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Processo n.º 387/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 387/13, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei 28/82, 15 de novembro (LTC), da decisão proferida pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação incidente sobre decisão de não admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
2. Pela decisão sumária n.º 349/2013, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(...)
1. Nos presentes autos, o recorrente A. foi condenado, em primeira instância, pela prática, em concurso efetivo, de dois crimes de importunação sexual, p. e p. pelo artigo 170.º do CP, nas penas de 85 e 105 dias de multa e, em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de 170 dias de multa, à taxa diária de €10,00, perfazendo a multa de €1.700,00.
Interpôs o mesmo recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que, por acórdão de 20 de dezembro de 2011, concedeu provimento parcial ao recurso e, mantendo no mais a decisão recorrida, reduziu a taxa diária para €7,00, reduzindo assim a pena de multa unitária para €1.190,00.
O recorrente suscitou a nulidade desse Acórdão, por omissão de pronúncia, e peticionou a sua aclaração.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27 de junho de 2012 foi dado provimento, em parte, à arguição de nulidade e conhecida da questão de constitucionalidade incidente sobre a tipificação do crime de importunação sexual, pelo qual fora condenado, e negado provimento ao demais peticionado.
Novamente inconformado, o recorrente A. interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça e para o Tribunal Constitucional.
O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido, enquanto o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não foi admitido, nos termos dos artigos 432.º, 400.º, n.º 1, alínea e) e 414.º, n.º 2, todos do CPP.
Os autos subiram ao Tribunal Constitucional, vindo a ser proferido o Acórdão n.º 105/2013 (acessível em www.tribunalconstitucional.com, como os adiante referidos), pelo qual foi decidido não conhecer de várias questões colocadas pelo recorrente e julgado improcedente o recurso quanto à questão de inconstitucionalidade relativa a norma constante do artigo 170.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, na parte em que tipifica como crime a conduta de quem importunar outra pessoa, constrangendo-a a contacto de natureza sexual.
2. Regressados os autos ao Tribunal recorrido, foi tramitada reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada pelo recorrente, quanto ao despacho de não admissão do recurso para aquele Tribunal.
Pelo Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi decidido, em [2]2/04/2013, indeferir a reclamação, com fundamento em que o recurso não é admissível, face ao disposto nos artigos 432.º, n.º 1, alínea b) e 400.º, n.º 1, alíneas c) e e), todos do CPP.
3. Irresignado, o recorrente A. interpôs, então, recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional, o qual foi admitido.
4. Neste Tribunal, após convite que lhe foi dirigido pelo relator nos termos do n.º 6 do artigo 75.ºA da LTC, veio dizer o seguinte:
“(...)
I) Seguindo a sequência vertida em tal douto despacho dir-se-á que a decisão recorrida se traduz na douta decisão de indeferimento da reclamação apresentada, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça e datada de 22 de abril de 2013.
II) No tocante à enunciação especificada das duas interpretações normativas dir-se-á que ancoram no seguinte, tendo por observância:
1. É disforme à Lei Fundamental a dimensão normativa da interpretação, conjugada ou individual, das alínea c) e e) (ou qualquer outra) do art. 400º CPP sempre e quando no sentido de não ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões novas proferidas pelos Tribunais da Relação, proferidas na sequência de arguição de nulidade bem como invocação de ambiguidade e obscuridade, com pedido de aclaração, de acórdãos anteriormente proferidos pelos mesmos órgãos decisores.
2. É inconstitucional o entendimento e dimensão normativa da alínea a) do n.º 1 do art. 432º CPP segundo o qual uma decisão proferida pelo Tribunal da Relação, na senda de invocação de nulidade e demais vícios processuais, não constitua ela própria uma decisão em primeira instância a justificar assim um segundo grau de recurso, expressamente admitido e imposto pelo art. 399º CPP e demais legislação internacional aplicável.
III) No que concerne aos parâmetros constitucionais que se consideram violados estão, desde logo, o direito ao recurso bem como os princípios da igualdade e proporcionalidade, plasmados no n.º 1 do art. 31º e arts. 13º e 18º CRP, denominadores comuns em termos de violação de tais dimensões normativas, e consequente admissibilidade recursória que se julga existente materialmente justa e processualmente conforme bem como não reconduzível à tentativa de burla de etiquetas com tratamento similar para situações manifestamente desiguais, uma vez que subjacente a tais recursos e concreto thema decidendum nenhum grau de recurso se mostraria disponibilizado e sempre se terá de exigir que, sob pena de decisão em causa própria, tal controlo não seja efetuado pelo órgão decisor em causa, inexistindo qualquer disposição legal, nacional ou internacional, a vedar a recorribilidade;
IV) No tocante à peça processual em que foram suscitadas tais questões dir-se-á que o foram duplamente, quer no recurso apresentado para o Supremo Tribunal de Justiça, por fax no dia 16 de julho de 2012 e entregue em mão na Secretaria do Tribunal da Relação de Coimbra no dia 18 seguinte [maxime ponto II e conclusões B e H] bem como na reclamação apresentada, na sequência da não admissão do recurso e que esteve na génese da prolação da decisão da qual se recorre, via fax no dia 10 de outubro de 2012 e entregue em mão na secretaria do Tribunal da Relação de Coimbra no dia seguinte (maxime fls. 3 in fine). E dúvidas inexistem de tal alegação prévia, a qual esteve na génese da sua apreciação expressa (a fls. 8 a 11 da douta decisão recorrida).”
II. Fundamentação
5. Sabido que a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional) e, entendendo-se que, no caso em apreço, o recurso não é admissível, cumpre proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
6. No sistema português, os recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade têm necessariamente objeto normativo, devendo incidir sobre a apreciação da constitucionalidade de normas ou interpretações normativas, e não sobre a apreciação de alegadas inconstitucionalidades imputadas pelo recorrente às decisões judiciais, em si mesmas consideradas, atenta a inexistência no nosso ordenamento jurídico-constitucional da figura do recurso de amparo ou da queixa constitucional dirigidos a atos concretos de aplicação do Direito.
Para tanto, e nas palavras do Acórdão n.º 138/2006, a “distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.”
6. Ora, tomando, desde já, a questão colocada pelo recorrente em segundo lugar, incidente sobre “o entendimento e dimensão normativa da alínea a), do n.º 1, do artigo 432.º do CPP”, verifica-se que o recorrente interpela verdadeiramente o ato de julgamento, na sua aplicação do critério normativo relevante, mormente no afastamento do preenchimento do conceito de “decisão em primeira instância”. Estamos, então, perante questionamento dirigido à operação subsuntiva e à melhor interpretação do direito infraconstitucional, o que escapa à fiscalização cometida ao Tribunal Constitucional no artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e concretizada no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC.
Consequentemente, por inidoneidade do seu objeto, o recurso não pode ser conhecido nessa parte.
7. A outra questão formulada pelo recorrente, incorpora, em substância, vários sentidos distintos. Ao indicar, em alternativa, a ponderação individual ou conjugada das alíneas c) e e), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP, o recorrente reporta a mesma interpretação normativa - que as decisões proferidas pela relação em que se conheça de arguição de nulidade e de pedido de aclaração incidente sobre acórdãos proferidos pelo mesmo Tribunal não admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - tanto à alínea c), como à alínea e), do preceituado no n.º 1 do artigo 400.º do CPP, individualmente consideradas, assim como à conjugação de ambas.
7.1. Porém, após essa enunciação plural determinada, o recorrente formula pretensão indeterminada, procurando inscrever no seu impulso recursório, através da menção entre parêntesis “ou qualquer outra”, fontes normativas alternativas denegatórias da recorribilidade, sem as concretizar.
Manifestamente, essa formulação vaga não respeita as exigências do princípio dispositivo, transferindo para o órgão decisor o ónus que sobre o recorrente incide de enunciar o preceito onde se aloja a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.ºA da LTC), pelo que se encontra vedado o conhecimento do recurso nessa parte. Acresce que, e tendo em atenção que a decisão recorrida é bem clara na circunscrição dos fundamentos da inadmissibilidade do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça ao disposto nas alíneas c) e e), ambas do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, sempre cumpriria afastar, por desconforme com a efetiva aplicação operada na decisão recorrida, a apreciação de qualquer outra fonte normativa.
7.2. Por outro lado, importa referir que o critério normativo que determinou o sentido decisório determinado pelo Tribunal a quo radica, em primeira linha, no preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, como resulta do segmento “[e] deste preceito destaca-se a alínea c) do seu n.º 1, que estabelece serem irrecorríveis ‘os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo”, e na asserção de que a decisão que conheceu, a final, do objeto do processo foi o acórdão da Relação que condenou o arguido pela prática de dois crimes de importunação sexual e não, como pretendia o recorrente, o acórdão que conhecera da arguição de nulidade e do pedido de aclaração. Logo, na ótica do despacho recorrido, o acórdão da relação de Coimbra proferido em 27 de junho de 2012, porque não conheceu do objeto do processo, não comporta recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
O raciocínio alicerçado na alínea e) do n.º 1 do mesmo artigo 400.º do CPP situa-se noutro campo normativo fundamentador, com autonomia relativamente à conclusão subsuntiva anteriormente formulada. Com efeito, partindo da premissa de que o acórdão cuja nulidade fora arguida não era passível de recurso, por força do preceituado naquela alínea e), formula-se interpretação normativa, estribada em razões sistemáticas e na natureza do recurso, de acordo com a qual “respeitando a invocação de nulidade a um acórdão irrecorrível, não passa a ser recorrível a decisão que a apreciou” ou, noutra formulação da mesma regra, de que “todas as questões pertinentes e que integrem o objeto do processo, ou que estejam referidas ao conhecimento do objeto do recurso, obtêm decisão definitiva nesse grau (salvo, obviamente, as específicas questões relativa a contencioso de constitucionalidade)”.
Ou seja, não nos encontramos perante decisão que assente em critério normativo encontrado interpretativamente na conjugação ou articulação de vários preceitos, mas sim perante dois critérios normativos alternativos, por autónomos e individualmente operantes como determinante judicativa, o que afasta, igualmente, a apreciação da questão colocada na sua dimensão dirigida a interpretação “conjugada” das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
7.3. Aqui chegados, importa confrontar os dois critérios normativos efetivamente aplicados na decisão recorrida com a questão colocada em termos de saber se nela se encontram interpelados e, num segundo plano, se o Tribunal a quo foi previamente confrontado com a pretensão de ilegitimidade constitucional colocada à apreciação do Tribunal Constitucional, como exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Tomando a enunciação constante da resposta ao convite ao aperfeiçoamento, a resposta a essas interrogações é forçosamente negativa.
Com efeito, o elemento nuclear da interpretação normativa questionada radica na qualificação da pronúncia impugnada como “decisão nova” e não no seu objeto, seja na sua dimensão cognitiva específica face ao objeto material da lide criminal, seja na sua natureza de decisão secundária, intrinsecamente ligada às condições de recorribilidade fixadas pelo legislador para a decisão primária. Ou seja, a questão colocada pelo recorrente parte e centra-se no critério normativo que o recorrente entende relevante mas, nesse esforço de promoção da melhor interpretação do direito infraconstitucional e do critério que, no seu entendimento, deveria ter sido aplicado, afasta-se inexoravelmente dos critérios normativos efetivamente aplicados – expressa ou implicitamente – como ratio decidendi pelo Tribunal a quo.
E, assim sendo, o recurso em apreço perde toda a utilidade pois, qualquer que fosse a conclusão do Tribunal Constitucional sobre a solvência de critério assente na natureza de decisão nova, sempre o Tribunal a quo estaria habilitado a manter a decisão, por não afetadas as razões, distintas, em que assentou o julgado.
7.4. Por outro lado, face ao articulado de reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, não só os apontados critério normativos efetivamente aplicados não encontram a sua desconformidade constitucional questionada, como nem mesmo a questão bifronte colocada no recurso para o Tribunal Constitucional aí encontra assento.
Com efeito, nessa reclamação o problema de constitucionalidade encontra-se colocado apenas perante a alínea e) do artigo 400.º do CPP e não quanto à alínea c) do mesmo preceito. Acresce que não se pode considerar que a ponderação – e aplicação - desta última alínea constituísse surpresa para o recorrente, como se demonstra pela circunstância de ter sido efetivamente abordada no segmento da reclamação em que se diz “[r]elativamente à alínea c) igualmente não é a mesma aplicável porque o acórdão em causa o qual constitui a douta decisão recorrida, não foi proferido em recurso mas sim face ao conhecimento de uma questão nova do próprio Tribunal”.
Logo, sempre será de considerar que não foi previamente suscitada perante o Tribunal a quo, em termos de o vincular ao seu conhecimento, questão de constitucionalidade fundada em norma interpretativamente extraída da alínea c) do artigo 400.º do CPP, o que determina a ilegitimidade do recorrente quanto a essa dimensão do recurso (artigo 72.º, n.º 2 da LTC). E, na medida em que a normação aí alojada constituiu fundamento autónomo do despacho recorrido, a apreciação de questão de constitucionalidade oponível ao fundamento alternativo estará igualmente afastada, por força do princípio da instrumentalidade do recurso de constitucionalidade, porque insuscetível de conduzir à reversão do decidido.
7.5. Face ao exposto, por inidoneidade objetiva, e por ilegitimidade do recorrente, cumpre concluir que, também quanto a essa questão, o recurso não pode ser conhecido.
8. Diga-se, ainda assim, que o Tribunal Constitucional já se pronunciou por diversas vezes sobre questão normativa radicada na irrecorribilidade de acórdão proferido pela relação sobre a arguição de nulidades incidente sobre acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, a partir de diferentes preceitos do n.º 1 artigo 400.º do CPP, concluindo invariavelmente pela formulação de juízo não inconstitucionalidade (cfr. Acórdãos n.º 390/2004, 659/2011 e 194/2012).»
3. Inconformado, o recorrente veio apresentar reclamação da decisão sumária para a Conferência, concluindo nos seguintes termos:
«(...)
III) Em conclusão
Desde logo uma primeira palavra para se afirmar que subjacente à presente opção processual está uma firme consciência de que a razão estará do lado do recorrente...
A questão da combinação e referência plúrima às diversas alíneas prendeu-se unicamente com a defesa face a decisões surpresas, já ocorrida na douta decisão da reclamação perante o Supremo Tribunal de Justiça que veio juntar a alínea c) aos fundamentos de rejeição recursória!
Em causa estão direitos, liberdades e garantias do arguido a que urge dar cumprimento sob pena de o mesmo se mostrar juridicamente desprotegido e coagido a aceitar de forma inexorável uma decisão que tem por materialmente injusta e processualmente disforme.
Razões pelas quais se entende que deverá o objeto global do recurso ser conhecido sob pena de preclusão injustificada dos mais elementares direitos e garantias de defesa constitucionalmente tutelados bem como plasmadas nos maís diversos textos, diplomas e tratados de Direito europeu e mesmo internacional.
Desde logo, nos termos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mostram-se consagrados nos arts. 6º e 13º os direitos a um processo equitativo e a um recurso efetivo, sendo que, primacialmente este último, se mostrará significativamente violado.
Sendo certo que, tal como expressamente plasmado na última folha do requerimento de recurso, “em sede de alegações se corporizarão os fundamentos” por forma a permitir a V/ Exas. uma maior amplitude de análise e cabal perceção das questões em jogo, sem fulminarem de morte o direito ao recurso.
Mostra-se a douta solução encontrada alvo de decisão contrária à metódica de restrição de direitos fundamentais, tendo sido a temática alvo de prévia suscitação em ambos os estádios decisórios: previamente ao despacho de não admissão recursória e consequente reclamação!
Assim, em que medida ficam observados os princípios da igualdade, proporcionalidade, acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva?!
E sendo os argumentos fortes ou fracos e passíveis de ser aquilatado do seu peso, reclama-se uma contrapesagem tendo já subjacente os argumentos ora aduzidos em razão da manifesta preterição de prévia notificação para o efeito.
E nada mais requer o arguido que, ab imo pectore, em observância dos princípios da adequação formal, cooperação, boa-fé e recíproca correção, ver julgado o recurso na sua substância!»
4. O Ministério Público apresentou resposta, no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
5. O recorrente A. reclama para a conferência da decisão sumária que não conheceu do recurso para o Tribunal Constitucional que apresentou, e em que impugnou, por desconformidade constitucional, duas interpretações normativas: uma, reportada às alíneas c) e e) do artigo 400.º do CPP e outra, à alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.
Na decisão sumária reclamada considerou-se que o recurso não podia prosseguir em qualquer dessas dimensões, por inidoneidade objetiva das questões colocadas, e também, quanto à primeira questão formulada, por ilegitimidade do recorrente.
Pretende o recorrente contrariar essa decisão, que reputa de ilegal, alinhando em suporte dessa pretensão diversos argumentos. Diga-se, desde já, que não lhe assiste razão.
6. No que tange à questão reportada a interpretação da alínea a), do n.º 1, do artigo 432.º do CPP, considerou-se na decisão sumária que o recorrente procura no Tribunal Constitucional instância revisora da decisão recorrida e apreciação da melhor interpretação do direito infraconstitucional relativamente ao preenchimento do conceito de “decisão em primeira instância”.
Ora, apesar do esforço do reclamante, os argumentos que alinha a esse propósito apenas confirmam o acerto da decisão reclamada. Na verdade, quanto interroga “onde ver um duplo grau de jurisdição quando a decisão em si e julgamento da questão de nulidade de douto acórdão e demais vícios processuais são julgados pelos mesmos entes decisórios?!”, questiona em substância a correção do juízo formulado pelo Tribunal a quo quanto à natureza incidental - ao invés de, como defende, a considerar “questão nova” - da decisão de que procurou recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. A questão assim colocada limita-se a interpelar o juízo subsuntivo, enquanto tal, e a buscar neste Tribunal instância definidora e corretora da melhor interpretação do direito infraconstitucional.
Mesmo que, na parte final do discurso dedicada a essa questão, o reclamante pareça adotar outra posição, ao dizer que “não se afasta o preenchimento do conceito de “decisão em primeira instância”, logo volta a interpelar a “subsunção jurídica que imponha a recorribilidade”, denotando ser esse, e apenas esse, o objeto da impugnação em apreço. O que significa que a desconformidade constitucional é imputada à decisão em si mesma, em virtude da conclusão pela irrecorribilidade da decisão, e não à aplicação de critério normativo extraído do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, que se tem por desconforme com a Constituição.
Em substância, o reclamante não coloca em confronto a norma ou interpretação normativa efetivamente aplicada como determinante da decisão de irrecorribilidade com os parâmetros constitucionais que aponta. Escolhe percurso diverso: toma como ponto de partida o sentido jurídico da decisão que lhe foi desfavorável e que considera desprovido de solvabilidade constitucional, por cercear recurso que tem por “justificado”, para, sem cuidar de discorrer sobre a dimensão normativa efetivamente aplicada, que tem mesmo como inaplicável, convocar a intervenção do Tribunal Constitucional em seu amparo.
Como se disse na decisão sumária reclamada, essa tarefa não se encontra inscrita no sistema de fiscalização concreta da constitucionalidade, cingido à apreciação de normas ou interpretações normativas,
7. No que diz respeito à segunda questão formulada e aos vários sentidos normativos que comporta, dada a referência alternativa às alíneas c) e e), do n.º 1, do artigo 400.º do CPP, por um lado, e à alusão genérica e indeterminada a “qualquer outra” alínea, por outro, o reclamante começa por explicar que assim procedeu por existir diferença de fundamentação entre as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Supremo Tribunal de Justiça e, então, assegurar impugnação de largo espectro, abarcando todos os fundamentos decisórios que viessem a ser reputados determinantes do julgado. Nas suas palavras: “jogou-se na antecipação face a qualquer cenário”. Acrescenta que já havia afirmado a ausência de subsunção em qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 400.º do CPP e defendido a aplicação da regra geral da recorribilidade, com o que procura demonstrar o cumprimento do ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade perante o Tribunal recorrido, através da supra apontada formulação indefinida.
Novamente, o reclamante confunde a defesa de solução jurídica que tem como correta perante o ordenamento processual penal, e a inerente discussão normativa do direito ordinário, com a suscitação de questão normativa de constitucionalidade, agora na perspetiva da satisfação do ónus de prévia colocação do Tribunal a quo perante a obrigação de apreciar a questão normativa de infração de parâmetros constitucionais que indicou no recurso para este Tribunal, requisito da sua legitimidade para o recurso de constitucionalidade interposto (artigo 72.º, n.º 2 da LTC).
Desde logo, não colhe o argumento de que as normas constantes das várias alíneas do n.º 1 do artigo 400.º do CPP não haviam fundamentado a decisão reclamada e que, por isso, “formulou um juízo de inconstitucionalidade genérico e abstrato”. O recorrente não podia ignorar, de acordo com gestão prudente da defesa, que qualquer das alíneas do preceito, em que se preveem as decisões que não admitem recurso, seria necessariamente ponderada pelo Tribunal a quo. Então, caso entendesse que alguma das normas alojadas no preceito, singularmente considerada ou em articulação normativa, na medida em que prescrevessem a inadmissibilidade do recurso em violação de imposição constitucional, incumbia-lhe o ónus de apontar esse vício, assim como de explicitar as razões que o determinavam e concretizar o(s) parâmetro(s) lesado(s).
Aliás, e como já se disse na decisão sumária, a afirmação do caráter surpreendente da decisão recorrida na aplicação de norma extraída da alínea c) do n.º1 do artigo 400.º do CPP, não é compatível com a constatação de que o recorrente, ora reclamado, ter feito alusão expressa a essa mesma alínea na reclamação que dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça, pese embora para defender a sua inaplicabilidade ao caso. Nada obstava a que tivesse, então, dado sequência à postura cautelar que invoca e esgrimido a desconformidade constitucional de norma ou interpretação normativa extraída do apontado preceito, para a eventualidade de ser efetivamente aplicada e determinar juízo de inadmissibilidade do recurso. O que não aconteceu, optando o reclamante por formulação vaga e inidónea para discernir qual o concreto problema de conformidade constitucional de uma norma específica que procurava ver conhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Temos, então, que, pese embora as longas considerações do reclamante sobre a bondade do recurso que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça e quanto ao seu cabimento de acordo com correta interpretação do direito ordinário – que não relevam para a apreciação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade -, mostra-se acertado, e merece confirmação, o juízo formulado pela decisão sumária reclamada quanto à sua ilegitimidade para colocar em recurso, como colocou, questão de constitucionalidade ancorada na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
8. Por outro lado, tomando agora a alínea e), do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, verifica-se que o reclamante confunde a ponderação da utilidade processual de eventual decisão deste Tribunal que afastasse apenas um dos dois fundamentos decisórios autónomos em que radica a decisão de inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com a utilidade do conhecimento deste recurso, na perspetiva da alteração da decisão que confirmou a sua condenação.
No plano de que cuidamos – verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade – a conclusão de que a decisão recorrida sempre subsistiria inalterada, qualquer que fosse o conhecimento de questão de constitucionalidade reportada a norma de irrecorribilidade constante da al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, em virtude da subsistência de fundamento alternativo para a decisão de inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mostra-se inteiramente correta.
Cumpre, então, concluir pelo acerto da decisão sumária reclamada e pela improcedência da reclamação apresentada.
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada; e
b) Condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça devida, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.