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Processo 317/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. No presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade em que é recorrente A. e recorridos B., C., D., E., F., G., H., I., J., K., L., M., N. e O., o relator proferiu a seguinte “decisão sumária”:
[…]
1. O tribunal de 1ª instância julgou procedente a exceção de caducidade da ação de investigação de paternidade intentada pela ora recorrente, por aplicação do prazo de 10 anos a contar da maioridade do investigante, estabelecido pelo n.º 1 do art.º 1817.º, aplicável por força do disposto no art.º 1873.do Código Civil.
Por acórdão de 13/2/2013, o Supremo Tribunal de Justiça negou a revista pedida pela investigante.
A Autora interpôs recurso deste acórdão, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º a Lei 28/82 (LTC), visando a apreciação da constitucionalidade da referida norma, por violação do disposto nos artºs 16.º, n.º1, 18.º, nºs 2 e 3, 25.º, nº1, 26.º, n.º1 e 36.º, nº 1, todos da Constituição.
2. Como refere o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional proferiu, em Plenário, o Acórdão n.º 401/2011 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) que decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação da paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
É, pois, em aplicação deste juízo que se profere para o presente caso idêntica solução de não inconstitucionalidade.
3. Decisão
Termos em que, ao abrigo do n.º 1 do art.º 78.-A da LTC, se decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante.
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita.
[…]
2. O recorrente reclamou para a conferência, nos seguintes termos
A douta decisão reclamada, proferida a título sumário, prejudica os interesses processuais da Requerente, a quem assiste o direito de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão” (cfr. art. 700º, nº 3 CPC).
Assim, no âmbito do citado Acórdão nº 401/2011 – aresto anterior sobre o mesmo objeto, que motivou a decisão sumária -, que decidiu não julgar inconstitucional a norma do art. 1817º, nº 1 do Código Civil, na redação da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, na parte em que, aplicando-se às ações de investigação de paternidade, por força do art. 1873º do mesmo Código, prevê um prazo de dez anos para a propositura da ação, contado da maioridade ou emancipação do investigante, foi suscitada a questão da inconstitucionalidade do preceito legal, por violação dos arts. 26º, nº 1, 36º, nº 4 e 18º, nº 2 CRP, tendo o douto aresto concluído pela não inconstitucionalidade da norma – com efeitos restritos ao caso concreto -, porque não violadora dos direitos fundamentais à identidade pessoal, previsto no art. 26º, nº 1 CRP, e a constituir família, previsto no art. 36º, nº 1 CRP.
Ora, a apreciação de constitucionalidade da norma suscitada pela ora Reclamante, ainda que recaia, no seu núcleo essencial, sobre a mesma matéria constitucional, estende-se para além desta, uma vez que ali é arguida a inconstitucionalidade do preceito, por violação do disposto nos arts. 16º, nº 1, 18º, nºs 2 e 3, 25º, nº 1, 26°, nº 1 e 36º, nº 1, todos da CRP, impondo uma ponderação mais abrangente dos princípios constitucionais aí contemplados, que se encontram, na perspetiva da ora Recorrente, a ser violados.
Para além disso, o mencionado Acórdão nº 401/2011, seguiu-se a outros do Venerando Tribunal Constitucional que, não se debruçando especificamente sobre a inconstitucionalidade do art. 1817º, nº 1 do Código Civil, na redação da Lei nº 14/2009, de 1 de abril, sustentaram a tese arguida pela ora Reclamante, designadamente no que à “imprescritibilidade” das ações de investigação da paternidade diz respeito – cfr., a título de exemplo, Acórdãos nº 626/2009 e 65/2010 -, sendo certo, por outro lado, que esse entendimento, se acolhido em sede de apreciação de constitucionalidade do preceito legal em mérito, conduzirá necessariamente a um juízo de inconstitucionalidade da norma.
Por outro lado, ainda que proferido em sede de Plenário, o Acórdão nº 401/2011 obteve, de entre treze, seis votos de vencido, o que, para além de revelar uma não resolvida discussão doutrinal e jurisprudencial, justifica, por si só, que a presente matéria não possa ser classificada como de natureza simples.
De facto, quando existem decisões e entendimentos não coincidentes sobre o mesmo objeto, como é o caso, é sempre admissível a variação da jurisprudência a seu respeito, pelo que esta simples possibilidade justifica uma discussão e um juízo que não são compatíveis com uma decisão sumária.
Pelo exposto,
a Reclamante pretende que sobre a matéria da douta decisão sumária em mérito seja proferido acórdão, peto que deve a mesma ser submetida à conferência, nos termos do disposto no artº 78º-A, nº 3, da LTC.
3. Os recorridos não responderam.
4. A decisão reclamada foi proferida em aplicação da doutrina do acórdão n.º 401/2011, do Plenário, para que se limita a remeter, em homenagem ao valor da certeza e segurança jurídicas, que é servido pela estabilidade da jurisprudência. Com efeito, o referido acórdão foi proferido com intervenção do Plenário, ao abrigo do art.º 79.º-A da LTC, formação a que o processo foi submetido em ordem a evitar divergências jurisprudenciais e atendendo à natureza da questão a decidir que envolve, como a fundamentação do acórdão esclarece, matéria de elevada complexidade jurídica e de viva controvérsia doutrinal e oscilação jurisprudencial.
A recorrente pretende que o recurso prossiga para alegações, com dois argumentos essenciais: a questão não é simples, como demonstra o facto de o acórdão do Plenário ter sido proferido por escassa maioria, e a recorrente invocou outros parâmetros de constitucionalidade, além daqueles que esse acórdão considerou.
A qualificação de uma questão como “ simples”, para efeitos do n.º 1 do art.º 78.º da LTC, não exige necessariamente que ela se apresente destituída de complexidade problemática ou de resposta pacífica. Pode considerar-se “simples”, para efeito de poder ser adotado o mecanismo de agilização da atividade do Tribunal instituído pelo art.º 78.-A da LTC, a questão que já tenha sido objeto de decisão anterior do Tribunal. Como se afirma, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 257/00, 305/00 e 288/01, não deve identificar-se a “simplicidade” da questão com a “insusceptibilidade de controvérsia a nível doutrinal”, sendo de perspetivar como “simples” uma questão que, embora eventualmente de grande dificuldade de análise e de resolução, já haja sido decidida pelo Tribunal Constitucional, permitindo a lei que, nestas condições, o Tribunal, “em lugar de repetir materialmente a apreciação, julgue incorporando a fundamentação já expendida em anterior decisão” – não sendo de exigir sequer que o entendimento do Tribunal Constitucional seja “unânime” (Acórdão nº 346/07).
É certo que o interessado não deve ser impedido de apresentar argumentos ou razões que não tenham sido adequadamente ponderados no precedente jurisprudencial invocado. Mas para tanto é necessário que a referência da solução normativa a parâmetros constitucionais não considerados, ou a apresentação da questão sobre nova perspetiva ou com novos argumentos, tenham um mínimo de plausibilidade.
Ora, das alegações de recurso perante o Supremo Tribunal de Justiça, extrai-se que a sustentação por parte do recorrente da inconstitucionalidade da norma em causa não traz novidade significativa relativamente ao que foi debatido e ponderado – através da fundamentação que prevaleceu e dos votos de vencido – no referido acórdão do Plenário. A referência aos art.ºs 16.º n.º 1 nada acrescenta de materialmente significativo e a invocação do n.º 1 do art.º 25.º da Constituição é manifestamente infundada. Trata-se, aliás, de preceitos constitucionais que a recorrente invocou nas alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça, mas sem qualquer suporte argumentativo. Ao que a recorrente argumentou no processo a doutrina do acórdão dá resposta cabal
Refira-se, por último, que não é invocada qualquer evolução doutrinária ou de jurisprudência internacional que justifique abrir o debate, face a tão recente decisão do Plenário do Tribunal. E que, embora tenha ocorrido alteração da composição do Tribunal, face às posições entretanto assumidas, nada indica que seja provável a alteração da linha jurisprudencial que prevaleceu (cfr. ac. n.º 515/12, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.).
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas custas, com 20 UCs de taxa de justiça.
Lx. 19-06-13. – Vítor Gomes – Catarina Sarmento e Castro – Maria Lúcia Amaral.