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TÍTULO - assento nº 10/2000
Processo nº 203/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - D..., identificado nos autos, foi acusado, no Tribunal Judicial da comarca de Barcelos, pela prática, em autoria material, de um crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 11º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, e
313º, nº 1, do Código Penal.
A magistrada judicial respectiva, por despacho de 31 de Janeiro último, considerando que o crime se terá consumado em 23 de Maio de
1994, entendeu que 'o ilícito criminal em causa, face à redacção do artigo 11º do Decreto-Lei nº 454/91, com referência ao artigo 217º, nº 1, do CP de 95, e face à redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 316/97, de 19 de Novembro, este último aplicável in casu por força do disposto no artigo 2º, nº 4, do CP, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa'.
Assim, nos termos do artigo 118º, nº 1, alínea c), do mesmo Código, o prazo de prescrição (do procedimento criminal) é de 5 anos.
O arguido, por despacho de 18 de Maio de 1995, foi, no entanto, declarado contumaz, situação que perdura até hoje.
Face a essa situação, e procedendo à aplicação do 'assento' nº 10/2000 (publicado no Diário República, I Série-A, de 10 de Novembro de 2000) o prazo prescricional encontra-se suspenso.
Não obstante, a magistrada judicial em causa não observou o disposto no artigo 119º, nº 1, do Código Penal (de 1982), com a interpretação que lhe foi dada por aquele acórdão de uniformização de jurisprudência, por entender que a norma daí resultante é inconstitucional, uma vez que viola o disposto nos nºs. 1 e 3 do artigo 29º da Constituição da República (CR).
Em consequência, ao verificar que o referido prazo de 5 anos já decorreu, sem que tenha havido qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição, declarou extinto o procedimento criminal, nos termos do nº 1 do artigo 118º do Código Penal.
2. - Da decisão proferida foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, pelo magistrado do Ministério Público competente, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Pretende-se, deste modo, obter a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 119º, nº 1, do Código Penal (de
1982), com a interpretação feita pelo 'assento' do Supremo Tribunal de Justiça nº 10/2000.
O recurso foi admitido, em decisão que, porém, não vincula este Tribunal: nº 3 do artigo 76º daquela Lei nº 28/82.
Notificados os interessados para alegações, apenas o Ministério Público alegou, suscitando a questão prévia da inadmissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional.
Concluiu, assim, para o efeito:
'1- Tendo a decisão recorrida, proferida pelo juiz singular de 1ª instância e normalmente impugnável, nos termos das ‘disposições gerais’ do Código de Processo Penal, desaplicado a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão uniformizador nº 10/00, tem cabimento a interposição de recurso obrigatório, nos termos previstos no artigo 446º do Código de Processo Penal, que neste caso, se configura como ‘recurso ordinário’
2- Tal recurso tem imperativamente prioridade sobre o recurso de fiscalização concreta interposto nos autos, já que – face ao estatuído no nº 5 do artigo 70º da Lei nº 28/82 – não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da lei que regula o ‘processo-pretexto’.
3- Sendo certo que tal recurso – a que tem de conferir-se necessário prioridade sobre os recursos para o Tribunal Constitucional – é ainda possível, por o respectivo prazo de interposição se iniciar, nos termos do artigo 80º, nº 4 da Lei nº 28/82, com o trânsito em julgado da decisão que não admita o recurso de fiscalização concreta interposto.
4- Termos em que – por força do estatuído no citado nº 5 do artigo 70º - não poderá conhecer-se do objecto do presente recurso.'
Cumpre apreciar e decidir.
II
1. - O Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 19 de Outubro de
2000, fixou jurisprudência, nos termos do artigo 437º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Penal, tendo em conta as soluções opostas adoptadas quanto à mesma questão de direito – relativa à suspensão da prescrição do procedimento criminal em consequência da declaração de contumácia.
E fê-lo no seguinte sentido:
'No domínio da vigência do Código Penal de 1982 e do Código de Processo Penal de
1987, a declaração de contumácia constitui causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal.'
O acórdão foi publicado no Diário da República, I Série-A, de
10 de Novembro de 2000.
Ora, como se retira do já exposto, a decisão recorrida recusou aplicar o disposto na norma do artigo 119º, nº 1, do Código Penal de
1982, com a interpretação dada pelo acórdão de uniformização de jurisprudência em causa, por alegada inconstitucionalidade da mesma.
Compreende-se, por conseguinte, a interposição do recurso de constitucionalidade pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da citada Lei nº 28/82.
Importa, no entanto, abordar previamente a questão da oportunidade do seu conhecimento.
2. - Com efeito, nos termos do nº 5 do artigo 70º deste diploma, não
é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respectiva lei processual.
Nos presentes autos, a decisão recorrida, uma vez que afastou a aplicação do 'assento' nº 10/2000 por inconstitucionalidade, ficou sujeita a recurso obrigatório por parte do Ministério Público, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 446º do Código de Processo Penal.
Sucede que este diploma qualifica de extraordinário um tal recurso – no sentido de que é interposto após o trânsito em julgado da decisão recorrida –, colocando assim o problema de saber se este caso está ou não abrangido pelo citado nº 5 do artigo 70º.
3. - A questão foi recentemente apreciada e decidida pelos acórdãos nºs. 281/01 e 282/01, ainda inéditos, ambos de 26 de Junho último.
Neles se escreveu, a certo passo:
'[...] cabe averiguar se a razão que justifica o regime previsto neste nº 5 [do artigo 70º] – apenas recorrer para o Tribunal Constitucional da decisão que proferir a última palavra na ordem dos tribunais que julgaram a causa – ocorre no caso presente, e, em caso afirmativo, se deve prevalecer não obstante se tratar, por um lado, de um recurso interposto ao abrigo do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e, por outro, de um recurso obrigatório extraordinário.
É sabido que a Lei nº 28/82 apenas impõe a prévia exaustão das vias de recurso no âmbito dos recursos interpostos ao abrigo do disposto nas als. b) e f) do nº
1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, ou seja, interpostos de decisões que aplicaram norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade foi suscitada durante o processo; e que, diferentemente, abre recurso directo para o Tribunal Constitucional de decisões não definitivas (ainda susceptíveis de recurso ordinário) de recusa de aplicação de normas, pelos mesmos motivos, como é o caso presente. Ora, quer num caso, quer no outro, a não ser interposto previamente o recurso obrigatório dentro da ordem a que pertence o tribunal que julgou a causa, pode vir a subsistir uma decisão sujeita a recurso obrigatório que versa exactamente sobre a norma julgada pelo Tribunal Constitucional; e o problema põe-se da mesma forma quando é o recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal que está em causa, apesar de ser qualificado por lei como recurso extraordinário. Vejamos o caso, precisamente, do recurso imposto por este preceito. A ser julgado primeiro o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por recusa de aplicação de uma norma, se o Tribunal Constitucional confirmar o juízo de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, subsiste uma decisão contrária a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça – logo, ainda sujeita a recurso obrigatório, que não pode deixar de ser interposto. Interposto esse recurso – e vamos admitir que chegamos ao Supremo Tribunal de Justiça –, este Tribunal, para respeitar o caso julgado formado no processo sobre a questão de constitucionalidade, nos termos do disposto no nº 1 do artigo
80º da Lei nº 28/82, tem de alterar a orientação jurisprudencial que definiu, revendo o assento, sem ter tido a oportunidade de se pronunciar sobre a decisão que recusou a respectiva aplicação por inconstitucionalidade. Do ponto de vista das relações institucionais entre o Supremo Tribunal de Justiça e o Tribunal Constitucional, há-de concordar-se não ser esta a melhor solução. Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 9º do Código Civil, o intérprete há-de presumir, ao fixar o sentido da lei, que o legislador consagrou a solução mais acertada. E essa directriz leva-nos a não distinguir, para efeitos de aplicação do disposto no nº 5 do artigo 70º da Lei nº 28/82, entre recursos ordinários e o recurso previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal.'
4. - Em face da argumentação transcrita decidiu-se, então, não conhecer do objecto do recurso, 'por não ter sido previamente interposto o recurso obrigatório previsto no artigo 446º do Código de Processo Penal'.
O caso dos presentes autos é em tudo idêntico aos versados naqueles arestos, devendo ser decidido com fundamentação similar que, como tal, se reproduz.
III
Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Lisboa, 10 de Julho de 2001 Alberto Tavares da Costa Messias Bento José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida