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Proc. nº 290-B/97 ACÓRDÃO Nº 315/01
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - C... veio deduzir um incidente de recusa de juízes por suspeição, com os seguintes fundamentos:
1. O Acórdão 539/99, proferido no presente processo com data de 13 de Outubro último, consuma notória violação do direito fundamental à autodefesa em juízo consagrado no art. 6º, al. c) do nº 3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que, por força do preceituado, conjugadamente, no art. 6º, nº 2, do Tratado da União Europeia e no art. 8º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, vigora directamente na ordem jurídica interna, com valor reforçado
(com “primado” sobre todo o normativo nacional). Sintomaticamente, aliás, naquele aresto o Alto Tribunal decidente omite, deliberada e conscientemente, pronúncia sobre este principal argumento do foro jus-internacional, de há muito deduzido pelo signatário neste e em todos os recursos de constitucionalidade que veio, esforçadamente, interpondo. Por conseguinte,
2. Integra tal acto judicial, se bem se julga, o crime previsto e punido pelo art. 369º do Cód. Proc. Civil, cuja condenação, por força do disposto na al. a) do art. 771º do Cód. Proc. Civil, confere direito à revisão da decisão em causa. Aliás,
3. Trata-se, consabidamente, de uma reincidência, pois – conforme se alcança do Doc. A, anexo, cujo teor se dá aqui por reproduzido na íntegra – já no Proc. nº 174/98 também desta Secção, em que é o mesmo o Cons. Relator, houve que ser deduzido perante V. Exa., em 1 do corrente mês, pertinente incidente de suspeição por idêntico motivo, e,
4. Demais a mais, cuja participação ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem – conforme se alcança do Doc. B, anexo – foi de imediato considerada como queixa adicional, no âmbito da pendente Queixa nº 48188/99 contra o Estado Português, fundada, no essencial, em decisão judicial idêntica à consumada no acórdão supramencionado, tomada pelo Tribunal de 1ª Instância nos trâmites do processo-crime na origem dos presentes autos, o Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima.
Termos em que,
De acordo com o preceituado nos arts. 127º segg. Do Cód. Proc. Civil, por remissão da Lei do Tribunal Constitucional, outrossim aqui deduz o justificado incidente de recusa de juízes por suspeição, e, oferecendo os mesmos meios de prova apontados no processo supramencionado,
REQUER: se digne V. Excelência julgar procedente a suspeição exposta, com os devidos efeitos legais.”
Nos presentes autos estava em causa o pagamento das custas devidas na sequência do Acórdão nº 539/99, de 13 de Outubro. De facto, por despacho de 20 de Fevereiro de 2000, foi julgada extinta a instância por inutilidade da lide, após promoção do Ministério Público, mas tal extinção da instância não podia prejudicar as custas em dívida ao Tribunal.
Após o indeferimento de mais um requerimento de C... a pedir a 'baixa' dos autos, veio então o requerente deduzir o incidente acima mencionado, nos termos do qual entende que o Acórdão nº 539/99, de 13 de Outubro omite pronúncia sobre o 'direito fundamental à auto-defesa em juízo (que considera consagrado no artigo 6º , al. c), nº3, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, aplicável por força do preceituado, conjugadamente, no artº
6º, nº2, do Tratado da União Europeia e no artº 8º, nº2, da Constituição), pelo que se cometeu o crimes previsto no artº 369º do Código penal, o que confere direito á Revisão da decisão em causa.
Também, segundo o requerente, que junta o Anexo A, nos termos deste papel, foram praticados no Processo nº 174/98 factos indiciadores dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação, tendo o requerente feito a respectiva denúncia contra o mesmo relator, o que inculca reincidência no incidente de suspeição.
2. - Para prova do incidente deduzido, o ora requerente, remetendo para o requerido no Processo nº 174/98, pediu que fosse solicitado por este Tribunal ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias 'a decisão pré-judicial' 'atinente à correcta interpretação do normativo jus-comunitário controvertido no caso, em ordem inclusivamente a saber-se que há, efectivamente, violação pelo colectivo sob suspeição da obrigação de reenvio àquele tribunal supremo europeu das 'questiones juris' pertinentemente antessuscitadas'.
Importa aqui acentuar que o requerente, para além do referido Processo nº 174/98, suscitou com este, dois outros incidentes de suspeição contra o aqui relator, e suscitou também idênticos incidentes, com fundamentação similar, em outros processos em que intervieram outros juízes deste Tribunal.
3. - Suscitada a questão da suspeição, foi elaborado pelo relator o seguinte parecer:
'Vem o recorrente C... deduzir incidente de recusa de juiz por suspeição, invocando que o Acórdão n.º 539/99, de 13 de Outubro, 'consuma notória violação do direito fundamental à auto-defesa em juízo (...)', o que integra o crime previsto no artigo 369º do Código Penal, o que 'confere direito à revisão da decisão em causa”. E isto porque nos presentes autos estava em causa o pagamento das custas devidas no seguimento da prolação do acórdão em que foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, facto que não poderia prejudicar as custas em dívida para com o Tribunal.
Acresce ainda que o requerente considera que foram praticados no Proc. 174/98 factos indiciadores dos crimes de denegação de justiça e prevaricação, tendo feito a respectiva denúncia contra o relator do processo, o que indiciaria reincidência. E, para prova do incidente deduzido, o requerente, remetendo para o requerido no processo nº 174/98, pediu que fosse solicitado por este Tribunal ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias “a decisão pré-judicial”, atinente “à correcta interpretação do normativo juscomunitário controvertido no caso, em ordem a saber-se que há, efectivamente, violação pelo Colectivo sob suspeição da obrigação de reenvio àquele tribunal supremo europeu das
'quaestiones juris' pertinentemente antessuscitadas”.
Importa, além do mais, acentuar que o requerente, para além do referido processo n.º 174/98, suscitou com este dois outros incidentes de suspeição contra o aqui relator, e suscitou, também, idênticos incidentes, com fundamentação similar, em outros processos em que intervieram outros magistrados deste Tribunal.
Assim, cumpre decidir a arguida suspeição com base no disposto no n.º 3 do artigo 29º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, nos termos do qual compete ao próprio Tribunal Constitucional a apreciação da suspeição dos respectivos juízes.
Para o efeito, torna-se necessário aplicar conjugadamente o nº 3 do artigo 127º do Código de Processo Civil, que dispõe nas alíneas c) e d) que é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam que a acção (sendo que nesta se devem considerar abrangidas as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido – cfr. o nº 2 do artigo citado) foi proposta para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artigo 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às partes oporem suspeição àquele, o que é certo é que a situação que resulta do comportamento do requerente no processo aponta para que é seu desiderato obter, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade dos juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, a sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de obter quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o requerente figura como parte.
E isto tendo em conta a forma como é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização da constitucionalidade, pois julgada que fosse procedente a suspeição isso implicaria, na prática, que enquanto perdurasse o actual mandato, seria impossível obter uma decisão nas causas em que esta situação se suscita.
Ora, não podendo o deduzido incidente ser decidido pelo relator, o certo é que se afigura como provável que o Tribunal vir a decidir-se pela improcedência do presente incidente com base num raciocínio segundo o qual a respectiva dedução teve por única finalidade a obtenção da impossibilidade de os juízes deste Tribunal poderem intervir, como já referido, e isto tendo em conta, por um lado, a circunstância referida de o requerente ter deduzido noutros processos incidente semelhante e, por outro lado, o facto de se afigurar que a suspeição em apreço não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência, nem tem qualquer correspondência com a realidade.
Acresce que, se entende que os juízes intervenientes no presente processo pautaram a sua actividade por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais.
Neste contexto, e tendo em conta o disposto na parte final do nº 3 do artigo
130º do Código de Processo Civil, é plausível que o Tribunal venha a considerar que o ora requerente agiu movido no único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal de entorpecer ou protelar a acção decisória deste Tribunal, o que redundará na sua condenação como litigante de má fé, facto pelo qual, atento o disposto no nº 7 do artigo 84º da Lei 28/82, determina a sua audição por dois dias.'
4. - O requerente da suspeição respondeu ao parecer, defendendo o reenvio ao Tribunal das Comunidades das dúvidas que suscita.
Cumpre apreciar e decidir a questão da suspeição (nº 3 do artigo 29º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
5. - De harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos 127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, resulta que a pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida a acusação, pode levar as
«partes» a opor-lhe suspeição.
Por outro lado, determina-se no nº 3 do aludido artº 127º que nos casos das alíneas c) e d) do nº 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido – cf. mencionado nº2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artigo 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição àquele, o que é certo é que a situação que resulta do relato acima efectuado – onde avulta a circunstância de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em vários outros processos, por forma a obter a suspeição de outros juízes que não os ora intervenientes nas decisões tomadas nestes autos – aponta inequivocamente para que é desiderato do oponente obter, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade dos Juízes do Tribunal Constitucional
(ou, ao menos a sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o oponente figura como «parte».
E isto tanto mais que, tendo em conta o modo como constitucional e legalmente é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que, enquanto perdurasse o actual mandato dos Juízes em exercício, fosse impossível obter uma decisão nas causas em que o oponente assumisse posição de «parte».
Releva ainda, por outro lado, a circunstância de se entender que a actividade dos Juízes levada a efeito nos presentes autos tem sido pautada exclusivamente por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais, pelo que, de todo em todo, na perspectiva que agora assume este Tribunal, não se poderia desenhar a prática de actos que pudessem ser indiciariamente subsumidos ao cometimento dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação.
Deverá, desta forma, concluir-se que o incidente de suspeição ora oposto não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência com vista a se atingirem as garantias de imparcialidade que devem ser apanágio dos juízes, antes tendo por única finalidade obter a mera recusa dos Juízes intervenientes nestes autos, por forma a que as causas onde o oponente seja «parte» não venham a obter decisão por banda do Tribunal Constitucional.
6. – Em face do exposto, ponderado o prescrito no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil, julga-se - sem necessidade de proceder a qualquer diligência de prova, o que consequentemente, acarreta o indeferimento do solicitado na parte final do requerimento inicializador do presente pedido, improcedente a oposição ora deduzida, condenando-se o oponente nas custas processuais e fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Ponderando o que acima se disse e o que se consagra na parte final do artigo
130º do Código de Processo Civil, porque se afigura ao Tribunal inquestionável que a actuação do ora oponente consistente na dedução do incidente ora decidido teve por único móbil um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste Tribunal, nos termos da parte final do nº 3 do artigo
130º do Código de Processo Civil, conexionado com o nº 3 do artº 29º da Lei nº
28/82, condena-se o mesmo oponente como litigante de má fé em dez unidades de conta.
Lisboa, 4 de Julho de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Artur Maurício Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa