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Processo n.º 651/13
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC).
2. No Tribunal Constitucional, foi proferida Decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Na fundamentação de tal decisão, refere-se o seguinte:
“(…) No presente caso, o recorrente não enuncia, no requerimento de interposição do recurso, a concreta interpretação normativa, cuja sindicância pretende, limitando-se a indicar os preceitos de direito positivo em que tal interpretação presumivelmente assenta, parecendo, assim, esquecer que os conceitos de norma e preceito legal não são sobreponíveis.
Incumpre o recorrente, desta forma, o disposto no n.º 1 do artigo 75.º-A da LTC.
Na verdade, por força do referido preceito, tem este Tribunal entendido que sobre a parte, que pretenda questionar a constitucionalidade de uma norma ou de determinada interpretação normativa, impende o ónus de enunciar expressamente tal norma ou interpretação, em termos tais que o Tribunal Constitucional, no caso de concluir pela sua inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação, de modo a que os respetivos destinatários e operadores do direito em geral fiquem cientes do concreto sentido normativo julgado desconforme com a Lei Fundamental.
A omissão de menção, autónoma e especificada, de tal elemento não é, por natureza, abstratamente insuprível.
Porém, não é equacionável, in casu, facultar ao recorrente a possibilidade de suprir tal deficiência, mediante o convite ao aperfeiçoamento a que se reporta o n.º 6 do referido artigo 75.º-A da LTC, atenta a não verificação de pressupostos de admissibilidade do recurso, circunstância que sempre determinaria a impossibilidade de conhecimento de mérito, como melhor exporemos infra.
Na verdade, o convite ao aperfeiçoamento, previsto no artigo 75.º-A, n.os 5 e 6, da LTC, só tem sentido útil quando faltam apenas meros requisitos formais do requerimento de interposição do recurso – a que se alude nos n.os 1 a 4 do mesmo preceito - carecendo, ao invés, de utilidade quando faltam pressupostos de admissibilidade do recurso, que não podem ser supridos deste modo. Nesta última hipótese, em vez de proferir um convite ao aperfeiçoamento – que determinaria a produção de processado inútil, em prejuízo dos princípios de economia e celeridade processuais – deve o relator proferir logo decisão sumária, no sentido do não conhecimento do recurso (cfr., neste sentido, acórdãos deste Tribunal Constitucional n.os 99/00, 397/00, 264/06, 33/09 e 116/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
(…) Feito este esclarecimento prévio, detenhamo-nos sobre os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, atendendo à especificidade do concreto tipo de recurso em análise nos autos.
O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos da admissibilidade do recurso, da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa - como alvo de apreciação; o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC); a aplicação da norma ou interpretação normativa, cuja sindicância se pretende, como ratio decidendi da decisão recorrida; a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo, perante o tribunal a quo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa; artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
(…) Como já referimos, o recorrente não enuncia, de forma clara e explícita, no requerimento de interposição do recurso, o específico critério normativo, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, limitando-se a mencionar as disposições legais, de que tal critério será presumivelmente extraível.
Porém, a decisão recorrida não integra, na sua ratio decidendi, qualquer critério normativo extraível dos preceitos indicados pelo recorrente - os artigos 77.º, 205.º, 256.º, 269.º, todos do Código Penal, e artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – assentando, antes, em critérios suportados pelo disposto nos artigos 420.º, n.º 1, alínea b); 414.º, n.os 2 e 3 e 400.º, n.º 1, alínea f), todos do Código de Processo Penal. Face a tal circunstância, atenta a instrumentalidade do recurso, sempre estaria naturalmente prejudicada a apreciação de qualquer critério normativo assente nos referidos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso.
Na verdade, o caráter ou função instrumental do recurso de constitucionalidade traduz-se na possibilidade de o julgamento da questão de constitucionalidade se repercutir, de forma útil e eficaz, na solução jurídica do caso concreto. Tal possibilidade efetiva-se quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade é suscetível de alterar o sentido ou os efeitos da decisão recorrida, implicando uma reponderação da solução dada ao caso, pelo tribunal a quo. Pelo contrário, a mesma possibilidade é afastada – acarretando a inutilidade da apreciação do mérito do recurso - quando a decisão sobre a questão de constitucionalidade seja insuscetível de se projetar no caso concreto, nomeadamente por incidir sobre critério normativo que não foi utilizado como ratio decidendi da decisão recorrida.
Por tudo quanto fica exposto, conclui-se, desde já, pela inadmissibilidade do presente recurso, por se encontrar demonstrada a impossibilidade de coincidência entre a ratio decidendi do acórdão recorrido e qualquer critério normativo que pudesse ser extraído dos preceitos indicados no requerimento de interposição de recurso.”
É esta a Decisão sumária que é alvo da presente reclamação.
3. Manifesta o reclamante a sua discordância, relativamente ao teor da decisão sumária, referindo que, não obstante admitir a possibilidade de “não ter sido enunciada, de forma clara e explícita, no requerimento de interposição do recurso, o específico critério normativo”, cuja constitucionalidade pretende ver apreciada, deveria ter-lhe sido reconhecida a faculdade de suprir tal deficiência, nos termos do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC. A omissão de convite tendente ao exercício dessa faculdade constitui violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Acrescenta o reclamante que a questão, que poderia ser debatida, seria a circunstância de a inconstitucionalidade ter sido apenas invocada no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém, tal comportamento encontra-se justificado por a inconstitucionalidade invocada ser superveniente, “ocorrida depois de esgotados todos os mecanismos processuais legalmente admissíveis”.
Mais refere o reclamante que o acórdão, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, violou o artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, bem como o princípio da legalidade e o princípio da confiança jurídica.
Conclui, nestes termos, que deverá o reclamante ser notificado para suprir as eventuais deficiências do recurso apresentado e, ulteriormente, ser o mesmo recurso apreciado.
4. O Ministério Público, notificado da reclamação, manifesta a sua concordância com a decisão reclamada, referindo que não existem razões para alterar o seu sentido.
A reclamada B. S.A. e outras, assistentes nos autos, igualmente aderem ao sentido e fundamentação da decisão reclamada.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Analisada a reclamação apresentada, conclui-se que os argumentos aduzidos pelo reclamante não infirmam a correção do juízo efetuado, na decisão sumária proferida.
Na verdade, o reclamante insurge-se, por um lado, contra o facto de não lhe ter sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento.
Porém, a decisão reclamada fundamenta, de forma clara e explícita, a não aplicabilidade, in casu, do n.º 6 do artigo 75.º-A da LTC.
Por outro lado, argumenta o reclamante que não poderia ter suscitado a questão de constitucionalidade, que pretendia ver apreciada, em momento anterior ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Em relação a este argumento, apenas cumpre referir que a decisão reclamada não baseou o não conhecimento do recurso em eventual não cumprimento do ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, mas na circunstância de a decisão recorrida – identificada, no requerimento de interposição de recurso, como correspondendo ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e não ao acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, como parece agora pressupor a reclamação - não integrar, na sua ratio decidendi, qualquer critério normativo extraível dos preceitos indicados pelo recorrente: os artigos 77.º, 205.º, 256.º, 269.º, todos do Código Penal, e artigo 409.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Relativamente a este aspeto, o reclamante nada refere.
Nestes termos, sendo certo que a fundamentação aduzida na decisão reclamada merece a nossa concordância, damos a mesma por reproduzida e, em consequência, concluímos pelo indeferimento da reclamação apresentada.
III – Decisão
6. Pelo exposto, decide-se confirmar a decisão sumária reclamada, proferida no dia 2 de setembro de 2013, e, em consequência, indeferir a reclamação apresentada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 21 de novembro de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral