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Proc. nº 680/2001
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Foi proposta a candidatura à Assembleia de Freguesia de Pereira, concelho de Barcelos, de um grupo de cidadãos cuja lista foi designada 'Todos por Pereira'.
O Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, por decisão de 23 de Outubro de 2001, identificou as seguintes irregularidades:
- não foi dado cumprimento ao disposto no artº 19°, n° 2, da lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias locais (LEOAL), aprovada pela lei Orgânica n° 1/2001, de 14 de Agosto, uma vez que só constam dos autos 49 proponentes, não podendo o seu número ser inferior a 50;
- não foi dado cumprimento ao disposto no artº 23°, n° 1, al. a) e n° 2, da LEOAL, pois não foi indicada a sigla do grupo de cidadãos em causa, nem indicados os elementos de identificação dos candidatos;
- não foi indicada a unidade geográfica de recenseamento de todos os proponentes, nem feita a prova do seu recenseamento na área da autarquia, nos termos do artº 19°, nºs 4 e 5, al. c), da citada lei;
- as listas de candidatos não obedecem ao preceituado no artº 23°, n° 9, da LEOAL pois não é referido quais são os candidatos efectivos e quais são os suplentes.
Em consequência, o tribunal determinou a notificação do mandatário da lista para, no prazo de três dias, suprir as irregularidades apontadas, nos termos do artigo 26º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto.
O mandatário da candidatura da lista 'Todos por Pereira' juntou vários documentos no prazo fixado, nomeadamente, juntou a 'declaração' de mais dois proponentes (um dos quais assinou e tendo sido referido quanto ao outro que não sabia assinar). O Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos proferiu a seguinte decisão, datada de 29 de Outubro de 2001: Atento o teor de fls. 26 e seguintes, considero supridas as irregularidades apontadas. Afixe a lista rectificada, nos termos do art. 28º da L.E.O.A.L.
2. M..., candidato à eleição para a Assembleia de Freguesia de Pereira, apresentado pelo Partido Social Democrata, reclamou, nos termos do artigo 29º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, «da decisão da apresentação de candidatura de lista independente 'Todos por Pereira'», afirmando o seguinte:
1 - Segundo expõe o artigo 19° da citada lei eleitoral o número de cidadãos proponente para candidaturas de grupos de cidadãos não pode ser inferior a 50.
2 - A referida candidatura apresentou inicialmente 49 cidadãos proponentes, sendo que só 41 assinaram a respectiva proposta, não a tendo assinado os 8 restantes, ou seja, não a assinaram: João da Costa Ferreira, Rosalina da Costa Ferreira, Domingos Jardim Senra, Francisco Faria da Costa, José Fernandes Ferreira, Artur Gonçalves Ferreira, Teresa Gomes da Ponte e António Rodrigues da Silva Capela.
3 - Notificados, vieram apresentar mais 2 proponentes, mas não supriram as outras deficiências aqui apontadas.
4 - Acresce ainda que pelo menos mais dois cidadãos proponentes também não assinaram, constando somente que 'não sabe assinar'.
5 - Por outro lado não foram apresentadas certidões de eleitores dos cidadãos proponentes e destes, 11, são também candidatos à eleição a que se propõem.
6 - E o argumento que o disposto no artigo 19° não as exige, salvo o devido respeito por opinião contrária, não colhe, porquanto o artigo 23 da lei eleitoral o impõe.
Na resposta à reclamação apresentada, o mandatário da lista 'Todos por Pereira' afirmou o seguinte:
1. De facto, por lapso, alguns dos proponentes da candidatura do grupo de cidadãos independentes denominada Todos Por Pereira não assinaram a respectiva declaração.
2. Por isso, requere-se a junção das declarações de proposta de candidatura devidamente assinada pelos cidadãos em causa.
3. Requere-se ainda a junção das declarações de proposta de candidatura daqueles outros cidadãos que não sabem assinar, na qual foi aposta a impressão digital do indicador direito - de acordo com o preceituado no Código do Notariado.
4. Quanto à discrepância existente entre os arts. 19° e 23° da Lei Eleitoral, reafirmamos a posição já por nós assumida em requerimento anterior. De facto, em nosso entender - que é também o da Comissão Nacional de Eleições - , o art. 23° submete-se ao 19° por toda uma série de factores e argumentos, nomeadamente porque o art. 23° se refere a 'Requisitos gerais da apresentação', enquanto o
19° se refere especial e especificamente a 'Candidaturas de grupos de cidadãos'. Ora, nestas circunstâncias, o aspecto geral deve submeter-se ao aspecto específico e concreto. Acresce que o citado art. 19º não requer a junção de certidão eleitoral dos proponentes de candidatura. Nestes termos, devem as deficiências ser consideradas supridas e dado como atendido que o art. 19° da Lei Eleitoral prevalece sobre o art. 23°.
Dos documentos juntos constam as assinaturas de sete dos oito proponentes iniciais que não assinaram e constam as impressões digitais dos dois proponentes sobre os quais foi referido não saberem assinar.
O Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, por decisão de 5 de Novembro de 2001, considerou o seguinte: Em primeiro lugar e no que diz respeito à exigência da junção da certidão eleitoral dos proponentes de candidatura, o tribunal reconsiderou a posição assumida no despacho proferido a fls. 25 tendo em atenção o entendimento preconizado pelo CNE acerca de tal matéria, o qual resulta da documentação enviada por tal entidade junta a fls. 30 a 49 dos presentes autos. Quanto à questão das declarações dos proponentes não estarem todas devidamente assinadas, verifica-se que, efectivamente, apenas se encontravam assinadas declarações em número inferior ao exigido legalmente. Por outro lado, as referidas irregularidades não foram supridas em devido tempo. De facto, se o processo de apresentação de candidaturas contiver irregularidades estas tanto podem ser supridas após a notificação do tribunal, como por iniciativa espontânea do mandatário, independentemente de notificação. Todavia, tal suprimento só pode ser realizado até ao despacho de admissão ou rejeição, e nos prazos fixados no artº 26°, da LEOAL. Aliás, tem sido este o entendimento do Tribunal Constitucional (cfr. acs. do TC 227 e 236/85, publicados no DR II Série de 5 e 6 de Fevereiro de 1986 e 527/89, DR II Série, de 22 de Março de 1990). Assim sendo, e uma vez que, verificando-se a existência da apontada irregularidade e que a mesma não foi suprida em devido tempo, importa deferir parcialmente a reclamação apresentada.
Consequentemente, o Tribunal rejeitou a lista de independentes
'Todos por Pereira'.
3. Hugo Miguel Campinho Figueiredo interpôs recurso da decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos para o Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte:
1. Por lapso, e dada a inexperiência de candidatos e proponentes, a lista de cidadãos independentes denominada Todos Por Pereira, foi entregue no tribunal com algumas irregularidades.
2. No dia seguinte à entrega do processo em tribunal, foi o mandatário notificado do despacho de fls. 25, no qual se enumeravam as irregularidades e se concedia o prazo de 3 dias para serem supridas.
3. No dia 25, foi entregue no tribunal requerimento (fls. 26 e seg.) e documentos visando a correcção das deficiências detectadas.
4. Posterionnente, a fls. 50, foi dado despacho, no qual se diz: 'considero supridas as irregularidades apontadas',
5. Tendo sido dada ordem para afixar 'a lista rectificada', o que foi feito.
6. Em presença daquele referido despacho do sr. Dr. Juiz, acompanhado da ordem de afixação da lista, demos como entendido e definitivamente assente que a candidatura estava aceite, estando todas as irregularidades sanadas.
7. Tanto mais que não conta esta candidatura com qualquer apoio jurídico ou experiência nesta matéria, movendo-nos apenas a vontade de participação cívica.
8. Posteriormente, fomos novamente notificados. Desta vez, para uma reclamação apresentada pela outra única candidatura à Assembleia de Freguesia de Pereira, apresentada pelo PSD,
9. Na qual se requeria a rejeição da candidatura, estribada num aspecto de carácter formal: alguns dos proponentes da candidatura, por clara distracção, não assinaram a respectiva declaração.
10. Ou seja: a declaração de candidatura daqueles proponentes continha todos os elementos necessários para a sua validade, de acordo com a lei, faltando-lhe apenas a assinatura.
11. Situação formal essa que foi regularizada no prazo de 48 horas.
12. Porém, e contradizendo o despacho de fls. 50, o sr. Dr . Juiz vem agora rejeitar a candidatura.
13. Temos dificuldade em entender esta contradição entre as duas decisões. Tanto mais que nos sentimos induzidos em erro pela decisão de fls. 50.
14. Na nossa boa fé, depois daquela decisão, já não seria possível voltar atrás,
15. Até porque, no nosso modesto entendimento, a nova legislação eleitoral autárquica visa estimular a participação cívica dos cidadãos na vida política das autarquias. O que, salvo melhor opinião, nos parece não se compadecer com um pequenino lapso formal - alguém que preencheu completamente a sua propositura de candidatura mas não a completou com a assinatura. Conclusões:
16. Se houve lapso (e mesmo assim, estritamente formal) na candidatura, ele foi induzido pelo despacho de fls. 50;
17. O referido lapso limitou-se apenas e tão somente à falta de assinatura;
18. As partes não podem ser prejudicadas pela intervenção do sr. Dr. Juiz;
19. O espírito da actual legislação autárquica é estimular a participação cívica dos cidadãos, e não agarrá-los à rigidez processual burocrática.
M..., candidato à eleição para a Assembleia de Freguesia de Pereira pelo Partido Social Democrata, pronunciou-se sobre o recurso interposto, concluindo o seguinte:
1. O presente recurso tem como objecto a rejeição da candidatura de cidadãos de
'Todos por Pereira' por: a) As declarações dos candidatos assinados serem em número inferior ao exigido por lei; e b) As irregularidades não terem sido supridas em tempo.
2. A referida candidatura só apresentou 49 cidadãos proponentes, em vez de 50, e oito deles não a assinaram: J..., R..., D..., F..., E..., G..., T... e S....
3. Outros cidadãos proponentes também não a assinaram, constando apenas a nota de 'não sabe escrever', sem qualquer prova.
4. Não foram apresentados certidões de eleitores dos cidadãos proponentes e onze destes são também candidatos à eleição a que se propõem.
5. Os cidadãos eleitores I..., N..., B... e P..., não se encontram recenseados pela freguesia de Pereira com os números respectivamente, 132, 131, 205 e 204, cf. doc. juntos e nem mesmo, fora de tempo foi junto o boletim de candidatura com a assinatura de J....
Cumpre decidir.
II Fundamentação
4. O presente recurso é tempestivo, uma vez que foi interposto no prazo previsto no artigo 31º, nº 2, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais e os recorrentes têm legitimidade para o interpor nos termos do artigo 32º da mesma lei.
5. No presente recurso para o Tribunal Constitucional formula-se uma só questão: a tempestividade do suprimento de irregularidades de uma candidatura na resposta a uma reclamação que as suscitou, após uma decisão judicial anterior de aceitação da mesma candidatura. Com efeito, tendo sido os recorrentes, numa primeira fase, notificados para suprir algumas irregularidades (irregularidades respeitantes ao número de proponentes legalmente exigido, à indicação da sigla, à identificação dos candidatos, à indicação da unidade geográfica de recenseamento dos proponentes,
à prova do seu recenseamento na área da autarquia e à indicação de candidatos suplentes), vieram a fazê-lo no prazo legal previsto no artigo 26º, nº 2, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais. E o suprimento dessas irregularidades foi confirmado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos, que ordenou, sem mais, a afixação da lista rectificada nos termos do artigo 28º da referida lei. Porém, na sequência da reclamação do candidato do Partido Social Democrata foram suscitadas novas irregularidades (relativas às assinaturas dos proponentes e à junção de certidões de eleitores dos candidatos). Só nessa altura os agora recorrentes vieram apresentar sete das oito assinaturas em falta e também a impressão digital dos proponentes que não sabem assinar. No que se refere à junção das certidões de eleitores dos proponentes, entenderam não ser a mesma necessária nos termos do artigo 19º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, não as tendo, por isso, apresentado.
6. Neste contexto processual, questão logicamente precedente sobre a averiguação da validade do suprimento das irregularidades seria a da própria possibilidade legal de um suprimento de irregularidades na resposta a uma reclamação que as suscitou. Sobre este problema, numa situação muito próxima da do presente caso, já o Tribunal Constitucional se pronunciou no Acórdão nº 684/97, de 18 de Novembro
(D.R., II Série, de 9 de Janeiro de 1998), considerando que 'o suprimento de irregularidades das candidaturas só pode ocorrer até ao termo do prazo para suprir tais irregularidades (ou até ao momento do despacho sobre a admissão ou rejeição de candidaturas), ainda que a irregularidade não haja sido detectada. Essa solução decorre do acolhimento pelo legislador do princípio da aquisição progressiva dos actos no processo eleitoral'. E a esse princípio, formulado em termos idênticos, mas sobre situações diversas, se referiram vários Acórdãos deste Tribunal (cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 262/85, 527/89, 538/89,
723/93 e 744/93, publicados em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., p.
1003 e ss., 14º vol., p. 315 e ss. e p. 403 e ss.; 26º vol., p. 467 e ss. e 519 e ss., respectivamente).
7. A jurisprudência citada orientava-se, embora com votos de vencido, no sentido da obrigatoriedade do suprimento das irregularidades de uma candidatura no prazo legal, independentemente de uma notificação para o efeito. Essa solução fundamentava-se no interesse na consolidação definitiva de cada fase do processo eleitoral em função dos prazos legais. Assim, existiria um ónus de impugnação ou suprimento de irregularidades dentro de cada fase, segundo um ritmo eleitoral estrito.
Porém, o caso em análise apresenta a especialidade fáctica de os recorrentes terem sido efectivamente notificados para suprirem outras irregularidades e terem respondido a tal notificação em termos julgados satisfatórios na decisão judicial subsequente que admitiu a candidatura.
Saber se esta situação é essencialmente diferente da reclamação de uma rejeição sem notificação prévia das irregularidades, saber se se coloca aqui de modo diverso o critério de aquisição progressiva dos actos ou ainda mesmo saber se a segurança jurídica em matéria eleitoral merece neste caso uma ponderação específica em face de outros valores são - todas elas - questões que não se torna necessário analisar, porquanto sempre existirão razões inultrapassáveis para um julgamento de irregularidade da candidatura em causa.
8. Com efeito, os recorrentes não só não chegaram a apresentar uma assinatura em falta como não documentaram devidamente a propositura da candidatura por parte dos cidadãos que não sabiam assinar, já que é manifestamente insuficiente - para os fins do artigo 19º, nºs 3 e 5, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, em que se exige respectivamente a subscrição de declaração da qual resulta inequivocamente a vontade de apresentar a lista de representantes e a identificação dos proponentes através de assinatura conforme ao bilhete de identidade - a mera impressão digital de cidadãos analfabetos aposta num documento escrito (que podem não saber ler). A satisfação cabal daquelas exigências normativas exigirá um reconhecimento com fé pública da aceitação da declaração tal como se prevê nos artigos 373º, nºs 1 e 3, do Código Civil e 154º do Código do Notariado (neste sentido, cf. Processo de Candidatura de Grupos de Cidadãos Independentes – Notas explicativas e modelos exemplificativos, com base no texto da nova lei eleitoral aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, Comissão Nacional de Eleições, 2001, consultável em http://www.cne.pt/index2.html e comunicado às autarquias neste período eleitoral). A sanação destas irregularidades, em pelo menos dois casos, será sempre necessária para se perfazer, nos termos da lei, o número de proponentes legalmente exigido e ela não se verificou.
III Decisão
9. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao presente recurso, confirmando a decisão recorrida. Lisboa, 20 de Novembro de 2001- Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa