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Processo nº 26/13
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. foi condenado, pelo Tribunal Judicial de Almada, na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão, pela prática, em concurso real, de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, com um crime de violência doméstica.
Recorreu da sentença condenatória para o Tribunal da Relação de Lisboa. Nesse tribunal, o magistrado do Ministério Público suscitou a questão prévia da intempestividade do recurso, o que foi acolhido pelo relator que rejeitou o recurso por 'decisão sumária', com fundamento em que, tendo o arguido sido condenado também pela prática de um crime de violência doméstica, os prazos processuais correm em férias, nos termos das disposições conjugadas do art.º 28.º da Lei n.º 112/2009, de 16/9, e do n.º 2 do art.º 103.º do Código de Processo Penal.
O recorrente reclamou desta decisão, para a conferência, contrapondo que esse regime apenas se aplica ao crime de violência doméstica e não aos demais crimes em concurso, que sejam objeto do mesmo processo. Por acórdão de 12/9/2012, a reclamação foi desatendida, sendo confirmada a decisão do relator.
O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça. Esse recurso não foi admitido, por despacho que considerou o acórdão insuscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos da al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal.
2. Tendo o arguido reclamado deste despacho, ao abrigo do art.º 405.º do Código de Processo Penal, o Vice Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu, em 21/12/2012, a seguinte decisão:
1. O recurso interposto pelo arguido A. para o Tribunal da Relação de Lisboa da decisão condenatória contra ele proferida foi admitido na 1ª instância (fls. 547); o arguido foi notificado da decisão de admissão do recurso (fls. 556).
O Ministério Público na Relação de Lisboa suscitou, no entanto, a questão prévia da intempestividade do recurso interposto (fls. 564 e 565).
Na Relação foi proferida decisão sumária rejeitando por intempestivo o recurso interposto da decisão da 1ª instância.
Notificado desta decisão, o arguido reclamou para a conferência.
O acórdão recorrido, proferido em 12.09.2012, manteve a rejeição do recurso determinada na decisão sumária.
Verifica-se, assim, através dos elementos do processo que ao arguido A. não foi concedida a possibilidade de exercer o contraditório prévio quanto à questão da intempestividade do recurso (fls. 478 a 569).
2. O arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão que rejeitou o recurso por intempestivo, o recurso não foi, porém, admitido por despacho de 24.10.2012, nos termos do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
O recorrente reclama nos termos do art. 405.º do CPP, e na reclamação, além de transcrever a conclusões do recurso interposto para o STJ, invoca, em síntese, os seguintes fundamentos:
- A decisão em causa é recorrível, ao abrigo do disposto nos arts. 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, tendo em conta que foi condenado em instância em pena superior a 8 anos e o acórdão da Relação ao rejeitar o recurso interposto, por extemporaneidade, acabou por confirmar essa decisão na medida em que não alterou a pena aí imposta.
- O despacho reclamado ao não admitir o recurso ao abrigo do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, viola as disposições conjugadas dos arts. 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP e arts. 32.º, n.º 1 e 205.º da CRP.
- A dimensão normativa que se extrai da alínea e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP, quando estão em causa decisões de índole meramente adjetiva, como é o caso, em que o acórdão recorrido vai ditar o termo do processo, fazendo transitar em julgado a condenação da 1ª instância, colide com os arts. 20.º, n.º 1 e 32., n.º 1, da CRP.
- Nessa medida, a interpretação do art. 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o STJ os acórdãos proferidos em recurso, pelas relações que versem sobre questões de direito processual penal é inconstitucional, por violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP.
2. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 107/2012, de 6 de março de 2012, proferido em situação idêntica, decidiu «julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ do Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão».
Deste modo, a norma da alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP foi objeto de julgamento de inconstitucionalidade na dimensão normativa em que não permite o exercício do «contraditório prévio» relativamente à decisão de rejeição do recurso.
3. Há, assim, na circunstância, que interpretar a alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP conforme a Constituição, isto é, com a dimensão normativa que tenha implícita a possibilidade do exercício do contraditório prévio nos casos em que o recurso, admitido na 1.ª instância, foi rejeitado na Relação por intempestividade.
Porém, no âmbito dos poderes de cognição do art. 405.º, do CPP, não cabe tirar consequências diretas da interpretação conforme à Constituição que se alinha com a jurisprudência do TC, uma vez que a dimensão normativa conforme a Constituição não tem o alcance de determinar a recorribilidade da decisão para o STJ, mas apenas, simplesmente, permitir que o recorrente exerça o contraditório antes da decisão de rejeição.
Mas, sendo assim, o reclamante deveria ter recorrido para o TC da decisão de rejeição do recurso pela Relação.
É que, mesmo interpretando a norma da alínea c) do n.º 1 do art. 400.º do CPP de acordo com a Constituição, e na dimensão normativa segundo o julgamento do TC, não cabe nos poderes de cognição previstos pelo art. 405.º do CPP, relativos exclusivamente à admissibilidade ou não do recurso, a pronúncia sobre a dimensão constitucional da omissão do contraditório prévio em relação à decisão de rejeição na Relação do recurso da 1.ª instância.
Não tendo o reclamante utilizado o meio adequado — o recurso para o TC da decisão de rejeição - a reclamação tem de ser indeferida.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça de 2 UC.
Notifique.
3. O arguido interpôs recurso deste despacho para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei 28/82 de 25 de novembro (LTC).
Tendo o recurso sido admitido e prosseguido para alegações, o recorrente concluiu da forma seguinte:
I – As interpretações normativas, no nosso entender inconstitucionais, que se pretendem que sejam apreciadas por V. Exas. são:
A) A interpretação feita tanto pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como pelo Supremo Tribunal de Justiça, à norma constante do artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal;
B) A interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma constante do artigo 405.º do Código Processo Penal.
II – O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e o Supremo Tribunal de Justiça, interpretam a norma constante do artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal, no sentido de serem irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça os Acórdãos proferidos pelas Relações que não conheçam a final do objeto do processo, entendendo por isso que os Acórdãos das Relações que rejeitem os recursos por extemporâneos não conhecem a final do objeto do processo, e por conseguinte são irrecorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça.
III - A dimensão normativa, que se extrai da alínea c) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, em que quando está em causa a impugnação de decisões de índole meramente adjetiva, como é o caso, em que o acórdão recorrido vai ditar o termo do processo, fazendo transitar em julgado a condenação do Tribunal de Primeira Instância, colide com as garantias de defesa do recorrente, onde se inclui o direito ao recurso que lhe é garantido no artigo 32.º número 1 da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com a garantia de acesso aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos conforme estabelecido no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
IV – A interpretação do artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal segundo a qual não são suscetíveis de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que versem sobre questões de direito processual penal, é inconstitucional por violação do artigo 32.º número 1 da Constituição da República Portuguesa.
V – Não são admissíveis, numa perspetiva dos direitos de defesa, as rejeições formais que limitem intoleravelmente, dificultem excessivamente, ou restringem desproporcionalmente tal direito, que é o presente caso, em que o recorrente que foi condenado a mais de 8 anos de prisão pelo Tribunal da Primeira Instância e por razões adjetivas, erradas e inconstitucionais, está a ver o seu direito ao recurso coartado, impedindo-o desta forma, que tal Decisão seja examinada por um Tribunal Superior, por um único grau de recurso.
VI – O entendimento dado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal, para não admitir o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, é inconstitucional por violação dos artigos 32.º número 1 e 20.º número da Constituição da República Portuguesa,
VII – Pelo que, ao recorrer-se para o Supremo Tribunal de Justiça não se estava a utilizar um segundo grau de recurso, apenas se recorria da Decisão que não apreciou o recurso por o considerar intempestivo, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não visava a apreciação do objeto do processo, apenas que aquele Tribunal considerasse o recurso tempestivo, e em consequência o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fosse obrigado a apreciar o recurso tempestivamente interposto pelo arguido ora recorrente, garantindo desta forma um grau de recurso, ou seja, o direito ao recurso que está previsto no artigo 32.º número 1 da Constituição da República Portuguesa.
VIII – O Supremo Tribunal de Justiça ao indeferir a reclamação apresentada pelo ora recorrente, por interpretar o artigo 405.º do Código de Processo Penal, no sentido de no âmbito dos poderes de cognição deste mesmo artigo, não cabe tirar consequências diretas da interpretação conforme a Constituição que se alinha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, uma vez que a dimensão normativa conforme a Constituição não tem o alcance de determinar a recorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça, mas apenas, permitir que o recorrente exercesse o contraditório antes da decisão de rejeição, violou o direito ao recurso previsto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, em virtude de esta interpretação conduzir a que o direito ao recurso do ora recorrente seja coartado, impedindo que o recurso seja tempestivo, e em consequência que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa fosse obrigado a apreciar o recurso interposto pelo recorrente, conforme exposto em II, III, IV e V das presentes conclusões.
IX – A interpretação do Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 405 do Código de Processo Penal, conforme exposto em VIII das presentes conclusões, viola os artigos 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, porque apesar de reconhecer que a interpretação feita pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao artigo 400.º número 1 alínea e) do Código de Processo Penal é inconstitucional por violação do artigo 32.º número 1 da Constituição da República Portuguesa, todavia, indefere a reclamação por considerar que no âmbito dos poderes de cognição do artigo 405.º do Código de Processo Penal, não cabe tirar consequências diretas da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa.
X – Pelo que, nos termos do artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa, e com base no princípio da legalidade, os Tribunais estão subordinados à Lei, onde se inclui a Constituição da República Portuguesa.
XI – Assim, o Supremo Tribunal de Justiça ao reconhecer que a interpretação feita pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa ao artigo 400.º número 1 alínea c) do Código de Processo Penal, era inconstitucional por violação do artigo 32.º número 1 da Constituição, deveria ter admitido a reclamação apresentada pelo recorrente, com as legais consequências, cumprindo o princípio da Legalidade previsto no artigo 203.º da Constituição da República Portuguesa.
XII – O artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa confere competência para apreciação da constitucionalidade a qualquer Tribunal, reconhecendo que os Tribunais, no exercício da sua independência decisória, são competentes para formular um juízo sobre a constitucionalidade de uma lei.
XIII – No caso concreto, o Supremo Tribunal de Justiça tinha competência para apreciar as inconstitucionalidades suscitadas pelo recorrente na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e que têm a sua génese na decisão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que rejeitou o recurso interposto por extemporaneidade.
XIV – A interpretação efetuada pelo Supremo Tribunal de Justiça à norma constante do artigo 405.º do Código de Processo Penal, conforme exposto em VIII das presentes conclusões, viola o artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa.
XV – Pelo exposto, e por se entender que a interpretação do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como do Supremo Tribunal de Justiça é inconstitucional, requer-se que seja dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser declarada a inconstitucionalidade do entendimento normativo dado ao artigo 400.º número 1 alínea c) e 405.º, ambos do Código de Processo Penal, por violação dos artigos 20.º, 32.º número 1, 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa.
O Ministério Público alegou e conclui da forma seguinte:
1.º Nos presentes autos, o acórdão da conferência que indeferiu a reclamação da decisão sumária proferida pelo Senhor Desembargador Relator que rejeitou o recurso por intempestividade, aceitou e acolheu exclusivamente os fundamentos da decisão reclamada.
2.º Como na reclamação da decisão sumária, o arguido pôde impugnar e impugnou os fundamentos da decisão, houve “prévio contraditório”.
3.º Assim, não abrangendo o julgamento de inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 107/2012, situações como a dos autos, não deverá conhecer-se da primeira questão de inconstitucionalidade que o recorrente identifica no requerimento de interposição do recurso.
4.º No nosso regime processual penal, apesar de um recurso ser admitido em 1.ª instância, na Relação, o recurso deve ser rejeitado por decisão sumária do relator (artigo 417.º, n.º 6, alínea b), do CPP), se tiver sido interposto fora do prazo (artigo 420.º, n.º 1, alínea b) em conjugação com o artigo 414.º, n.º 2, ambos do CPP).
5.º Dessa decisão sumária cabe reclamação para a conferência (n.º 8, do artigo 417.º, do CPP) com a composição e competência que lhe é fixada pelo artigo 419.º do CPP, podendo, nessa reclamação, o recorrente impugnar livremente os fundamentos que constem da decisão reclamada, aí se incluindo, naturalmente, a suscitação de questões de inconstitucionalidade.
6.º Este regime, em que a conferência no tribunal competente para conhecer do recurso, tem a última palavra sobre a admissibilidade do mesmo, não viola as garantias de defesa do arguido, nas quais se inclui o recurso (artigo 32º, nº 1, da Constituição).
7º. Assim, integrada neste regime, a norma constante do art.º 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que considera intempestivo o recurso que fora admitido na 1.ª instância, não é inconstitucional.
8º. Consequentemente, nesta parte, deve ser negado provimento ao recurso.
4. O recorrente foi notificado para responder à questão obstativa ao conhecimento do objeto do recurso (parcial) suscitada pelo Ministério Público, nada tendo dito.
II. Fundamentos
5. Cumpre começar por apreciar a questão obstativa ao conhecimento do recurso, suscitada pelo Ministério Público, quanto à questão de constitucionalidade do art.º 405.º do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de que não cabe nos poderes de cognição previstos nesse preceito a pronúncia sobre a preterição de contraditório prévio à decisão de rejeição pela Relação do recurso que em primeira instância fora admitido.
Sustenta o Ministério Público que, tendo o arguido podido impugnar, como impugnou, mediante reclamação da decisão sumária os fundamentos da decisão de intempestividade do recurso interposto da decisão da 1ª instância para a Relação, não deverá conhecer-se dessa questão de inconstitucionalidade. Argumenta que a afirmação do despacho recorrido de que a reclamação tinha de ser indeferida porque, mesmo interpretando a norma da alínea c) do n.º 1 do art.º 400.º segundo o julgamento efetuado no Acórdão n.º 107/2012, do Tribunal Constitucional, não cabe nos poderes de cognição previstos pelo art.º 405.º do Código de Processo Penal apreciar a preterição do contraditório que antecedeu a decisão de rejeição, assenta num equívoco.
Como o Ministério Público salienta, não é exato que a situação seja idêntica àquela que levou o Tribunal, no referido acórdão a julgar inconstitucional a norma da alínea c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal. Aí estava em causa uma situação - e uma interpretação normativa correspondente, que foi determinante para o juízo de inconstitucionalidade a que então se chegou - em que a reclamação para a conferência de decisão sumária de rejeição do recurso, antes admitido, fora indeferida com um fundamento absolutamente inovatório, sobre o qual o arguido não tivera oportunidade de se pronunciar. Ora, no caso presente, o arguido reclamou da decisão sumária para a conferência e o acórdão indeferiu a reclamação com os mesmos fundamentos que constavam da decisão sumária e que, assim, puderam e foram efetivamente contraditados pelo reclamante. Aliás, em consonância com isso, na reclamação que originou o despacho recorrido, o recorrente invocou diversas razões para dever ter sido admitido o recurso para o Supremo, mas nunca referiu a preterição do contraditório relativamente à decisão de rejeição do recurso para a Relação.
Assim, não tendo havido objetivamente omissão do contraditório no sentido relevante para a decisão proferida no acórdão n.º 107/2012, nem tendo sequer tal fundamento sido invocado, a dimensão normativa a que respeita a primeira questão agora colocada não pode considerar-se efetivamente aplicada pela decisão recorrida. Apreciá-la seria, 'discorrer sobre uma ficção', como bem refere o Ministério Público.
Pelo exposto, não se conhecerá do recurso nesta parte.
6. Dispõe a al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal que não é admissível recurso (para o Supremo Tribunal de Justiça, obviamente), de 'acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo.” No despacho que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a norma foi interpretada no sentido de que são insuscetíveis de recurso os acórdãos que rejeitem, com fundamento em razões processuais - no caso, a intempestividade -, o recurso da decisão final condenatória interposto pelo arguido.
Ora, esse entendimento tem de considerar-se aplicado pela decisão ora recorrida que confirmou o despacho de não admissão do recurso, embora a questão de inconstitucionalidade a seu propósito suscitada não tenha sido versada por virtude da errada equiparação da situação à apreciada no acórdão n.º 107/2012.
Cumpre, pois, apreciar o recurso de constitucionalidade nesta parte.
7. A alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP (na redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto) constitui expressa exceção ao princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, enunciado no artigo 399.º do CPP, representando uma opção legal no sentido de, em desvio àquele princípio, não admitir recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de «acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objeto do processo».
Confrontando a sua redação atual com a que a antecedeu, verifica-se que, após a reforma de 2007, o preceito deixou de enunciar, como critério de insindicabilidade dos acórdãos das relações, o que assentava no respetivo efeito (não pôr termo ao processo), substituindo-o por um critério objetivo que assenta no respetivo conteúdo decisório (não conhecer, a final, do objeto do processo). Havendo decisões que põem termo à causa mas não conhecem do objeto do processo, parece que se restringiu o elenco das decisões da Relação recorríveis para o STJ, ampliando-se, desse modo, o âmbito da exceção de irrecorribilidade, que passou a integrar, não apenas os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que não ponham termo à causa, mas também todos aqueles que ponham termo à causa mas não conheçam do objeto do processo, o que antes não estava, pelo menos na previsão literal da lei, previsto como fundamento de irrecorribilidade (cf., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 1002; José de Souto Moura, Recursos – A disciplina dos recursos em processo penal segundo a reforma da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, em Revista da Universidade Portucalense, n.º 13, 2008; e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 2009, pág. 318).
Não admitem, pois, recurso, no atual quadro legal de definição, positiva e negativa, das competências do Supremo Tribunal de Justiça, os acórdãos das relações que não julgam o mérito da causa (cf. artigos 97.º,n.º1, alínea a), e 419.º, n.º 3, alínea b), do CPP), sendo que foi com esse fundamento que a decisão recorrida considerou ser, no caso, irrecorrível o Acórdão da Relação de Coimbra que julgou intempestivo o recurso antes admitido pela 1ª instância.
8. A questão que importa, assim, apreciar, à luz do parâmetro de constitucionalidade enunciado pelo recorrente (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), é a de saber se a garantia de recurso confere ao arguido o direito de ver reapreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não a decisão que o condena, mas aquela que não admite, por intempestivo, o recurso dela interposto, fazendo, desse modo, operar o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida em primeira instância.
Como se disse no acórdão n.º 107/2012, o instituto do recurso encerra 'uma tensão dialética permanente e nunca integralmente harmonizável entre duas finalidades antinómicas do direito processual penal: por um lado, a realização da justiça penal e, com ela, a efetivação do poder punitivo do Estado; por outro, a garantia de que tal desiderato não é alcançado com o sacrifício dos direitos fundamentais da pessoa humana, desde logo, do arguido, a quem a Lei Fundamental expressamente reconhece, no seu artigo 32.º, um direito fundamental de defesa (sublinhado, em geral, tal traço antinómico do direito processual penal, cfr. Figueiredo Dias, Código de Processo Penal. Processo Legislativo, Assembleia da República, 1999, fls. 31-30)'.
Embora as dimensões normativas apreciadas nesse processo e no presente recurso divirjam num aspeto que veremos ser essencial para o juízo de inconstitucionalidade, é pertinente recordar o que a este propósito se disse nesse acórdão.
'É, pois, na tentativa constitucionalmente imposta de realizar a concordância prática dos valores, de sinal inverso, que estruturam o processo penal, que o Tribunal Constitucional tem, na vasta jurisprudência sobre o tema, solucionado as diversas questões de inconstitucionalidade normativa suscitadas por alegada violação do direito fundamental ao recurso, parametrizando nuclearmente a sua apreciação à luz da injunção constitucional de que o arguido seja «julgado no mais curto prazo», o que só se alcança com um processo célere e eficaz, «compatível com as garantias da defesa» (entre elas, o direito ao recurso), que se prefiguram, assim, como limite imanente, aferido em concreto, de realização do processo penal (artigo 32.º, n.º2, da CRP).
Os recursos são «meios de obter a reforma da sentença injusta, da sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Reimpressão, Coimbra, 1984, pág. 212), pretendendo-se, através deles, um novo exame da causa, por parte do órgão jurisdicional hierarquicamente superior.
Tal definição, embora construída no contexto processual civil, tem o mérito de sublinhar que o recurso é, antes de mais, um meio de reação contra a decisão de mérito que, no termo final do processo destinado a realizar a justiça do caso, resolve o litígio, condena ou absolve o arguido; por outro lado, traduzindo o recurso, em análise estrutural, «uma nova apreciação judicial de matéria já julgada» por instância jurisdicional superior (Manuel Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, volume 2.º, Lisboa, 1986, pág. 280), o que a expressa consagração constitucional do direito do arguido ao recurso quer significar e garantir é, nuclearmente o direito de ver reapreciada, pelo menos num grau de recurso, a sentença final condenatória contra si proferida (princípio do duplo grau de jurisdição).
Assim, situando o recurso nessa sua área nuclear de justificação e operacionalidade – enquanto meio primacialmente dirigido à correção de erros ou vícios das decisões de mérito ou de fundo –, sublinhou o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 118/90, constituir «a faculdade de recorrer da condenação (…) peça dominante do quadro dialético em que se desenvolve o processo penal: é ela que permite ao arguido superar a antítese entre o interesse público à condenação e o seu próprio interesse de defesa e obter a reforma da sentença injusta, de sentença inquinada de vício substancial ou de erro de julgamento», pelo que «a faculdade de recorrer da sentença condenatória proferida em primeiro julgamento, qualquer que seja a dimensão dada ao recurso, há de inserir-se naquele complexo de garantias que caracterizam o direito de defesa».
Reconhecendo-se, porém, que o recurso é, no seu contexto constitucional, um instrumento de garantia do direito de defesa do arguido, é este último que deve substantivamente nortear a maior ou menor latitude do meio garantístico, expandindo-o para outros domínios decisórios quando se demonstre, na dinâmica do processo, que só pela garantia do recurso se efetiva o direito de defesa.
Assim sendo, integrar-se-á também no âmbito nuclear de tutela constitucional do direito ao recurso, em tal perspetiva substantiva, a garantia de que se poderá recorrer perante um diferente e hierarquicamente superior órgão jurisdicional, não apenas da decisão final condenatória, mas também de todos os «atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido» (Acórdão n.º 31/87 e, reiterando-o, acórdãos n.º 259/88, 265/94 e 610/96, entre outros).
Como estará dela excluída, por desnecessariamente compressora de outros direitos fundamentais cuja efetiva proteção implica uma eficaz repressão do crime, a pretensão de sindicar perante um tribunal superior «todo e qualquer ato do juiz», não podendo, pois, entender-se que «o legislador (esteja) constitucionalmente adstrito a consagrar a garantia de recurso constitucional quanto a todos os despachos proferidos em processo penal» (Acórdãos nºs. 31/87, 118/90, 332/91, 189/92 e 265/94).
A essa luz conciliatória, «se há de admitir que essa faculdade de recorrer seja restringida ou limitada em certas fases do processo e que, relativamente a certos atos do juiz, possa mesmo não existir, desde que, dessa forma, «se não atinja o conteúdo essencial dessa mesma faculdade, ou seja, o direito de defesa do arguido» (citado acórdão 31/87).
O Tribunal Constitucional, em concretização de tais premissas, de ordem axiológica e conceitual, não tem, assim, censurado, na perspetiva da sua conformação constitucional, variadíssimas soluções normativas, inclusive de índole interpretativa, que, relativamente a determinados atos judiciais situados afora daquele nuclear perímetro decisório, vedam ao arguido o direito ao recurso: irrecorribilidade do despacho do juiz que designa dia para julgamento em processo correcional (Acórdãos nºs. 31/87 e 118/90); irrecorribilidade do despacho que recebe a acusação por crime de emissão de cheque sem provisão (Acórdão n.º 259/88); irrecorribilidade do despacho de pronúncia (Acórdãos nºs. 353/91, 265/94, 610/96, 468/97, 30/01), irrecorribilidade do despacho de pronúncia, na parte em que decide de questões prévias ou incidentais (Acórdãos nºs. 216/99 e 387/99); irrecorribilidade do despacho do juiz que indefere requerimento de realização de diligências instrutórias (Acórdãos nºs. 371/00 e 375/00); irrecorribilidade do despacho que nega a liberdade condicional (Acórdão n.º 321/93); irrecorribilidade do despacho que declara a incompetência em razão do território (acórdão n.º158/2003); irrecorribilidade dos acórdãos das relações proferidos em incidente de recusa de juiz (Acórdão n.º565/2007).
Mas, em aplicação do mesmo critério de apreciação, o Tribunal não deixou de julgar inconstitucional a interpretação que, fundada na norma legal ora em apreço, na redação anterior à entrada em vigor da Reforma de 2007, considerou ser irrecorrível decisão do Tribunal da Relação que se pronuncie pela primeira vez sobre a especial complexidade do processo, pois que aqui, ao contrário do que se entendeu ocorrer nos recursos decididos pelos citados arestos, o direito de defesa do arguido, face à intensidade lesiva de uma tal decisão inovatória, que implicava a ampliação dos prazos de duração máxima da prisão preventiva, impunha, como condição da sua efetivação no processo, a possibilidade de contra ela reagir através de um grau de recurso (Acórdão n.º 686/04).
Do mesmo modo, apreciando interpretação normativa do mesmo artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, na sua anterior redação, que distinguia, para efeitos de admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, as decisões das relações que, por razões de natureza adjetiva, punham termo ao processo daquelas que operavam tal efeito mas pela apreciação do mérito do recurso, considerando apenas estas últimas sindicáveis, considerou o Tribunal Constitucional tratar-se de uma «distinção arbitrária ou injustificada quanto ao exercício do direito ao recurso que o n.º 1 do artigo 32.º abre ao arguido», pois que, «pondo a decisão questionada (…) realmente termo ao processo, é arbitrário ou injustificado, na perspetiva das garantias de defesa do arguido, distinguir entre pôr termo à causa por razões de direito penal substantivo e pôr termo à causa por razões de direito processual penal», para o efeito de sujeitar esta última categoria de decisões ao regime de insindicabilidade consagrado na citada norma legal (Acórdão n.º 597/00).
Os citados exemplos jurisprudenciais demonstram, pese embora a diversidade normativa dos recursos neles apreciados e o diferente sentido do juízo final de constitucionalidade neles formulado, que a razão da conformidade ou desconformidade constitucional das opções normativas então em apreciação, embora emergente da análise do conteúdo decisório do ato judicial de que se pretendia recorrer, assentava fundamentalmente na onerosidade dos efeitos dele decorrentes, na concreta dinâmica processual em que foram praticados, apenas se admitindo como constitucionalmente legítimas soluções de irrecorribilidade que não afetassem o núcleo essencial do direito de defesa do arguido (designadamente, por estarem em causa meras questões incidentais ou interlocutórias cuja decisão por uma única instância não comprometia a possibilidade de reagir, a final, pela via do recurso, contra a decisão de mérito) e postergando, por ilegítimas, todas aquelas que, por inviabilizarem a reapreciação de decisões de expressiva intensidade lesiva, atingiam a essência de um tal direito fundamental de defesa'
9. Reafirma-se esta perspetiva e é também em função dela que se impõe analisar o presente recurso.
A questão que aqui se coloca é a de saber se é constitucionalmente legítimo que a decisão da relação que julga inverificados os pressupostos processuais de um recurso que fora admitido - no caso a tempestividade de interposição do recurso - seja, ela própria, insindicável por via de recurso quando, como é o caso, dela resultará o imediato trânsito em julgado da decisão da primeira instância que condena o arguido numa pena de prisão superior a 8 anos de prisão, da qual seria possível recorrer se a relação confirmasse, em apreciação de mérito, essa mesma condenação (artigo 400º,n.º 1, alínea f), do CPP).
Na situação processual dos autos, o arguido, depois de ver admitido pela primeira instância o recurso por si interposto da decisão condenatória, foi confrontado na Relação com uma decisão do relator, depois confirmada em conferência, que considerou que o recurso tinha sido interposto fora de prazo, uma vez que este corria em férias judiciais, por virtude de um dos crimes que constituía objeto do processo se integrar na categoria dos crimes de violência doméstica.
Esta situação empresta à dimensão normativa sub judicio, como já se disse, uma diferença de tomo relativamente àquela que foi objeto de apreciação no acórdão que vimos referindo. No caso, embora a decisão sobre a irrecorribilidade surja ex novo no tribunal superior, o arguido recorrente teve oportunidade de fazer reapreciar pela formação de julgamento uma primeira decisão sobre a questão proferida pelo relator. Diversamente, na situação apreciada no acórdão n.º 107/2012, estava em causa uma dimensão normativa segundo a qual a decisão da Relação é irrecorrível para o Supremo, mesmo que a rejeição do recurso que conduz ao trânsito em julgado de uma condenação cuja confirmação permitiria esse recurso tenha sido tomada sem que o arguido tivesse efetiva possibilidade de sobre ela se pronunciar. É certo que, embora não privado do direito de se fazer ouvir sobre as razões da rejeição do recurso, o recorrente não viu a mesma questão que a motiva apreciada por dois tribunais diferentes. Mas, embora no seio do mesmo tribunal superior, obteve dupla apreciação, por formações diferentes: uma decisão singular do relator e uma decisão da formação colegial de julgamento.
Sendo assim, o que se sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional, no presente recurso, é saber se a solução normativa de irrecorribilidade da decisão da relação que julga intempestivo recurso que fora admitido pela primeira instância é inconstitucional, quando o arguido tenha podido exercer plenamente, perante o tribunal superior, o direito de defesa relativamente a tal questão.
Ora, a necessidade do recurso deve aferir-se em função da sua utilidade como instrumento de garantia do direito de defesa do arguido. Como se disse no acórdão n.º 107/2012, 'a efetivação do direito de defesa do arguido torna-se tão mais premente quanto mais intensos forem os efeitos que da decisão judicial decorrem para a sua esfera jurídica, sendo que nesta se incluem, não apenas os direitos fundamentais que a Constituição reconhece a qualquer cidadão, mas também aqueles que esta especialmente concede ao arguido enquanto visado por um concreto processo penal. E nesta última categoria necessariamente se integra o próprio direito ao recurso, tendo em linha de conta que é tão gravosa a decisão condenatória como aquela que não admite o recurso dela interposto'.
Importa lembrar que, apesar de o recurso ter sido admitido em 1ª instância, o recurso deve ser rejeitado na Relação, por despacho do relator, entre outras situações, se tiver sido interposto fora do prazo (cfr. art.ºs 414, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1, al. b), do CPP). Desta decisão cabe reclamação par a conferência, podendo o arguido fazer-se ouvir pela formação colegial que seria competente para apreciar o recurso sobre quanto seja pertinente à questão da admissibilidade do recurso (n.º 8 do art.º 417.º do CPP).
Ora, se o recurso não tivesse sido admitido em 1ª instância, o recorrente poderia reclamar dessa decisão nos termos do art.º 405.º do Código de Processo Penal, tornando-se a decisão do Presidente da Relação definitiva (sem prejuízo do recurso de constitucionalidade) se confirmasse o despacho de indeferimento, mesmo nos casos de condenação em pena que, se confirmada, poderia abrir a porta ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
As duas situações equivalem-se substancialmente no que se refere ao exercício dos direitos de defesa. Não se afigura que deva considerar-se menos respeitador das garantias do arguido a pronúncia sobre a questão por parte da formação colegial de julgamento do tribunal superior do que a decisão singular do presidente desse mesmo tribunal.
Ora, fazendo apelo à apreciação conciliatória dos valores antinómicos do processo penal que a Constituição impõe, nestas circunstâncias em que o recorrente dispôs da faculdade de se fazer ouvir pelo tribunal superior sobre a questão que motiva a rejeição do recurso, não pode considerar-se arbitrário, face às garantias de defesa, vedar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça perante decisões dos tribunais de Relação que rejeitem, por intempestivo, o recurso interposto de decisão da primeira instância que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a 8 anos de prisão.
Nestas circunstâncias, pode considerar-se que a garantia de que o processo penal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso é suficientemente realizada pela possibilidade de a verificação dos pressupostos respetivos, incluindo a tempestividade da interposição, ser realizada mediante acesso à Relação e discussão perante esse tribunal superior das razões que impedem uma pronúncia sobre o mérito do recurso. Não procedem, perante a dinâmica processual contida na dimensão normativa sob apreciação, as razões que levaram no acórdão nº 107/2012 a considerar que 'o único modo de garantir ao arguido o efetivo exercício do seu direito fundamental de defesa é permitir que este possa sindicar perante o tribunal superior (o Supremo) a bondade de tão gravosa decisão de forma, expondo no respetivo recurso as razões de defesa que antes não teve a oportunidade de invocar'.
Assim, o Tribunal não considera que viole o comando de que o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, expresso no n.º 1 do art.º 32.º da Constituição, a norma da al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido de que é insuscetível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o acórdão da Relação que rejeita, por intempestividade, confirmando fundamentação de decisão do relator que fora objeto de reclamação, o recurso interposto de decisão de 1ªinstância condenatória em pena de prisão superior a 8 anos.
10. Alcançado este juízo de não violação do n.º 1 do art.º 32.º, tem de concluir-se, por maioria de razão, que não há violação do art.º 20.º da Constituição. Efetivamente, no processo penal, o direito ao recurso é objeto de previsão específica, no âmbito das garantias de defesa, pelo que é à luz daquele parâmetro específico, mais intensamente protetor do arguido de que o regime geral de acesso ao direito e aos tribunais, que a questão da recorribilidade tem de ser apreciada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se:
a) Não tomar conhecimento da questão de constitucionalidade da norma extraída do art.º 405.º do Código de Processo Penal, no sentido de que no âmbito dos poderes de cognição previstos nesse preceito não cabe a pronúncia sobre a dimensão constitucional da omissão do contraditório prévio relativo à decisão de rejeição da Relação do recurso admitido em 1ª instância;
b) Negar provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece;
c) Condenar o recorrente nas custas, com 25 UCs de taxa de justiça.
Lx. 29/05/2013. – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.