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Processo n.º 238/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Comarca de Barcelos, em que são recorrentes A. e B. e recorridos C., D., E. e F., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da sentença daquele Tribunal de 28 de novembro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 203/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com os artigos 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
Os recorrentes pretendem a apreciação da constitucionalidade de uma determinada interpretação normativa reportada aos «artigos 646º nº 4 e 653º nº 2, todos do mesmo Código de Processo Civil». Porém, durante o processo, não foi questionada, de forma adequada, a conformidade constitucional de qualquer interpretação normativa por referência a estes dois artigos do Código de Processo Civil. Com efeito, no requerimento a fl. 229 e ss. dos presentes autos os recorrentes não especificaram a dimensão interpretativa que pretendiam questionar do ponto de vista jurídico-constitucional. Limitam-se a dizer o seguinte:
«(…) não pode mesmo deixar de dizer-se, desde já, que a forma como a resposta ao quesito se encontra formulada, com o seu manifesto excesso e a exorbitar a factualidade do mesmo quesito, sem que houvesse sido alegada e carreada ao processo pelas partes, constitui uma interpretação do disposto nos artigos 653.º nº 2 e 646 nº 4 do Código de Processo Civil, que torna tais preceitos inconstitucionais, por total violação do artigo 20.º da C.R.P., dada a manifesta desigualdade de tratamento do julgamento da lide, em prejuízo dos Autores e no seu acesso ao direito e à Justiça dos Tribunais».
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«O que mais se afigura aos recorrentes é que as considerações de mera forma têm vindo a relegar a justiça material das situações de facto, sabendo- se, embora, e para valer em todos os momentos e circunstâncias, que, se alguma crise pode existir na justiça essa só é verdadeiramente palpável e sensível para os seus destinatários quando toca a justiça material dos factos da vida.
É com todo o respeito que se mantém aqui todas as alegações produzidas pelos recorrentes no recurso interposto e que se viu rejeitado.
E, também, com todo o maior respeito, mantém-se o entendimento de que a legislação em vigor apenas exige aos recorrentes para esse Alto Tribunal, nos termos do disposto no artigo 7º nº 1 al. b) da LTC, como foi o caso dos presentes autos, que a inconstitucionalidade da norma ou normas aplicadas pelo Tribunal “a quo” hajam sido suscitadas durante o processo, de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a conhecer da questão de inconstitucionalidade.
Ora, de novo com o maior respeito, entende-se que, no caso, nem a lei nem a douta decisão ora reclamada logram esclarecer o que deve, então, entender-se por questionar a conformidade constitucional, de forma adequada, da interpretação de uma norma de qualquer preceito legal em que assenta uma decisão tal como aquela de que ora se recorre.
Cumpre salientar aqui, nesta reclamação, que os recorrentes suscitaram devidamente neste processo a questão da inconstitucionalidade aqui denunciada, o que, nem por ser de reduzido valor, poderá ser de menos considerável importância para a justiça material, este, sim, o fundamental valor da vida judicial.
Por fim, dando-se aqui como reproduzido tudo quanto se deixou alegado na interposição do presente recurso, dir-se-á, apenas, que a parte final da reclamação dos recorrentes às respostas aos quesitos da presente ação e que o douto despacho desse Alto Tribunal transcreveu na douta decisão ora reclamada, comporta, claramente, uma adequada denúncia da inconstitucionalidade interpretativa dos artigos 653º no 2 e 646º nº 4 do Código Processo Civil que fundamentou a decisão da Meritíssima Julgadora, nos presentes autos, face ao que se dispõe no artigo 20º da C.R.P..
Na resposta ao quesito 11º, a Meritíssima Juíza de 1ª Instância, de cuja decisão aqui se recorre, introduziu nela matéria de facto por sua exclusiva iniciativa, matéria de facto essa que foi e é decisiva para a sorte da presente lide, sendo certo que tal matéria de facto, assim acrescentada pela Meritíssima Juíza “a quo”, não foi carreada aos autos nem alegada fosse pelos Autores ou fosse pelos Réus, como se preceitua no artigo 264º do Código Processo Civil.
Ora, tudo quanto se considera e deixou denunciado, face àquela interpretação assim feita dos citados preceitos 653º nº 2 e 646º nº 4 do Código Processo Civil, coloca-nos claramente perante uma interpretação que se revela inconstitucional e não pode, assim, ser acolhida, como foi, na aplicação dos citados preceitos e na fundamentação do julgamento feito.
O direito de acesso aos Tribunais, que se contém no artigo 20º nº 1 da Lei Fundamental, caracteriza-se como o direito a ver solucionados os conflitos, segundo o direito estabelecido, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e face ao qual as partes no conflito se encontrem em condições de plena igualdade no que respeita à defesa dos seus pontos de vista.
Ora, com todo o devido respeito, não foi isto o que aconteceu na sentença proferida neste processo. Pelo contrário, só por força de uma interpretação dos referidos preceitos legais que acarretou ofensa clara aos direitos de plena igualdade das partes e que, no caso, aconteceu em total prejuízo dos Autores e por total indiferença pela interpretação de tais preceitos em conformidade com os referidos princípios constitucionais da igualdade das partes e a que se reporta o artigo 20º da C.R.P., os Autores viram negado o direito e a justiça material que peticionaram na ação aqui questionada».
4. Notificados desta reclamação, os reclamados responderam, concluindo pela confirmação da decisão reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada, perante o tribunal recorrido, de uma qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada aos «artigos 646º nº 4 e 653º nº 2, todos do mesmo Código de Processo Civil».
Os reclamantes argumentam que suscitaram devidamente a questão da inconstitucionalidade, designadamente na parte que foi reproduzida na decisão sumária. Sem razão.
Na peça processual em causa, os recorrentes não especificaram a dimensão interpretativa que pretendiam questionar do ponto de vista jurídico-constitucional, o que é evidente na passagem transcrita na fundamentação da decisão reclamada. Este Tribunal tem vindo a entender que, quando “se suscita a inconstitucionalidade de uma determinada interpretação de certa (ou de certas) normas jurídicas, necessário é que se identifique essa interpretação em termos de o Tribunal, no caso de a vir a julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários delas e os operadores do direito em geral fiquem a saber que essa (ou essas) normas não podem ser aplicadas com um tal sentido” (Acórdão n.º 106/99, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Há que indeferir, pois, a presente reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 28 de junho de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros - Maria Lúcia Amaral.