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Processo nº 392/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 313, foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. I..., S.A., recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de
23 de Março de 2001, de fls. 284, 'com fundamento: a. na inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 100° a 105° do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de
15 de Novembro, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido – que preteriu a necessidade de audiência prévia do interessado em prol do princípio do aproveitamento do acto administrativo – por violação do princípio constitucional da participação dos cidadãos na formação decisões ou deliberações que lhes disseram respeito (artigo 267°, nº 4 na versão da Constituição da República Portuguesa de 92, número 5 do mesmo artigo, na versão actual), conforme o invocado: o na Petição de Recurso - art. 19° e alínea a) do pedido; o nas Alegações de Direito subsequentes à Petição de Recurso – parágrafos
84 e seguintes (págs. 18 e 19) e 17ª conclusão; o nas Alegações de Recurso para Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo - pontos 17 a 20 e 15ª Conclusão; a. na inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 1°, do D.L. nº
256-A/77, de 17/6, nos artigos 124° e 125° do Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, no artigo 21°, do Código de Processo Tributário de 1991, e na alínea d), do artigo
16°, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido - que considerou suficientemente fundamentada a decisão recorrida – por violação do dever constitucional de fundamentação dos actos administrativos
(artigo 268°, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa), conforme o invocado: o na Petição de Recurso – art. 23° e alínea a) do pedido; o nas Alegações de Direito subsequentes à Petição de Recurso – parágrafos
88 e seguintes (págs. 19 e sgs. ) e 18ª Conclusão; o nas Alegações de Recurso para Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo – pontos 21 a 24 e 16ª Conclusão. a. na inconstitucionalidade das normas contidas na alínea b ), do número 1, do artigo 5°, do D.L. nº 311/82, de 4/8, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido que considerou não ter a entidade Recorrida violado o conteúdo dos direitos fundamentais de propriedade e iniciativa privada (artigos 61° e 62° da Constituição da República Portuguesa) , conforme o invocado; o Petição de Recurso - art. 26° e alínea a) do pedido; o nas Alegações de Direito subsequentes à Petição de Recurso – parágrafo
93 (pág. 21) e 19ª Conclusão; o nas Alegações de Recurso para Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo – pontos 25 a 28 e 17ª Conclusão. d. na inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 3°, 4° , 5° e
6°, do Código de Procedimento Administrativo, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido que considerou não ter a entidade Recorrida violado o conteúdo dos princípios fundamentais presentes nos artigos 2° e 266° da Constituição da República Portuguesa, conforme o invocado: o na Petição de Recurso – art. 25° e alínea a) do pedido; o nas Alegações de Direito subsequentes à Petição de Recurso – parágrafo
92 (pág. 21) e 19ª Conclusão; o nas Alegações Recurso para Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo tribunal Administrativo – pontos 25 a 28 e 18ª Conclusão.' O acórdão recorrido confirmou o acórdão de 17 de Novembro de 1999, de fls. 220, da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, que negou provimento ao recurso contencioso interposto pela recorrente do 'acto do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que indeferiu à recorrente um pedido de redução de sisa a 4%, relativo à aquisição de um prédio, adquirido pela recorrente, e dado de locação financeira à firma ‘E..., SA’' (acórdão recorrido), devidamente identificado nos autos. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
2. Não pode, porém, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto deste recurso.
Com efeito, é pressuposto de admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, como é o caso, que a inconstitucionalidade haja sido 'suscitada durante o processo' (citada al. b) do nº 1 do artigo 70º), ou seja, colocada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'
(nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). No presente recurso, haveria de ter sido suscitada a inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional perante o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de forma a que este Tribunal dela devesse conhecer. Ora a verdade é que em parte alguma das alegações apresentadas nesse recurso
(única das peças processuais indicadas pela recorrente como contendo a alegação de inconstitucionalidade que seria relevante para o efeito de se considerar oportunamente invocada, nos termos previstos no nº 2 do artigo 72º citado) a recorrente suscita a inconstitucionalidade das normas referidas. Diferentemente, sempre imputa o vício de inconstitucionalidade ao acto administrativo objecto do recurso contencioso e à decisão do Supremo Tribunal Administrativo em primeira instância, como se pode verificar da leitura respectiva. Senão, vejamos. Em primeiro lugar, e relativamente às 'normas contidas nos artigos 100º a 105º do Código do Procedimento Administrativo (...), na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido (...)', o que a recorrente afirma naquelas alegações é que estes preceitos não foram observados no procedimento administrativo que descreve, assim se violando o princípio constitucional da 'participação dos particulares na actividade administrativa' e que, ao não considerar relevante tal violação, o acórdão da primeira instância também o infringiu. Basta ler a conclusão 15ª: '15. 0 acto recorrido não foi antecedido de audição do ora recorrente, pelo que foi frontalmente violado o art. 100°/1 do CPA, bem como o princípio da comparticipação dos particulares na actividade administrativa constitucionalmente consagrado, o qual, contrariamente ao decidido pela douta decisão recorrida, não pode ser afastado ‘em homenagem ao princípio do aproveitamento dos actos administrativos e ao da proibição da prática de actos inúteis’. Em segundo lugar, no que toca à 'inconstitucionalidade das normas contidas no artigo 1º, do D. L. nº 256-A/77, de 17/6, nos artigos 124º e 125º do Código do Procedimento Administrativo (...), no artigo 21º, do Código de Processo Tributário de 1991, e na alínea d), do artigo 16º, do Estatuto dos benefícios Fiscais, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido (...)', naquelas alegações a recorrente limita-se a acusar o acto que impugnou de sofrer de falta ou de vícios de fundamentação, e a afirmar que o acórdão que os não julgou verificados
'enferma de erro de julgamento'. Veja-se a 16ª conclusão: '16. Ao contrário do que se decidiu naquela decisão, o acto em análise enferma de manifesta falta de fundamentação, ou, pelo menos, esta é insuficiente, obscura e incongruente, pois indeferiu a pretensão da recorrente com base em fundamento que não decorre do artigo 5°, nº 1 alínea b) do DL 311/82, de 4 de Agosto, dos factos invocados é impossível concluir quais as razões que conduziram ao indeferimento da pretensão da recorrente, não se indicando ainda quaisquer fundamentos de facto e de direito da revogação do deferimento tácito, não admitindo a lei qualquer fundamentação implícita e abstracta, exigindo sempre que ela seja expressa e concreta.' Em terceiro lugar, relativamente à questão da 'inconstitucionalidade das normas contidas na alínea b), do número 1, do artigo 5º, do D.L. nº 311/82, de 4/8, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido (...)', a recorrente, naquelas alegações, procede da mesma forma. Veja-se a conclusão 17ª : '17. O despacho recorrido violou os direitos de propriedade e iniciativa privada da ora recorrente consagrados nos arts. 61º e 62° da CRP , pois estabeleceu um limite ao deferimento do benefício fiscal em causa, que não encontra qualquer fundamento na lei.' E o mesmo se deve dizer, por fim, no que respeita à 'inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 3º, 4º, 5º e 6º, do Código do Procedimento Administrativo, na interpretação dada pelo Acórdão Recorrido (...)', que a recorrente afirma ter suscitado nos mesmos pontos 25º a 28º e na 18ª conclusão, cujo texto é o seguinte: '18. O despacho recorrido violou ainda os princípios da prossecução do interesse público e da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, da proporcionalidade, justiça, segurança, confiança e boa fé consagrados nos arts. 2° e 266° da CRP e nos arts. 4°, 5°, 6° e 7° do CPA pois indeferiu (indeferiu) a pretensão desta sem qualquer fundamento legal e de forma totalmente aleatória.' No ponto 28, a recorrente havia dito que o acórdão de que recorria, não tendo julgado nulo o acto por estes motivos, enfermou 'de erro ao decidir ao contrário'.
3. Conforme o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recorrente só pode ser dispensado do ónus de invocar a inconstitucionalidade 'durante o processo' nos casos excepcionais e anómalos em que não tenha disposto processualmente dessa possibilidade, sendo então admissível a arguição em momento subsequente – no requerimento de interposição de recurso, nomeadamente
(cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e
160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Não
é, manifestamente, o caso dos autos. Assim, não tendo sido suscitada durante o processo, o Tribunal não pode tomar conhecimento da alegada inconstitucionalidade das normas contidas nos preceitos constantes do requerimento de interposição de recurso.
Nestes termos, e de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A e na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.
2. Inconformada, I..., SA veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Em seu entender, não é exacto que não tenha invocado oportunamente a inconstitucionalidade das normas indicadas no requerimento de interposição de recurso, 'pelo menos no que concerne os arts. 100º a 105º do CPA'. E, na verdade, a argumentação que expõe refere-se a estes preceitos em particular; deve, todavia, entender-se, da leitura global da reclamação, que esta abrange a totalidade da decisão sumária. Em síntese, a reclamante discorda da interpretação feita dos pontos relevantes das alegações de recurso apresentadas perante o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, pois entende que nelas invocou a inconstitucionalidade de normas. Assim, e no que respeita aos artigos 100º, nº 1 e 103º do referido Código do Procedimento Administrativo, que 'regulam o princípio constitucional de audição prévia dos interessados, não sendo consentânea com este princípio constitucional a interpretação daqueles por forma a que a audição prévia seja afastada ‘em homenagem ao princípio de aproveitamento dos actos administrativos e ao da proibição da prática de actos inúteis'. Está implicitamente claro que uma interpretação dos mencionados preceitos do CPA em sentido diverso implicaria atribuir a estes um sentido que violaria o princípio constitucional de audição prévia dos interessados. Está implicitamente claro que só a aplicação dos preceitos do CPA invocados nos termos mencionados é consentânea com o texto constitucional. Pelo que ao contrário do que erroneamente sustenta a Decisão Sumária, o vício de inconstitucionalidade não é, no caso em apreço, imputado ao acto administrativo nem ao acórdão recorrido. É, isso sim, ao art. 100º do CPA, com o sentido que o acórdão recorrido lhe veio a conferir.
5. Importa realçar que a situação suscitada à aplicação negativa (ou não aplicação) de um norma que, por não ser aplicada, é inconstitucional (sic).' Indica depois doutrina no sentido de que podem ser objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade decisões que tenham interpretado normas de forma a excluir do seu âmbito de aplicação determinada situação, e de que a questão de inconstitucionalidade pode ser suscitada apenas implicitamente, desde que seja devidamente identificada a norma impugnada. Acrescenta ainda que os votos de vencido apostos ao acórdão recorrido colocaram a questão da inconstitucionalidade agora em causa, e conclui que ela foi devidamente suscitada no processo. Notificado da reclamação apresentada, o SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS veio pronunciar-se no sentido do seu indeferimento.
3. Não tem razão a reclamante, pois que – e agora, tendo apenas em conta os preceitos do Código do Procedimento Administrativo especificamente referidos na reclamação – não é exacto que, durante o processo, nas alegações atrás identificadas, tenha, explicita ou implicitamente, invocado a inconstitucionalidade de quaisquer normas neles contidas. Não está, portanto, em causa saber se é ou não suficiente uma arguição de inconstitucionalidade meramente implícita, ou se é ou não susceptível de constituir o objecto de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade a questão do âmbito de aplicação de uma norma. O que sucede é que, realmente, e como se demonstrou na decisão reclamada em termos que não carecem de ser repetidos, a reclamante não invocou a inconstitucionalidade de qualquer norma 'durante o processo', nos termos legalmente exigidos (artigo 70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82), para que o Tribunal Constitucional dela possa conhecer. No que toca às demais normas, não apontando a reclamante nenhum motivo que justifique a revogação da decisão sumária de não conhecimento, limita-se o Tribunal a confirmá-la.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 24 de Outubro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida