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Processo nº 269/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. C..., com os sinais identificadores dos autos, veio 'recorrer para o Tribunal Constitucional' do 'Douto Acórdão de 00/11/23 e do Douto Acórdão que indeferiu a arguição de nulidades de 012/02/01' (ambos do Tribunal da Relação de Lisboa – 9ª Secção), esclarecendo depois, a convite do relator naquele Tribunal, que o 'recurso é interposto ao abrigo do artº 70º nº 1 al. b) da Lei 28/82, de
15/11' e pretende-se 'ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artºs
374º nº 2 e 379º do C.P.P e 690º-.A do C.P .C. aplicável ‘ex-vi’ 4º do C.P .P, com a interpretação que lhes foi aplicada nas Decisões Recorridas', porquanto tais normas 'violam os princípios da igualdade, acesso ao direito e do contraditório. previstos respectivamente nos artºs 13º, 20º e 32º nº 5 da C.R.P
., o que para os devidos efeitos se alega'. E esclareceu ainda o seguinte:
'II. Ónus de suscitar a norma
4. Nos termos do artº 70° n° 1 al. b) é requisito essencial para admissão e apreciação do recurso para o Tribunal Constitucional ter sido suscitada durante o processo a inconstitucionalidade.
5. Todavia, esse requisito constitui a regra, mas há excepções a esta que permitem a admissão do recurso, como se alegará.
6. A questão da inconstitucionalidade apenas foi suscitada na arguição de nulidades do Acórdão Recorrido, por não ter tido oportunidade de a alegar antes.
7. Assim, ao arguido não é exigível que previsse, que nesse Acórdão, se aplicasse norma de modo a que pudesse suscitar a questão antes do mesmo.
8. Em 14. e 15. da arguição de nulidades do Acórdão Recorrido, foram arguidas inconstitucionalidades.
9. Por isso, o recurso deve ser admitido para o Tribunal Constitucional.
10. Aliás, é a orientação que tem sido seguida pelo Tribunal Constitucional como se exemplifica:
10.1. A aplicação da norma tanto pode ser expressa como explícita. (Ac. T.C.
47/90 e 2.85/93).
10.2. Por outro lado, a inconstitucionalidade pode reportar-se a certa dimensão da norma ou texto desta como uma interpretação da mesma. (Acs. do T .C. nºs
176/88 e 764/93)
10.3. 0 não conhecimento por parte de um Tribunal, da inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo equivale a aplicação implícita da mesma. III Conclusões não apreciadas
11. No Acórdão Recorrido não se apreciou as conclusões 1ª a 3ª e 7ª a 41ª, o que constitui uma nulidade, prevista nos artºs 668° al. d) do C.P .C. ‘ex vi’ do art° 4° do C.P.P., 123º e 379° nº 1 al. c) do C.P.P. e demais legislação em vigor, o que para os devidos efeitos se alega.
12.A1ém disso, não era previsível que no Douto Acórdão Recorrido não fossem conhecidas as conclusões.
13 .Por isso, o não conhecimento das conclusões constitui uma situação
‘surpresa’ e excepcional e de que não houve oportunidade de, antecipadamente, alegar a inconstitucionalidade, antes da Douta Decisão que não conheceu .dessa arguição.
14. Assim, o. arguido não teve oportunidade de suscitar essas inconstitucionalidades antes do Douto Acórdão.
15. A1ém disso, pretende-se também ver apreciada a inconstitucionalidade do art.º 690º-A do C.P .C. aplicável ‘ex vi’ art° 4º do C.P .P ., por não terem sido apreciados os depoimentos dactilografados apresentados pelo arguido, nem ouvidas as gravações, o que afecta os princípios da igualdade, acesso ao direito e do contraditório, previstos respectivamente nos artºs 13º, 20º e 32º n.º 5 da C.R.P. o que para os devidos efeitos se alega'.
2. Dando de barato, para maior comodidade de raciocínio, que a 'questão da inconstitucionalidade apenas foi suscitada na arguição o de nulidades do Acórdão Recorrido, por não ter tido oportunidade de a alegar antes' e que 'ao arguido não é exigível que previsse, que nesse Acórdão, se aplicasse norma de modo a que pudesse suscitar a questão antes do mesmo', o que significa que o recorrente, pela primeira vez, quis confrontar o tribunal de relação com aquela questão no requerimento em que veio 'arguir as nulidades previstas no artº 379º nº 1 al. c) do CPP aplicável por força do artº 425º nº 4 do CPP e suscitar inconstitucionalidades', relativamente ao citado acórdão de 23 de Novembro de
2000, tudo está em saber se foi ou não cumprido o pressuposto processual específico da suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo, como é exigido no artigo 70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82, e nos termos consignados no nº 2 do artigo 72º, da mesma Lei (na redacção do artigo 1º, da Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro). Parece que não. Com efeito, e desde logo quanto ao artigo 690º-A, do Código de Processo Civil, não vem ele referenciado, em sede de arguição de pretensas inconstitucionalidades, no dito requerimento que levou à pronúncia do acórdão recorrido de 1 de Fevereiro de 2001, não havendo da parte do recorrente ou da parte do acórdão qualquer apreciação a respeito daquela norma processual, na perspectiva da sua (in)constitucionalidade. E, quanto às 'normas dos artºs 374º nº 2 e 379º do CPP', o que o recorrente veio dizer no mesmo requerimento é que no acórdão de 23 de Novembro de 2000 'foi feita um interpretação errada das normas dos artºs 374º nº 2 e 379º do CPP', acrescentando-se apenas que 'foi violado o princípio do contraditório, previsto no artº 32º nº 5 da CRP, o que para os devidos efeitos se alega', reportando-se, no mais, a alegação do recorrente à arguição de 'nulidades existentes no acórdão deste tribunal de 00/11/23 que consistiriam em não se terem apreciado as conclusões 1ª a 41ª da sua motivação – ou seja, todas elas', como se pode ler no acórdão de 1 de Fevereiro de 2001, que entendeu 'indeferir o requerido mantendo na íntegra o acórdão proferido' (e tal alegação situa-se no âmbito do direito infraconstitucional, censurando-se o decidido na base de que 'não se teve em conta os factos provados e os documentos que seriam favoráveis à tese do arguido', na linguagem do recorrente). Ora, esse modo de dizer, em sentido meramente afirmativo, desacompanhado de qualquer demonstração do que seria a invocada 'interpretação errada' das normas do Código de Processo Penal, não satisfaz a exigência do 'modo processualmente adequado' que é feita no nº 2 do artigo 72º, pois fica por saber que interpretação é essa e também não diz o recorrente que interpretação deveria adoptar-se para as normas questionadas serem aplicadas conformemente à Lei Fundamental. Tanto assim que no acórdão de 1 de Fevereiro de 2001 apenas se refere que 'se não vislumbra em que possa ter consistido a invocada violação desse princípio (o princípio do contraditório) nem o recorrente o esclarece uma vez que se limita a afirmá-lo genericamente', não se apreciando nenhuma questão de
(in)constitucionalidade reportada a tais normas. Com o que, falhando o dito pressuposto processual, não pode tomar-se conhecimento do presente recurso.
3. Termos em que, DECIDINDO, não tomo conhecimento do recurso e condeno o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em seis unidades de conta'.
B. Dela veio 'reclamar para a conferência' o recorrente, que, depois de discorrer sobre o processo constitucional, veio sustentar que 'há excepções' à regra da suscitação de questão de inconstitucionalidade durante o processo: E fê-lo nestes termos:
'24. A prolação da decisão recorrida pode admitir recurso para o Tribunal Constitucional, nos casos excepcionais ou anormais em que não haja oportunidade de alegar a inconstitucionalidade antes de ser proferida a decisão.
25. 0 recurso do arguido insere-se num desses casos excepcionais, como se alegará, pelo que lhe deve ser admitido o direito ao recurso. (Ac. T.C.521/95)
26. Pois, o arguido não teve a possibilidade de suscitar a inconstitucionalidade, com rigor, antes do Acórdão proferido em 23/11/00.
27.Assim, ao arguido não é exigível que previsse, que nesse Acórdão, se aplicasse norma de modo a que pudesse suscitar a questão antes do mesmo.
28.Com efeito, o arguido não previa que:
28.1.No Douto Acórdão de 23/11/00:
28.1.1.Não fossem conhecidas todas conclusões do recurso;
28.1.2.Se olvidasse a existência de duas participações, de Fls. 55 a 56verso e
84 a 85-verso;
28.1.3.Não fossem apreciados os documentos dactilografados provenientes da gravação da prova, nomeadamente as contradições existente;
28.1.3.1.Porém, a análise desses documentos são determinantes para se aquilatar se houve ou não erro na apreciação da prova;
28.1.4.Não fosse apreciada a contradição existente entre o auto de noticia, o talão de verificação de Fls. 5 e o depoimento dactilografado do agente Domingos Varela;
28.2.No Acórdão de 1/2/01:
28.2.1.Não fossem supridas as nulidades arguidas;
(...)
29. Em 14. e 15., da arguição de nulidades, arguiu-se inconstitucionalidades, que se dão como reproduzidas.
30. Por isso, o recurso deve ser admitido para o Tribunal Constitucional' C. Na sua resposta o Ministério Público veio dizer que a 'presente reclamação carece de fundamento', pois 'a alegada interpretação errada das normas dos artigos 374º, nº 2 e 379º do Código de Processo Penal não satisfaz a exigência do modo processualmente adequado que é feita no nº 2 do artigo 72º pois fica por saber que interpretação é essa e também não diz o recorrente que interpretação deveria adoptar-se para as normas questionadas serem aplicadas conformemente à Lei Fundamental, ponto sobre o qual a presente reclamação é totalmente omissa'. D. Cumpre decidir. O reclamante limitou-se agora a repetir o que já havia dito no esclarecimento prestado após a interposição do recurso de constitucionalidade, usando até o mesmo discurso. A isso respondeu-se na Decisão Sumária reclamada, que, perante a inexistência de nova argumentação do reclamante, tem de manter-se, pois não há razões novas que determinem qualquer modificação do sentido do aí decidido. Não sai, portanto, minimamente beliscada a decisão de não tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade. E. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e não se toma conhecimento do recurso, condenando-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em quinze unidades de conta. Lisboa, 10 de Julho de 2001 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa