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Processo n.º 864/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Guimarães, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 54/2013:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 08 de outubro de 2012 (fls. 471), que conheceu de requerimento de arguição de nulidade de acórdão condenatório proferido, em conferência, pelo mesmo Tribunal e Secção, em 03 de julho de 2012 (fls. 447 a 458), para que seja apreciada a constitucionalidade do artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal (CPP), “se interpretado no sentido de que não é obrigatória a resposta a uma questão concreta levantada pelo recorrente quando esta contende com a particularidade e qualidade da vítima do crime quando erroneamente se diz no acórdão que «os atos foram praticados contra agentes da autoridade» e o foram antes contra um cidadão comum” (fls. 487).
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 09 de novembro de 2012 (cfr. fls. 491), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Tratando-se de um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, forçoso seria que o recorrente tivesse dado cabal cumprimento ao ónus de prévia e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver agora apreciada, em sede de recurso, conforme impõe o n.º 2 do artigo 72º da LTC. Ora, ao arguir a nulidade do acórdão condenatório, perante a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães (fls. 463 e 464), o recorrente nunca suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa; e, muito menos, a questão que pretende agora ver apreciada.
Assim sendo, mais não resta do que concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, por falta de suscitação processualmente adequada.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir reclamação, cujos termos ora se resumem:
«(…)
Convém desde já referir que a questão de inconstitucionalidade levantada pelo recorrente não é relativa ao acórdão condenatório, mais sim ao acórdão proferido pela Relação em 08/10/2012.
Foi esta a última decisão que o Tribunal da Relação proferiu, e foi precisamente aí que se verificou a questão da inconstitucionalidade.
Pelo que em relação a este acórdão não é processualmente possível proceder previamente à suscitação de inconstitucionalidade, uma vez que é a última decisão do Tribunal da Relação. É verdade que em conformidade com o disposto nos artigos 280.º,n.º 1, alínea b), da Constituição e 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º28/82, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
NO ENTANTO,
No presente caso, não poderá ser assim, pois é uma daquelas situações particulares em que o recorrente não teve oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade (cfr. sobre esta matéria, por todos, os acórdãos nºs 62/85, 94/88, 479/89 e 439/91, Diário da República, II série, de, respetivamente, 31 de maio de 1985, 22 de agosto de 1988, 13 de julho de 1989 e 24 de abril de 1992).
Pois o Acórdão proferido pela Relação em 08/10/2012 é a última decisão do tribunal sobre a qual já está esgotado poder jurisdicional do juiz sobre a matéria e assim o recorrente só pode reagir à inconstitucionalidade verificada nesse acórdão através do Recurso para o Tribunal Constitucional, porquanto já não pode mais reagir perante o Tribunal da Relação.
Nestes casos, não é possível suscitar a questão perante a Relação pois a mesma já não pode apreciar a questão de inconstitucionalidade.
Com o devido respeito, como poderá alguém reagir a uma sentença ou acórdão já não passível de recurso perante o tribunal a quo, quando nessas decisões finais se verificam inconstitucionalidades?
A única hipótese será reagir da forma como o recorrente o fez, por ser uma situação particular.» (fls. 506 a 508)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 54/2013, não se conheceu do objeto do recurso porque o recorrente “durante o processo” não suscitara a questão da inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, faltando, assim, um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC.
2º
Na reclamação da Decisão Sumária o recorrente afirma:
“Convém já referir que a questão da inconstitucionalidade levantada pelo recorrente não é relativa ao acórdão condenatório mas sim ao acórdão proferido pela Relação em 8 de outubro de 2012.”
3º
Ora, na Decisão Sumária, foi precisamente esse o acórdão que se considerou como decisão recorrida, dizendo-se expressamente que foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional “do acórdão proferido em conferência, em 8 de outubro de 2012 (…)”.
4º
Esse Acórdão considerou improcedente a arguição de nulidade, por omissão de pronúncia, invocada pelo recorrente, do Acórdão proferido em 3 de julho de 2012, que, concedendo parcial provimento ao recurso interposto da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, reduziu a pena inicial de 6 anos e três meses de prisão, para 5 anos e três meses de prisão.
5.º
A questão da constitucionalidade colocada residiria em a Relação do Porto, quando conheceu do mérito do recurso (Acórdão de 3 de julho de 2012), não se ter pronunciado sobre um determinado ponto que o recorrente referiu na motivação do recurso para aquela Relação.
6.º
Foi essa omissão que já levou o recorrente a arguir a nulidade do acórdão, invocando para tal o artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP, ex vi artigo 425.º do mesmo Código.
7.º
Assim, era na arguição de nulidade que o recorrente podia e devia ter suscitado a questão da inconstitucionalidade, levando a que a Relação, no Acórdão ora recorrido, sobre ela se pronunciasse.
8.º
Vendo tal peça, ali não vem suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade, antes se situando a argumentação, exclusivamente, a nível do direito infraconstitucional.
9.º
Pelo exposto, deve a reclamação ser indeferida.
10.º
Seja por lapso – como admite o recorrente na motivação do recurso para a Relação – ou por considerações teóricas desfasadas da realidade mas que, na verdade, podem confundir, fala-se, na decisão de 1.ª instância, de atos dirigidos contra agente da autoridade no desempenho de funções.
11.º
Face à matéria de facto dada como provada e que teve também relevância para a medida de pena concretamente aplicada, é evidente que a vítima do crime de homicídio na forma tentada não era um agente da autoridade.
12.º
A Relação quando apreciou o recurso e no que respeita concretamente à medida da pena, diz quais as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, ali já não se fazendo qualquer referência a agente da autoridade, sendo certo que alterou a pena pela prática desse crime de 5 anos e 6 meses de prisão para 4 anos e 6 meses de prisão.
13.º
Acresce que, quer a 1.ª instância, quer a Relação, entenderam que o crime praticado era o de homicídio simples na forma tentada (artigo 131.º do Código Penal), não vindo questionada tal qualificação.
14.º
Ora, se a vítima fosse agente da autoridade em exercício de funções, o crime seria o de homicídio qualificado (artigo 132.º, n.º 2, alínea l), do Código Penal).
15.º
Ainda que de início – quando do recurso para a Relação – possa de alguma forma ter justificação, o recorrente continuou a laborar num equívoco.
16.º
Assim, falando o recorrente no requerimento de interposição do recurso, quando identifica a questão, em ter havido erro quanto à qualidade da vítima, essa conclusão não tem correspondência nas decisões, maxime nas proferidas na Relação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Antes de mais, importa notar que o recurso interposto fixou como objeto a fiscalização da constitucionalidade da norma extraída do artigo 379º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal (CPP), “se interpretado no sentido de que não é obrigatória a resposta a uma questão concreta levantada pelo recorrente quando esta contende com a particularidade e qualidade da vítima do crime quando erroneamente se diz no acórdão que «os atos foram praticados contra agentes da autoridade» e o foram antes contra um cidadão comum” (fls. 487). Ora, esse foi precisamente o argumento que o reclamante utilizou para arguir a nulidade do acórdão condenatório proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 03 de julho de 2012, razão pela qual sobre si impendia o ónus de ter antevisto a possibilidade – objetiva e previsível – de o mesmo Tribunal vir a decidir, em sede de conhecimento da nulidade arguida, do modo como decidiu.
Aliás, o sentido decisório expresso pelo acórdão proferido, em 08 de outubro de 2012, corresponde a jurisprudência habitual e consolidada nos tribunais portugueses, em momento bem anterior à dedução do requerimento de arguição de nulidade, conforme comprova a remissão, ali operada, para acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 05 de maio de 2011. Assim sendo, face à pré-existência dessa jurisprudência consolidada, cabia ao reclamante ter antecipado a possibilidade da aplicação da interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso, suscitando a sua inconstitucionalidade, em sede de requerimento de arguição de nulidade – portanto, em momento prévio ao acórdão proferido em 08 de outubro de 2012. Não tem, pois, razão quando afirma não ter tido oportunidade processual para suscitar, perante o tribunal recorrido, a questão que pretendia ver agora apreciada.
Além disso, conforme bem nota o Procurador-Geral Adjunto a exercer funções neste Tribunal, nem sequer corresponde à verdade processual expressa nos autos que o tribunal recorrido tenha agravado a condenação em função de uma (errada) tomada em consideração da qualidade de agente de autoridade da vítima, na medida em que o reclamante apenas foi condenado pelo crime de “homicídio simples”, previsto e punido pelo artigo 131º do Código Penal (CP), e não pelo crime de “homicídio qualificado”, previsto e punido pelo artigo 132º, n.º 2, alínea l), do CP.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.