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Proc. nº 387/01
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. F... foi condenado a um ano de prisão no Tribunal Judicial de Caminha, condenação que viria a ser confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.
Dessa decisão recorreu o réu para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando, desde logo, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo
400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, a qual estabelece que não é admissível recurso «de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem a decisão de primeira instância, em processo crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infracções».
O recurso, porém, não foi admitido, por força da aplicação da norma em causa ao caso dos autos, o que motivou a interposição do presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo do preceituado no artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC..
2. Nas suas alegações, o recorrente sustenta que a norma impugnada viola os artigos 13º, nº 1, 20º, nº 1, e 32º, nº 1, da Constituição.
Por seu turno, o MINISTÉRIO PÚBLICO entende, nas suas contra-alegações, que a norma em questão se não encontra ferida de qualquer inconstitucionalidade, como este Tribunal já decidiu no Acórdão nº 189/01 e no Acórdão nº 336/01 (ambos ainda inéditos).
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
3. Conforme referido pelo Ministério Público, este Tribunal já analisou a questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 400º, nº 1, alínea f), do Código de Processo Penal, tendo afirmado no citado Acórdão nº 189/01:
Não pode deixar de se referir que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tratado destas matérias, estando sedimentados os seus pontos essenciais.
Assim, a jurisprudência do Tribunal tem perspectivado a problemática do direito ao recurso em termos substancialmente diversos relativamente ao direito penal, por um lado, e aos outros ramos do direito, pois sempre se entendeu que a consideração constitucional das garantias de defesa implicava um tratamento especifico desta matéria no processo penal. A consagração, após a Revisão de 1997, no artigo 32º, nº1 da Constituição, do direito ao recurso, mostra que o legislador constitucional reconheceu como merecedor de tutela constitucional expressa o princípio do duplo grau de jurisdição no domínio do processo penal, sem dúvida, por se entender que o direito ao recurso integra o núcleo essencial das garantias de defesa.
Porém, mesmo aqui e face a este específico fundamento da garantia do segundo grau de jurisdição no âmbito penal, não pode decorrer desse fundamento que os sujeitos processuais tenham o direito de impugnar todo e qualquer acto do juiz nas diversas fases processuais: a garantia do duplo grau existe quanto ás decisões penais condenatórias e também quanto às respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou a quaisquer outros direitos fundamentais (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº 265/94, in
'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 27º V., pág. 751 e ss).
Embora o direito de recurso conste hoje expressamente do texto constitucional, o recurso continua a ser uma tradução das garantias de defesa consagradas no nº1 do artigo 32º (O processo criminal assegura todas as garantias de defessa, incluindo o recurso). Daí que o Tribunal Constitucional não só tenha vindo a considerar como conformes á Constituição determinadas normas processuais penais que denegam a possibilidade de o arguido recorrer de determinados despachos ou decisões proferidas na pendência do processo (v.g., quer de despachos interlocutórios, quer de outras decisões, Acórdãos nºs
118/90,259/88,353/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, nºs 15º,pg.397;
12º, pg.735 e 19º, pg.563, respectivamente, e Acórdão nº 30/2001, sobre a irrecorribilidade da decisão instrutória que pronuncie o arguido pelos factos constantes da acusação particular quando o Ministério Público acompanhe tal acusação, ainda inédito), como também tenha já entendido que, mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição, assim se garantindo a todos os arguidos a possibilidade de apreciação da condenação pelo STJ (veja-se, neste sentido, o Acórdão nº209/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º. V., pg. 553)
Uma tal limitação da possibilidade de recorrer tem em vista impedir que a instância superior da ordem judiciária accionada fique avassalada com questões de diminuta repercussão e que já foram apreciadas em duas instâncias. Esta limitação à recorribilidadade das decisões penais condenatórias tem, assim, um fundamento razoável.
7. – No caso em apreço, como se referiu, o recorrente entende que a interpretação feita na decisão recorrida, da alínea f) do nº1 do artigo 400º do CPP viola os artigos 13º, 20º e 32º da Constituição, uma vez que a lei atende apenas como patamar máximo para não admitir o recurso a condenação por crime a que seja aplicável pena não superior a 8 anos, mesmo que haja concurso de infracções.
O artigo 400º do CPP foi alterado pela Lei nº 59/98, de
25 de Agosto, diploma que veio introduzir modificações no processo penal e deu à alínea f) a redacção que ainda mantém. De acordo com a proposta de revisão do processo penal (Lei nº 157/VII, Diário da Assembleia da República, IIª Série-A, nº27, de 28 de Janeiro de 1998), as modificações introduzidas na legislação processual penal visavam obter melhorias nos objectivos de economia processual, de eficácia e de garantia, que já informavam a anterior regulamentação.
Assim, e nos termos da exposição de motivos daquela proposta de lei, introduziram-se modificações destinadas a dar mais consistência e eficácia aos meios disponíveis, de entre elas se assinalando as de maior relevo para o caso: pretendeu-se restituir ao STJ a função de tribunal que apenas conhece de direito, mas com excepções; manteve-se a tramitação unitária dos recursos, mas sem haver um único modelo de recurso; faz-se um uso discreto do princípio da «dupla conforme», harmonizando objectivos de economia processual com a necessidade de limitar a intervenção do STJ a casos de maior gravidade; retoma-se a ideia da diferenciação orgânica, apenas fundada no princípio de que os casos de pequena e média gravidade não devem, por norma, chegar ao Supremo Tribunal de Justiça, etc. (cf. Sobre esta matéria, Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 12ª Edição, pg. 754).
A norma que vem questionada refere-se claramente à moldura geral abstracta do crime que preveja pena aplicável não superior a 8 anos: é este o limite máximo abstractamente aplicável, mesmo em caso de concurso de infracções que define os casos em que não é admitido recurso para o STJ de acórdão condenatórios das relações que confirmem a decisão de primeira instância.
Significa isto que o patamar a partir do qual a decisão da relação é irrecorrível é o que fixa em pena não superior a 8 anos a pena aplicável a determinado crime, independentemente de, no caso, terem sido várias as infracções cometidas em concurso. Relevante, para efeitos de
(in)admissibilidade de recurso é a pena aplicável ao crime cometido e não a soma das molduras abstractas de cada um dos crimes em concurso.
Como já se referiu, mesmo em processo penal, a Constituição não impõe ao legislador a obrigação de consagrar o direito de recorrer de todo e qualquer acto do juiz e, mesmo admitindo-se o direito a um duplo grau de jurisdição como decorrência, no processo penal, da exigência constitucional das garantias de defesa, tem de aceitar-se que o legislador penal possa fixar um limite acima do qual não seja admissível um terceiro grau de jurisdição: ponto é que, com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido.
Ora, no caso dos autos, o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior.
Existe, assim, alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso. No caso, o fundamento da limitação
– não ver a instância superior da ordem judiciária comum sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade e que já foram apreciados em duas instâncias – é um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado e que corresponde aos objectivos da última reforma do processo penal.
Tem, por isso de se concluir que a norma do artigo 400º, nº1, alínea f) do CPP não viola o princípio das garantias de defesa, constante do artigo 32º, nº1 da Constituição.
8. – Mas também não viola o princípio do acesso ao direito e à tutela judicial efectiva, constante do artigo 20º, nem o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º, ambos da Constituição.
De facto, o artigo 20º estabelece que 'a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos' e ainda que 'todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo' (nºs 1 e 4). Ora, no caso em apreço, a questão foi objecto de apreciação por duas instâncias, pelo que não se pode afirmar que tenha havido violação do preceito, uma vez que dele apenas resulta que o legislador terá de assegurar imperativamente e sem restrições o acesso a um grau de jurisdição.
Também quanto ao princípio da igualdade não foi violado uma vez que a limitação estabelecida na norma questionada não se afigura como arbitrária ou desproporcionada, sendo admissível desde que não atinja o conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido que, como de referiu, não abrangem o direito ao exame de questão já reexaminada em duas instâncias.
[...]
De acordo com o exposto, a norma da alínea f) do nº1 do artigo 400º do CPP não viola nem o artigo 13º nem o artigo 20º ou o artigo 32º, todos da Constituição da República Portuguesa, não sendo assim inconstitucional.
Não se vê razão para alterar esta jurisprudência, que aqui se reitera.
4. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC's. Lisboa, 19 de Julho de 2001 Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa