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Processo n.º 754/99
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório C..., melhor identificada nos autos, deduziu, em 26 de Janeiro de 1996, oposição
à execução que lhe foi movida pela Fazenda Pública nos termos do artigo 13º do Código de Processo Tributário para obter o pagamento de 6 224 283$00 relativo a dívidas de contribuições da F... – Sociedade Gestora de Participações Sociais ao Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, durante o período em que foi gerente dessa sociedade (anos de 1991 e 1992), por falta de bens penhoráveis da primeira executada. Por sentença de 24 de Março de 1998 do 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instãncia de Lisboa, foi a oposição deduzida julgada improcedente e não provada. Insatisfeita, recorreu C... para o Tribunal Tributário Central Administrativo, o qual veio a proferir acórdão em 10 de Novembro de 1998, negando provimento ao recurso. Recorrendo de novo, desta feita para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, suscitou a recorrente a inconstitucionalidade do artigo 13º do Código de Processo Tributário, na redacção originária, concluindo dizendo que
'a) Esta disposição legal é insuficientemente justificada, violando o disposto no art. 2º e art. 266º, n.º 2 da CRP; b) O legislador tributário pretendeu, com a inversão do ónus da prova contra o contribuinte, criar um novo sujeito passivo, com o que viola o princípio da capacidadde contributiva (art. 107º, da CRP).' Por Acórdão de 27 de Outubro de 1999, o Supremo Tribunal Administrativo negou provimento ao recurso, confirmando o aresto recorrido e declarando a conformidade constitucional da norma impugnada. Trouxe então a recorrente recurso a este Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, cujas alegações concluiu assim:
'I. O art. 13º do Código de Procedimento Administrativo [sic] estabelece uma presunção de culpa contra os administradores, gerentes ou outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada; II. O douto Acórdão recorrido julgou o Recorrente parte legítima na presente execução, muito embora a Fazenda Pública não tenha provado a culpa da ora Recorrente, por entender que sobre esta pendia a presunção de culpa, de acordo com o referido preceito legal; III. Só será constitucional uma norma tributária que se justifique em suficientes interesses dignos de tutela, isto é, uma norma que seja justa, que, pelo menos, não fira gravemente os valores subjacentes à ordem jurídica; IV. Entre os princípios fundamentais do sistema tributário está o da proibição do excesso, aplicando-se esta proibição também à actividade legislativa, ao processo judicial e ao procedimento administrativo; V. Também o princípio da proporcionalidade exige que não sejam impostos, ao destinatário das normas prejuízos desproporcionalmente elevados em relação ao objecto a atingir; VI. Também perante casos em tudo semelhantes, o legislador adoptou um tratamento diferenciado, pois o art.º 78º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, dispõe que os gerentes, administradores ou directores respodam para com os credores das sociedades quando, pela inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos; VII. A sua responsabilidade está pois sujeita a dois limites: o da prova da sua culpa por parte dos interessados; o da prova de que houve inobservância
(culposa) das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores; VIII. Já o artº 13º do CPT, ao fazer pender uma presunção de culpa sobre os administradores e gerentes, viola as regras da necessidade e da proporcionalidade. Bastaria para satisfazer os interesses legítimos do Estado uma regra como a do artº 78º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais; IX. A administração raras vezes poderá fazer prova da culpa do administrador ou gerente; X. E não conseguirá fazer prova da culpa, por dois motivos. Desde logo, porque raras vezes o administrador ou gerente teve culpa, mas mesmo que fossem culpados, os escassos meios humanos e materiais que integram a administração fiscal dificultariam que esta produzisse a necessária prova; XI. Posto isto, tomou o legislador uma posição de força e lançou o ónus da prova sobre os administradores ou gerentes; XII. Por outro lado, é notória a dificuldade em provar um facto negativo (a
'Não-Culpa'), pelo que, muitas vezes o administrador ou gerente decaírá nessa prova, sendo condenado injustamente a pagar algo que não deveria; XIII. O responsável subsidiário por culpa (Presumida) deixa de ser responsável por culpa, passando a ser um sujeito subsidiário , violando assim o princípio da capacidade contributiva; XIV. O art. 13º do CPT, ignora completamente o princípio da capacidade contributiva dos cidadãos; XV. Assim, em primeiro lugar, o art. 13º do CPT, é insuficientemente justificado, violando o disposto nos Arts. 2º e 266º, n.º 2 da Constituição; XVI. Por outro lado, com a inversão do ónus da prova contra o contribuinte, cria um novo sujeito passivo, violando o princípio da capacidade contributiva, art.
107º da CRP. (...)'. Cumpre apreciar e decidir II. Fundamentos O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 13º do Código de Processo Tributário (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
154/91, de 23 de Abril), que prevê a responsabilidade dos administradores ou gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada por dívidas fiscais. Está em causa o n.º 1 de tal norma (pois a recorrente era sócia-gerente da sociedade devedora das contribuições em questão), segundo o qual:
'1 – Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada são subsidiariamente responsáveis em relação àquelas e solidariamente entre si por todas as contribuições e impostos relativos ao período de exercício do seu cargo, salvo se provarem que não foi por culpa sua que o património da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada se tornou insuficiente para a satisfação dos créditos fiscais.' Esta norma – alterada pela Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, por forma a abranger também os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração – prevê, pois, a responsabilidade pessoal e solidária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração nas empresas e sociedades de responsabilidade limitada por todas as contribuições e impostos relativos ao período do exercício do seu cargo. Trata-se de uma responsabilidade subsidiária relativamente à da sociedade. Foi com base em tal norma que a recorrente foi chamada a responder pelas dívidas de contribuições à segurança social posteriores a Maio de 1991 da sociedade de que havia sido gerente, não tendo feito prova de que não foi por culpa sua que o património desta sociedade se tornara insuficiente para a satisfação de tais créditos. Como se sabe, o regime da responsabilidade dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam funções de administração pelas dívidas fiscais tem sofrido várias alterações (sobre as vicissitudes da responsabilidade subsidiária e as questões que levantava, v. J.J. Teixeira Ribeiro, anotação in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3815, págs. 49-50, A. P. Dourado, 'A responsabilidade tributária dos gerentes: pressupostos', Fisco, Setembro de
1993, págs. 38 e segs., J.L. Saldanha Sanches/Rui Barreira, 'Culpa no incumprimento e responsabilidade dos gerentes', Fisco, Maio-Junho 1995, págs. 98 e segs., Diogo Leite de Campos, 'A responsabilidade subsidiária, em direito tributário, dos gerentes e administradores das sociedades', Revista da Ordem dos Advogados, Agosto de 1996, págs. 477-97, Paulo Pitta e Cunha/Jorge Costa Santos, Responsabilidade tributária dos administradores e gerentes, Lisboa, 1999, págs.
9-93). Na sequência do disposto artigo 1º do Decreto n.º 17 730, de 7 de Dezembro de
1929, no artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 45.005, de 27 de Abril de 1963 (que o artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, e, já antes, o Decreto-Lei n.º 512/76, de
3 de Julho, mandava aplicar à falta de pagamento de contribuições do regime geral de previdência), previa-se uma responsabilidade puramente objectiva, vedando a prova de inexistência de culpa dos administradores ou gerentes no não pagamento (ou no surgimento da impossibilidade de pagamento) de dívidas fiscais. Este regime veio, como se sabe, a ser rejeitado pelo Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, que mandou aplicar à responsabilidade dos administradores e gerentes por dívidas fiscais o artigo 78º do Código das Sociedades Comerciais, equiparando, desta forma, as condições de responsabilidade perante o Estado às exigidas em face de outros lesados – isto é, exigindo a prova da culpa por parte do credor, para responsabilizar os administradores e gerentes. O regime do artigo 13º do Código de Processo Tributário, ora em questão, prevê a responsabilidade dos administradores e gerentes, mas possibilita o seu afastamento mediante a prova da ausência de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial para o pagamento das contribuições, cabendo o ónus da prova da falta de culpa ao administrador ou gerente – ou seja, estabelecendo uma espécie de presunção de culpa pelo não pagamento das dívidas em causa. Actualmente, o artigo 24º, n.º 1, alíneas a) e b), da Lei Geral Tributária
(aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro) admite, também, a prova de que o não pagamento não foi imputável aos administradores, ou exige a prova da culpa no surgimento da insuficiência patrimonial (v. Pedro Sousa e Silva, 'A responsabilidade tributária dos administradores e gerentes na Lei Geral Tributária e no novo CPT', Revista da Ordem dos Advogados, ano 60º, Dezembro de 2000, tomo 3, pp. 1445 e ss). Ora, o Tribunal Constitucional teve já por várias vezes ocasião de apreciar a conformidade constitucional de normas relativas à responsabilidade dos administradores e gerentes pelo pagamento de impostos e contribuições para a previdência. Assim, no Acórdão n.º 328/84 (publicado na II Série do Diário da República de 9 de Novembro de 1994) não se julgou inconstitucional a norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio. segundo a qual 'pelas contribuições [do regime geral da previdência] e respectivos juros de mora e pelas multas (...) que devem ser pagas por sociedades de responsabilidade limitada, são pessoal e solidariamente responsáveis, pelo período da sua gerência, os respectivos gerentes ou administradores'. Tal norma tornava aplicável à falta de pagamento de contribuições do regime geral de previdência o que se prescrevia no artigo
16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos – ou seja, a responsabilidade objectiva de administradores e gerentes por tal falta de pagamento. Entendeu-se neste Acórdão n.º 328/94 (e o mesmo julgamento foi repetido no Acórdão n.º 203/98) que a solução normativa em questão não era violadora do princípio da igualdade, por não se afigurar arbitrária ou irrazoável – 'pelo contrário, de um ponto de vista lógico, é perfeitamente razoável e justificado que aos gerentes ou administradores que de direito e de facto exerceram funções de gerência ou administração – ou seja, tiveram uma actuação que, ao fim e ao resto, foi aquela que ditou a condução da vida negocial da sociedade – sejam assacados os aspectos positivos e negativos decorrentes dessa condução de vida negocial.' E, da mesma forma, considerou-se não existir violação, nem da liberdade de escolha de profissão e da iniciativa económica privada, nem do direito de propriedade privada do administrador ou gerente, concluindo, aliás, que 'o denominado ‘princípio da culpa’ invocado pelo recorrente, não tem, seguramente, afora o domínio criminal e contra-ordenacional e, quiçá, o domínio sancionatório público, uma consagração a se na lei fundamental de sorte a implicar que, para além daqueles domínios, seja constitucionalmente vedada, em casos específicos, a responsabilização pelo cumprimento de obrigações independentemente da prova concreta (ou mesmo impedindo essa prova) de factos de onde se extraia a imputação subjectiva ao responsabilizado.' A norma foi, pois, julgada compatível com a Constituição. No Acórdão n.º 220/98 (embora como obiter dictum) referiu-se que 'este Tribunal Constitucional tem admitido que não é inconstitucional a responsabilidade fiscal subsidiária de administradores ou gerentes de empresas ou sociedades de responsabilidade limitada (artigo 13º do Código de Processo Tributário) que justifica a reversão de execuções fiscais contra esses administradores, forçando-os a opor-se à execução para demonstrarem que não são responsáveis pela dívida exequenda'. Por sua vez, a norma do artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos foi apreciada e julgada não inconstitucional nos Acórdãos n.ºs 576/99
(in DR, II série, de 21 de Fevereiro de 2000) e 577/99 (não publicado), remetendo-se, designadamente, para a fundamentação do referido Acórdão n.º
328/94. Aderindo plenamente a esta jurisprudência do Tribunal Constitucional – que conclui pela não inconstitucionalidade de normas que previam a responsabilidade subsidiária objectiva de administradores e gerentes, sem admitir estes a provarem a ausência de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial –, apenas haveria que aplicá-la à norma ora em questão (o artigo 13º do Código de Processo Tributário), para concluir igualmente pela inexistência de inconstitucionalidade material desta última. Dir-se-á, mesmo, que tal conclusão se imporia a fortiori, posto que nesta norma apenas se responsabilizam os administradores e gerentes se estes não provarem a falta de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial, não se prevendo qualquer responsabilidade objectiva. E assim, a norma do artigo 13º do Código de Processo Tributário, em apreciação no presente recurso, foi já julgada não inconstitucional no Acórdão n.º 681/99, que confirmou a decisão sumária do relator em tal sentido. A tal julgamento de não inconstitucionalidade chegará, porém, também quem apenas entenda que o artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos era inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, apenas na medida em que nele se previa a responsabilidade objectiva dos administradores e gerentes. Lê-se, nesta perspectiva, na declaração de voto aposta pelo ora relator aos referidos Acórdãos n.ºs 576/99 e 577/99:
'é certo que, como se diz no Acórdão, a exigência de culpa para imposição de responsabilidade não é objecto de genérica consagração constitucional. Contudo, como salientou o próprio legislador do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro, o ‘princípio da culpa é na responsabilidade civil de decisivo relevo para a configuração da esfera jurídica das pessoas, na qual elas se poderão disponivelmente mover’, e ‘pressupõe uma regra de justiça’ (...). O que, sendo obviamente relevante à luz de eventual fim sancionatório do preceito, não pode também deixar de ser considerado na definição dos limites de fins puramente garantísticos do Estado, que levam a fazer impender o dever de responder sobre pessoas diversas do originário devedor fiscal.'
(...) A ofensa ao princípio da igualdade resulta, pois, da inexistência de diferenciação entre administradores e gerentes diligentes e administradores e gerentes negligentes – e não da discriminação entre Estado e outros credores, ou entre administradores sociais e outros devedores, ou, ainda, de uma diferença de tratamento de gerentes de facto e gerentes de direito. O Acórdão n.º 328/94 analisou esta última para o regime (paralelo) da responsabilidade por dívidas à segurança social, incidindo sobretudo aí a sua fundamentação – embora não deixando de pressupor a conformidade constitucional da responsabilidade objectiva, a qual é justificada (nomeadamente considerando a distinção entre gerentes de facto e apenas de direito) porque, diz-se, ou as dificuldades económicas resultaram da actuação da gerência em causa, ou, se esta foi assumida em plena situação de dificuldade, os futuros gerentes sabiam que, estando a empresa em má situação, lhes incumbia uma gestão particularmente exigente, esforçada. Ora – e o ponto é relevante precisamente em sede de preclusão da prova da inexistência de culpa –, pode não ter sido da actuação da gerência que se pretende responsabilizar, porventura exercida de forma diligente e avisada, que resultaram as dificuldades económicas, mas de outras circunstâncias, como a conjuntura económica geral (já para não falar de casos em que os impostos não foram pagos para evitar situações de ‘urgência social’ com salários por pagar). Nestes casos, não pode argumentar-se com o referido conhecimento pelos administradores e gerentes da situação da empresa, e de que lhes incumbe uma gestão exigente e esforçada, e, chegado o momento da efectivação da responsabilidade, vedar-se-lhes a possibilidade de provar justamente esse esforço e diligência, presumindo, juris et de jure, a sua culpa.
(...) Nem é aceitável a objecção de que, com uma presunção juris tantum (como a partir de 1991), a prova de inexistência de culpa se fará em regra, inviabilizando a satisfação das obrigações fiscais. Pelo contrário, considerando a dificuldade de provar a inexistência de culpa depois de demonstrado o não pagamento ou a insuficiência do património social (v. J. J. Teixeira Ribeiro, anotação cit., pág. 50: ‘se era difícil à Fazenda Pública fazer a prova positiva da culpa, ainda é mais difícil aos administradores ou gerentes fazer a sua prova negativa’), excluir em absoluto tal prova será antes, nos casos em que ela, apesar de tudo, se lograria, tendencialmente ‘fechar os olhos’ à diligência comprovável – e, portanto, solução particularmente excessiva.' Também, pois, nesta perspectiva – para a qual a solução da responsabilidade objectiva apenas é violadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade por precludir em absoluto a possibilidade de se provar a inexistência de culpa na insuficiência patrimonial –, o artigo 13º do Código de Processo Tributário não é de considerar inconstitucional. Na verdade, tal norma, embora impondo aos administradores e gerentes o onus probandi – solução que se justifica na linha da fundamentação do Acórdão n.º
328/94, considerando, designadamente, que se está perante as pessoas que exerceram funções de administração ou gerência durante o exercício ao qual se referem as contribuições e impostos em questão – sempre lhes permite a prova de ausência de culpa no surgimento da insuficiência patrimonial (ou seja, de uma actuação diligente no exercício das suas funções), com a sua consequente não responsabilização. A mais do princípio do Estado de direito democrático (já convocado nos referidos acórdãos), a recorrente invoca ainda como parâmetros para a alegada desconformidade constitucional da norma em causa os princípios fundamentais da Administração Pública e o princípio da capacidade contributiva. Destes, porém, a invocação do artigo 266º da Constituição ('Princípios fundamentais da Administração Pública') aparece claramente deslocada: estando em causa uma norma, os princípios invocáveis hão-de ser os que possam conformar a actividade legislativa, e não os que conformem a actividade 'a jusante' dessa intervenção legislativa, como é o caso dos princípios da Administração Pública – entendida, quer em sentido subjectivo, estrutura organizatória, autoridades,
órgãos e agentes administrativos, quer em sentido objectivo, como função ou actividade administrativa. Resta a invocação do princípio da capacidade contributiva (reportado pela recorrente ao artigo 107º da Constituição – tendo em conta, porém, que, desde a IV revisão constitucional de 1997, o artigo 107º do texto da Lei Fundamental se refere à fiscalização do Orçamento, é de crer que a recorrente tivesse em vista o anterior artigo 107º, actual artigo 104º, ambos com a epígrafe 'Impostos'). Ora, não se vê em que é que a responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes pelas dívidas tributárias das empresas e sociedades de responsabilidade limitada que administram (ou administraram) possa pôr em causa tal princípio, extraído das referências constitucionais aos impostos sobre rendimento pessoal e das empresas, sobre o património e sobre o consumo. Na verdade, sempre o valor dos impostos em dívida dependerá, nos termos determinados pelas opções do legislador, da capacidade contributiva das empresas em causa, pelo que nesse primeiro momento não haverá que fazer qualquer indagação suplementar à que pode ser dirigida ao particular tributo que esteja em causa (e nenhum está). Num segundo momento, face à insuficiência patrimonial da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada para fazer face ao seu pagamento, os seus administradores ou gerentes só são chamados a responder desde que não demonstrem estar isentos de culpa no não pagamento das dívidas tributárias daquelas empresas ou sociedades (e não suas) – e, de resto, não deixam de manter sobre a sociedade um direito de reembolso (cfr. Sofia de Vasconcelos Casimiro, A responsabilidade dos gerentes, administradores e directores pelas dívidas tributárias das sociedades comerciais, Coimbra, 2000, pp. 103-114). Não há, portanto, verdadeira substituição do contribuinte, ainda que, por virtude da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes, o sujeito passivo da dívida tributária se possa alterar por causa da insuficiência patrimonial da empresa ou sociedade de responsabilidade limitada. O que também patenteia que o princípio constitucional de tributação segundo a capacidade contributiva – como quer que se entenda – não é desrespeitado pelo regime em apreço.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional o artigo 13º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, na sua redacção originária. Custas pela recorrente, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Outubro de 2001 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa