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Processo nº 459/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.1. - Nos autos de expropriação por utilidade pública, com processo urgente, instaurados pela Junta Autónoma das Estradas, sendo expropriada M..., pendentes no Tribunal Judicial da comarca de Oliveira de Azemeis, recorreu esta da decisão arbitral, pretendendo a sua revogação e que seja fixada a indemnização da parcela expropriada no montante de 1.868.000$00, actualizado de acordo com o disposto no artigo 23º do Código das Expropriações, uma vez que na parcela expropriada seria possível construir três moradias unifamiliares, de cujo valor resultaria o montante de 1.768.000$00, a que acresceria o de 100.000$00, de valor de benfeitorias.
Sendo assim, o valor da parcela seria calculado com base no valor venal, de harmonia com o preceituado no nº 2 do artigo 26º daquele Código, e não como parcela para fins exclusivamente agrícolas.
Por sentença de 12 de Junho de 2000, após uma primeira sentença, de 16 de Maio de 1998, ter sido alterada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15 de Abril de 1999, concedeu-se provimento ao recurso, fixando-se o valor da indemnização em 1.983.696$00, montante que deverá ser actualizado desde 28 de Junho de 1995, de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação.
1.2. - Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto o I.C.E.R.R. – Instituto para a Conservação e Exploração da Rede Rodoviária, que, entretanto, sucedeu à Junta Autónoma das Estradas, contra-alegando a recorrida no sentido da manutenção do julgado.
O Tribunal da Relação, por acórdão de 12 de Março de
2001, julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.
É deste aresto que a entidade expropriante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Pretende-se a apreciação da constitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 26º do Código das Expropriações de 1991, na interpretação que lhe foi dada pela decisão recorrida, que entende violadora dos artigos 2º, 13º,
18º, 62º e 266º da Constituição da República (CR) e ainda dos princípios da igualdade, justiça, proporcionalidade e justa indemnização.
No seu entender, o tribunal interpretou aquela norma no sentido de que devem ser considerados, para efeitos de cálculo de justa indemnização, em expropriação litigiosa por utilidade pública, as
'potencialidades construtivas a médio prazo' de solos classificados como 'aptos para outros fins'.
O recorrente reconhece só ter suscitado a questão de constitucionalidade no próprio requerimento de interposição de recurso, mas o certo é que, segundo alega, 'só agora [...] se encontra em condições e oportunidade v.g. processuais de suscitar a inconstitucionalidade da referida norma por via de recurso, uma vez que a interpretação de tal preceito (em termos de ser considerada inconstitucional) só agora foi realizada pelo douto acórdão recorrido (note-se que a sentença de 1ª instância invocou e alegadamente aplicou o nº 2 e não o nº 1 do referido preceito)'.
1.3. - O Desembargador relator, por despacho de 19 de Abril
último, não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, considerando que nas alegações de recurso não foi suscitada a questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade das normas que o recorrente considera feridas de inconstitucionalidade.
Reclama o expropriante do assim decidido para o Tribunal Constitucional, pedindo que o despacho em causa seja substituído por outro que admita o recurso de constitucionalidade.
Para o efeito, reitera que só na 2ª instância se decidiu com base na interpretação enunciada do nº 1 do artigo 26º citado – que, assim, foi pela primeira vez aplicado, não tendo a 1ª instância interpretado e aplicado tal norma, mas sim a do nº 2, razão pela qual não lhe era exigível suscitar o apontado vício de inconstitucionalidade em momento processual anterior.
2. - Neste Tribunal, foram os autos ao visto do Ministério Público, nos termos do nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, tendo o respectivo magistrado emitido o seu parecer, no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II
1. - Transcreve-se o parecer emitido, para melhor intelegibilidade do problema subjacente:
'Não nos parece que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto se possa configurar como ‘decisão surpresa’, susceptível de – pelo seu conteúdo insólito e imprevisível – dispensar o recorrente do ónus de atempada suscitação,
‘durante o processo’, da questão de constitucionalidade que integra o objecto do recurso de fiscalização concreta interposto. Era, na verdade, plenamente evidente e perceptível que o litígio entre expropriado e entidade expropriante incidia precisamente sobre a exacta qualificação do solo expropriado, decorrente da ponderação de uma possível aptidão ou potencialidade construtiva ‘a médio prazo’ que, aliás, já era ponderada no relatório pericial de fls. 239 e seguintes e que constituíu naturalmente o suporte do decidido pelas instâncias. Neste circunstancialismo, não será obviamente a mera invocação do preceituado no nº 1 do artº 26º do Código das Expropriações de 1991 – em vez de ancorar a dirimição do pleito exclusivamente na invocação do nº 2 de tal preceito legal, de que o nº 1 sempre funciona como ‘pano de fundo’ – que permite configurar o acórdão proferido pela Relação como ‘decisão surpresa’. Em suma: num litígio que incide sobre a qualificação de certo terreno expropriado, para efeito de determinação do montante indemnizatório devido – tendo em conta uma ‘potencialidade construtiva a médio prazo’ , revelada pelo próprio relatório pericial – é perfeitamente previsível para as partes a eventualidade de o tribunal se fundar na invocação e aplicação do preceituado no nº 1 do art. 26º do Código das Expropriações de 1991, cumprindo-lhes, deste modo, confrontarem as instâncias com as questões de constitucionalidade que, com base em tal normativo, entendam dever suscitar. Nestes termos – e por inverificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto – somos de parecer que a presente reclamação é improcedente.'
2. - Tem-se por correcto e adequado o entendimento professado pelo Ministério Público.
Com efeito, impunha-se à recorrente o ónus de suscitar a inconstitucionalidade normativa antes de proferida a decisão recorrida, uma vez que lhe era exigível antever a aplicação da norma impugnada.
Como a jurisprudência constitucional tem repetidamente afirmado, recai sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades de aplicação normativa ou das interpretações desta, para o que importa adoptar uma estratégia processual adequada. Ou seja, incumbe-lhes suscitar antecipadamente, como método adequado à defesa dos seus interesses, as interpretações razoáveis das normas em questão, de modo a fazê-lo 'durante o processo', isto é, anteriormente à prolação da decisão, só relevando uma tardia suscitação perante uma 'decisão-surpresa', de manifesta excepcionalidade, de modo a não ser razoável exigir um prévio juízo de prognose.
Neste sentido, entre tantos outros, citam-se os acórdãos nºs. 479/89, 439/91, 40/92, 489/94, 367/96 e 595/96 publicados no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992, os dois primeiros, 20 de Maio de
1992, 16 de Dezembro de 1994, 10 de Maio de 1996 e 22 de Julho de 1996, respectivamente.
Ora, como decorre da leitura do já disposto – nomeadamente da equacionação do problema constante do parecer do Ministério Público – não se verifica uma situação de surpresa que relevasse a tardia suscitação da questão de constitucionalidade.
III
Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 12 de Julho de 2001 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida