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Processo nº 162/2001
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 2276 foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. Pelo requerimento de fls. 2272, M... veio recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas als. b) e g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de
26 de Setembro de 2000. Não indica, nem a norma ou normas cuja apreciação pretende, nem a norma ou princípio constitucional violado e a peça processual onde invocou a inconstitucionalidade (quanto ao recurso interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), nem o acórdão do Tribunal Constitucional que tenha julgado inconstitucional a norma impugnada (quanto ao recurso interposto ao abrigo do disposto na al. g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), como exigem os nº 1, 2 e 3 do artigo 75º-A da mesma Lei nº 28/82. Não se procede, porém, ao convite para completar o requerimento de interposição porque o recurso é extemporâneo, o que torna inútil tal convite. A esta consequência não obsta a circunstância de o recurso ter sido admitido pelo tribunal a quo, como decorre do disposto no nº 3 do artigo 76º da Lei nº
28/82.
2. O prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional é de dez dias, contados da data da notificação da decisão recorrida (artigos 75º da Lei nº 28/82 e 685º, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 69º daquela Lei nº 28/82). No caso, tendo sido requerida a aclaração do acórdão do Tribunal da Relação de
Évora de 26 de Setembro de 2000, de fls. 2259, o prazo inicia-se da notificação do acórdão que negou a aclaração pretendida, de 9 de Janeiro de 2001, de fls.
2269 (artigo 686º, nº 1, do Código de Processo Civil). Ora, conforme resulta do disposto no artigo 254º, nº 3, do Código de Processo Civil, tendo sido registada a carta com a notificação do acórdão de fls. 2269 a
11 de Janeiro de 2001 (cfr. fls. 2271), considera-se feita a notificação no dia
15 de Janeiro, começando a 16 e terminando a 25 do mesmo mês o prazo de dez dias para recorrer para o Tribunal Constitucional. Ora o requerimento de interposição de recurso foi expedido pelo correio no dia
30 de Janeiro de 2001 (cfr. envelope, fls. 2273); o recurso é, pois, extemporâneo.
É irrelevante, no caso presente, que a recorrente pudesse ter beneficiado do regime previsto nos nºs 5 e 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil. Com efeito, como este Tribunal já teve ocasião de decidir, não tendo o recorrente sido notificado, no tribunal a quo, para pagamento da multa, 'está-se perante a situação prevista no art. 201º, nº 1, do CPC , de ‘omissão de um acto que a lei prescreve’, cumprindo, pois, aplicar-lhe o respectivo regime. Assim: tratando-se, inegavelmente, no caso, de uma irregularidade susceptível de
‘influir no exame ou decisão da causa’, produziu-se uma nulidade processual
(disp. cit.); uma nulidade, porém, que o tribunal só pode conhecer sobre reclamação do interessado (como resulta do art. 202º do CPC ); e que este
último, dadas as circunstâncias em que a mesma se produz, deveria arguir no prazo de' dez dias (redacção actual do nº 1 do artigo 153º do Código de Processo Civil) – Acórdão nº 29/87, Diário da República, II Série, de 1 de Abril de 1987.
No mesmo sentido se julgou no acórdão nº 313/97, não publicado, onde se escreveu, a propósito da intempestivividade de uma reclamação: 'Entende este Tribunal que cabia ao ora reclamante o ónus de ter solicitado à secretaria do Supremo Tribunal Administrativo as guias para pagamento imediato da multa prevista no nº 5 do art. 145º do Código de Processo Civil, uma vez que o seu patrono não podia deixar de ter conhecimento de que a validade da reclamação ficava dependente desse pagamento.
É certo que o nº 6 do art. 145º do Código de Processo Civil estatui que a secretaria do tribunal, logo que seja verificada a falta e independentemente de despacho judicial, deverá notificar o interessado para pagar uma multa agravada,
‘sob pena de se considerar perdido o direito de praticar o acto’. Simplesmente, no caso sub iudicio, não foi detectada a entrega fora de prazo da reclamação por essa secretaria, risco que impende sobre o reclamante. Acontece também que o Tribunal Constitucional tem entendido que não lhe cabe suprir as omissões das partes ou da secretaria do tribunal recorrido. Desde o acórdão nº 29/87 (...) que o Tribunal Constitucional tem adoptado este entendimento, sustentando que a não notificação oficiosa pela secretaria do tribunal recorrido se há-de configurar como uma nulidade que há-de ser arguida pelo interessado, sob pena de sanação, na primeira ocasião em que tenha possibilidade de o fazer (cfr. no mesmo sentido, o acórdão nº 603/94, no Diário da República, II Série, nº 2, de 3 de Janeiro de 1995, onde se reafirma a irrelevância da omissão processual da secretaria do tribunal recorrido).' Ora a recorrente foi notificada do despacho de admissão do recurso de constitucionalidade, de fls. 2274, como se pode ver na mesma fl. 2274, por carta com registo de 6 de Fevereiro de 2001; decorreu já, pois, o prazo para a arguição da nulidade indicada. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Assim, decide-se não conhecer do recurso, por ser extemporâneo. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.
2. Inconformada, M... veio reclamar para a conferência, sustentando que deve 'a conferência decidir que os autos baixem à Relação de Évora para que a Secretaria cumpra o disposto no artº 145º nº 6 do C.P.C., proferindo-se novo despacho de admissão de recurso, no caso de pagamento da multa competente, seguindo o processo os demais trâmites, deferindo-se a presente reclamação e as inconstitucionalidades suscitadas'. Como fundamento, M..., após reconhecer ter enviado o requerimento de interposição de recurso 'no terceiro dia útil posterior ao prazo legal', e não ter procedido ao pagamento imediato da multa, veio considerar que, ao aplicar o regime previsto para as nulidades processuais pelo artigo 201º do Código de Processo Civil, nos termos acima transcritos, a decisão reclamada procedeu a uma
'interpretação [que] não tem qualquer razão de ser'. Sustenta que 'é entendimento jurisprudencial maioritário dos tribunais superiores que, não se tendo a secretaria apercebido da falta de pagamento da multa prevista no nº 5 do artº 145º, C.P.C., incumbe ao juiz, ao detectá-la, ordenar à secretaria se proceda à liquidação da multa devida e à notificação do interessado para pagar ‘ multa de igual montante igual ao dobre’ daquela que não foi paga'; não é, assim, necessário requerimento do interessado. Para além disso, tendo sido admitido o recurso, sem prévio pagamento da multa devida, não poderia a recorrente arguir a nulidade do correspondente despacho, cuja impugnação apenas seria possível pela via do recurso, mas que ela, recorrente, não podia interpor, em virtude do disposto no nº 1 do artigo 680º do Código de Processo Civil. Caberia, então, à relatora no Tribunal Constitucional, 'tendo dado pela falta,
(...) ter mandado baixar os autos para que a secretaria da Relação de Évora notificasse a arguida para efectuar o pagamento da multa, nos termos do artº
78º-B nº 1 da Lei 28/82. Se a tese em crítica vingasse, o Advogado teria de se deslocar a todos os tribunais do país, por cada despacho que recebesse, não fosse ter existido uma irregularidade nos autos'. Após fazer apelo aos 'novos princípios do processo Civil' e a regras das quais resultaria que 'o interveniente processual não pode ser responsabilizado por actos de que sejam culpados funcionários judiciais', conclui no sentido de ser,
'assim, evidente que compete ao Tribunal Constitucional fazer baixar os autos à Relação de Évora, dada a omissão da Secretaria, como aliás o impõe o disposto no nº 1 do artº 78-B da Lei nº 28/82, e tem sido prática corrente, em casos semelhantes, nos Tribunais Superiores, sendo inconstitucional, inconstitucionalidade que se argui, a interpretação dada aos artºs 201, 1-202,
145-5 e 653, 1 e 685-1-C.P.C. e artºs 69 e 75 da Lei 28/82, por violação do artº
20-1-da C.R.P., na decisão reclamada'.
3. A reclamação não pode proceder. Mas, antes de mais, cumpre esclarecer que não está de forma nenhuma em causa querer 'responsabilizar' a reclamante 'por actos de que sejam culpados funcionários judiciais'. Com efeito, é à reclamante que é imputável o envio tardio do requerimento de interposição de recurso, bem como a falta de pagamento imediato da multa prevista no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil. A notificação prevista no nº 6 do mesmo preceito é um benefício que a lei concede ao interessado que violou duplamente a lei: primeiro, ao desrespeitar o prazo; depois, ao não pagar imediatamente a multa. Estando a reclamante representada por advogado, não pode naturalmente o Tribunal pôr a hipótese de ser desconhecido este regime legal. Feita esta advertência, vejamos porque não pode proceder a reclamação.
4. Sustenta a reclamante, em primeiro lugar, que deveria o juiz, detectada a falta, ter ordenado à secretaria que a notificasse para proceder ao pagamento da multa, não sendo necessário requerimento do interessado. Não cabe agora discutir aqui este entendimento jurisprudencial referido pela reclamante; e não se justifica essa discussão porque esta observação apenas vem corroborar a eventual ocorrência de uma nulidade por omissão de um acto devido e, portanto, a necessidade de ter sido invocada pela reclamante.
5. Sustenta depois a reclamante que não poderia ter invocado a omissão em causa; e que entender o contrário obrigaria os advogados a deslocarem-se a todos os tribunais do país de cada vez que recebem um despacho para verificar se não foi precedido de uma irregularidade. Ora a verdade é que, a ser devida a notificação para pagamento, ocorre uma nulidade nos termos do disposto no nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil, como, aliás, se refere na jurisprudência citada na decisão reclamada; não faz nenhum sentido pretender ultrapassar a questão transferindo para o Tribunal Constitucional a responsabilidade por sanar uma irregularidade que, provocada pelo incumprimento da lei pela reclamante, ultrapassa, como é evidente, o âmbito dos poderes de intervenção deste Tribunal no julgamento da causa.
É manifesto que o Tribunal Constitucional não tem qualquer poder de determinar à Secretaria do tribunal recorrido que pratique o acto que a reclamante pretende. Quanto à observação de que tese contrária à que perfilha obrigaria os advogados a percorrerem todos os tribunais do país de que recebam um despacho, não tem qualquer cabimento quando está em causa uma omissão da reclamante, que provocou a irregularidade.
6. Finalmente, a reclamante aponta a inconstitucionalidade de diversas normas, sem, todavia, as enunciar. Com efeito, o que a reclamante afirma é que é inconstitucional 'a interpretação dada' aos preceitos legais acima indicados. Não pode o Tribunal Constitucional substituir-se à reclamante na descrição das normas que considera inconstitucionais. Ora, não questionando pura e simplesmente as normas contidas naqueles preceitos, mas a interpretação que lhes foi dada, haveria de a ter identificado e de ter explicado porque viola o disposto no artigo 20º da Constituição (ver, a título de exemplo, o acórdão nº
178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º, 1118): 'Tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Assim, e independentemente de outras considerações, não se conhece das inconstitucionalidades referidas na reclamação.
Assim, nos termos e pelos fundamentos indicados, indefere-se a reclamação e confirma-se a decisão reclamada. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 13 de Julho de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida