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Processo n.º 870/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., S.. A. requereu a expropriação litigiosa urgente, por
utilidade pública, de duas parcelas de terreno, tendo-lhe sido adjudicada a respetiva propriedade.
Foram proferidas decisões arbitrais que fixaram as indemnizações devidas pela expropriação daquelas parcelas em € 27.406,00 e € 32.811,45.
Destas decisões recorreram os Expropriados e a Entidade Expropriante, tendo sido proferida sentença pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Gaia em 22 de julho de 2008, a qual veio a considerar tais parcelas como solo apto para construção, apesar de se inserirem em área da RAN e da REN, tendo decidido fixar uma indemnização global de € 175.721,79, pela expropriação das duas parcelas.
A Entidade Expropriante recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 18 de junho de 2009, determinou que a avaliação das parcelas expropriadas haveria de resultar do valor médio das construções existentes ou passíveis de edificação numa área envolvente de 300 metros, nos termos do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações. Como, na sentença recorrida, esse valor havia sido apurado em função de um aproveitamento economicamente normal, concluiu aquele Acórdão pela necessidade de anulação do julgamento e sentença, de forma a que uma nova avaliação viesse a fornecer aqueles elementos essenciais à determinação da justa indemnização segundo o critério legal.
Em 25 de maio de 2011 foi proferida nova sentença pelo 3.º Juízo Cível do Tribunal de Vila Nova de Gaia, arbitrando uma indemnização de €. 107.907,69.
A Entidade Expropriante recorreu novamente desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto, tendo o recurso sido julgado improcedente, por acórdão proferido em 6 de novembro de 2012.
Desta decisão recorreu a Entidade Expropriante para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas b) e g) (por mero lapso indicada como alínea h), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, nos seguintes termos:
“…§1. Entende-se, salvo o devido respeito, que é muito, por opinião contrária, que o douto aresto procedeu à aplicação de normas ordinárias em termos contrários à Lei Fundamental, tendo aplicado e interpretado o artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações num sentido julgado inconstitucional pelo Acórdão n.º 196/2011 do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 112 – 9 de junho de 2011).
§2. Ao contrário do Acórdão n.º 196/2011, o Tribunal a quo julgou conforme a constituição o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em junção do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar das parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos na al. a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
§3. Nestes termos, por ter o Tribunal a quo aplicado o artigo 26.º, n.º 12 num sentido já julgado inconstitucional pelo Acórdão n.º 196/2011, deve o presente recurso ser admitido nos termos do artigo 70.º, n.º 1 al. h) e artigo 75.º-A n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional.
§4. Está em causa a aplicação dos artigos 26.º, n.º 12 e o facto do douto acórdão, não obstante a parcela se encontrar em zona de REN e RAN, ter avaliado a parcela em função da aptidão construtiva da envolvente e não de acordo com o destino admitido no regime da RAN e REN e correspondente sua vinculação situacional.
§5. Assim, e também nos termos e para efeitos dos artigos 70.º, n.º 1 al. b) e 75.º-A, n.º 1 e da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, indica-se o seguinte:
a) O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 280.º, n.º 1, al. b) CRP, a aliena b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro
b) Pretende-se que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 26.º, n.º 12 uma vez que, não se provando o nexo de causalidade entre a classificação do solo e a obra que fundamenta a expropriação, o mesmo não pode justificar a avaliação da parcela por outro valor que não um destino não construtivo, pois tal interpretação implica a violação dos princípios da igualdade proporcionalidade e justa indemnização (artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 3 e 62.º, n.º 2 da Constituição) uma vez que beneficia arbitrariamente os expropriados ao lhes conceder uma indemnização por expropriação de plano, quando esta está vedada aos demais proprietários de prédios em áreas de RAN e REN nos termos gerais do direito e que não corresponde ao valor real e de mercado das parcelas…”
Apresentou alegações em que concluiu do seguinte modo:
“…1. O presente recurso tem como objeto a fiscalização concreta do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro e da sua anticonstitucionalidade quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos na al. a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. Norma que foi já julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 196/2011;
2. Subsidiariamente, requer-se a fiscalização concreta do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro e a sua anticonstitucionalidade quando, não se provando o nexo de causalidade entre a classificação do solo e a obra que fundamenta a expropriação, se avalia a parcela por outro valor que não um destino não construtivo e que não corresponde ao valor real e de mercado das parcelas;
3. A determinação do valor justo da indemnização depende da capacidade do tribunal em aferir qual o destino económico da parcela expropriada e avaliar o valor fundiário em função daquele;
4. Conseguir este feito representa, pelo menos em termos abstratos, afirmar que o expropriado teve um prejuízo patrimonial que foi anulado por uma indemnização fixada em valor equivalente ao que tinha antes da expropriação e pelo qual o mercado estaria disposto da dar caso fosse colocada à venda;
5. O Tribunal procede a uma avaliação que escamoteia dois pressupostos fundamentais: (i) a parcela encontrava-se também em REN; (ii) para que se proceda a uma juízo de igualdade não basta afirmar que existiam infraestruturas e aglomerados nas proximidades, é necessário demonstrar que a parcela e seu destino económico de facto era conforme as zonas urbanas e não as zonas não urbanas;
6. O Tribunal não procede a um efetivo e concreto julgamento da necessidade da equiparação dos expropriados aos proprietários de terrenos construtivos vizinhos, isto porque, no limite, o tratamento igual do que é diferente consubstancia-se numa violação do princípio da igualdade, pois, sem a demonstração cabal da aptidão construtiva, a avaliação em conformidade com esta significa enriquecer os expropriados face aos proprietários de terrenos não construtivos;
7. As parcelas expropriadas integravam zonas de salvaguarda estrita, sujeitas a um regime de restrição de utilidade pública que vedava qualquer atividade construtiva normal;
8. Sobrevém referir onde para nós assenta a perversidade da interpretação do artigo 26.º, n.º 12 CE - que a mera aquisição anterior ao PDM constitui carta de alforria para em processo expropriativo reclamar um destino económico que estava vedado pelos instrumentos de gestão territorial mais de 10 anos após da aprovação do PDM. Até porque e o Tribunal desconhece - basta confrontar os autos - qual era a situação da parcela em 1992;
9. O facto de existirem hoje (2003, data da DUP) infraestruturas não significa que aquelas existissem em 1992 e, mais importante, que a parcela, pela sua localização e situação, fosse equiparável à envolvente em 2003;
10. A parcela integrava zona de RAN e zona de REN, não resultando dos autos que esta classificação fosse desconforme com o destino económico da parcela;
11. Áreas de salvaguarda estrita são áreas que não admitem formas de ocupação e uso que comprometam a sua função natural, estando proibida qualquer capacidade construtiva, haja ou não expropriação;
12. Não é, pois, a expropriação que torna um solo apto ou não apto para construção,
13. Pelo que o justo valor terá que ser aquele que o expropriado obteria se não fosse expropriado,
14. Logo, o valor da parcela terá que ser conforme o regime jurídico da RAN e REN;
15. O destino económico do solo depende do prescrito nos instrumentos de gestão territorial, pelo que não pode a parcela ser classificada como solo apto para construção quando tal se opõe e viola o regime jurídico de vinculação administrativa;
16. A proximidade de zonas urbanas não estende a aptidão construtiva para as zonas em restrição de utilidade pública, antes demonstra que o zonamento declarado no PDM corresponde à vinculação situacional individual de cada solo;
17. O que conforma o ius aedificandi na nossa ordem jurídica não é a existência ou inexistência de infraestruturas, tão-só a previsão e inscrição do zonamento e condicionantes decorrentes de Planos Urbanísticos, designadamente os Planos Municipais de Ordenamento do Território e, como resulta do caso, os regimes jurídicos das restrições de utilidade pública como a RAN e REN;
18. Não resultando da DUP e respetiva expropriação qualquer alteração do uso do solo para um fim que se encontrava vedado por lei aos expropriados - uma vez que excecionalmente admitem os regimes da REN e RAN a construção de Infraestruturas rodoviárias em função do interesse público - temos que concluir que o valor real e de mercado das parcelas era e será em função do seu destino agrícola;
19. O artigo 26.º, n.º 12 é uma norma perversa quando interpretada fora da sua ratio - indemnizações devidas por expropriações de plano - pois não equipara o sacrifício dos cidadãos perante os encargos públicos. Antes pelo contrário, beneficia alguns, os que são expropriados. Os outros, porque já não podem recorrer aos mecanismos do artigo 143.º Decreto-Lei n.º 380/99 de que reconhecem um direito. de indemnização pela expropriação de sacrifício, ficam manifestamente prejudicados no seu património, pois sem alteração do PDM ou a sorte de uma expropriação, ficam irremediavelmente onerados com as limitações resultantes do PDM;
20. Assim, não se provando o nexo de causalidade entre a classificação do solo e a obra que fundamenta a expropriação, o artigo 26.º n.º 12 não pode ser invocado sob pena de se realizar uma interpretação inconstitucional por violação dos princípios da igualdade proporcionalidade e justa indemnização (artigos 13.º, n.º 1, 18.º, n.º 2 e 3 e 62.º, n.º 2 da Constituição) uma vez que beneficia arbitrariamente os expropriados ao lhes conceder uma indemnização por expropriação de plano, quando esta está vedada aos demais proprietários de prédios em áreas de RAN e REN nos termos gerais do direito e que não corresponde ao valor real e de mercado das parcelas;
21. O direito a edificar depende do reconhecimento administrativo de uma autoridade pública, maxime o Município;
22. O recurso ao artigo 26.º, n.º 12 CE para determinação da justa indemnização, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor determinado em função do valor médio do solo edificável da área envolvente, terreno integrado em zona de RAN e REN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição);
23. O Tribunal procede à interpretação do artigo 26.º, n.º 12 CE como cláusula geral de funcionamento automática, banalizando um mecanismo excecional de correção que, ao contrário do entendimento do aresto, o que faz é beneficiar alguém que, proprietário de um prédio sem aptidão construtiva e em situação de vinculação situacional, é equiparado de forma mecânica e formal com proprietários de prédios em zonas destinadas e vocacionadas para fins construtivos e que à luz do mesmo instrumento de gestão territorial veda capacidade construtiva aos expropriados que têm uma expectativa construtiva;
24. Esta equiparação automática e geral não respeita, pois, o princípio da igualdade na medida em que o juízo de correção é feito em função da exceção aos critérios legais que determinam a indemnização de acordo com o admitido juridicamente, por ser no quadro legal e regulamentar dos instrumentos de gestão territorial que se determina, enquanto planos instrumentos de igualdade, o destino económico de cada prédio;
25. Uma cláusula de exceção não pode funcionar de forma automática, em particular quando o regime jurídico do solo é qualificado e pressupõe um destino não construtivo como o são a RAN e REN;
26. A fixação de uma indemnização em função de qualquer outro destino que não o real e juridicamente admissível viola o princípio da igualdade e da justa indemnização, pelo que não se pode admitir o funcionamento do artigo 26.º, n.º 12 CE como cláusula geral, pois a mera aquisição da parcela em momento anterior à aprovação do PDM não significa que a parcela tivesse, tenha ou venha a ter aptidão construtiva, em particular quando integra RAN e REN e, por último, a natureza jurídica desta qualificação e classificação do solo corresponde à vinculação situacional da parcela;
Nestes termos deve ser julgado inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro e a sua anticonstitucionalidade quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos objetivos definidos na al. a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. Entendimento já sufragado pelo Acórdão n.º 196/2011;
Subsidiariamente, deve ser julgado inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro e a sua anticonstitucionalidade quando, não se provando o nexo de causalidade entre a classificação do solo e a obra que fundamenta a expropriação, se avalia a parcela por outro valor que não um destino não construtivo, do direito, e que não corresponde ao valor real e de mercado das parcelas…”.
Os Expropriados contra-alegaram, concluindo nos seguintes termos:
“– A justa indemnização a pagar pela expropriação por utilidade pública visa restabelecer a igualdade perdida, ressarcindo o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem, de acordo com o destino efetivo ou possível numa utilização economicamente normal à data da publicação da DUP, tendo em conta as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.
– Deverá, assim, ser adotado o critério do valor de mercado dos bens expropriados, determinado à data da DUP.
- Atendendo à matéria provada, considerando que as parcelas objeto de expropriação têm acesso direto à via pública completamente infraestruturada, e ainda, a sua envolvente e proximidade da zona urbana definida no PDM, deverão as referidas parcelas ser equiparadas a solo apto para construção para efeitos de aplicação do citado artigo 26º, nºs 12.
– Ap1icando o disposto no nº 12 do artigo 26º do Código das Expropriações, no calculo da justa indemnização devida aos Expropriados, deverão ser tidas em consideração as construções existentes (ou passíveis edificar) numa área envolvente, cujo perímetro exterior tal solução não é impedida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 6/2011, publicado no DR, I série, de 17/05/2011, que determinou a uniformização de jurisprudência nos seguintes termos “Os terrenos integrados, seja em Reserva Agrícola Nacional (RAN), seja em Reserva Ecológica Nacional (REN), por força do regime legal a que estão sujeitos, não podem ser classificados como solo apto para construção, nos termos do artigo 25º, nºs 1, alínea a), e 2, do Código das Expropriações, aprovado pelo artigo 1º da Lei nº 168/99, de 18 de setembro, ainda que preencham os requisitos previstos naquele nº 2”, se situe a 300m do limite das parcelas expropriadas.
– Pois que, da análise do referido acórdão resulta ressalvada a situação de o solo a expropriar ser adquirido em data anterior à entrada em vigor do instrumento de gestão territorial, hipótese em que se aplicará o regime previsto no nº 12 do artigo 26º do C.E.
– Na expropriação em análise, as parcelas expropriadas foram adquiridas em data anterior (1992).
– Tal solução não, de forma alguma, violadora do princípio da igualdade, proporcionalidade e justa indemnização.
– O Tribunal ora recorrido procede a uma correta interpretação dos referidos princípios.
– Não existe violação de qualquer princípio orientador da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os princípios da igualdade, proporcionalidade e justa indemnização, previstos nos artigos 13º, nº 1, 18º, nº 2 e 3, e 62º, nº 2 CRP.
– Negar-se provimento ao presente recurso.”
Fundamentação
1. Do conhecimento do recurso
A Recorrente fundamenta este recurso, em primeiro lugar, na circunstância da decisão recorrida se ter apoiado numa interpretação do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, que o Tribunal Constitucional já julgou inconstitucional pelo acórdão n.º 196/2011.
Na verdade, nos termos da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma já julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional. Esta abertura do recurso perante decisões negativas de inconstitucionalidade, sem exigência de prévia colocação da questão perante o próprio tribunal que proferiu a decisão recorrida e sem necessidade de exaustão das instâncias, é inspirada pelo objetivo de garantir a harmonia de julgados e a autoridade do Tribunal Constitucional, ou seja, de maximizar a probabilidade de que não subsistam decisões de outros tribunais que julguem questões de constitucionalidade em sentido contrário a julgamentos de inconstitucionalidade (decisões positivas de inconstitucionalidade) proferidos por este Tribunal.
Pressuposto essencial de interposição deste tipo de recurso é o da identidade do conteúdo das duas normas em questão. A norma que o tribunal a quo aplicou, e de cuja aplicação se recorre, deve ser a mesma norma que o Tribunal Constitucional já julgou inconstitucional.
O acórdão n.º 196/2011 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt, local onde se encontram acessíveis todas as decisões do Tribunal Constitucional citadas neste acórdão) julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
A decisão recorrida defendeu a aplicação de igual critério avaliativo, não só para os terrenos integrados na RAN, mas também para os terrenos que se situem na REN, uma vez que neste processo as parcelas expropriadas integravam ambas as áreas de reserva.
Apesar de existir apenas uma coincidência parcial entre os dois critérios normativos, no que toca aos terrenos que integram a RAN, ela é suficiente para permitir a intervenção do Tribunal Constitucional, nos termos previstos na referida alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC., uma vez que, nessa parte, a decisão recorrida não deixou de julgar contra jurisprudência deste Tribunal, designadamente o acórdão n.º 196/11 (vide, neste sentido, o Acórdão n.º 315/97 deste tribunal).
Efetuando-se a fiscalização de constitucionalidade da referida interpretação normativa ao abrigo da alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, revela-se prejudicada a apreciação do recurso na parte em que invocava a alínea b), do mesmo número e artigo, para impugnar a constitucionalidade da mesma interpretação.
2. Do mérito do recurso
2.1. A norma e a jurisprudência constitucional
A questão de constitucionalidade aqui colocada está longe de se resumir a uma discordância entre o critério normativo adotado pelo tribunal recorrido e o julgamento de inconstitucionalidade proferido pelo acórdão n.º 196/11, deste Tribunal.
Como revela, desde logo, a fundamentação deste último aresto, a constitucionalidade dos critérios adotados para determinar o valor das indemnizações pela expropriação de terrenos que, reunindo aptidões edificativas, se encontram afetos a outras finalidades por instrumentos públicos, tem sido objeto de múltiplas pronúncias do Tribunal Constitucional com sentidos divergentes.
Desde há muito que o nosso sistema legal tem demonstrado a preocupação de fixar critérios diferentes para o cálculo das indemnizações devidas pela expropriação de solos aptos para neles serem erguidos edifícios e pela expropriação de solos que não tem essa aptidão.
Neste sentido, já o Decreto-lei n.º 576/70, de 24 de novembro, alterado pelo Decreto-lei n.º 57/70, de 13 de fevereiro, fazia uma distinção entre terrenos para construção de terrenos para outros fins (artigo 6.º).
Por sua vez, o Código das Expropriações de 1976, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de dezembro, ao estabelecer os termos da distinção entre terrenos situados em aglomerado urbano e terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, ou em zona diferenciada do aglomerado urbano (artigo 30.º e seg.), viu a jurisprudência constitucional censurar-lhe esta opção, por não ponderar devidamente o fator da edificabilidade dos solos (v.g. acórdãos n.º 131/88 e n.º 52/90).
Por este motivo o Código das Expropriações de 1991, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de novembro, voltou a diferenciar os solos aptos para a construção dos solos aptos para outros fins (artigo 24.º, n.º 1).
E foi precisamente no domínio deste Código que surgiram questões de constitucionalidade semelhantes à colocada neste recurso, a propósito da aplicação do disposto no n.º 5, do seu artigo 24.º, aos solos integrados em zonas reservadas a finalidades diversas da construção, onde se lia que “é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”.
O Acórdão n.º 267/97, deste Tribunal, considerou que era inconstitucional a norma do nº 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' os solos integrados na RAN, expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola.
Mas o Acórdão 20/2000 veio retificar esta posição, considerando que não era inconstitucional o mesmo preceito, interpretado de modo a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação (note-se, contudo, que no Acórdão n.º 267/97, a expropriação visava a construção de um quartel de bombeiros).
No mesmo sentido decidiram os Acórdãos n.º 247/2000, 219/2001, 243/2001, 121/2002/, 172/2002, 346/2003, 347/2003, 425/2003 e 642/2004.
Nestes acórdãos teve-se em consideração que não havia elementos que permitissem concluir que existiam perspetivas razoáveis desses terrenos serem desafetados da RAN e destinados à construção ou edificação, e que a finalidade da expropriação não confirmava a existência de uma potencialidade edificativa que fosse excluída pela qualificação como «solo para outros fins».
Contudo, outros acórdãos vieram estender este juízo de não inconstitucionalidade a situações em que as expropriações visavam a construção duma central de resíduos urbanos (Acórdão n.º 155/2002) ou de escolas (Acórdãos n.º 333/2003 e 557/2003).
Entretanto, entrou em vigor o Código das Expropriações de 1999, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, atualmente em vigor, que manteve a distinção entre solos aptos para construção e solos aptos para outros fins.
Ficou estipulado no seu artigo 25.º:
“1 – Para efeitos do cálculo da indemnização por expropriação, o solo classifica-se em:
a) Solo apto para a construção;
b) Solo para outros fins.
2 – Considera-se solo apto para a construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia elétrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir;
b) O que apenas dispõe de parte das infraestruturas referidas na alínea anterior, mas se integra em núcleo urbano existente;
c) O que está destinado, de acordo com instrumento de gestão territorial, a adquirir as características descritas na alínea a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possui, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública, desde que o processo respetivo se tenha iniciado antes da data da notificação a que se refere o nº 5 do artigo 10º.
3 – Considera-se solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior.”
E, relativamente aos solos considerados aptos para construção, consagrou no seu artigo 26.º o seguinte critério de cálculo do valor da indemnização pela sua expropriação:
“1 – O valor do solo apto para a construção calcula-se por referência à construção que nele seria possível efetuar se não tivesse sido sujeito a expropriação, num aproveitamento económico normal, de acordo com as leis e os regulamentos em vigor, nos termos dos números seguintes e sem prejuízo do disposto no nº 5 do artigo 23º.
2 – O valor do solo apto para construção será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições, ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados, efectuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial, corrigido por ponderação da envolvente urbana do bem expropriado, nomeadamente no que diz respeito ao tipo de construção existente, numa percentagem máxima de 10%.
3 – Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respetivos valores.
4 – Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 2, por falta de elementos, o valor do solo apto para a construção calcula-se em função do custo da construção, em condições normais de mercado, nos termos dos números seguintes.
5 – Na determinação do custo da construção atende-se, como referencial, aos montantes fixados administrativamente para feitos de aplicação dos regimes de habitação a custos controlados ou de renda condicionada.
6 – Num aproveitamento economicamente normal, o valor do solo apto para a construção deverá corresponder a um máximo de 15% do custo da construção, devidamente fundamentado, variando, nomeadamente, em função da localização, da qualidade ambiental e dos equipamentos existentes na zona, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
7 – A percentagem fixada nos termos do número anterior poderá ser acrescida até ao limite de cada uma das percentagens seguintes, e, com a variação que se mostrar justificada:
a) Acesso rodoviário, com pavimentação em calçada, betuminoso ou equivalente junto da parcela – 1,5%;
b) Passeios em toda a extensão do arruamento ou do quarteirão, do lado da parcela – 0,5%;
c) Rede de abastecimento domiciliário de água, com serviço junto da parcela – 1%;
d) Rede de saneamento, com coletor em serviço junto da parcela – 1,5%;
e) Rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão com serviço
junto da parcela – 1%:
f) Rede de drenagem de águas pluviais com coletor em serviço junto da parcela – 0,5%;
g) Estação depuradora, em ligação com a rede de coletores de saneamento com serviço junto da parcela – 2%;
h) Rede distribuidora de gás junto da parcela – 1%;
i) Rede telefónica junto da parcela – 1%.
8 – Se o custo da construção for substancialmente agravado ou diminuído pelas especiais condições do local, o montante do acréscimo ou da diminuição daí resultante é reduzido ou adicionado ao custo da edificação a considerar para efeito da determinação do valor do terreno.
9 – Se o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos ns. 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas.
10 – O valor resultante da aplicação dos critérios fixados nos ns. 4 a 9 será objeto da aplicação de um fator corretivo pela inexistência do risco e do esforço inerente à atividade construtiva, no montante máximo de 15% do valor da avaliação.
11 – No cálculo do valor do solo apto para a construção em áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, legalmente fixadas, ter-se-á em conta que o volume e o tipo de construção possível não deve exceder os da média das construções existentes do lado do traçado do arruamento em que se situe, compreendido entre duas vias consecutivas.
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada.”
Já quanto aos prédios classificados como aptos para fim diverso da construção dispôs o seguinte no artigo 27.º:
“1 – O valor do solo apto para outros fins será o resultante da média aritmética atualizada entre os preços unitários de aquisições ou avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na mesma freguesia e nas freguesias limítrofes nos três anos, de entre os últimos cinco, com média anual mais elevada, relativamente a prédios com idênticas características, atendendo aos parâmetros fixados em instrumento de planeamento territorial e à sua aptidão específica.
2 – Para os efeitos previstos no número anterior, os serviços competentes do Ministério das Finanças deverão fornecer, a solicitação da entidade expropriante, a lista das transações e das avaliações fiscais que corrijam os valores declarados efetuadas na zona e os respectivos valores.
3 – Caso não se revele possível aplicar o critério estabelecido no nº 1, por falta de elementos, o valor do solo para outros fins será calculado tendo em atenção os seus rendimentos efetivo ou possível no estado existente à data da declaração de utilidade pública, a natureza do solo e do subsolo, a configuração do terreno e as condições de acesso, as culturas predominantes e o clima da região, os frutos pendentes e outras circunstâncias objectivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo.”
Apesar do Código das Expropriações de 1999 não ter adotado um preceito idêntico ao n.º 5, do artigo 24.º, do Código das Expropriações de 1991, isso não impediu que nos tribunais se continuasse a entender que os solos integrados na RAN deviam ser catalogados como “solos aptos para outro fim”, mesmo que reunissem as condições exigidas pelo artigo 25.º, n.º 2, para um solo ser considerado apto para construção, atenta a proibição legal de neles construir, tendo por isso prosseguido a mencionada discussão de constitucionalidade no domínio deste novo Código.
E neste novo quadro normativo, o Acórdão n.º 398/2005 reiterou o juízo que não era inconstitucional a norma do n.º 3, do artigo 25.º, do Código das Expropriações de 1999, interpretada com o sentido de excluir da classificação de “solo apto para a construção” solos integrados na RAN expropriados para implantação de vias de comunicação.
No mesmo sentido se pronunciaram posteriormente os Acórdãos n.º 337/2007 e 416/2007.
E o acórdão n.º 275/2004 chegou mesmo a julgar inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição, as normas contidas no n.° 1, do artigo 23.°, e no n.° 1, do artigo 26°, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e, consequentemente, de como tal indemnizar, o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.
Mas, entretanto, apesar do conteúdo do n.º 12, do artigo 26.º, do Código das Expropriações de 1999, se ter limitado a introduzir algumas alterações ao que já anteriormente constava do artigo 26.º, n.º 2, do Código das Expropriações de 1991, perante a ausência duma norma como aquela que constava do n.º 5, do artigo 24.º, deste último diploma, os tribunais começaram a aplicar, num raciocínio analógico, o disposto naquele preceito às demais situações em que um terreno, possuindo aptidões edificativas, se encontrava afeto a outras finalidades por instrumentos públicos, designadamente a sua integração na RAN.
E esta aplicação analógica do disposto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, não deixou de também suscitar a intervenção do Tribunal Constitucional.
Assim, os Acórdãos n.º 417/2006, 118/2007 e o aqui acórdão-fundamento n.º 196/2011 consideraram que era inconstitucional o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25º, do mesmo Código.
Em sentido oposto, o Acórdão n.º 114/2005 não julgou inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, considerada aplicável à determinação do valor do solo incluído na RAN, expropriado para a implantação de vias de comunicação, quando resultam satisfeitos em relação a ele os critérios, enquadráveis na alínea a), do n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código.
E, no mesmo sentido, se pronunciaram os Acórdãos n.º 234/2007 e 239/2007.
Também o Acórdão n.º 276/07 considerou que não eram inconstitucionais as normas constantes dos artigos 23.º, n.º 1, e 26.º, nºs 1 e 12, ambos do Código das Expropriações de 1999, quando interpretadas no sentido de incluírem na classificação de “solo apto para a construção”, e a serem indemnizados de acordo com as regras constantes deste n.º 12, os solos adquiridos em data anterior à entrada em vigor de Plano Diretor Municipal que os integrou em zona RAN e expropriados para a implantação de “áreas de serviço” de autoestradas.
E, indo um pouco mais longe, nesta mesma linha de pensamento, o Acórdão n.º 469/2007 julgou mesmo inconstitucional a interpretação dos artigos 23.º, n.º 1, 25.º, n.ºs 2 e 3, 26.º, n.º 12, e 27.º do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, segundo a qual o valor da indemnização devida pela expropriação, para construção de um terminal ferroviário, de um terreno, que objetivamente preenche os requisitos elencados no n.º 2, do artigo 25.º, para a qualificação como “solo apto para a construção”, mas que foi integrado na RAN por instrumento de gestão territorial em data posterior à sua aquisição pelos expropriados, devia ser calculado de acordo com os critérios definidos no artigo 27.º para os “solos para outros fins”, e não de acordo com o critério definido no n.º 12, do artigo 26.º, todos do referido Código.
Refira-se que nestes dois últimos arestos foi valorizado como fundamento autónomo o facto do ato expropriativo visar a construção de edifícios nos terrenos expropriados, o que revelava a sua efetiva aptidão edificativa.
2.2. O artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999
Como já acima se referiu, o Código das Expropriações de 1991, procurando ir de encontro à jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada durante a vigência do Código de 1976, para efeitos de fixação do valor da indemnização a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificou-os em solos aptos para construção e para outros fins, tendo, contudo, disposto no artigo 26.º, n.º 2:
“Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde ou de lazer por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada”.
Esta norma encontrava-se sistematicamente inserida no artigo que definia os critérios de avaliação dos solos “para outros fins”.
O artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, manteve esta diretriz, mas agora no preceito legal que define os critérios de avaliação dos “solos aptos para construção” com a seguinte redação:
“Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas e equipamentos públicos por plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 metros do limite da parcela expropriada.”
As modificações introduzidas traduziram-se, por um lado, numa ampliação do âmbito de aplicação da norma que passou a abranger para além dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território, também os solos reservados à instalação de infraestruturas e para a construção de equipamentos públicos, e, por outro lado, numa restrição a esse mesmo âmbito de aplicação, consistente na exigência de que esses solos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor desse instrumento de planeamento territorial.
É comum a ideia de que esta norma visou evitar as classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por parte dos planos municipais (vide, neste sentido, ALVES CORREIA, em “Código das Expropriações e outra legislação sobre expropriações por utilidade pública”, pág. 23, da ed. de 1992, da Aequitas, e em “A jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre expropriações por utilidade pública e o Código das Expropriações de 1999”, na R.L.J., Ano 133, pág. 53-54, e OSVALDO GOMES, em “Expropriações por utilidade pública”, pág. 195-196, da ed. de 1997, da Texto Editora). De modo a prevenir que a administração pública fosse tentada a proceder à classificação pré-ordenada de terrenos, de modo a restringir as suas aptidões edificativas, para mais tarde os mesmos poderem ser expropriados a baixo custo, o legislador teria imposto que, independentemente da prova dessa intenção dolosa, a indemnização pela expropriação de tais terrenos seria efetuada em função do valor médio das construções existentes ou que fosse possível edificar nas parcelas situadas na área envolvente. Prescindindo da demonstração da atuação dolosa nestas intervenções a dois tempos, o legislador entendeu que a expropriação de determinados terrenos após a sua anterior classificação como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, relativamente a quem já era proprietário desses terrenos à data desta classificação, deveria ser compensada, não com o pagamento duma indemnização equivalente ao seu valor de mercado à data da expropriação, mas sim com uma indemnização que tivesse em consideração a capacidade edificativa dos terrenos vizinhos que não foram atingidos por aquela restrição de uso. Considerou-se, assim, que, objetivamente, as referidas limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilavam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduziam em atos próximos de uma verdadeira expropriação, pelo que a sua posterior expropriação efetiva não poderia ser efetuada por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações anteriormente impostas. O artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, traduz, pois, o recurso a um valor normativo, isto é a um valor que se afasta do valor de mercado resultante do jogo da oferta e da procura, e procura responder a exigências de justiça. Esse valor normativo situou-se no valor médio dos prédios vizinhos em que, num raio de 300 metros, fosse possível construir.
2.3. A aplicação do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aos terrenos situados na RAN ou REN
Tendo o legislador fixado este critério específico para o cálculo da indemnização da expropriação dos terrenos classificados como zona verde, de lazer ou para instalação de infraestruturas ou equipamentos públicos, por plano municipal de ordenamento do território, a decisão recorrida estendeu a sua aplicação aos terrenos situados em zona da RAN e da REN.
As disposições dos planos municipais de ordenamento do território que reservam terrenos particulares para a instalação de infraestruturas (v.g. arruamentos) ou equipamentos públicos (v.g. hospitais, instalações desportivas, escolas), atendendo ao seu destino público, têm necessariamente implícita uma intenção de aquisição futura desses terrenos pela Administração, sendo tais disposições até apelidadas de “reservas de expropriação” ou de “expropriações a prazo incerto” (vide ALVES CORREIA, em “Manual de direito do urbanismo”, vol. I, pág. 774, da 4.ª ed., da Almedina).
Quanto às prescrições dos planos que destinam certos terrenos situados em áreas edificáveis a espaços verdes ou de lazer, verifica-se que a destinação imposta àqueles terrenos pela Administração é também de tal modo dominada pela satisfação de puros interesses públicos urbanísticos que o seu aproveitamento privado é quase impraticável. Por isso se considera que as mesmas esvaziam tão severamente o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade, por motivos de utilidade pública, que são encaradas como verdadeiras “expropriações de plano” (vide ALVES CORREIA, na ob. cit., pág. 777-778).
As situações contempladas na letra do referido n.º 12, do artigo 26.º, do Código das Expropriações, como acima se disse, correspondem, pois, a casos em que as limitações impostas por plano de ordenamento do território aniquilam de tal forma o conteúdo mínimo essencial do direito de propriedade que se traduzem em atos que se aproximam de uma verdadeira expropriação, pelo que o legislador considerou que a sua posterior expropriação efetiva por um valor que atendesse à desvalorização resultante das severas limitações impostas, resultava objetivamente numa inadmissível manipulação das regras urbanísticas pela Administração, independentemente da prova de uma intenção dolosa.
O legislador terá, aliás, tido em atenção que a doutrina já defendia que estes atos pré ou quase expropriativos poderiam gerar, só por si, uma obrigação de indemnização autónoma (vide ALVES CORREIA, em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 521-528, da ed. de 1989, da Almedina), a qual atualmente tem cobertura legal no artigo 143.º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro.
Ora, a inclusão de um terreno na RAN ou na REN não é rigorosamente equiparável a estas situações, uma vez que as limitações inerentes ao estatuto destas reservas não tem a severidade dos casos anteriormente referidos (apesar de, relativamente à REN poderem, em determinados casos, ocorrer restrições de utilização de igual grau de severidade) e têm em atenção a especial localização factual desse terreno e as suas características intrínsecas.
Recorde-se que as limitações resultantes da integração de um terreno em zona RAN ou REN, em regra, não atingem o núcleo essencial do direito de propriedade, uma vez que o destino permitido é suscetível duma utilização privada e tem em consideração as características morfológicas, climatéricas e sociais do terreno em causa.
As proibições, designadamente a proibição de construção, restrições ou condicionamentos à utilização dos terrenos integrados em área RAN ou REN, são uma mera consequência da vinculação situacional da propriedade que incide sobre eles, pelo que são encaradas como meramente conformadoras do conteúdo do direito de propriedade, não se considerando que possam gerar, por isso, qualquer direito de indemnização autónomo.
Todavia, não compete a este Tribunal neste recurso censurar a aplicação analógica efetuada pela decisão recorrida, mas apenas verificar se a norma que dela resultou viola um qualquer parâmetro constitucional, nomeadamente o direito a uma justa indemnização, tendo em conta as diferenças que caracterizam as situações expressamente contempladas no texto do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, daquelas a que se reporta o critério interpretativo sustentado na decisão recorrida.
2.4. Do princípio da justa indemnização
O artigo 62.º, n.º 2, da Constituição, determina que a expropriação por utilidade pública só pode ser efetuada mediante o pagamento de justa indemnização.
Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, não deixou de exigir que esta seja “justa”, impondo assim a observância dos princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade, assim como do direito geral à reparação dos danos, como corolário do Estado de Direito democrático (artigo 2.º, da Constituição).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal, poder-se-á dizer que a “justa indemnização” há de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve, assim, ter como referência o valor real do bem expropriado.
Ora, o critério geral de valorização dos bens expropriados, como medida do ressarcimento do prejuízo sofrido pelo expropriado, numa sociedade de economia de mercado como a nossa, é, em regra, o do seu valor corrente, ou seja o seu valor venal ou de mercado, numa situação de normalidade económica.
Como escreveu Alves Correia “… a indemnização calculada de acordo com o valor de mercado, isto é, com base na quantia que teria sido paga pelo bem expropriado se este tivesse sido objeto de um livre contrato de compra e venda, é aquela que está em melhores condições de compensar integralmente o sacrifício patrimonial do expropriado e de garantir que este, em comparação com outros cidadãos não expropriados, não seja tratado de modo desigual e injusto” (em “O plano urbanístico e o princípio da igualdade”, pág. 546, da ed. de 1989, da Almedina).
Mas a exigência da atribuição de uma indemnização “justa”, também obriga a que este valor de mercado não atenda a situações especulativas e deva sofrer algumas correções impostas por razões de equidade (vide, por exemplo as correções impostas nas alíneas do n.º 2, e o n.º 3, do artigo 23.º, do Código das Expropriações), donde resultará um “valor de mercado normativo”. É a obtenção deste valor referencial que deve orientar a escolha dos critérios determinantes da avaliação dos bens expropriados para o efeito de fixação da respetiva indemnização a receber pelos expropriados.
Isto não significa que o legislador não disponha de uma significativa margem de liberdade para definir esses concretos critérios, cabendo ao Tribunal Constitucional apenas a missão de censurar aqueles que se revelem não serem adequados à obtenção de valores que se enquadrem no parâmetro da “justa indemnização”.
No Código das Expropriações de 1999, o critério geral adotado foi expresso no artigo 23.º, n.º 1:
“1 – A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.”
Procurando evitar alguma subjetividade na determinação deste valor indemnizatório, o legislador seguidamente fixou critérios valorativos instrumentais, relativamente a vários tipos de bens expropriados, distinguindo no artigo 25.º, como já vimos, entre solos aptos para a construção e solos aptos para outros fins.
Na verdade, para o apuramento do equivalente pecuniário do bem expropriado, há que atender às utilidades que ele proporciona ou é capaz de proporcionar. Tratando-se de um terreno, o seu valor depende decisivamente da existência ou não de aptidão edificativa. Existindo essa aptidão, a expropriação representa a privação do valor económico correspondente, pelo que este tem que ser levado em conta no cálculo indemnizatório.
Contudo, quando, apesar dessa aptidão física, o terreno se encontra incluído na RAN ou na REN, o regime legal que lhe é aplicável retira-lhe aquela potencialidade edificativa.
A RAN, como se definia no artigo 3.º, do Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de junho (diploma que estabelecia o seu regime jurídico na data da declaração de utilidade pública das parcelas em causa na presente ação, sendo esse o momento de referência do cálculo do valor da respetiva indemnização, nos termos do artigo 24.º, n.º 2, do Código das Expropriações) é o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas. Estas áreas são identificadas na carta da RAN, a publicar por Portaria do Ministério com competência na execução da política agrícola (artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho).
Segundo o preâmbulo daquele diploma, é a defesa, que se pretende mais eficaz, das áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, ou por terem sido objeto de importantes investimentos destinados a aumentar a capacidade produtiva dos mesmos, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas das populações, que a ela se dedicam, que justifica a afetação de certos terrenos à RAN.
Ali se pode ler:
'Mas se a defesa dessas áreas das agressões várias de que têm sido objeto ao longo do tempo, designadamente de natureza urbanística constitui uma vertente fundamental da política agrícola, não é menos verdade que, por si só, é insuficiente para garantir a afetação das mesmas à agricultura - objectivo que, em última análise se pretende conseguir'.
Daí que, nos termos do artigo 8º, n.º 1, alínea a) deste diploma, “os solos da RAN devem ser exclusivamente afetos à agricultura, sendo proibidas todas as ações que diminuam ou destruam as suas potencialidades agrícolas, designadamente as seguintes:
a) Obras hidráulicas, vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações…”.
Assim, é proibido por lei destinar um terreno que integre a RAN à construção imobiliária.
O Decreto-Lei nº 196/89, de 14 de junho, não deixou, contudo, de estabelecer algumas exceções à exclusividade da afetação dos terrenos que integram a RAN à agricultura. Entre elas, conta-se a utilização desses solos para vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos ou construções de interesse público, desde que não haja alternativa técnica economicamente aceitável para o seu traçado ou localização (artigo 9.º, n.º 2, alínea d), do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho). Além disso, também se poderá verificar uma desafetação dos terrenos integrados em área RAN, nomeadamente quando se verifique supervenientemente uma das situações referidas nas alíneas a) e b), do artigo 7.º, do Decreto-lei n.º 196/89, de 14 de junho.
Já o regime jurídico da REN, à data da declaração de utilidade pública das parcelas em causa, constava do Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de março, na redação dada pelos Decretos-Lei n.º 316/90, de 13 de outubro, e n.º 213/92, de 12 de outubro.
Nos termos do referido diploma legal, a REN constitui uma estrutura biofísica básica e diversificada que, através do condicionamento à utilização de áreas com características ecológicas específicas, garante a proteção de ecossistemas e a permanência e intensificação dos processos biológicos indispensáveis ao enquadramento equilibrado das atividades humanas (artigo 1.º), competindo a determinados membros do Governo a aprovação, por portaria conjunta, das áreas a integrar e a excluir da REN (artigos 2.º e 3.º, n. 1). Posteriormente, as áreas integradas na REN são especificamente demarcadas em todos os instrumentos de planeamento que definam ou determinem a ocupação física do solo, designadamente planos regionais e municipais de ordenamento do território (artigo 10.º).
A integração de certa área na REN é acompanhada de consequências jurídicas nada despiciendas no plano da ocupação, uso e transformação do solo na área abrangida.
Na verdade, nas áreas incluídas na REN são proibidas as ações de iniciativa pública ou privada que se traduzam em operações de loteamento, obras de urbanização, construção de edifícios, obras hidráulicas, vias de comunicação, aterros, escavações e destruição do coberto vegetal (artigo 4.º, n.º 1).
Todavia, esta proibição não é absoluta na medida em que o regime jurídico da REN continua a permitir nas aludidas áreas: a) a realização de ações já previstas ou autorizadas à data da entrada em vigor da portaria conjunta de delimitação das áreas a integrar na REN; b) as instalações de interesse para a defesa nacional como tal reconhecidas pelos membros do Governo competentes; c) e a realização de ações de interesse público como tal reconhecidas pelos membros do Governo competentes (artigo 4.º, n.º 2).
Estas limitações legais influem decisivamente no valor venal dos terrenos objeto destas qualificações. Na verdade, se os expropriados os pretendessem alienar, mediante negócio jurídico, não teriam a expectativa de receber um preço que refletisse integralmente a sua aptidão edificativa, uma vez que as limitações legais à construção lhe retiram o principal fator de valorização.
Mas será que a existência desse condicionamento é suficiente para se poder dizer, com a necessária segurança, que a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações de 1999, a estes casos, resulta na atribuição de indemnizações que não respeitam a exigência do pagamento de uma justa indemnização pela expropriação?
Em primeiro lugar, há que ressaltar que a dúvida sobre a constitucionalidade do critério aqui em análise reside na possibilidade do princípio constitucional da justa indemnização ser afetado por excesso, na medida em que o montante indemnizatório resultante da aplicação da norma em causa incorporaria, em certos termos, a compensação de uma perda efetivamente não sofrida – a perda de uma capacidade edificativa que não existe face às limitações legais existentes.
Ora, o princípio da justa indemnização, como se escreveu no Acórdão n.º 597/2008, “dá corpo a uma garantia constitucional integrada no âmbito de proteção do direito de propriedade. É uma garantia sub-rogatória da que tem por objeto o direito de propriedade. Tendo este que ceder, por força do predominante interesse público que fundamenta a expropriação, ao particular afetado é assegurado, pelo menos, que não fica em pior situação patrimonial do que aquela em que anteriormente se encontrava. Por isso, ele tem direito a uma quantia pecuniária que traduza o valor real do bem.
Mas dificilmente se poderá sustentar que corresponde a um imperativo constitucional, por força apenas do parâmetro da justa indemnização, a não ultrapassagem dessa medida. Tal significaria atribuir-lhe uma dupla natureza e função, em termos de considerar a justa indemnização também como um limite máximo à reparação. Inibindo uma indemnização inferior ao valor do bem, em garantia do expropriado, o critério da justa indemnização vedaria também, nesta ótica, que ele pudesse beneficiar de uma verba, a título ressarcitório, superior àquela correspondente ao valor corrente do bem, no mercado.
No plano constitucional, pela pura via de interpretação da norma consagradora do direito fundamental de propriedade, na dimensão atinente ao direito de não ser privado dela, nada autoriza semelhante conclusão. Ela desvirtua o sentido tutelador e o alcance garantístico do preceito, contrariando a sua teleologia imanente”.
Daí que seja, no mínimo, duvidoso que o eventual excesso das indemnizações pagas pela aplicação do critério normativo sob análise pudessem, por tal razão, conduzir à sua censura por este Tribunal.
Em segundo lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante terrenos que, fisicamente, dispõem dos requisitos necessários para neles se construir, e que se situam numa área em que nas proximidades (num raio de 300 metros) já foram erguidas construções, denota que era perspectivável que, no futuro, pudesse ocorrer uma desafetação desses terrenos das áreas reservadas, sendo possível a sua utilização para a construção. E o ato expropriativo pôs termo a esta expectativa.
Ora, conforme se referiu no Acórdão n.º 408/08 a possibilidade de construção, é um elemento de forte valorização fundiária. Na formação dos preços numa economia de mercado, as expectativas relativas a acontecimentos futuros são determinantes do comportamento dos agentes económicos, pelo que constituem um elemento imprescindível na determinação do valor dos bens, o que, aliás, é especialmente relevante na formação dos preços da propriedade imobiliária, relativamente às possíveis alterações do estatuto fundiário, através da projeção de futuras possibilidades de construção em solo em que atualmente é relativamente proibida essa utilização.
Não estamos aqui perante uma valorização de um qualquer fenómeno especulativo, resultante de um aumento artificial dos preços que não corresponde ao valor corrente de mercado, em situação de normalidade, mas sim perante a consideração de reais expectativas que não podem deixar de influir na determinação daquele valor corrente, pelas potencialidades que conferem ao imóvel.”
É evidente que essas expectativas não são suficientes para conferir aos terrenos expropriados um valor venal idêntico aos dos prédios vizinhos sobre os quais não incidem quaisquer limitações à construção, mas não se afigura necessariamente excessivo que o legislador, atendendo a razões de justiça, equipare esses valores, compensando, assim, o facto da expropriação impedir definitivamente que aquelas expectativas se venham a concretizar. Este critério indemnizatório não deixa de tutelar uma muito próxima capacidade edificativa, pelo que não é possível afirmar-se que já não estamos perante um critério que procure alcançar um valor de mercado normativo para o terreno expropriado e que, portanto, seja manifestamente desproporcionado relativamente ao prejuízo causado.
Mas os arestos que se pronunciaram pela inconstitucionalidade desta interpretação normativa salientaram a verificação de uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes proprietários de terrenos integrados naquelas áreas reservadas que não tenham sido abrangidos pela expropriação, uma vez que estes, se procedessem à venda dos seus terrenos, nunca obteriam o valor que os expropriados recebem com a aplicação do critério previsto no artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações.
Todavia, não é possível na análise da constitucionalidade da norma aqui em causa uma utilização do parâmetro da igualdade no plano externo, dado que tal método resulta na comparação de realidades intrinsecamente distintas, uma vez que a indemnização que é atribuída decorre precisamente do facto de se ter verificado uma expropriação, o que não sucede, relativamente aos restantes proprietários, que mantêm integro o seu património. A especificidade do dano causado pela expropriação e das ponderações avaliativas que suscita conferem ao legislador a liberdade de definir critérios que tenham em consideração o caráter coativo da perda sofrida pelo expropriado, levando-o a valorar circunstâncias que, por razões de justiça, afastam o montante indemnizatório do valor venal do terreno expropriado.
Não é possível impor ao legislador, em nome da igualdade entre proprietários de terrenos sujeitos a limitações legais à construção expropriados e não-expropriados, que valore de modo idêntico os prejuízos que sofrem os primeiros com a expropriação, e o preço de mercado que os segundos, sujeitos às mesmas limitações, conseguem obter com a sua alienação voluntária.
Ao proprietário expropriado é-lhe imposto coactivamente o prejuízo constituído pelo comprometimento definitivo das expectativas da cessação daquelas limitações, o que o coloca numa posição distinta do proprietário não expropriado, o que permite ao legislador estabelecer uma indemnização diversa do preço que este último consegue obter com a alienação voluntária de terreno sujeito às mesmas limitações legais à construção.
Não se revelando que a interpretação normativa fiscalizada viole o princípio da pagamento de uma justa indemnização pela expropriação, designadamente na vertente da igualdade, nem qualquer outro parâmetro constitucional deve o recurso ser julgado improcedente.
*
Decisão
Nestes termos decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável, com valor calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada, terreno integrado na Reserva Agrícola Nacional e na Reserva Ecológica Nacional com aptidão edificativa, segundo os elementos objetivos definidos no n.º 2, do artigo 25.º, do mesmo Código;
e, consequentemente,
b) julgar improcedente o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A., S. A.
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Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Lisboa, 29 de maio de 2013. – João Cura Mariano – Fernando Vaz Ventura – Ana Guerra Martins – Pedro Machete (vencido, no essencial, pelas razões da jurisprudência firmada nos Acórdãos nºs 417/2006, 118/2007, e 196/2011: o princípio da justa indemnização concretiza no domínio expropriativo o princípio da igualdade perante os encargos públicos, pelo que se justifica não privilegiar o proprietário de prédio submetido a vínculo situacional objecto de expropriação relativamente aos demais proprietários em idêntica situação) – Joaquim de Sousa Ribeiro.