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Processo n.º 132/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 132/2013, decidiu o relator não conhecer do recurso que Aprígio A. e B. interpuseram, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por considerar, além do mais, que a decisão recorrida não aplicou quaisquer das normas cuja inconstitucionalidade (material e orgânica) nele se pretendia ver apreciada.
Os recorrentes requerem a aclaração do julgado, nos termos do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), a fim de verem esclarecido o seguinte:
«A decisão sumária (…) contém a seguinte proposição-fundamento: ‘é manifesto que uma eventual pronúncia no sentido da inconstitucionalidade da norma posta em crise […] não teria a virtualidade de operar modificação do julgado.
Ora, o que está em causa é uma decisão sobre custas processuais, sendo as decisões nessa matéria suscetíveis de alterações, mesmo oficiosas (cfr. art. 666.º, n.º 2, do CPC), podendo inclusive ser revogada a qualificação de ‘processo complexo’. Por conseguinte, torna-se relevante, para efeitos de defesa dos recorrentes e posterior tramitação processual, saber se a proposição acima transcrita abrange igualmente a proposição ‘o Tribunal a quo, mesmo oficiosamente, não pode revogar a qualificação de ‘processo complexo’.
A decisão sumária (…) contém igualmente esta proposição-fundamento: ‘Tendo sido essa a avaliação judicial que o Tribunal recorrido fez dos autos e da sua complexidade – que o Tribunal Constitucional, atentas as suas específicas funções fiscalizadoras, não pode sindicar – é manifesto que uma eventual pronúncia no sentido da inconstitucionalidade da norma posta em crise […] não teria a virtualidade de operar modificação do julgado, pela simples razão de não ser esse o caso, na perspetiva incontrovertível do Tribunal recorrido.».
Em consequência, torna-se relevante, para efeitos de defesa do património dos recorrentes e posterior tramitação processual, saber se esta segunda proposição complexa abrange também esta outra proposição complexa:
O Tribunal Constitucional não tem competência para sindicar a interpretação judicial dos arts. 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 16 de novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro), e da tabela que constitui o Anexo I desse diploma, interpretados e aplicados à matéria que ora se discute, a saber: numa ação judicial que comportou, essencialmente, os seguintes atos praticados pelo Tribunal: [1] despacho saneador e base instrutória com 41 quesitos (cfr. despacho de 10.01.2006); [2] despacho sobre reclamações à seleção sobre a matéria de facto e sobre requerimentos de meios de prova (cfr. despacho de 30.03.2006); [3] dez sessões de julgamento; [4] sentença; [5] acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães; e [6] acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, dando como resultado o pagamento de custas judiciais contadas aos Autores, aqui Recorrentes, no montante de 95.616,00 (equivalente a 197,15 salários mínimos nacionais - € 485,00 mês – ou a 8 anos de trabalho de um trabalhador português que receba o salário médio mensal nacional - € 1.014,00, quando tais normas, nessa interpretação e aplicação, foram arguidas de violação dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 20.º da Constituição da República Portuguesa, que consagram os princípios do Estado de direito democrático, da proporcionalidade, e do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.».
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento do pedido de aclaração, pois que a decisão sumária não enferma de qualquer obscuridade ou ambiguidade que o justifique, devendo a inconformidade com as razões claramente invocadas, em seu fundamento, manifestar-se por meio de impugnação e não do presente incidente.
2. Cumpre apreciar e decidir.
O esclarecimento que os recorrentes ora requerem pressupõe que a decisão visada, ou os seus fundamentos, enfermem de alguma obscuridade ou ambiguidade (artigo 669.º, n.º 1, alínea a), do CPC, aplicável).
Estavam em causa, no recurso que o relator decidiu não conhecer, as seguintes normas:
1) «As normas dos artigos 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 16 de novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de dezembro), e da tabela que constitui o Anexo I desse diploma, interpretadas no sentido de que o cálculo das taxas de justiça devidas deverá ter exclusivamente por base o valor tributário da ação (€2.500.000,00), sem o estabelecimento de qualquer limite máximo, e na medida em que não se permite que o tribunal reduza em fase de reclamação contra a conta de custas, o montante das taxas de justiça concretamente apuradas na conta, considerando, designadamente, a natureza e complexidade do processo e o caráter desproporcionado desse montante», por violação das disposições conjugadas dos artigos 2.º, 18.º, n.º 2, e 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); e
2) As normas dos artigos 13.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, do Código das Custas Judiciais (…), e da tabela que constitui o Anexo I desse diploma, interpretadas no sentido de que não tem de ocorrer correspetividade entre o valor da taxa de justiça a pagar pelos particulares que acedem aos tribunais, por um lado, e, por outro lado, os respetivos custos para o sistema judicial e o benefício desses particulares, numa relação sinalagmática, caso em que a ‘taxa de justiça’ revestiria a natureza de verdadeiro imposto», por violação das disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 277.º, n.º 1, da CRP.
Considerou o relator, na parte visada pelo presente incidente, que a decisão recorrida não aplicou qualquer das normas sindicadas, pelo que era inútil a apreciação da sua inconstitucionalidade, pois que a eventual procedência do recurso não teria a virtualidade de operar modificação de julgado. Invocou, para assim concluir, as seguintes razões:
(…) analisando o teor da decisão recorrida, constata-se que não foi por considerar que era legalmente inadmissível a reclamada adequação em função da complexidade do processo que o tribunal recorrido decidiu como decidiu.
Na verdade, depois de aludir aos mecanismos de adequação que o Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de novembro, introduziu no regime das custas judiciais, com vista à correção dos resultados desproporcionados que a exclusiva consideração do valor atribuído à ação podia provocar (artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, na redação introduzida pelo citado normativo legal), não oportunamente acionados pelos recorrentes, o tribunal recorrido, e apesar disso, efetivamente procedeu à análise da complexidade dos autos em ordem a apurar se o valor a que se chegou era manifestamente desproporcionado, tendo, a este propósito, concluído tratar-se de «um processo complexo, com uma tramitação complexa, não se vendo qualquer desproporcionalidade em relação ao serviço prestado», não havendo, assim, em função desses fatores, «desproporção e exagero no montante das custas a pagar.
Tendo sido essa a avaliação judicial que o Tribunal recorrido fez dos autos e da sua complexidade – que o Tribunal Constitucional, atentas as suas específicas funções fiscalizadoras, não pode sindicar – é manifesto que uma eventual pronúncia no sentido da inconstitucionalidade da norma posta em crise (que integra, na sua dimensão constitutiva, a impossibilidade de adequação nos casos em que o montante das custas devidas é desproporcionado, considerando a natureza e a complexidade do processo) não teria a virtualidade de operar modificação do julgado, pela simples razão de não ser esse o caso, na perspetiva incontrovertível do Tribunal recorrido. (…)
Idêntico juízo de não conhecimento cabe formular quanto à questão da inconstitucionalidade orgânica que os recorrentes subsidiariamente integram no objeto do recurso.
Com efeito, o Tribunal recorrido não extraiu das normas legais em presença o entendimento segundo o qual «não tem que ocorrer correspetividade entre o valor da taxa de justiça a pagar pelos particulares que acedem aos tribunais e os respetivos custos para o sistema judicial», sendo demonstração da defesa do seu contrário a própria ponderação casuística que o Tribunal recorrido fez do valor concretamente devido a título de custas e da complexidade do serviço prestado nos respetivos autos, baseando-se a decisão recorrida, e mais uma vez, na consideração de que o valor das custas em dívida era proporcional à complexidade dos autos (o que traz implícito o reconhecimento da exigência dessa essencial correspetividade) e não no entendimento segundo o qual o seu pagamento é devido ainda que não haja qualquer correspetividade entre o respetivo valor e o serviço prestado.
Revelar-se-á, pois, inútil, também quanto a esta questão de inconstitucionalidade, a formulação do reclamado juízo de inconstitucionalidade, sendo certo que o Tribunal recorrido não negou provimento ao recurso por aplicação da norma ora sindicada, como acima demonstrado».
Ora, relendo os fundamentos invocados e acima transcritos, neles não se descortina qualquer obscuridade ou ambiguidade que importe esclarecer. Com efeito, o que claramente decorre da decisão sumária do relator é exatamente o que nela se escreveu, designadamente no que respeita à impossibilidade de o Tribunal Constitucional sindicar, sem comprometer as funções de fiscalização normativa que lhe estão cometidas, o juízo que o Tribunal recorrido formulou quanto à inexistência de desproporção e exagero no montante das custas a pagar na presente ação, que era pressuposto básico de qualquer das normas incluídas no objeto do presente recurso.
Assim sendo, cumpre, sem necessidade de mais considerações, indeferir o presente incidente, o qual, visando decisão passível de reclamação para a conferência (artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC), se deverá processar como tal (cf. artigo 669.º, n.º 3, do CPC, aplicável).
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.