do incidente o valor
da pensão anteriormente fixada. Apesar de, para determinação do objecto do
recurso sobre que versou esse acórdão, ao preceito relativo à isenção se acoplar
o da determinação do valor do incidente, a argumentação aí mobilizada é
largamente transponível para a verificação de conformidade à Constituição da
norma aqui em causa. Está agora em análise a eliminação, em geral, da isenção de
custas nas causas emergentes de acidente de trabalho em que o sinistrado não
seja representado pelo Ministério Público, enquanto na situação apreciada pelo
acórdão n.º 109/2007, a questão resultava da tributação nas custas originadas
pelo decaimento num incidente típico. Mas, no que à subordinação da isenção ao
requisito da representação pelo Ministério Público respeita, o problema de
constitucionalidade é o mesmo, sendo gerado pela norma comum nos dois recursos,
a norma de isenção constante da alínea e) do n.º1 do artigo 2.º, sem
interferência do disposto na alínea d) do artigo 8.º do Código das Custas
Judiciais.
5. Disse o Tribunal nesse acórdão, apreciando a violação do princípio da
igualdade:
“1.Centremo-nos, para já, no confronto da norma referida com o princípio da
igualdade, que constitui um dos fundamentos do juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida – assente, recorde-se, na violação da “imposição
constitucional da igualdade de tratamento (artigo 13.º, n.º 2, da CRP), além da
violação do direito à assistência das vítimas de acidente de trabalho (artigo
59.º, n.º 1, alínea f), da CRP) e da igualdade de exercício do patrocínio
forense enquanto essencial à administração da justiça (artigo 208.º da CRP)”.
Entende-se, porém, que a isenção de custas do trabalhador sinistrado, nos casos
em que o mesmo seja representado pelo Ministério Público (não sendo esta,
advirta-se, a situação dos autos) não viola o princípio da igualdade, consagrado
no artigo 13.º da Lei Fundamental, na comparação entre os trabalhadores que
beneficiam do patrocínio do Ministério Público em contraste com os que dele não
beneficiam.
Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, “o princípio da igualdade, como
parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito
infra-constitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam
objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes
tenham, por sua vez, tratamento diferenciado”; mas “tal não significa (...) que
não exista uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias
soluções concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade
de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma
solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos
semelhantes”, desde que seja “identificável um outro valor, também ele com
ressonância constitucional, que imponha ou, pelo menos, justifique e torne
razoável a diferenciação” (cf. Acórdão n.º 113/2001, publicado no Diário da
República, II Série, de 24 de Abril de 2001).
Ora – pode dizer-se –, o patrocínio do Ministério Público tem características
que o distinguem do patrocínio por advogado ou da não constituição de advogado,
uma vez que o Ministério Público exerce um papel legalmente vinculado, por um
lado, à defesa das pessoas a que o Estado deve, por imperativo constitucional,
especial protecção e, por outro, aos critérios de legalidade e objectividade que
são suporte de toda a sua actividade, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do
Estatuto do Ministério Público.
Onde, a propósito do regime de custas nos tribunais, deverão relevar situações
diferenciadas, objectiva ou subjectivamente, hão-de ser estabelecidas, por opção
do legislador, no exercício da sua liberdade de conformação (e com respeito pelo
princípio da igualdade), as excepções ao princípio geral de que os sujeitos
processuais estão sujeitos ao pagamento de custas. Correspondendo ou não à
melhor solução – aspecto que não cabe ao Tribunal Constitucional avaliar –, a
distinção de tratamento do trabalhador, consoante se apresente ou não
representado pelo Ministério Público, é, assim, susceptível de encontrar um
fundamento razoável, justamente, nos parâmetros que devem guiar a actuação deste
último.”
Como começou por dizer-se, estas razões, que se acompanham,
valem nos mesmos termos quanto à norma aqui em apreciação porque a questão é
rigorosamente a mesma: a diferenciação entre sinistrados, para efeitos de
custas, em função de serem ou não representados ou patrocinados pelo Ministério
Público nas causas emergentes do acidente de trabalho ou doença profissional.
Apenas se acrescenta, acolhendo a argumentação do Ministério Público, que a
conformação desta isenção é também explicável pelo objectivo de obstar a que as
pessoas cuja representação ou patrocínio o Ministério Público assume
oficiosamente, i.e., sem necessidade de prévia solicitação dos interessados
(cfr. artigo 119.º do Código de Processo do Trabalho), venham a ser oneradas em
função do resultado de tal actuação, eventualmente ligado à menor proficiência
ou a contingências do desempenho da entidade que assume o patrocínio, para que
os interessados podem não ter contribuído e, em todo o caso, não dominam. O
legislador entendeu prevenir o risco de o sinistrado suportar um encargo de
custas em cuja génese está uma actuação de um órgão do Estado cuja quota-parte
de responsabilidade na iniciativa ou na condução da actividade processual de que
resulta a condenação é dificilmente determinável. Diversamente, se o sinistrado
constitui mandatário e age em juízo representado por este, o decaimento na
actividade processual subsequentemente desenvolvida é sempre referível a essa
escolha, para efeitos da tributação em custas de acordo com os princípios que
regem tal condenação (artigo 446.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Também este é um elemento que torna a diferenciação de tratamento razoável e
racionalmente fundada num factor que não é arbitrário, o que basta, recordando
que, neste momento, apenas interessa confrontar a solução normativa questionada
com o princípio geral da igualdade consagrado no n.º 1 do artigo 13.º da
Constituição, para que não possa acompanhar-se o despacho recorrido, que funda a
recusa de aplicação da norma em causa em violação do referido princípio.
6. Importa, então, verificar se, não sendo inconstitucional
pela razão invocada pelo tribunal a quo, o condicionamento de isenção de custas
o será face a outras normas ou princípios constitucionais (cfr. artigo 79.º-C da
LTC), designadamente àqueles cuja violação lhe é imputada pelo Ministério
Público (artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da CRP: direito dos trabalhadores a
assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho e doença
profissional) e pelo recorrido (artigo 20.º, n.º 2, da CRP: direito a constituir
advogado).
O Ministério Público sustenta que a norma questionada é inconstitucional, na
medida em que violaria o direito dos trabalhadores, a “assistência e justa
reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”,
consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
Continuando a acompanhar o acórdão n.º 109/2007, entende-se que tal imputação de
inconstitucionalidade é improcedente, não podendo a sujeição a custas
considerar-se, só por si, violadora desse direito.
Como aí se ponderou:
“A respeito deste direito, afirmou-se no Acórdão n.º 599/04 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt):
‘[…]
A norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, prevendo um
direito (com a configuração dos direitos económicos, sociais e culturais), não
contém uma garantia de um direito a uma prestação por parte do Estado, em todos
os casos de acidentes de trabalho ou doença profissional. Aquele está vinculado
a prever, por via legislativa, a obrigação de reparação e a assistência, nestes
casos, por parte da entidade patronal (ou de outra entidade que se lhe
substitua), podendo, mesmo, admitir-se que a introdução de um sistema de
garantia estatal do pagamento das referidas indemnizações por acidentes de
trabalho resulta, ainda, da satisfação deste dever de protecção.
Mas o âmbito deste sistema de garantia podia ser determinado pelo Estado, em
consonância com a avaliação das respectivas possibilidades e das necessidades
[…]. Isto, em consonância com a subordinação da concretização dos direitos
sociais em questão a uma apreciação, de natureza fundamentalmente política, dos
meios disponíveis e das necessidades existentes (como se exprime na fórmula da
sujeição desses direitos a uma “reserva do possível”).
[…]
É certo que o preceito da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição
impõe ao Estado a criação de instrumentos que assegurem uma adequada assistência
e uma justa reparação aos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho – cfr. o
Acórdão n.º 150/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, em que se
ponderou que a existência de um regime excepcional de responsabilidade civil no
que aos acidentes de trabalho diz respeito aparece como plenamente justificada,
tendo em consideração a dimensão social de que se reveste a regulação jurídica
das matérias laborais, à luz da necessidade de estabelecer regimes que assegurem
uma adequada protecção dos trabalhadores, designadamente perante as respectivas
entidades patronais, e, entre outros, o Acórdão n.º 578/2006, igualmente
disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que julgou inconstitucional, por
violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do artigo
56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada
no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30% ou por morte. Mas, devendo tal direito ser perspectivado à luz
do direito à segurança social (neste sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa anotada, tomo I, anotação VIII ao artigo 59.º, p. 611),
não se concebe como inconciliável com tal preceito constitucional fazer recair
sobre o trabalhador sinistrado, na situação específica do incidente de revisão
da incapacidade, o pagamento das custas em caso de indeferimento do incidente
por ele requerido.
A imposição do pagamento de custas não viola, pois, só por si, o direito dos
trabalhadores vítimas de acidente de trabalho a assistência e a uma justa
reparação.”
Acompanha-se este entendimento, de que resulta não poder
configurar-se a isenção de custas como integrando o conteúdo mínimo ou
constitucionalmente necessário do direito social em causa, pelo que igualmente
se considera que o condicionamento da isenção aos casos de patrocínio pelo
Ministério Público – pelo reverso, a não isenção no caso de o trabalhador
sinistrado optar por fazer-se representar por advogado – não viola a alínea f)
do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
7. Esta conclusão não é abalada pelo facto de a norma em causa
ter por efeito diminuir o alcance da isenção subjectiva de custas de que, pelo
regime anteriormente vigente, beneficiavam os trabalhadores que se reclamem
vítimas de acidente de trabalho ou doença profissional, isto é, mesmo que
perspectivada a questão à luz do princípio da proibição do retrocesso social.
(Isto para quem entenda que a Constituição consagra um tal princípio, como
parece inferir-se da posição do Ministério Público ao salientar o dever de
manutenção de instrumentos que assegurem uma adequada assistência e justa
reparação. Para quem entenda que a afirmação de um tal princípio é, ao menos num
domínio tão vasto como a dos direitos sociais, incompaginável com a liberdade
constitutiva e a auto-revisibilidade típicas da função legislativa decorrentes
do princípio da alternância democrática, ou que a alínea f) do n.º 1 do artigo
59.º da Constituição apenas abrange os aspectos materiais da situação
infortunística, o problema não se coloca).
Acerca deste princípio afirmou-se no acórdão n.º 509/2002,
Diário da República, I Série-A, de 12 de Fevereiro de 2003, em que o Tribunal
procedeu à apreciação da constitucionalidade de norma relativa à substituição do
rendimento mínimo garantido pelo rendimento social de inserção, o seguinte:
“9 Embora com importantes e significativos matizes, pode-se afirmar que a
generalidade da doutrina converge na necessidade de harmonizar a estabilidade da
concretização legislativa já alcançada no domínio dos direitos sociais com a
liberdade de conformação do legislador. E essa harmonização implica que se
distingam as situações.
Aí, por exemplo, onde a Constituição contenha uma ordem de legislar,
suficientemente precisa e concreta, de tal sorte que seja possível «determinar,
com segurança, quais as medidas jurídicas necessárias para lhe conferir
exequibilidade» (cfr. Acórdão nº 474/02, ainda inédito), a margem de liberdade
do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido é necessariamente
mínima, já que só o poderá fazer na estrita medida em que a alteração
legislativa pretendida não venha a consequenciar uma inconstitucionalidade por
omissão – e terá sido essa a situação que se entendeu verdadeiramente ocorrer no
caso tratado no já referido Acórdão nº 39/84.
Noutras circunstâncias, porém, a proibição do retrocesso social apenas pode
funcionar em casos-limite, uma vez que, desde logo, o princípio da alternância
democrática, sob pena de se lhe reconhecer uma subsistência meramente formal,
inculca a revisibilidade das opções político-legislativas, ainda quando estas
assumam o carácter de opções legislativas fundamentais.
Este Tribunal já teve, aliás, ocasião de se mostrar particularmente restritivo
nesta matéria, pois que no Acórdão nº 101/92 (Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 21º vol., págs. 389-390), parece ter considerado que só
ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem
diminuídos ou afectados «direitos adquiridos», e isto «em termos de se gerar
violação do princípio da protecção da confiança e da segurança dos cidadãos no
âmbito económico, social e cultural», tendo em conta uma prévia subjectivação
desses mesmos direitos. Ora, no caso vertente, é inteiramente de excluir que se
possa lobrigar uma alteração redutora do direito violadora do princípio da
protecção da confiança, no sentido apontado por aquele aresto, porquanto o
artigo 39º do diploma em apreço procede a uma expressa ressalva dos direitos
adquiridos.
Todavia, ainda que se não adopte posição tão restritiva, a proibição do
retrocesso social operará tão-só quando, como refere J.J.Gomes Canotilho, se
pretenda atingir «o núcleo essencial da existência mínima inerente ao respeito
pela dignidade da pessoa humana», ou seja, quando «sem a criação de outros
esquemas alternativos ou compensatórios», se pretenda proceder a uma «anulação,
revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial». Ou, ainda, tal
como sustenta José Carlos Vieira de Andrade, quando a alteração redutora do
conteúdo do direito social se faça com violação do princípio da igualdade ou do
princípio da protecção da confiança; ou, então, quando se atinja o conteúdo de
um direito social cujos contornos se hajam iniludivelmente enraizado ou
sedimentado no seio da sociedade. ”
Este entendimento foi retomado no acórdão n.º 590/2004, Diário da República, II
Série, de 3 de Dezembro de 2004, em que o Tribunal apreciou a revogação dos
regimes de crédito bonificado para habitação.
Ora, por um lado, de modo algum pode considerar-se que da Constituição resulte
uma ordem de legislar, concreta e precisa, de forma a identificar a isenção de
custas como um dos instrumentos que o legislador deva utilizar na concretização
do referido preceito constitucional. E, por outro, resulta de tudo o que já se
disse que a tributação em custas do trabalhador que decaia em pretensão judicial
emergente de acidente de trabalho e doença profissional não colide com o núcleo
essencial do referido direito fundamental à “assistência e justa reparação”,
ainda que por estes conceitos se considere abrangidos não só a exigência de um
conteúdo material que lhes dê efectividade, mas também a eliminação dos aspectos
processuais ou com estes conexos que possam inibir o trabalhador de pugnar pela
sua defesa.
8. Por último, cumpre apreciar a argumentação do recorrido no sentido de que a
norma em causa, ao restringir a isenção de custas aos casos em que o sinistrado
é patrocinado pelo Ministério Público, viola o n.º 2 do artigo 20.º da
Constituição, ofendendo o “princípio da liberdade de escolha de patrocínio por
advogado” (conclusões c), d) e e) das alegações do recorrido).
Importa começar por referir que a existência, no domínio dos litígios relativos
a acidentes de trabalho, de um regime de representação oficiosa pelo Ministério
Público não impede os trabalhadores de constituir e fazer-se representar por
advogado, nos termos gerais, cessando, com isso, aquela representação (cfr.
artigos 9.º e 119.º do Código de Processo do Trabalho). Nem os impede de
recorrer ao patrocínio oficioso, assegurado por advogado, no âmbito do regime
geral de apoio judiciário, se reunirem as condições legais para beneficiar desse
regime (cfr. acórdão n.º 190/92, publicado no Diário da República, II Série, de
18 de Agosto de 1992).
Aliás, estes são aspectos não contestados. O que o recorrido invoca, em reforço
da decisão de recusa de aplicação da norma em causa, é que esse regime, na
medida em que onera economicamente uma das alternativas, isentando a outra,
afecta a liberdade de escolha de patrocínio
Sem razão, porém.
É certo que este Tribunal tem reconhecido na dimensão jusfundamental do direito
ao patrocínio judiciário o direito de escolher o advogado, sem prejuízo das
limitações que sejam estabelecidas por lei que respeite os requisitos a que
devem obedecer as leis restritivas (cfr. acórdão n.º 254/98, publicado no Diário
da República, II Série, de 6 de Novembro de 1998). Considera-se esse direito
incluído no n.º 2 do artigo 20.º da Constituição, base a que poderia
acrescentar-se, ou com que poderia combinar-se, o disposto no artigo 208.º da
Lei Fundamental.
Como se disse no acórdão n.º 504/96, publicado no Diário da República, II
Série, de 4 de Julho de 1996:
“Embora o nº 2 do art. 20º da Constituição não delimite o âmbito do direito ao
patrocínio judiciário e remeta para a lei a sua concretização, afigura-se
incontestável que esse direito [incluindo o direito à informação jurídica] só
terá um mínimo de substância na medida em que abranja a possibilidade de
recurso, em condições acessíveis, a serviços públicos (ou de responsabilidade
pública) de informação jurídica, bem como de recurso a patrocínio jurídico,'
sob pena de não passar de um «direito fundamental formal»' (Gomes Canotilho e
Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3º ed., Coimbra,
1993, pág. 163).
O direito ao patrocínio judiciário - seja ao patrocínio remunerado pelo próprio
patrocinado, seja o patrocínio oficioso garantido pelo Estado no âmbito do
instituto do apoio judiciário - começou, historicamente, a ter garantia
constitucional no domínio do processo penal (6º Aditamento à Constituição dos
Estados Unidos da América - cfr. Mauro Cappelletti e William Cohen, Comparative
Constitutional Law-Cases and Materials, Indianapolis, Nova Iork e
Charlottesville, 1979, págs.388 e segs.; Sevine Eremann, The Right to Counsel in
the Practice of the U.S. Supreme Court and the European Organs of Human Rights,
in M. Novak e outros, Festschrift für Felix Ermacora, Kehl, Estrasburgo,
Arlington, 1988, págs. 152 e seguintes). A evolução subsequente tem-se feito de
forma a alargar o direito ao patrocínio a todas as instâncias judiciais e de
resolução de conflitos. Os grandes instrumentos internacionais em matéria de
direitos fundamentais do pós-guerra passaram também a prever a concessão aos
arguidos de todas as garantias necessárias de defesa, incluindo o direito ao
patrocínio através de advogado (the right to counsel - cfs. art. 11º, nº 1, da
DUDH; art. 14º, nº 3, alínea b), do Pacto Internacional sobre os Direitos Civís
e Políticos; art. 6º, nº 3, alínea c) da CEDH)”.
Todavia, a norma em causa não faz depender de qualquer condição, e muito menos
restringe, a faculdade de o trabalhador sinistrado se fazer representar por
advogado de sua escolha.
É certo que o facto de a isenção de custas somente abranger a hipótese de o
patrocínio estar a cargo do Ministério Público pode constituir economicamente um
contra-motivo para a alternativa de constituição de mandatário forense, na
medida em que essa opção vai implicar, além dos eventuais encargos com
honorários do mandatário forense, a sujeição ao regime geral de tributação em
custas. Mas trata-se de um condicionamento meramente fáctico que não limita
juridicamente o leque de opções, conservando o interessado inteira liberdade de
constituir mandatário forense, pondo termo à representação ou patrocínio
oficioso pelo Ministério Público (cfr. artigos 9.º e 119.º do Código de Processo
do Trabalho), consoante as avaliações que faça das suas conveniências e
possibilidades.
E não pode dizer-se que a faculdade de opção se torna, nessas circunstâncias,
uma “alternativa vazia”, porque o efeito da norma é somente a sujeição ao regime
geral de custas para o sinistrado que prefira não ser patrocinado pelo
Ministério Público e está sempre ressalvada a possibilidade de dispensa do
respectivo pagamento no quadro do regime de apoio judiciário.
Tanto basta para também não considerar que o segmento
normativo em apreciação infrinja o n.º 2 do artigo 20.º da Constituição,
improcedendo as conclusões do recorrido nesse sentido.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, ordenando a reforma da
decisão recorrida em conformidade com o agora decidido quanto à questão de
constitucionalidade.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Maio de 2007
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão