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Processo n.º 622/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Na presente ação, com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, que A., moveu contra B., SA, foi proferida sentença, que fixou à ação o valor de € 149,19 e julgou a ação totalmente procedente, condenando a Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 143,00 acrescida de juros vencidos e vincendos desde 28/05/2010.
A Ré interpôs recurso desta decisão para o Tribunal da Relação de Évora.
A 1ª instância, porém, não admitiu, por irrecorrível e extemporâneo, o recurso interposto.
De tal despacho reclamou a Ré, nos termos do artigo 82.º do CPT.
Apresentados os autos ao Desembargador Relator proferiu este despacho, concedendo parcial provimento à reclamação, decidindo nos seguintes termos:
“a) deferir a reclamação da Ré no que respeita ao recurso na parte em que impugna a decisão que fixou o valor da causa, admitindo nessa parte o recurso, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo;
b) indeferir a reclamação da Ré e confirmar o despacho reclamação no que respeita à parte do recurso interposto da decisão que se pronunciou sobre o mérito da causa…”.
Desta decisão, na parte em que indeferiu a reclamação, veio a Ré reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 700.º, do Código de Processo Civil, pretendendo a revogação dessa parte da decisão e a prolação de acórdão sobre a matéria.
Foi proferido acórdão indeferindo a reclamação apresentada.
A Ré recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, nos seguintes termos:
“…1. O presente recurso é interposto da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, não admitindo esta decisão, quanto ao seu objeto, qualquer recurso ordinário (art. 280º, nº 1, al. b) da CRP, e art. 70º, nº 1, al. b), nºs 2 e 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
Do Fundamento do Recurso
2. O que a Recorrente pretende submeter ao controlo normativo constitucional é, por uma lado, a interpretação e aplicação que o Tribunal a quo efetua dos art.ºs 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil e dos art.ºs 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil e 79.º do Código de Processo do Trabalho e, por outro lado, a interpretação e aplicação que o Tribunal de primeira instância efetua dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de fevereiro, que, salvo melhor opinião, por força da decisão recorrida, a mesma já não consentirá qualquer recurso ordinário.
Da Sucumbência
3. Contrariamente ao que foi ab initio pugnado pela Recorrente, entende o Tribunal a quo que, num pleito como o dos autos não se vislumbra significativo alcance social e/ou abrangência jurídica que lhe permitam alcançar um segundo grau de jurisdição, através da aplicação das normas que preveem a possibilidade de interposição de recurso de revista excecional, quando o valor da causa e a sucumbência, de forma meramente aritmética, não o consintam.
Com efeito,
4. A Recorrente sempre defendeu o entendimento que, para além do invocado direito do Autor à retribuição, nos presentes autos se discute o exercício (crê-se que abusivo) do direito fundamental à greve e que a questão em apreciação detém particular relevância social e significativa relevância jurídica, na medida em que uma decisão de mérito que venha a ser proferida terá a virtual idade de permitir uma melhor e mais esclarecedora aplicação do direito, no âmbito das diferentes ações que foram e possam vir a ser interpostas relativamente a esta matéria.
5. Trata-se, no mínimo, de um direito fundamental de centenas de trabalhadores afetos às Refinarias da Recorrente, o direito à greve.
6. Ao decidir como decidiu, mantendo a irrecorribilidade da decisão de mérito, por falta de verificação do valor da sucumbência, o Tribunal a quo aplicou e adotou uma interpretação dos referidos normativos (art.º 678.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil, art.º 79.º, do Código de Processo do Trabalho e art.º 721.º A, n.º 1, do Código de Processo Civil) que se revela contrária à Constituição da República Portuguesa, porque contrários ao princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional, ínsito no art.º 20.º da CRP, coartando, assim, o direito das partes a um duplo grau de jurisdição.
7. Crê-se que, ao decidir como decidiu, e ao interpretar os referidos preceitos legais da forma restritiva e literal como o fez, o Tribunal a quo impôs uma restrição desproporcional ao direito fundamental da Recorrente poder aceder a um duplo grau de jurisdição, consubstanciando uma interpretação normativa contrária ao mencionado art.º 20.º da Lei Fundamental.
Da Fundamentação de Direito com Recurso a Factos Não Alegados e / ou Não Assentes
8. Ciente de que a decisão recorrida não aborda as temáticas infra descritas1 não pode a Recorrente, cautelarmente, deixar de as incluir no presente requerimento de interposição de recurso de fiscalização concreta da constitucional idade para o Tribunal Constitucional, na medida em que, por força da decisão proferida, das mesmas, salvo melhor opinião, também não caberá recurso ordinário2 (art. 280º, nº 1, al. b) da CRP, e art. 70º, nº 1, al. b), nºs 2 e 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro).
Efetivamente,
9. Em sede de recurso de Apelação interposto da sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, a Recorrente alegou que a mesma se fundamentava em factos não assentes, parte dos quais não alegados e que, quanto aos demais factos alegados ou ontra-alegados, a Recorrente foi impedida de fazer prova, assim incorrendo no vício de omissão de fundamentação ou de contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos impostos pelos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º e 659.º, todos do Cód. de Processo Civil.
10. Entende-se que a interpretação normativa feita pelo Tribunal de primeira instância dos referidos preceitos se revela desconforme com a Lei Fundamental, atenta a violação do princípio constitucional do processo equitativo, também ele ínsito no art.º 20.º da CRP.
11. De igual modo, mas não menos importante, em sede de recurso de Apelação foi também suscitada pela Recorrente a omissão de pronúncia do Tribunal de primeira instância sobre a defesa por exceção aduzida pela Recorrente, o que, salvo melhor opinião, consubstancia, no entender desta, uma interpretação normativa dos art.ºs 510.º, n.º 1, al. b), 511.º,659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, desconforme com a CRP, porquanto claramente violadora do princípio constitucional do processo equitativo, nela ínsito.
Do exercício abusivo do direito à greve
12.Por fim, crê-se que, ao ratificar o modo abusivo como foi a concretizada a greve em causa pelo Autor e pelas estruturas sindicais, o Tribunal de primeira instância efetuou uma interpretação dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho e do artigo 334.º do Código Civil desconforme com o artigo 57.º da Lei Fundamental, na medida em que tal interpretação consente a possibilidade de ser decretada pelas estruturas sindicais e posta em prática pelos trabalhadores uma greve abusiva, atento o modo como foi executada, que colide frontalmente com outros bens e direitos constitucionalmente protegidos, designadamente os direitos à integridade física, à iniciativa económica privada e ao ambiente e qualidade de vida, previstos nos artigos 25.º,61.º e 66.º da CRP.
Conclusão
13. Em síntese e em cumprimento do disposto no art.º 75.0-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, vem a Recorrente indicar:
(i) Normas cuja interpretação literal e restritiva se revela contrária à CRP e cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada:
a. art.º 678.º, n.º 2 e 3, do Código de Processo Civil;
b. art.º 79.º, do Código de Processo do Trabalho;
c. art.º 721.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil;
d. art.º 510.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil;
c. art.º 511.º do Código de Processo Civil;
f. art.º 659.º do Código de Processo Civil;
g. art.º 668.º, n.º 1, al. d), Código de Processo Civil;
h. art.º 536.º do Código do Trabalho;
i. art.º 539.º do Código do Trabalho;
j. artigo 541.º do Código do Trabalho; e
k. art.º 334.º do Código Civil.
(ii) Normas constitucionais que se consideram violadas:
a. art.º 20.º da CRP; e
b. art.º 57.º da CRP.
(iii) As peças processuais em que a Recorrente suscitou as supra descritas interpretações normativas desconformes à CRP (por ordem cronológica de apresentação):
a. Reclamação de nulidades da sentença;
b. Recurso de Apelação;
c. Reclamação de despacho que manteve os termos da sentença;
d. Reclamação para o Tribunal da Relação de Évora do despacho que não admitiu o recurso de Apelação interposto; e
e. Reclamação para a Conferência do Tribunal da Relação de Évora.
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Nos recursos interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – como ocorre no presente processo –, a sua admissibilidade depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2, do artigo 72.º, da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Além disso apenas é admissível este recurso para o Tribunal Constitucional das decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam (artigo 70.º, n.º 2, da LTC).
A Recorrente pretende, em primeiro lugar, que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade dos artigos 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil, e dos artigos 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, e 79.º do Código de Processo do Trabalho, quando interpretados no sentido de que num pleito como o dos autos não se vislumbra significativo alcance social e/ou abrangência jurídica que lhe permitam alcançar um segundo grau de jurisdição, através da aplicação das normas que preveem a possibilidade de interposição de recurso de revista excecional, quando o valor da causa e a sucumbência, de forma meramente aritmética, não o consintam.
A Recorrente pede, pois, que o tribunal se debruce sobre um juízo de subsunção do caso concreto a uma determinada categoria jurídica, e não sobre um qualquer critério geral e abstrato, pelo que o objeto do recurso não tem um cariz normativo, não sendo por isso passível de ser apreciado por este Tribunal.
Quanto ao pedido de fiscalização de constitucionalidade da interpretação dos artigos 510.º, n.º 1, al. b), 511.º, 659.º e 668.º, n.º 1, al. d), todos do Código de Processo Civil, bem como dos artigos 536.º, 539.º e 541.º do Código do Trabalho, efetuada pela decisão da 1.ª instância, uma vez que esta não tem ainda um cariz definitivo, dado que ainda se encontra em discussão a sua recorribilidade, não é possível a este Tribunal proceder à sua apreciação.
Não sendo possível, pelos motivos apontados, conhecer deste recurso, deve ser proferida decisão sumária nesse sentido, nos termos permitidos pelo artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
Desta decisão reclamou a Recorrente, com as seguintes conclusões:
A. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator proferiu decisão sumária nos presentes autos tendo decidido não conhecer o recurso de constitucionalidade interposto, por entender que, na situação sub judice, a Recorrente e ora Reclamante não colocou qualquer questão de constitucionalidade normativa, pretendendo, apenas, que o TC sindique o resultado alcançado pelo processo interpretativo efetuado pelo Tribunal a quo.
B. Porém, ao contrário do sustentado na decisão sumária reclamada, a Recorrente e ora Reclamante não pretende que o TC aprecie a bondade da decisão adotada pelo Tribunal recorrido, mas sim que esclareça e decida-se: se revela conforme ao princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional ínsito no artigo 20.º da CRP, a interpretação normativa extraída dos artigos 678.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 712.º - A do CPC, e 79.º do CPT, que nega às partes o direito a uma segunda instância de recurso, por falta de verificação do requisito quantitativo da sucumbência, quando em causa esteja o exercício de um direito fundamental, que redunda, simultaneamente, numa questão de extraordinária relevância jurídica e que envolve interesses de elevada relevância social?
C. A dimensão normativa identificada pela Recorrente e ora Reclamante encontra-se dotada de generalidade e de abstração, devendo, por conseguinte, ser conhecida pelo Tribunal Constitucional na medida em que se encontram preenchidos todos os pressupostos de conhecimento do recurso, o qual foi interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, nº 1, alínea b) da LTC, em particular o requisito que determina que o recurso tenha por objeto uma norma e/ou interpretação normativa.
D. Caso assim não se entenda, o que se admite por mero dever de prudente patrocínio e sem conceder, sempre deverá ser ordenada a notificação da Recorrente e ora Reclamante, nos termos do n.º 5 do art.º 75.º-A da LTC, para vir aos autos suprir o (alegado) vício de que padecerá o seu requerimento de interposição de recurso, designadamente para indicar qual a questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver apreciada pelo TC.
E. A não ser assim, a interpretação normativa dos art.ºs 70.º, n.º 1, al. b) e 75.º -A, n.º 2 da LTC, em termos tão restritivos como os constantes da decisão de que ora se reclama, acabará por consubstanciar uma injustificada violação do princípio de acesso ao direito e à tutela jurisdicional, ínsito no art.º 20.º da CRP, o que desde já expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos do art.º 70.º, n.º 1, al. b) da LTC.
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Fundamentação
A Recorrente no requerimento de interposição de recurso pediu que o Tribunal Constitucional apreciasse a constitucionalidade dos artigos 721.º-A, n.º 1, als. a) e b), do Código de Processo Civil, e dos artigos 678.º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Civil, e 79.º do Código de Processo do Trabalho, quando interpretados no sentido de que num pleito como o dos autos não se vislumbra significativo alcance social e/ou abrangência jurídica que lhe permitam alcançar um segundo grau de jurisdição, através da aplicação das normas que preveem a possibilidade de interposição de recurso de revista excecional, quando o valor da causa e a sucumbência, de forma meramente aritmética, não o consintam, o que se traduzia num pedido de fiscalização de um juízo subsuntivo efetuado pelo tribunal recorrido.
Na reclamação agora apresentada refere que não é esse juízo cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, mas sim a interpretação normativa extraída dos artigos 678.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 712.º - A do CPC, e 79.º do CPT, que nega às partes o direito a uma segunda instância de recurso, por falta de verificação do requisito quantitativo da sucumbência, quando em causa esteja o exercício de um direito fundamental, que redunda, simultaneamente, numa questão de extraordinária relevância jurídica e que envolve interesses de elevada relevância social.
Mesmo que se admitisse a possibilidade do Recorrente alterar na reclamação apresentada o objeto do recurso, uma vez que este é definido pelos termos do respetivo requerimento de interposição, sempre se diria que o critério agora enunciado, apesar de cariz normativo, não foi subscrito pela decisão recorrida, como resulta da sua leitura, pelo que não integrando a ratio decidendi do acórdão recorrido, também a sua constitucionalidade não podia ser apreciada pelo Tribunal Constitucional, atento o cariz instrumental do recurso constitucional na fiscalização concreta.
Por outro lado, a impossibilidade de conhecimento do recurso interposto devido ao mesmo não incidir sobre um conteúdo normativo, não era suscetível de ser corrigida através do mecanismo previsto no artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, uma vez que este incidente processual apenas permite suprir simples omissões dos elementos que devem constar obrigatoriamente daquele requerimento.
Por estas razões deve ser indeferida a reclamação apresentada pela Recorrente.
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Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação deduzida por Petróleos de Portugal-Petrogal, SA.
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Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.