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Proc. nº 456/2001
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figura como recorrente a A , e como recorridos B e outro e C e marido, a Relatora proferiu Decisão Sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de a questão de constitucionalidade normativa não ter sido suscitada tempestivamente durante o processo, uma vez que só foi suscitada na arguição de nulidade, e de a norma impugnada não ter sido aplicada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida.
A recorrente reclamou para a Conferência, ao abrigo do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando, em síntese, que, no presente caso, a questão de constitucionalidade se confunde com a questão da nulidade do acórdão, decorrente de excesso de pronúncia, pois o que está em causa é a possibilidade de o tribunal condenar a recorrente no prolongamento e no alteamento da barreiras acústicas no âmbito de um processo de expropriação, e que a aplicação do artigo 28º do Código das Expropriações (preceito que fundamentou a decisão, e que não foi impugnado nos autos) implica a aplicação dos artigos 22º e 65º do mesmo Código (preceitos que a recorrente impugnou).
Os recorridos pronunciaram-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre decidir.
2. A reclamante sustenta que a questão de constitucionalidade foi tempestivamente suscitada no requerimento de arguição de nulidade. Para fundamentar tal entendimento, desenvolveu, no essencial, a argumentação anteriormente apresentada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, à qual foi dada resposta na Decisão Sumária sob impugnação.
Seguindo a lógica dessa decisão, o Tribunal salienta o seguinte.
Nos termos do artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil, 'o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada às outras'. De acordo com o mesmo preceito, o juiz 'não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras'.
Por outro lado, de acordo com o artigo 668º, nº 1, alínea d), a sentença é nula quando o juiz 'conheça de questões de que não podia tomar conhecimento'.
Ora, ao Supremo Tribunal de Justiça foi submetida a questão da possibilidade de, em processo de expropriação, a indemnização devida abranger o prolongamento e o alteamento de barreiras acústicas, tendo, naturalmente, apreciado tal questão.
O sentido da decisão quanto à legitimidade da condenação no prolongamento e alteamento das barreiras acústicas (e, portanto, a dimensão em que as normas relativas à fixação da indemnização por expropriação foram aplicadas) reporta-se à questão de fundo, ou seja à questão substancial em discussão nos autos, decidida definitivamente pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2001 (cuja nulidade a reclamante arguiu).
A possibilidade de conhecer da questão relativa ao âmbito da indemnização não se confunde com a substância da decisão a tomar, isto é com a questão de saber se a indemnização pode ou não abranger a condenação no prolongamento e alteamento de barreiras acústicas. Esta é, como se disse, a questão de fundo. Aquela reporta-se à delimitação do âmbito dos poderes de cognição do tribunal.
Dito de outro modo: a definição, neste caso, do âmbito da indemnização refere-se à questão de fundo, que a própria reclamante pretendeu ver apreciada, ainda que em sentido diverso daquele que foi acolhido (questão que o tribunal conheceu); questão diversa é a da delimitação das questões de que o tribunal pode tomar conhecimento.
Se a reclamante pretendia suscitar a inconstitucionalidade das normas relativas à fixação (ou à abrangência) da indemnização por expropriação, tinha de o fazer antes da decisão final da questão de fundo, pois dispunha de todos os elementos para o fazer, uma vez que não foi proferida qualquer decisão objectivamente inesperada nos autos. Tendo tal questão sido suscitada pela primeira vez apenas na arguição de nulidades, isto é num momento em que já só estava em causa a delimitação de poderes de cognição do tribunal (já só estava em causa saber se o tribunal conheceu de alguma questão para a qual não tinha poderes de cognição), e já não a apreciação do sentido em que a questão de fundo foi decidida, há que concluir (como se concluiu na Decisão Sumária reclamada) pela intempestividade dessa suscitação.
Se a reclamante considerava que é inconstitucional a norma que fundamentou a decisão que indeferiu a arguição de nulidades, então tinha o ónus de suscitar a inconstitucionalidade das normas relativas aos poderes de cognição do tribunal e do próprio artigo 668º do Código de Processo Civil, ónus que nunca cumpriu (como, de resto, se sublinhou na Decisão Sumária reclamada).
Improcede, nessa medida, a reclamação nesta parte.
3. A reclamante considera, por outro lado, que a aplicação do artigo 28º, nº 2, do Código das Expropriações, implica a aplicação dos artigos
22º e 65º do mesmo diploma no sentido impugnado e a dispensa do ónus de suscitar a inconstitucionalidade do primeiro durante o processo.
Quanto a esta questão, a reclamante desenvolveu os argumentos que já havia apresentado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e que obtiveram resposta suficiente na Decisão Sumária reclamada.
Mas sempre se dirá o seguinte.
A decisão recorrida fundou-se expressamente no artigo 28º do Código das Expropriações. E, de facto, é este o preceito que se refere à indemnização devida pela depreciação da parcela não expropriada no caso de expropriações parcelares.
É evidente que no ordenamento jurídico os princípios gerais podem encontrar afloramentos e concretizações em vários preceitos. No entanto, o preceito que, segundo o tribunal a quo, contém o critério normativo (aplicado expressamente pelo tribunal a quo) que fundamentou a inclusão no processo expropriativo da condenação no alteamento e prolongamento de barreiras acústicas foi o artigo 28º, n.º 2, do Código das Expropriações. Mesmo que o artigo 22º seja norma pressuposto da delimitação do critério de indemnização, sempre é o artigo 28º que refere a hipótese factual de construção de vedações. Assim, se outro fundamento normativo não tivesse de existir
(questão que agora não compete ao Tribunal Constitucional apreciar) para a condenação referida, sempre o tribunal a quo deveria, ao relacionar com as normas que se referem ao âmbito da indemnização por expropriação a mesma condenação, convocar, como fez, o artigo 28º, não podendo bastar-se com a referência ao artigo 22º. Se era esse o critério que a reclamante pretendia impugnar na perspectiva da constitucionalidade, era a inconstitucionalidade da norma desse preceito que tinha de ser suscitada, e não apenas das normas que genericamente se referem ao princípio geral da indemnização em matéria de expropriação por utilidade pública.
Improcede também, portanto, a reclamação neste ponto.
4. A reclamante afirma, por último, que em caso de dúvida na verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto, deve o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do seu objecto.
Porém, como se deixa claro, não existem quaisquer dúvidas quanto à não verificação, in casu, dos pressupostos do recurso interposto.
Não se tomará, portanto, conhecimento do objecto do presente recurso.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação confirmando consequentemente a Decisão Sumária impugnada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa,5 de Dezembro de 2001 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa