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Processo n.º 347/00
2ª SecçãoRelator – Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Em 6 de Maio de 1999, H... e J... intentaram, separadamente, no Tribunal de Trabalho de Santarém, acções emergentes de contrato individual de trabalho, com processo sumário, contra O..., S.A., pretendendo obter desta o pagamento das importâncias correspondentes aos dias de faltas, consideradas justificadas por exercício de actividade sindical na direcção local de Azambuja do Sindicato S..., nos anos de 1996, 1997, 1998 e 1999, e ainda o pagamento do subsídio de assiduidade perdido nos meses dessas faltas. Apensados os processos, nos termos admitidos no artigo 30º do Código de Processo Civil, veio a ser proferida sentença, em 1 de Outubro seguinte, considerando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido. Entendeu-se nessa decisão que 'a questão essencial a resolver no âmbito dos pedidos formulados pelo autores é a de saber se estes, enquanto dirigentes sindicais (membros de um órgão do S...) têm direito a remuneração em dias de exercício de funções ligadas ao sindicato, não obstante não exercerem nesses dias actividade ao serviço da empresa', concluindo-se que, face à lei sindical, existem duas realidades distintas: a de dirigentes sindicais e a de membros da direcção, e que os autores, muito embora membros da direcção local de Azambuja do Sindicato S..., não integravam 'os
órgãos centrais executivos ou de direcção do sindicato', pelo que, sendo certamente dirigentes sindicais, não eram membros de direcção, na acepção da lei. Inconformados, os autores apresentaram recurso para o Tribunal da Relação de
Évora, alegando, em suma, serem membros da direcção do sindicato identificado, na sua versão local, uma vez que em tal sindicato, 'no exercício da liberdade e autonomia sindicais legal e constitucionalmente reconhecidas' a direcção
'atendendo à àrea geográfica que abrange e âmbito objectivo, se desdobra em central e locais', acrescentando, no que ora importa:
'assim não tendo sido entendido, violou a douta sentença recorrida a Convenção
87 da OIT, ratificada pela Lei 45/77, de 7/7 e os arts. 3º, 6º e 37º da Lei das Associações Sindicais aprovada pelo D.L. 215-B/75, de 30 de Abril, e violou ainda na interpretação e aplicação que faz do artigo 22º da referida Lei Sindical o art. 55º, ns. 4 e 6 da Constituição da República Portuguesa, pelo que estaria sempre ferida de inconstitucionalidade material.'
2. No acórdão de 14 de Março de 2000 do Tribunal da Relação de Évora considerou-se, designadamente, que:
'No sindicato em causa o único órgão com funções de direcção da associação sindical é a direcção central (a qual compreende uma comissão executiva, como resulta dos artigos 53º e 56º dos estatutos) e por isso só os elementos que a integram beneficiam do regime estabelecido no art. 22º da Lei Sindical. Trata-se de um regime excepcional estabelecido para tais elementos que, por razões das suas funções, o legislador considerou que estarão particularmente sujeitos a uma maior solicitação do organismo para que foram eleitos. Tal é o entendimento que melhor se adapta ao texto da Lei Sindical e, em nosso ver, não colide com os direitos e garantias reconhecidos pela Constituição da República Portuguesa, nomeadamente com o princípio da liberdade sindical, em qualquer das suas vertentes como previsto no art. 55º da Lei Fundamental. Não se vê, aliás, como o direito que se discute na acção (ou o não reconhecimento dele) pode contender com aquele princípio; de facto, reconheça-se ou não o direito ao crédito de quatro dias por mês sem perda de retribuição
[previsto no nº2 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril], mas possibilitando-se que as faltas dadas pelo exercício de funções em associações sindicais sejam justificadas, não fica ferido o princípio da liberdade sindical, seja quanto à sua organização e regulamentação interna, seja quanto ao exercício da actividade sindical na empresa ou ao direito de tendência.' Em consequência, confirmou-se 'a sentença recorrida na parte em que absolveu a Ré do pedido quanto à remuneração dos dias de faltas justificadas que os Autores deram por motivo de exercício de actividade sindical.' Já considerando a questão do prémio de antiguidade o Tribunal da Relação decidiu a favor dos autores, uma vez que o regulamento interno onde este estava previsto, 'ao estabelecer que não conta para o somatório dos tempos perdidos o tempo despendido no desempenho de funções em «órgãos representativos dos trabalhadores», dispôs por forma a abranger qualquer tipo de órgão e não apenas os órgãos de direcção, orientando-se num sentido mais abrangente do que estabelece o art. 22º da Lei Sindical.' Condenou, assim, a ré, ao pagamento dos prémios de antiguidade devidos aos autores, acrescidos de juros de mora.
3. Os autores interpuseram então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, para
'ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do art. 22º da Lei das Associações Sindicais, aprovada pelo D.L. nº 215-B/75, de 30/4, na interpretação e aplicação efectuada no douto acórdão recorrido, quando restringe o elenco de elementos da Direcção aos que chama membros da Direcção Central, porquanto viola o art. 55º, ns. 4 e 6 da Constituição da República Portuguesa'. Nas alegações apresentadas neste Tribunal concluiram:
' 1. O art. 55º da Constituição da República Portuguesa nos seus ns. 4 e 6 reconhece o direito de livre organização das associações sindicais com independência do patronato, do Estado e de outras entidades públicas e privadas, e garante aos representantes dos trabalhadores protecção contra qualquer forma de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções,
2 - entre outros direitos àqueles instrumentais está o direito de os membros da Direcção Sindical faltarem ao serviço dias limitados sem perda de retribuição,
3 - cabendo ao Sindicato, no quadro do exercício dos mesmos direitos, estruturar-se e organizar os seus orgãos de deliberação, fiacalização e direcção conforme entender,
4- isto além de, no respeito pelas normas legais, em consonância com os princípios de equilíbrio e proporcionalidade no exercício de direitos,
5 - e foi o que fez o Sindicato, que os recorrentes como associados e dirigentes integram, ao organizar, tendo em conta a área geográfica que abrange e as distintas realidades sócio-laborais que nela coexistem, o seu orgão de Direcção, estruturando-se em Direcção Central e Direcções Locais, sendo uma destas, como provado foi, que os recorrentes integram,
6 - sendo certo que, além do mais, o entendimento que teve vencimento nas instâncias abre caminho, através de uma organização sindical por freguesia ou, quiça, por localidade, à atribuição dos direitos que nega a uma infinitude de sujeitos, aqui já com violação dos princípios citados e com grave acréscimo de onerosidade, quer para as associações quer para os sujeitos passivos dos direitos,
7 - o acórdão recorrido, ao decidir limitar o elenco de Dirigentes beneficiários de direitos como fez, aplicou a norma citada do art. 22º com uma interpretação que a fere de inconstitucionalidade material, por violação dos supracitados ns.
4 e 6 do art. 55º.' Por sua vez, as contra-alegações da ré encerravam deste modo:
«a) Os recorrentes 'foram eleitos nos dias 23 e 24/10/1996 membros da direcção local de Azambuja do Sindicato S...'.
b) Os recorrentes não são membros da Direcção do Sindicato S....
c) A Direcção do sindicato está prevista nos artigos 52º a 57º dos respectivos estatutos, (doc. 2 junto com a p.i.).
d) Compete à Direcção, adjectivada de 'central', em especial nos termos do artigo 54º do sindicato:
‘Representar o Sindicato em juízo e fora dele;
Aceitar e recusar os pedidos de inscrição dos associados;
Dirigir e coordenar a actividade do Sindicato, de acordo com os princípios definidos nos estatutos;
Elaborar e apresentar anualmente à assembleia de delegados o relatório de actividades e contas, bem como o plano de actividades e o orçamento para o ano seguinte, acompanhados dos respectivos pareceres do conselho fiscalizador;
Administrar e gerir os fundos do sindicato;
Elaborar o inventário dos haveres do sindicato, que será conferido e assinado no acto de posse da nova direcção;
Submeter à apreciação da assembleia geral os assuntos sobre os quais ela deva pronunciar-se;
Requerer ao presidente da mesa da assembleia geral a convocação de reuniões extraordinárias, sempre que o julge conveniente;
Admitir, suspender e demitir os empregados do sindicato, de acordo com as disposições legais aplicáveis;
Elaborar os regulamentos internos à boa organização dos serviços do Sindicato;
Promover a constituição de grupos de trabalho para o desenvolvimento da actividade sindical e coordenar a sua actividade;
Criar delegações de acordo com o artigo 34º, nº 3.’ e) O órgão de direcção do Sindicato S... é a Direcção 'central' prevista nos artigos 52º e seguintes dos estatutos. f) Os recorrentes não são membros da direcção da respectiva associação sindical, isto é, não são membros da direcção 'central' acima identificada. g) A situação concedida aos dirigentes sindicais pelo artigo 22º do D.L. nº
215-B/75, é perfeitamente excepcional. h) Deve-se entender por membros da direcção das associações sindicais apenas os membros que efectivamente assumam a direcção do sindicato. i) O teor do próprio artigo 22º do Decreto-Lei nº 215-B/75, aponta nitidamente nesse sentido. j) Seria desfasado alargar o crédito de horas previsto no artigo 22º, nº 2, aos diversos órgãos que integram a organização administrativa-social do sindicato. k) No caso concreto do Sindicato S..., os órgãos sociais do referido sindicato são:
. A assembleia geral;
. A mesa da assembleia geral;
. A direcção;
. A assembleia de delegados;
. A mesa da assembleia de delegados;
. O conselho fiscalizador.
l) As 'direcções locais' não efectuam a gestão/direcção, coordenação e representação da actividade do sindicato.
m) Resulta claro o distanciamento daquelas que constituem as atribuições da direcção (central) do sindicato das atribuições das 'direcções locais'.
n) As atribuições da direcção 'central' do sindicato, requerem uma presença e assistência dos seus membros que as competências da 'direcção local' não justificam.
o) Não se justifica que os membros das 'direcções locais' usufruam de um crédito mensal de quatro dias por mês, para o exercício das suas funções, mantendo o direito à remuneração.
p) Constata-se da leitura do artigo 23º do Decreto-lei nº 215-B/ 75, que o próprio legislador já utilizou aí a expressão 'membros dos corpos gerentes', em contraposição com aquela que utilizou no artigo 22º, ao referir-se apenas a membros da direcção, o que leva a concluir que só estes serão abrangidos para efeitos da aplicação do artigo 22º do mesmo Decreto-lei.
q) O citado artigo 22º ao referir-se a membros da direcção de associações sindicais, pretendeu fazer uma concessão exclusiva aos membros executivos do sindicato.
r) Concessão feita àqueles que efectivamente detêm a direcção, coordenação e representação do sindicato nestes caso os membros da Direcção
'central'.
s) O artigo 22º do Decreto-lei nº 215-B/75, é uma norma especial em relação ao regime das faltas.
t) Não é ele susceptível de interpretação analógica ou extensiva, pelo que não é possível estender os seus princípios às ausências dos restantes membros dos corpos gerentes das associações sindicais.
u) A liberdade sindical e o direito à livre organização das associações patronais, não são, minimamente beliscados, com a interpretação constante do douto acórdão recorrido.
v) O presente recurso carece, por completo, de fundamento.» Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. Prima facie, dir-se-ia que a única questão controvertida no processo – e, portanto, a discutir na presente decisão – seria a da adequada interpretação da norma do artigo 22º, n.º 2 – e, por remissão, do conceito utilizado na hipótese do n.º 1 do mesmo artigo – do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril. Dispõem estas normas:
'Artigo 22º
1. As faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos, menos o da remuneração como tempo de serviço efectivo.
2. Para o exercício das suas funções cada membro da direcção beneficia do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração.
3. (...)' Porém, é sabido que não cabe ao Tribunal Constitucional 'intervir [em] ou resolver contendas jurisprudenciais em matérias que escapam à sua função específica de controlo de constitucionalidade' (Acórdão n.º 279/92, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Novembro de 1992, que cita os Acórdãos n.ºs 21/87 e 339/87, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 31 de Março e de 19 de Setembro de 1987), pelo que a questão de constitucionalidade a resolver não consiste em fazer a adequada subsunção dos factos à norma, ou, por outra via, em fixar a melhor interpretação – isto é, a interpretação preferível, independentemente da análise da conformidade constitucional – para a norma, como parece pretender a recorrida. Em causa pode estar, nesta sede, apenas a constitucionalidade da interpretação do artigo 22º, n.º 2, relativo apenas ao crédito de quatro dias com manutenção do direito à remuneração, no sentido de não incluir entre os 'membros da direcção das associações sindicais' membros de direcções apenas locais – os recorrentes entendem possuir tal estatuto, como membros que são da direcção local de Azambuja do Sindicato S..., enquanto que a ré entende que, justamente por serem membros de tal direcção apenas local, não beneficiam do regime previsto no n.º 2.
5. A Constituição da República consagra a liberdade sindical no artigo 55º, garantindo expressamente no seu n.º 4 a independência das associações sindicais, e prevendo o estabelecimento, pela lei, de 'garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras'. Por outro lado, o n.º 6 garante aos 'representantes eleitos dos trabalhadores' o direito à
'protecção legal adequada contra qu1aisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções'. Do ponto de vista constitucional, não é, porém, de excluir que tal protecção do exercício da actividade sindical dos representantes dos trabalhadores (impedindo condicionamentos, constrangimentos ou limitações) – que é o que a Constituição garante – se possa concretizar por diferentes formas, designadamente, no que toca à extensão e tipo do regime de protecção (número de dias de crédito, manutenção da remuneração, etc.). É, aliás, a própria Lei Fundamental a remeter para o legislador a fixação do regime adequado ao cumprimento do objectivo de protecção das associações sindicais e dos representantes eleitos dos trabalhadores. Os limites e extensão deste regime entram no espaço de liberdade de conformação do legislador, ressalvados que sejam sempre o fim, e o efeito, de protecção, constitucionalmente devida, aos representantes dos trabalhadores pelas actividades decorrentes dessa condição (e que se manifesta em especial protecção destes, nomeadamente em caso de despedimento, como se salientou no Acórdão n.º
37/99, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Abril de 1999). Tratando-se, no presente caso, de aferir, face à Lei Fundamental, apenas um dos pontos deste regime, tal como foi entendido pela jurisdição comum – relativo à circunscrição do crédito de dias sem perda de remuneração, para o exercício de funções de direcção nas associações sindicais (e não na empresa), aos membros de orgãos de direcção central das associações sindicais –, o que terá de se apurar
é se tal entendimento assegura insuficientemente a protecção constitucionalmente garantida aos representantes eleitos dos trabalhadores. E a questão de constitucionalidade pode, ainda, ser formulada tendo como parâmetro o princípio da igualdade. Na verdade, mesmo que se entenda que da interpretação da norma em apreço cuja constitucionalidade vem impugnada não resulta uma limitação constitucionalmente censurável à independência das associações sindicais (n.º 4 do artigo 55º da Constituição), ou uma inadmissível forma de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das funções dos representantes eleitos dos trabalhadores (n.º 6 do artigo 55º da Lei Fundamental), sempre se poderá perguntar se tal interpretação é conforme com o princípio da igualdade: há ou não razões para a diferenciação adoptada pelas instâncias, através da interpretação do artigo 22º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º
215-B/75, de 30 de Abril, por forma a não incluir na sua hipótese os membros das direcções locais de um sindicato que tem uma direcção central?
6. Pode começar-se por tratar desta última questão de constitucionalidade, que se refere, como já se adiantou, ao critério de diferenciação entre membros da direcção central e membros da direcção local e, portanto, depende de uma aferição à luz do princípio da igualdade. Na verdade, mesmo atendendo apenas ao elenco de competências da direcção
(central), especificamente previsto nos Estatutos do S... (artigo 54º, a ff. 18 dos autos e já transcrito nas conclusões das alegações da recorrida), por confronto com a competência das direcções locais (omissa nos Estatutos, mas contemplada no artigo 16º do Regulamento das delegações, a ff. 22 dos autos:
'Compete à direcção local a coordenação da actividade da delegação e, ainda, convocar e presidir às reuniões da assembleia de delegados da sua área geográfica'), logo se conclui, indiscutivelmente, pela existência de fundamento material bastante para a solução adoptada nas instâncias, de distinguir entre a direcção central e as direcções locais. Assim, tenha-se presente que só a direcção central representa o sindicato, administra e gere os seus fundos, elabora o plano de actividades e orçamento, bem como o respectivo relatório de actividades e contas (cfr. artigo 54º dos Estatutos), e decide da própria criação de delegações locais, nos termos do n.º
3 do artigo 34º dos Estatutos (cfr. alínea m) do artigo 54º dos Estatutos). Por outro lado, a interpretação defendida pelos recorrentes para o artigo 22º do Decreto-Lei n.º 215-B/75 ('membros da direcção' seriam tanto os membros da direcção central como os das direcções locais do S...) excluiria os membros do outro órgão social central eleito pela assembleia eleitoral prevista no artigo
73º dos Estatutos - cfr. também artigo 38º - (a mesa da assembleia geral), parte da mesa da assembleia de delegados e o conselho fiscalizador, mas incluiria os membros das direcções locais, que são eleitos pelas assembleias locais (no caso,
10 direcções: Amadora, Azambuja, Lisboa Ocidental, Lisboa Oriental, Loures Ocidental, Loures Oriental, Oeiras, Cascais, Sintra, Torres Vedras e Vila Franca de Xira). Refira-se, porém, que os Estatutos reconhecem aos membros eleitos do Sindicato previstos na sua secção IV (Organização Central) – ou seja, aos membros da mesa da assembleia geral, da direcção, do conselho fiscalizador e, parece, aos delegados sindicais (cfr. o n.º 2 do artigo 40º dos estatutos e o Regulamento dos delegados sindicais, que lhe é anexo) - o reembolso, pelo Sindicato, das importâncias correspondentes à perda de retribuição regularmente auferida na sua empresa, ocasionada pelo desempenho das suas funções sindicais. Ora, se um tal direito genérico dos membros eleitos da organização central do sindicato não é alargado, pelos próprios Estatutos, aos membros das direcções locais, parece resultar daqui mesmo a desautorização de uma interpretação que estendesse a esses dirigentes locais um direito dos dirigentes centrais - o crédito de 4 dias de faltas sem perda de retribuição, por mês - , e que nem sequer pode contemplar, na sua letra, os membros eleitos da mesa da assembleia geral, da mesa da assembleia de delegados e do conselho fiscalizador – sendo certo que estes são também 'representantes eleitos' dos trabalhadores. O que, em todo o caso, daí resulta é a substanciação, pelos próprios estatutos, da diferença entre direcção central e direcções locais, especificamente a propósito de questões retributivas, que é o que importa nos presentes autos. Como se escreveu no Acórdão n.º 73/99, já citado, invocando anteriores decisões do Tribunal, o sentido constitucional da igualdade é o de que 'se trate como igual o que for essencialmente igual e como diferente o que for essencialmente diferente.' E, nos termos dos próprios estatutos e do regulamento citados, configuram-se como diferentes as funções, responsabilidades, actividades e regimes de eleição e de exercício dos dirigentes da direcção central e dos das direcções locais, pelo que não pode ser considerada constitucionalmente desconforme a intenção, imputada pelas instâncias ao legislador, de tratar diferentemente uns e outros para efeitos de justificação de faltas sem perda de retribuição.
7. Passando agora ao confronto da interpretação em questão com as normas relativas à liberdade sindical, há que reconhecer que nem a protecção do exercício legítimo das funções de representantes eleitos dos trabalhadores se pode dizer dependente do gozo de um certo número de dias de faltas sem perda de retribuição pelos membros das direcções locais da associação sindical (sendo certo que tal crédito beneficia os membros da direcção central do sindicato e que não está em questão o exercício da actividade sindical na empresa, regulada pelos artigos 25º e segs. do diploma em questão), nem a independência das associações sindicais é afectada por tal regime. Tal regime pode, na verdade, constituir um incentivo, ou uma compensação, maior ou menor, para o exercício de uma função socialmente tida por útil. Mas não se pode dizer que o exercício legítimo das funções dos representantes eleitos dos trabalhadores dependa do reconhecimento de um certo regime de justificação de faltas com manutenção da retribuição aos membros de direcções sindicais locais. O legislador previu, para exercício da actividade sindical, um certo regime de justificação de faltas e um regime de crédito de dias de trabalho por mês sem perda da retribuição – que é o que aqui está em causa. Ora, a definição dos seus limites não pode deixar de lhe caber também, sem contender por isso com a independência ou com a liberdade organizativa das associações sindicais, constitucionalmente reconhecida (alínea c) do nº 2 do artigo 55º da Lei Fundamental). Não se trata de discutir a influência de tal regime sobre a opção do sindicato quanto à sua estrutura organizativa, ou a sua independência, mas sim a opção do legislador quanto ao alcance do regime que adoptou. Outra coisa não resulta, por outro lado, da invocada Convenção 135 da OIT
(relativa à protecção e facilidades a conceder aos representantes dos trabalhadores na empresa), aprovada para ratificação pelo Decreto n.º 263/76, de
8 de Abril, a qual, no seu artigo 4º, dispõe que 'a legislação nacional, as convenções colectivas, as sentenças arbitrais ou as decisões judiciais poderão determinar o tipo ou os tipos de representantes dos trabalhadores que devem ter direito à protecção e às facilidades visadas pela presente convenção' (em parte alguma do seu articulado fazendo qualquer referência à justificação de faltas com ou sem perda de retribuição). Nem parece vislumbrar-se violação do disposto na Convenção 87 da OIT (sobre a liberdade sindical e a protecção do direito sindical), aprovada pela Lei n.º 45/77, de 7 de Julho, que é igualmente omissa quanto ao regime das faltas ao trabalho para exercício de funções sindicais. A aplicação do regime do artigo 22º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, aos membros de direcções apenas locais das associações sindicais, que
é o que está em discussão, não se afigura, na verdade, imposta por uma regra ou princípio constitucional (posto que superveniente), para assegurar a protecção devida aos representantes eleitos dos trabalhadores contra condicionamentos, constrangimentos ou limitações ao exercício legítimo das suas funções.
Na verdade, por um lado, não está em causa, no presente processo, a justificação das faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções – a qual o legislador admite sem limitação temporal no n.º 1 do artigo 22º, mas, considerando os interesses do empregador, sem direito à remuneração –, apenas se discutindo se os membros da direcção local do sindicato beneficiam do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração, previsto no n.º 2 do artigo 22º. E, por outro lado, sempre este crédito continuará a ser aplicável aos membros das direcção do sindicato – embora não aos membros das delegações ou direcções locais –, ficando, também, evidentemente, salvaguardado, para o exercício da actividade sindical na empresa, o regime de protecção previsto nos artigos 25º e seguintes do Decreto-Lei n.º 215-B/75. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Não julgar inconstitucional o artigo 22º, n.º 2, do Decreto-Lei nº
215-B/75, de 30 de Abril, interpretado no sentido de não abranger membros de direcções tão-só locais das associações sindicais; b. Em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que concerne à questão de constitucionalidade suscitada, e c) Condenar os recorrentes em custas, fixando a taxa de justiça em 15 ( quinze ) unidades de conta, por cada um. Lisboa, 12 de Julho de 2001 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta) Maria Fernanda Palma (vencida, nos termos da declaração de voto do Excelentíssimo Senhor Conselheiro Guilherme da Fonseca) José Manuel Cardoso da Costa DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, porque julgaria inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º, nº 1, da Constituição, o artigo
22º, nº 2, do Decreto-Lei nº 215/B/75, de 30 de Abril, interpretado 'no sentido de não abranger membros de direcções tão-só locais das associações sindicais', talqualmente se expressa o acórdão.
Concordando com o entendimento do acórdão de que de que 'não está em causa, no presente processo, a justificação das faltas dadas pelos membros da direcção das associações sindicais para desempenho das suas funções – a qual o legislador admite sem limitação temporal no nº 1 do artigo 22º, mas, considerando os interesses do empregador, sem direito à remuneração -, apenas se discutindo se os membros da direcção local do sindicato beneficiam do crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração previsto no nº 2 do artigo 22º' o que me parece, todavia, é que tal solução, porque não se pode concluir pode concluir pela existência de fundamento material bastante para ela, envolve uma distinção arbitrária e irrazoável entre a 'direcção central' e as 'direcções locais' daquelas associações.
É o acórdão, seguindo as instâncias, que adere à distinção entre
'membros da direcção local do sindicato' – no caso o Sindicato S..., com a grandeza que de todos é conhecida – e 'membros da direcção central', quando claramente o artigo 22º refere só 'membros da direcção das associações sindicais'.
Porquê ir à procura, no plano estatutário, dos poderes da 'direcção central' e das 'direcções locais' , como faz o acórdão – chamar à colação, como se lê no acórdão, outros órgãos sociais não faz sentido, pois é sempre um poder de direcção e de representação das associações sindicais que está em jogo – e concluir que não pode estender-se aos dirigentes locais um direito dos dirigentes centrais, o crédito de 4 dias de faltas sem perda de retribuição, por mês?
Só uma leitura transviada do artigo 22º pode levar a uma resposta positiva, num caso em que o próprio acórdão reconhece, por um lado, existirem no distrito de Lisboa dez 'direcções locais' do S..., e, por outro lado, caber à
'direcção central' decidir da 'própria criação de delegações locais' . Estas delegações tem de ser compreendidas, naquele conjunto tão vasto de dez
'direcções locais' , como uma extensão em toda a linha da 'direcção central', abarcando os poderes desta, pois, de outro modo, como aceitar que os membros dessa direcção possam capazmente desempenhar as suas funções sindicais em todo o distrito de Lisboa, beneficiando cada membro 'do crédito de quatro dias por mês mantendo o direito à remuneração'?
A menos que o número desses membros fosse tão vasto, à semelhança de um comité central de um partido, o que não se demonstra esse desempenho legitimo das funções sindicais por representantes eleitos dos trabalhadores tem de considerar-se condicionado ou limitado no distrito de Lisboa, o que até poderia colocar a questão da inconstitucionalidade do artigo 22º, nº 2, à luz do artigo
55º, nº 6, da Constituição, proibindo 'quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo' daquelas funções (o acórdão chega a enunciar a questão, mas não a resolve).
Por isso, o acórdão perfilha uma solução legal arbitrária, despida de qualquer fundamento material, com violação do princípio da igualdade. E ver no artigo 22º o propósito do legislador de excluir os 'membros da direcção local' é acolher uma leitura do preceito que não tem correspondência com o seu texto (e é sabido que o interprete presumirá que o legislador 'soube exprimir o seu pensamento em termos adequados' – artigo 9º, nº 3, do Código Civil).
2. Assim, contrariamente à conclusão a que chegou o acórdão, e mesmo que sejam 'diferentes as funções responsabilidades, actividades e regimes de eleição e de exercício dos dirigentes da direcção central e dos das direcções locais' tem de se considerar 'constitucionalmente desconforme a intenção, imputada pelas instâncias ao legislador, de tratar diferentemente uns e outros para efeitos de justificação de faltas sem perda de retribuição'.
Guilherme da Fonseca