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Processo nº 544/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Pelo acórdão da 1ª Vara Criminal de Lisboa, D... foi condenada pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto no nº 1 do artigo 21º do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão. Inconformada, recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 13 de Dezembro de
2000, de fls. 32, julgou manifestamente improcedente o recurso. Pelo acórdão também do Tribunal da Relação de Lisboa de 31 de Janeiro de 2001, de fls. 40, foi negado o pedido de 'aclaração/reforma' do anterior.
2. Apresentou então D... o requerimento de fls. 43, dirigido ao 'Exmo. Senhor Doutor Juiz Desembargador-Relator', datado do mesmo dia 31 de Janeiro redigido nos seguintes termos:
'D... recorrente nos autos à margem em epígrafe, notificada da douta decisão de fls., porque está em tempo, tem legitimidade e interesse processual; porque do texto o acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa resultam fortes indícios da existência de inconstitucionalidade/ilegalidade da interpretação dada às normas constantes nos artºs 41º e 431º do CPP, por violar o constante nos nºs 1, 2 e 5 da CRP; porque a questão é actual e útil; Vem , mui respeitosamente, nos termos da CRP e nos termos da LOFPTC, requerer a apreciação das referidas normas, segundo a interpretação dada no douto acórdão de fls.'
3. Pelo requerimento de 2 de Março de 2001, a fls. 1, D... dizendo ter sido notificada 'da douta decisão de fl.s, que indefere a admissão de recurso para o Tribunal Constitucional, recurso aquele interposto nos precisos termos da Constituição da República Portuguesa e da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82 de 15.11), Vem do mesmo reclamar, nos termos, entre outros, dos artºs 76º, nº 4 e 77º da lei do Tribunal Constitucional (...) Salvo o devido respeito, a decisão ora sob reclamação parece não ter percebido que o requerimento de fls. dos autos – entregue em 31.01.2001 e em 19.02.2001 –
é um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional e não um pedido a esse tribunal de reapreciação do julgado.
(...)' Notificada, pelo despacho de 21 de Março de 2001, de fls. 3, para 'esclarecer quando interpôs recurso para o TC', D... veio juntar a cópia de fls. 5, cuja data de entrada é de 19 de Fevereiro de 2001 e em que, em lugar do artigo 41º do Código de Processo Penal, se indica o seu artigo 410º. Foi então proferido o despacho de 24 de Abril seguinte, de fls. 6, vº., que não admitiu a reclamação para o Tribunal Constitucional, pelas seguintes razões:
'Do requerimento de fls. 5 não transparece a vontade de interposição de recurso para o TC. Ele é dirigido ao Desembargador, relator do processo. Isto por um lado. Por outro lado, se se apontou a CRP, o recurso para o TC só é admissível depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso ordinário, o que se não fez, e até possível era.
(...)'
4. Deste despacho, D... veio 'RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA, o que faz nos termos do artº 700º, nº 3 do CPC', pretendendo que prossiga a reclamação para o Tribunal Constitucional. Por acórdão de fls. 11, de, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, 'em face de uma situação dubitativa e controversa, (...) enveredar por uma interpretação favorecente da arguida, de admissão da reclamação, por um lado; por outro, por com ela se atingir um desfecho útil do processo, desbloqueando o impasse em que nele se caíu, afastada como está a hipótese, perdida, de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em tempo já ultrapassado'.
5. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da improcedência da reclamação para o Tribunal Constitucional, pelas seguintes razões:
'a) Não foi interposto qualquer recurso para o Tribunal Constitucional, já que o requerimento constante de fls. 5 não traduz objectivamente qualquer vontade minimamente manifestada de impugnar, em processo de fiscalização concreta, decisão proferida na ordem dos tribunais judiciais; b) não se mostra deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional, tendo o recorrente optado, através do requerimento de fls. 8, por deduzir reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no art. 700º, nº 3, do CPC – meio processual obviamente diverso da reclamação em processo constitucional – e não sendo a reclamação para a conferência o meio processual adequado para provocar a subida à apreciação do TC da reclamação a que aludem os arts. 76º, nº 4 e 77º da Lei nº 28/82; c) no que se refere, porém, à reclamação integrada pelo requerimento de fls. 1/2 dos autos, ora submetida à apreciação deste Tribunal, é manifesta a sua improcedência: para além de o requerimento apresentado não revelar objectivamente a vontade de recorrer para o TC, nele não se mostra minimamente delineada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – que também não foi suscitada, em termos procedimentalmente adequados, ‘durante o processo’.
6. Antes de proceder ao julgamento da presente reclamação, cabe verificar que não consta dos respectivos autos, não obstante ter sido determinada a sua instrução com a certidão respectiva (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 11) o despacho que há-de ter recaído sobre o requerimento de 31 de Janeiro de 2001. Não se solicita o respectivo envio, todavia, por ser desnecessário para a decisão a proferir. Igualmente há que frisar não poder o Tribunal Constitucional, no âmbito do julgamento de uma reclamação por não admissão do recurso de constitucionalidade, convidar o recorrente a corrigir qualquer deficiência de que eventualmente enfermasse o requerimento de interposição respectivo (admitindo que assim se poderia considerar o requerimento de fls. 43).
7. Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, no despacho de não admissão da reclamação, depois revogado, que o requerimento de fls. 43 (ou 5) não podia ser considerado como um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por dele não transparecer qualquer vontade de o interpor. Este entendimento, como se viu, é apoiado pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional. Na verdade, a única referência que poderia servir para encontrar naquele requerimento um sinal no sentido de o interpretar como tal seria a referência às iniciais da lei que regula o recurso para o Tribunal Constitucional – LOFPTC.
É com efeito muito duvidoso que tal requerimento – onde se não respeita nenhuma das exigências especificamente exigidas pelo artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro –, que é dirigido ao Tribunal da Relação de Lisboa e solicita a reapreciação das normas que indica, exprima de forma minimamente admissível a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Não se torna, porém, necessário averiguá-lo porque, ainda que como tal pudesse ser tomado, nunca poderia servir de base ao julgamento de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade – se é que de uma questão de constitucionalidade se trata, já que a recorrente fala em 'fortes indícios da existência de inconstitucionalidade/ilegalidade'. Em primeiro lugar, não define o objecto de nenhum recurso de constitucionalidade, porque não indica que norma pretende seja julgada inconstitucional; limita-se a referir duas disposições do Código de Processo Penal sem fornecer nenhuma indicação sobre que norma ou que normas dela foram extraídas pela decisão recorrida, e que possam ser objecto de julgamento por este Tribunal. Em segundo lugar, não esclarece que normas ou princípios constitucionais terão sido violados, já que apenas refere os 'nºs 1, 2 e 5 da CRP'. Em terceiro lugar, não esclarecendo ao abrigo de qual das alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 é interposto, torna-se impossível ao Tribunal Constitucional averiguar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade que são próprios de cada modalidade. Nestes termos, indefere-se a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 22 de Outubro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida