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Proc. 292/01 ACÓRDÃO Nº 360/01
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional
I.RELATÓRIO
1. - Na acção declarativa, com processo sumário, movida pelo Ministério Público contra S..., SA foi, na 1ª Instância, proferida sentença que declarou nulas determinadas cláusulas das condições gerais das apólices nela identificadas e que condenou a Ré a abster-se de utilizar tais cláusulas com o alcance aí referido, em todos os contratos que, de futuro, viesse a celebrar e a dar publicidade a tal proibição, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, através da publicação da sentença em dois jornais diários de maior tiragem, publicados em Lisboa e Porto, durante três dias seguidos.
Inconformada com o decidido na 1ª Instância, recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, restringindo o recurso à parte da sentença que a condenou a dar publicidade à mesma, tanto mais que, segundo alegou, posteriormente à propositura da acção alterou as condições gerais dos contratos por forma a delas eliminar as cláusulas julgadas abusivas.
Foi o recurso julgado improcedente por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de Maio de 2000.
Ainda inconformada, e com base na mesma questão, recorreu a Ré daquele acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, por Acórdão datado de 5 de Abril de 2001, decidiu negar provimento ao recurso, considerando, em resumo, que quanto à questão de constitucionalidade normativa suscitada, a publicidade da decisão se destina não a humilhar a recorrente, mas antes a alertar os que com ela contrataram para a nulidade declarada.
2. - É deste acórdão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional para apreciação da constitucionalidade da norma do n.º2, do artigo 30º, do DL 446/95, de 25 de Outubro.
Nas alegações que apresentou perante este Tribunal, e com relevo para a questão que agora interessa apreciar, formulou a recorrente, em síntese, as seguintes conclusões:
'1. A publicitação da sentença prevista pelo n.º 2 do artº 30º do Dec.-Lei
446/85, de 25 de Outubro, constitui objectiva e materialmente uma verdadeira pena imposta ao vencido na acção de inibição do uso de cláusulas contratuais gerais.
(...)
7. O art. 168º da CRP remete para a competência exclusiva da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a definição de crimes, penas, medidas de segurança, e respectivos pressupostos, bem como processo criminal.
8. O Dec.-Lei 446/85 é um diploma do Governo, emitido ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 201º da CRP, não sendo pois um diploma da Assembleia da república ou emanado do Governo ao abrigo de uma autorização legislativa da AR.
9. Encontra-se, pois, a norma do n.º 2 do artigo 30º do citado diploma legal ferida de inconstitucionalidade orgânica e por assim o não ter entendido, o Acórdão recorrido violou o art. 168º do CPC.
10. A mesma norma do n.º 2 do art. 30º do Dec. –Lei 446/85 é também materialmente inconstitucional por violação dos artigos 118º n.º 2, 26º n.º 2 e
12º n.º 2 da CRP (e ao aplicá-la as decisões recorridas violaram da mesma forma tais artigos) quando interpretada no sentido de permitir a publicitação de uma sentença condenatória, com manifesta ofensa da reputação, imagem e bom nome da entidade condenada, para obter um mero fim de informação geral.
(...)
12. A ordenada publicação da sentença condenatória, enquanto medida sancionatória prevista legalmente, restringe directamente o âmbito e extensão dos direitos da recorrente ao bom nome, reputação e imagem, previstos constitucionalmente, sem que se vislumbrem quais os bens jurídicos constitucionalmente tutelados em nome dos quais se justifica o sacrifício daqueles direitos da recorrente.
(...)
14. A medida consistente na condenação do vencido na publicação da sentença, prevista no n.º 2 do artigo 30º do DL 446/85, é, ainda, desproporcional, relativamente aos objectivos de divulgação das cláusulas contratuais gerias cujo uso foi proibido por decisão judicial proferida no âmbito de uma acção inibitória.
15. Assim, deve considerar-se orgânica e materialmente inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 30º do DL n.º 446/85, na redacção dada pelo DL
220/95, de 31 de Agosto, à luz dos artigos 168º, 18º, n.º 2, 26º, n.º 1 e 12º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa'.
3. - O representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu do seguinte modo as alegações que produziu no presente processo:
'1 - Pelas razões expostas no acórdão 249/00, não padece de inconstitucionalidade a norma constante do artigo 30º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
446º/85, de 25 de Outubro, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 220/95, de
31 de Janeiro.
2- Termos em que deverá improceder o presente recurso.'
Com dispensa dos vistos legais, dada a simplicidade da questão, cumpre apreciar e decidir.
III. - FUNDAMENTOS
4. - Como decorre do objecto de recurso delimitado pela recorrente no presente processo, a questão que é suscitada é a de saber se é material e organicamente inconstitucional a norma contida no n.º 2, do artigo
30º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, relativa à publicitação da sentença.
O preceito impugnado tem a seguinte redacção:
'A pedido do Autor pode ainda o vencido ser condenado a dar publicidade à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal o determine.'
A questão da conformidade constitucional da norma em causa não é, neste Tribunal, uma questão nova: de facto, já foi proferido, neste Tribunal Constitucional, um acórdão em que expressamente se visou a matéria em apreço, designadamente, o Acórdão n.ºs 249/00 (in Diário da República, II Série, de 6 de Novembro de 2000). Neste aresto, concluiu-se que a norma questionada - o nº 2 do artigo 30º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro - não é inconstitucional, nem orgânica nem materialmente.
Não tendo sido aduzidos nos autos fundamentos que imponham um outro e diferente entendimento, é esta jurisprudência que o Tribunal Constitucional tem vindo a defender, em casos como o dos autos, que aqui se tem de reiterar, pelo que, no presente acórdão, se remete para a fundamentação expendida essencialmente no primeiro dos citados acórdãos, limitando-nos a dar dessa fundamentação uma sintética resenha para melhor compreensão da jurisprudência que se reafirma, de novo, no caso dos autos.
Assim, no Acórdão n.º 249/00, para o que agora interessa considerar, escreveu-se o seguinte:
' (...) tratando-se de uma concretização reforçada do princípio da publicidade processual, será a medida consagrada na norma em apreciação atentatória do direito ao bom nome e à boa reputação? E implicará ela uma restrição ilegítima, desnecessária e desproporcional de direitos, liberdades e garantias?
A resposta é negativa. Vejamos por que razões.
Será que a obrigação imposta à recorrente de publicitar a proibição que lhe foi imposta, na utilização das cláusulas contratuais gerais, implicará a perda de quaisquer direitos ou violará algum ou alguns preceitos constitucionalmente plasmados, em desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, já que os interesses quer dos consumidores quer dos outros operadores económicos são, assim, suficientemente acautelados pela respectiva acção inibitória, acompanhada da instituição do referido registo de sentenças condenatórias?
Explicitou-se, a este propósito, no Acórdão n.º 249/00:
'(...) A necessidade de regulamentar específica e autonomamente a utilização de cláusulas contratuais gerais assenta não apenas no facto de uma das partes do contrato (normalmente a parte a mais fraca – (...) não ter a possibilidade de acordar o conteúdo do contrato, apenas podendo aceitar ou recusar contratos
(...)
É pois nesta prerrogativa do sujeito que elabora o contrato de adesão, que o torna 'concorrente do direito estadual', (...) que se encontra uma das razões do desvio do respectivo regime legal em relação à regulamentação dos demais contratos.
(...) Ganhando a unilateralidade da conformação uma dimensão colectiva, pois afecta amplos círculos de contraentes, sempre em obediência ao reconhecimento da primazia do valor ético-jurídico da autonomia (...) compreende-se que a intervenção do Estado neste espaço de liberdade surja, também ela, de um modo mais intenso, precisamente quando está em causa proceder à limitação dos efeitos do exercício abusivo e ilícito da faculdade em questão. Se o Estado reconhece a possibilidade de utilização das cláusulas contratuais gerais, aceitando o surgimento do referido «concorrente do direito estadual», então também deverá admitir-se, maxime em defesa dos legítimos interesses dos clientes, um controlo judicial adequado, com um teor informativo de igual extensão à que o uso das referidas cláusulas contratuais gerais apresenta.
(...) Assim, a publicação nos periódicos está localizada no tempo (dias de publicação) e traduz-se num alerta inicial para o uso de cláusulas proibidas; o registo da sentença permite uma consulta posterior da decisão por quem tutela efectivos interesses (...).
9 – Subsiste, porém, a interrogação fundamental (...) a de saber se implicará uma afectação do direito ao bom nome e à reputação (e, nessa medida, de direitos, liberdades e garantias) a publicação da sentença que proíbe a inserção no contrato de uma determinada cláusula. Ora, o processo civil é enformado por um princípio geral de publicidade (cf. o artigo 167º do Código de Processo Civil), cuja justificação última é, nomeadamente, estabelecer a segurança nas relações entre os sujeitos privados. Neste caso determina-se a publicação da decisão judicial que inibe a recorrente do uso de cláusulas legalmente proibidas, com a finalidade de promover a segurança que o mero carácter público do processo não asseguraria plenamente. Não existe facto algum atentatório do bom nome e da reputação da recorrente, pois a inserção nos contratos de cláusulas proibidas é um facto, comprovadamente
(em processo judicial) imputável à própria recorrente. Por outro lado, porque se trata de cláusulas contratuais gerais, destinadas a um círculo de sujeitos indefinidos e abrangente, a decisão só será plenamente eficaz se também tiver a possibilidade de ser levada ao conhecimento dos interessados, não se tratando de uma sanção em sentido próprio, mas tão-somente de um meio de prevenir os contraentes dos seus direitos, que decorre da publicidade em processo civil.
10 – Em suma, trata-se, apenas, de uma norma que regula a publicidade da decisão judicial num determinado sector do direito civil, visando a própria eficácia da sentença nas situações em que certas particularidades do caso o reclamem (...) A norma em questão não só não afecta ilegitimamente o bom nome da sociedade ou a sua reputação como não tem carácter sancionatório, sendo apenas uma concretização da publicidade do processo civil, não regulando em si mesma a concretização de direitos, liberdades e garantias'
Acrescente-se ainda que estando em causa uma providência de natureza civil e não uma pena em sentido criminal – como a recorrente quer fazer crer, para sustentar a sua tese de que o preceito em apreço sofre de inconstitucionalidade orgânica – se configura como manifestamente inconcludente a invocação de preceitos e princípios constitucionais atinentes aos direitos e processo penais.
De acordo com o exposto, conclui-se que não se verifica a alegada inconstitucionalidade orgânica (artigo 168º, n.º 1, alínea b) da Constituição), assim como se não verifica a invocada inconstitucionalidade material (artigos 18º, n.º 2 e 26º, n.º 1 da Constituição).
Resta, pois, reiterar o decidido no acórdão que vimos seguindo de perto, no sentido da não inconstitucionalidade da norma prevista no nº2 do artigo 30º do Dl 446/85, de 25 de Outubro, remetendo quanto a outros pormenores para a fundamentação daquele aresto (acórdão nº 249/2000).
III. - DECISÃO
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide julgar não inconstitucional a norma do n.º 2, do artigo 30º, do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, assim negando provimento ao recurso e confirmando, na parte impugnada, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta.
Lisboa, 2001- 07- 12. Vitor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa