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Processo n.º 910/05
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão, ao abrigo do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC):
“1. Companhia de Seguros A., S.A., identificada nos autos, notificada do acórdão
do Supremo Tribunal de Justiça, de 6 de Outubro de 2005, que, por
inadmissibilidade legal, rejeitou o recurso [por si] interposto do acórdão do
Tribunal da Relação do Porto, de 24 de Janeiro de 2005, apresentou o
requerimento de fls. 1045 a 1048, endereçado ao Juiz Conselheiro Relator no
Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, “tendo por objecto as questões de
inconstitucionalidade que a recorrente suscitou por referência ao acórdão da
Relação proferido a 24 de Janeiro de 2005”, que especificou nos seguintes
termos:
«A)
As questões de inconstitucionalidade têm por objecto a aplicação, pela Relação,
do normativo dos artigos 201.º, n.º 1, e 676.º, n.º 1, ambos do Código de
Processo Civil, com um sentido que restringe o direito de impugnação das
decisões judiciais, cuja tutela constitucional se extrai dos artigos 2.º, 20.º,
281.º, n.ºs 1 e 2, 211.º, n.º 1, alíneas a) e b), 212.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, todos
da Constituição da República Portuguesa (cf. conclusões 6 e 7 da alegação de
recurso para o STJ).
As questões de inconstitucionalidade têm, ainda, por objecto a aplicação do
normativo dos artigos 265.º, 266.º e 315.º, n.º 1, todos do Código de Processo
Civil, com um sentido segundo o qual os fins tributários de um tal normativo se
sobrepõem aos princípios estruturantes do processo civil, visando estes a
realização da justiça material, em condições de igualdade, contraditoriedade e
imparcialidade, no respeito pelos princípios gerais do ónus da prova, tendo tais
princípios assento, designadamente, nos artigos 2.º e 20.º da Constituição (cf.
conclusão 23 da alegação de recurso do acórdão da Relação).
B)
A recorrente suscitou as questões de inconstitucionalidade, por referência ao
acórdão do Tribunal da Relação, na alegação do recurso desse acórdão, admitido a
fls. 857.
A recorrente só suscitou as questões de inconstitucionalidade nesse momento por
as mesmas apenas serem suscitáveis face ao teor do douto acórdão da Relação
objecto do recurso agora julgado admissível.»
2. O recurso foi admitido por despacho do Conselheiro Relator no Supremo
Tribunal de Justiça, de fls. 1063, decisão que, nos termos do artigo 76.º, n.º
3, da Lei n.º 28/82, não vincula o Tribunal Constitucional, entendendo-se, no
caso, ser de proferir decisão sumária, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A do
mesmo diploma, por não se poder tomar conhecimento do recurso.
Na verdade, como resulta do disposto no n.º 1 do artigo 76.º da Lei do Tribunal
Constitucional, compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida
apreciar a admissibilidade do respectivo recurso.
Ora, no caso sub judice, tendo o recurso sido interposto do acórdão do Tribunal
da Relação do Porto, era ao respectivo Desembargador Relator que competia
apreciar a admissibilidade do recurso daquele aresto para o Tribunal
Constitucional, e não ao Conselheiro Relator do Supremo, que não proferiu a
decisão recorrida.
Deste modo, como o requerimento de interposição de recurso foi endereçado ao
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça e foi este quem veio a
admitir o recurso, conclui-se que, não só a pretensão de recurso foi dirigida a
entidade incompetente, como a sua admissão foi levada a efeito por um juiz
diverso daquele a que se refere o n.º 1 do artigo 76.º da LTC.
Este entendimento, de que o endereçamento do requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional a órgão diverso do tribunal que proferiu
a decisão recorrida e a prolação da decisão de admissão do recurso por órgão
incompetente constituem obstáculo ao conhecimento do objecto do recurso de
constitucionalidade, tem sido reiteradamente subscrito por este Tribunal, como
se extrai, de entre outros, das decisões sumárias n.ºs 178/2004, 558/2004,
53/2005 e 109/2005, e dos acórdãos n.ºs 613/2003, 129/2004, 622/2004, 176/2005 e
292/2005 (disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt), e demais jurisprudência
neles citada.
3. De todo o modo, mesmo para quem assim não entenda, é seguro que o recurso não
poderia prosseguir.
Como é sabido o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC (i) só pode ter por objecto normas de que a decisão recorrida tenha
feito efectiva aplicação como ratio decidendi, (ii) cuja inconstitucionalidade
tenha sido suscitada perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de
modo processualmente adequado, em termos de este estar obrigado a conhecer
dessa questão (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Ora, é manifesto que estes pressupostos não se verificam.
A) Na parte em que o recurso tem por objecto “a aplicação, pela Relação, do
normativo dos artigos 201.º, n.º 1, e 676.º, n.º 1, ambos do Código de Processo
Civil, com um sentido que restringe o direito de impugnação das decisões
judiciais, cuja tutela se extrai dos artigos 2.º, 20.º, 281.º, n.º 1 e 2, 211.º,
n.º1, alíneas a) e b) 212.º, n.ºs 1, 3, 4 e 5, todos da Constituição” é, desde
logo, evidente que essa não foi a ratio decidendi da improcedência do recurso
que a recorrente interpôs do despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância a
fls. 493.
A fundamentação do acórdão é, nesta parte, a seguinte:
“(…)
Tanto quanto resulta das alegações e conclusões alinhadas pela agravante, esta
sustenta, em suma, que o Sr° juiz “deu à requerente a oportunidade para mais um
articulado” (sic), articulado este que é “anómalo”, por carência de base legal
que o justifique.
Ou seja, na tese da agravante estamos perante a prática de um acto não admitido
por lei mais a mais quando a contra parte nem sequer teve prévio conhecimento do
momento em que o mesmo foi ordenado.
Sendo assim, e nesta perspectiva, é inquestionável que se verifica uma nulidade
de cariz processual, nos termos do n°1 do artigo 201° do C.P. Civil.
Sucede, porém, que o agravante não arguiu, no momento próprio, a citada
nulidade, de acordo com o que se dispõe no artigo 205° do C.P. / Civil, e daí
que a dita nulidade se tenha for sanada.
Na verdade, e como transparece de fls. 498 e seguintes, a agravante ao ter
conhecimento daquele despacho de fls. 498 – cf. fls. 501 em vez de arguir, nos
termos do artigo 205° do C.P. civil, a apontada nulidade veio interpor recurso
do despacho de fls. 493 – cf. fls. 513.
Desta sorte, e uma vez que o recurso não é o meio próprio e adequado para reagir
contra a prática de um acto que está ferido de nulidade (processual), temos,
então, que a referida nulidade está perfeitamente sanada, tudo nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 205° e 208º, ambos do C.P. Civil.
De todo o modo, sempre se dirá que, a nosso ver, o acto ordenado pelo despacho
em crise não devolve a consequência que a agravante lhe pretende emprestar, ou
seja, “a oportunidade para mais um articulado” por banda da requerente.
Na verdade, e tanto quanto resulta do despacho em crise, o que o Sr. Juiz
pretende era colher elementos com vista” a determinar com o mínimo de rigor a
utilidade económica” do presente procedimento cautelar “, isto é, o que está em
causa é tão somente a recolha de dados que o habilitassem a fixar um valor (à
acção) diferente do fornecido pela agravada no seu requerimento inicial.
E tanto assim é, que no despacho de fls. 554 foi fixado à acção um valor
diferente do apontado pela requerente – cf 554.
Para além disso, quer a agravante quer as restantes requeridas foram notificadas
do despacho recorrido, embora tardiamente, e nessa sequência a primeira interpôs
recurso ao passo que, por exemplo, a Companhia de Seguros B., S.A. requereu,
para além do mais, produção de prova acerca do que, quanto a esse ponto, havia
sido alegado pela requerente.
Temos, pois, que o objectivo principal do despacho sob censura era,
precisamente, o da obtenção de elementos que habilitassem o Sr. Juiz a alterar o
valor à acção.
Nesta ordem de ideias, e ao invés do que afirma e sustenta o agravante, não se
vê e nem se vislumbra que com o dito despacho e conduta processual a ele
atinente haja sido violado qualquer preceito legal, mormente os que são
indicados pela recorrente.
Tanto basta, pois, para dizer que improcedem as conclusões 1ª e 4ª das alegações
da agravante.
Aqui chegados, passemos, agora a apreciar o recurso que tem por objecto o
despacho de fls. 554 e 555, 1ª parte, e por via do qual foi fixado à acção o
valor de Eur. 6.500.00,00.
De acordo com as normas legais acima referenciadas – artigos 684° n°3 e 690 n°1,
ambos do C.P.Civil, a única questão que ora importa conhecer e decidir é a de
saber se, face aos elementos que constam dos autos, o valor da acção não poder
ser fixado no montante encontrado no despacho recorrido.
Para além dos factos que constam do relatório supra, também damos como provado
que na sequência da notificação ordenada pelo despacho de fls.498 a agravante e
a Companhia de Seguros B., S.A. vieram apresentar os requerimentos de fls. 531 a
542 e 52 a 528 nos quais, e par além do mais, apresentaram um rol de testemunhas
e requereram que a agravada produzisse prova quanto aos factos que alinhou no
seu requerimento resposta de fls. 495 a 497, designadamente quanto ao valor que
ali indicou (E6. 5000.000,00), tudo isto na sequência do despacho defls.493.
Sendo assim, vejamos, então se o valor dado à acção deve ser fixado pela forma
indicada no despacho recorrido ou se, ao invés, esse valor não é o correcto.
Como flui dos factos acima dados como provados, no seguimento das notificações
ordenados pelos despachos de fls. 493 e 498, quer a agravada quer as requeridas
“Companhia de Seguros A., S.A. e Companhia de Seguros B., S.A. vieram apresentar
as respostas – requerimentos de fls. 495 a 497, de fls. 531 a 542 e de fls. 527
a 528, nas quais, a primeira, acabou por concluir que o valor em crise devia ser
fixado em 66.500.000,00 ao passo que as segundas defenderam a inexistência de
factos que permitissem tal conclusão.
A agravada alegou factos com vista à prova do por si alegado quanto à bondade
daquele valor – cf. fls. 495 – e, por seu turno, as ditas requeridas forneceram
elementos de prova com vista a suprirmos a referida alegação.
Perante este estado de coisas, cumpria, desde logo, confrontar daquelas posições
em sede de julgamento, isto é, dada a clara e nítida controvérsia do tema em
análise e tendo em conta, por outro lado, que os autos não forneciam, até ao
momento, quaisquer elementos com base nos quais se pudesse decidir, com a
necessária segurança, acerca da fixação do valor da acção, cumpria então, ao Sr°
juiz nos termos das disposições conjugadas dos artigos 265 ° 266° e 315º nº 1,
todos do C.P. Civil, convidar as partes, designadamente a requerente, para
trazer aos autos elementos da prova conducentes à demonstração do por si alegado
quanto ao valor da acção e, concomitantemente, inquirir as testemunhas arroladas
pela agravada da matéria (valor da acção) em discussão.
Todavia, nada disto foi feito, tal como se vê do despacho recorrido, despacho
este que apenas teve por fonte uma mera alegação que não a correspondente prova
dos factos que a compunham.
Portanto, e em ordem à obtenção dos elementos necessários com vista à fixação do
valor da acção, incidente este que foi oficiosamente suscitado pelo Tribunal,
nos termos do artigo 315° do C.P. Civil, questão esta que, como é fácil de ver,
contendo e é um “prius” em relação à declaração de competência constante do
despacho de fls. 555, 2° parte, cumpre, antes do mais, produzir prova acerca do
alegado pela requerente quanto a essa parte e, nessa medida, proceder também à
inquirição da testemunha que estão arroladas a fls. 541.
Procedem, por isso, as conclusões 6° a 9° das alegações da agravante, mas nos
termos e com o significado acima referenciados.
(…).”
Assim, mesmo que à primeira parte do acórdão pudesse imputar-se a aceitação de
um critério normativo de decisão como aquele que a recorrente indica, sempre é
inquestionável que o acórdão adoptou um fundamento alternativo, susceptível de
suportar autonomamente a decisão de improcedência do recurso. Efectivamente, o
acórdão não se limitou a considerar sanada a nulidade por falta de arguição
oportuna. Apreciou a substância da pretensão da recorrente, considerando que o
despacho recorrido não infringira os preceitos que a recorrente considerara
violados.
De todo o modo, foi do artigo 205.º e não dos preceitos que a recorrente indica
que o acórdão recorrido retirou a conclusão de que a nulidade estaria sanada,
preceito que não vem indicado pela recorrente no requerimento de interposição do
recurso.
Deste modo, prescindido de averiguar qualquer outro aspecto, nunca o recurso
poderia prosseguir com este objecto.
B) Quanto ao objecto do recurso que consiste na “aplicação do normativo dos
artigos 265.º, 266.º e 315.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, com um
sentido segundo o qual os fins tributários de um tal normativo se sobrepõem aos
princípios estruturantes do processo civil, visando estes a realização da
justiça material, em condições da igualdade, contraditoriedade e imparcialidade,
no respeito pelos princípios gerais do ónus da prova” – supondo, a benefício
de raciocínio, que tal enunciado pudesse constituir objecto idóneo de um recurso
de controlo de constitucionalidade normativa –, nunca tal hipotético sentido
interpretativo poderia imputar-se ao acórdão recorrido.
Com efeito, não há no acórdão recorrido qualquer rasto de que o Tribunal da
Relação tenha retirado dos referidos preceitos uma norma segundo a qual os fins
tributários prevalecem sobre os princípios processuais que o recorrente indica,
para determinar o uso ou a extensão dos poderes de intervenção do juiz na
fixação do valor da causa e na instrução do respectivo incidente. Pelo
contrário, resulta do acórdão recorrido que tal intervenção vai ordenada à
prossecução de todos os fins para que releva o valor da causa, designadamente
para efeito de determinação da competência do tribunal em razão do valor.
Portanto, o acórdão recorrido não fez aplicação das referidas normas com o
sentido que o recorrente indica, faltando o primeiro pressuposto do recurso de
constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da
LTC.
Sendo estas razões suficientes para, também nesta parte, o recurso não poder
prosseguir, também aqui seria inútil averiguar a verificação dos demais
pressupostos do recurso interposto.
4. Em face do exposto, decide-se, nos termos do nº1 do artigo 78.º-A da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do recurso.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 unidades de
conta.”
2. A recorrente reclamou desta decisão, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da
LTC, nos seguintes termos:
“1. Salvo o devido respeito, a douta decisão reclamada assenta num raciocínio
inexacto.
2. Com efeito, e desde logo, ao decidir que “a referida nulidade está
perfeitamente sanada, tudo nos termos das disposições conjugadas dos artigos 205
e 208°, ambos do C. P. Civil”, o acórdão ajuíza ter havido uma nulidade, por
aplicação do disposto no artigo 201º do CPC.
3. É, assim, evidente que essa decisão entronca directamente na questão da
interpretação desse artigo e na conformidade ou não dessa interpretação com as
normas constitucionais que a recorrente entende terem sido violadas.
4. Por outro lado, não é exacto que o acórdão tenha adoptado um “fundamento
alternativo, susceptível de suportar autonomamente a decisão de improcedência do
recurso”, em termos de assim se ter tornado irrelevante o recurso de
constitucionalidade.
5. Com efeito, a recorrente suscitou a questão da aplicação do artigo 676º, n.º
1, do CPC, com um sentido inconstitucional, norma sobre a, qual a douta decisão
sumária reclamada nem sequer expendeu qualquer observação, apesar de a mesma
permitir abranger a decisão adoptada no acórdão em toda a extensão da sua
fundamentação.
6. De notar, de resto, o teor das conclusões 1 a 9 da alegação de recurso para o
STJ, aqui, brevitatis causa, consideradas reproduzidas (cf., ainda, o teor da
alínea A), sob II, do requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional).
7. Também não é exacto que o acórdão “não fez aplicação das referidas normas
(artigos 265°, 266 e 315, n°1, todos do CPC), com o sentido que a recorrente
indica”.
8. Um tal sentido está necessariamente implícito em toda a fundamentação da
decisão impugnada, sendo certo que se permitiu à requerente alegar e provar
prejuízos que ela completamente omitiu no requerimento inicial da providência,
desse modo se admitindo a mesma requerente a suprir, indirectamente, essa
omissão, e, assim, a introduzir esse fundamento essencial ao deferimento da
providência.
9. Foi, desde sempre, esse o vício material que a recorrente imputou à decisão
da primeira instância.
10. Diga-se, finalmente, sempre com o devido respeito, que mal se crê no que se
lê sob B), 2., da douta decisão sumária, aliás, sem a menor consideração da
específica realidade dos autos e do que se lê sob (i) a (v) do requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
11. E mal se acredita, desde logo, porque o signatário está convicto de que do
Tribunal Constitucional não deverá esperar-se um modo de ver que enrede a
realização da justiça e a defesa da Constituição em considerações exclusivamente
formais: tão formais e, por isso, incompatíveis com os fins do Estado de
Direito, que o próprio processo civil tal vivamente repudia, precisamente em
nome do disposto no artigo 200, n° 1, da CRP.”
A recorrida não respondeu.
3. São manifestamente improcedentes todas as críticas que a recorrente dirige à
decisão reclamada.
3.1. Quanto à aplicação do “normativo dos artigos 201.º, n.º 1, e 676.º, n.º 1,
ambos do Código de Processo Civil” começa, desde logo, por não merecer qualquer
dúvida séria a afirmação da “decisão sumária” de que o acórdão recorrido
adoptou, quanto à apreciação da controvérsia a que esse “normativo” respeita (a
de saber se o juiz de 1.ª instância deu à ora recorrida oportunidade para um
articulado anómalo), um fundamento alternativo capaz, por si só, de suportar
aquilo que o Tribunal da Relação decidiu quanto a esse fundamento do recurso.
Basta ler, segundo o padrão de um destinatário normal do tipo de acto em causa,
o que se diz na fundamentação do acórdão recorrido, que a decisão reclamada
transcreve (“De todo o modo sempre se dirá que …” até “Tanto basta, pois, para
dizer que improcedem as conclusões 1.ª a 4.ª das alegações da agravante”). Isto
é, embora num plano de fundamentação subsidiária, o Tribunal da Relação acabou
por conhecer da questão da admissibilidade da peça processual contra a qual a
recorrente se insurge, julgando improcedente a argumentação por esta aduzida
contra tal admissão. É obvio que a questão dos reflexos desta estrutura de
fundamentação no recurso de constitucionalidade tem de ser apreciada na lógica
do acórdão recorrido – sobre cujo acerto, seja no plano de identificação e de
aplicação do direito infra-constitucional e de apreciação dos factos da causa,
seja no da concreta conformação da lide, não compete a este Tribunal exercer
censura –, e não segundo o que o recorrente entende que deveria ter sido
decidido.
Ora, isso bastaria para justificar a decisão de não tomar conhecimento do
objecto do recurso nesta parte, uma vez que sempre o sentido da decisão da
Relação se manteria, fosse qual fosse a decisão do Tribunal Constitucional sobre
aquele “normativo” . Com efeito, como este Tribunal tem repetidamente afirmado
(cfr., entre muitos outros nesse sentido, os Acórdãos n.ºs 337/94, 498/96 e
3/2000 – publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 4 de
Novembro de 1994, de 22 de Julho de 1996 e de 8 de Março de 2000 -, e os
Acórdãos n.ºs 283/97, 556/98, 490/99 – disponíveis em
http://www.tribunalconstitucional.pt), o recurso de constitucionalidade, tal
como previsto no artigo 280º da Constituição e nos artigos 70º e seguintes da
LTC, desempenha uma função instrumental. Isso significa, como se afirmou, por
exemplo, no Acórdão n.º 498/96, já citado, que há-de aferir-se da “sua utilidade
no concreto processo de que emerge, de tal forma que o interesse no conhecimento
de tal recurso há-de depender da repercussão da respectiva decisão na decisão
final a proferir na causa”. Como então se acrescentou, “não visando os recursos
dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade
do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera
questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação
deste interesse representa uma condição de admissibilidade do próprio recurso”.
Em síntese, e retomando agora as palavras do acórdão n.º 556/98, também já
citado, só tem sentido conhecer do recurso de constitucionalidade quando a
decisão aí proferida “se pode projectar com utilidade sobre a causa”,
concluindo-se, assim, “que dele se não deve conhecer quando se não verifique
qualquer efeito útil do mesmo sobre ela”.
A crítica que o recorrente faz à decisão reclamada (n.º 5 da
reclamação), de não ter tomado em consideração que a referência feita à
aplicação do n.º 1 do artigo 676.º do Código de Processo Civil com um sentido
inconstitucional permitiria abranger a decisão recorrida em toda a extensão da
sua fundamentação, é manifestamente improcedente, para não dizer, mesmo,
flagrantemente contrária ao próprio requerimento de interposição do recurso. Na
verdade, é o próprio requerente que enuncia o objecto do recurso como incidindo
sobre a aplicação “do normativo dos artigos 201.º, n.º1, e 676.º, n.º 1, ambos
do Código de Processo Civil”, expressão cujo sentido razoável e corrente é o de
que o seu autor visa obter a fiscalização da constitucionalidade de uma norma
extraída do referido bloco legal e não da prescrição contida em cada um dos
preceitos legais que o integram. E, de qualquer modo, essa interpretação sempre
se imporia porque só nessa conjugação, tendo presente o problema processual de
que emerge (haver ou não nulidade processual e poder esta ser discutida por via
de recurso), a questão de constitucionalidade poderia aspirar a algum vislumbre
de racionalidade jurídico-processual.
Por último, apesar de bastar o que antecede para confirmar a
decisão reclamada, na parte que respeita ao referido “normativo” – cujo sentido
preciso o recorrente nem agora enuncia, como é seu ónus (artigo 75.º-A, n.º 1,
da LTC) –, também é exacto que sempre seria necessário que o recorrente tivesse
incluído, na sua definição, o artigo 205.º do Código de Processo Civil, que
indiscutivelmente integra a base legal de que o acórdão extrai o entendimento de
que estaria precludida a discussão da questão da apresentação de novo
articulado, se de nulidade processual se tratasse.
3.2. Quanto “à aplicação do normativo dos artigos 265.º, 266.º e
315.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, com um sentido segundo o qual
os fins tributários de um tal normativo se sobrepõem aos princípios
estruturantes do processo civil, visando estes a realização da justiça material,
em condições da igualdade, contraditoriedade e imparcialidade, no respeito pelos
princípios gerais do ónus da prova” igualmente se tem de julgar improcedente a
reclamação, reafirmando-se o que se disse na decisão reclamada.
Com efeito, o recorrente não logrou infirmar os fundamentos dessa decisão,
limitando-se a considerações vagas sobre o direito à tutela judicial efectiva e
esquecendo os pressupostos do recurso de constitucionalidade que interpôs,
designadamente, como resulta da Constituição e da lei, que o recurso só poderia
ter por objecto a apreciação da conformidade a normas e princípios
constitucionais de norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida (artigo
280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição e artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC)
e que é do recorrente o ónus de identificação precisa de tal norma (artigo
75.º-A, n.º 1, da LTC). Ora, como na decisão reclamada se demonstra, a norma que
a recorrente reporta ao bloco normativo em causa não foi aplicada como “ratio
decidendi” do acórdão recorrido.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar a recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 22 de Maio de 2007
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão