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Proc.º n.º 514/2001.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. O Engº J... interpôs perante este Tribunal e ao abrigo do artº 103º-D da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, acção de impugnação da deliberação tomada pelo Conselho Nacional de Jurisdição do Partido Popular CDS/PP e por intermédio da qual lhe foi aplicada, enquanto membro daquele Partido, a pena de suspensão até ao final da legislatura.
Para tanto invocou, em síntese:-
- o requerente, que é militante do aludido Partido com o número 160.700.313, fez parte da lista apresentada pelo mesmo Partido quanto ao círculo eleitoral de Viana do Castelo e para as eleições legislativas que ocorreram em 10 de Outubro de 1999, tendo sido eleito deputado à Assembleia da República, reassumindo o exercício efectivo de tais funções em 1 de Novembro de
2000;
- aquando da votação, na generalidade, no plenário do Parlamento, da proposta de lei do Orçamento de Estado para o ano de 2001, o ora peticionante exprimiu voto de abstenção, tendo, nesse mesmo dia e previamente a essa expressão, dado conhecimento ao Presidente do CDS/PP da sua intenção de assim ir votar;
- aquele Presidente participou, para efeitos disciplinares, ao Conselho Nacional de Jurisdição do CDS/PP, tendo o requerente apresentado a sua defesa na qual, também em síntese, sustentou que, exercendo os deputados livremente o seu mandato, e identificando-se ele com os anseios da população de Ponte de Lima e do Alto Minho, era com base nos compromissos assumidos com o eleitorado que iria enformar a sua função de deputado e, assim, não iria unicamente prosseguir uma “mera disciplina partidária”;
- sequentemente, a expressão do seu voto de abstenção era uma forma de “consequência lógica e natural da efectivação prática dos pressupostos da aceitação da candidatura” como cabeça da lista do CDS/PP em que se integrou, razão pela qual não violou qualquer norma estatutária ou directriz da Comissão Política do Partido, e isso porque exigira ao Primeiro Ministro, e este aceitara, a inclusão, no Orçamento, de verbas e projectos cruciais à satisfação daqueles anseios e das aspirações da dita população;
- em 23 de Maio de 2001 o Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição do CDS/PP comunicou ao impetrante o relatório relativo ao processo disciplinar, mas o que é certo é que este “jamais foi notificado da suspensão do exercício da actividade partidária , por qualquer órgão de composição singular ou plural do Partido Popular CDS-PP”, motivo pelo qual o requerente, em 13 de Junho do mesmo ano, solicitou ao mencionado Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição que prestasse esclarecimentos e aclarações;
- em resposta a esse pedido o aludido Presidente, em 23 de Junho de 2001, informou o requerente que o Conselho Nacional de Jurisdição entendeu aplicar-lhe a pena de suspensão até ao final da legislatura, indicando então que tal decisão era clara e constava da parte final do relatório que lhe fora enviado;
- simplesmente, na última parte do indicado relatório escreveu-se “entendeu este Conselho que a suspensão deve manter-se”, pelo que é de concluir que o autor da acção ora em causa nunca foi notificado de uma deliberação final punitiva antes da comunicação ocorrida em 23 de Junho de 2001;
- a deliberação em crise viola o artº 10º da Lei nº
7/93, de 1 de Março, com as alterações introduzidas pela Lei nº 24/95, de 18 de Agosto, e pela Lei nº 3/2001, de 23 de Fevereiro, os artigos 149º, nº 1, 155º, nº 1, e 157º, números 1 e 2, da Constituição, pelo que se deverá declarar a sua nulidade.
2. Determinado cumprimento do nº 5 do artº 103º-C da Lei nº 28/82, aplicável ex vi do nº 3 do artº 103º-D da mesma Lei, o CDS/PP veio dizer, igualmente em síntese, que:-
- assistia ao seu Conselho Nacional de Jurisdição competência para aplicar a ora impugnada sanção, que foi precedida de processo disciplinar escrupulosamente respeitador da Constituição, da lei e dos estatutos e regulamentos do Partido;
- o autor desta acção foi notificado da aplicação daquela sanção por meio de fax por ele recebido em 23 de Maio de 2001, nessa mesma data tendo-lhe sido enviado, por intermédio de carta registada, o relatório do processo disciplinar, que continha a fundamentação e a decisão final tomada;
- a carta a que o peticionante se reporta, datada de 23 de Junho de 2001 - e não de 23 de Julho do mesmo ano, como o mesmo, por lapso, refere - foi “um mero esclarecimento” prestado pelo Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição, pelo que, ex vi do nº 3 do artº 103º-D e do nº 4 do artº
103º-C da Lei nº 28/82, é de considerar extemporânea a propositura da vertente acção;
- não assiste razão ao impugnante concernentemente à sanção que lhe foi imposta, já que os factos tidos como provados no processo disciplinar violaram “objectiva e subjectivamente os deveres consignados nas alíneas d) e e) do nº 1 do artº 6º dos Estatutos do Partido”, sendo tal sanção aplicada, não a um deputado, mas sim a um militante do Partido, não tendo sido posta em causa aquela primeira qualidade;
- a liberdade de exercício de funções dos deputados não consequencia “uma irresponsabilidade total e absoluta perante o partido que o deputado integra”, pelo que as imunidades parlamentares de um deputado não deixam de se compatibilizar com a “participação nos grupos parlamentares” e com a “militância num partido”, a cujas regras de organização e disciplina os deputados, enquanto seus militantes, têm de estar sujeitos;
- não foi posta em causa a manutenção do mandato de deputado do autor da acção que, nesse plano, continua a manter totalmente intocada a sua liberdade, pelo que a sanção sub iudicio apenas se reflecte sobre a sua situação interna no Partido, cujo Grupo Parlamentar, aliás, o dito autor decidiu abandonar;
- a matéria de votação da proposta de lei do Orçamento de Estado deve ser considerada como crucial em termos de “posicionamento de um partido sobre a direcção geral do Estado, e do seu Governo”, pelo que é justificada, como elemento fundamental, a assunção em bloco de uma disciplina partidária.
3. Dos documentos existentes nos autos extrai-se, para o que ora releva, a seguinte factualidade:-
a) em 13 de Novembro de 2000 foi recebida no Conselho Nacional de Jurisdição do Partido Popular CDS/PP uma participação disciplinar, subscrita pelo Presidente daquele Partido, contra o ora autor e motivada pelo anúncio da intenção deste em tomar determinada intenção de voto aquando da votação da proposta de lei do Orçamento de Estado para o ano de 2001, por forma a que tal proposta viesse a ser viabilizada, contrariamente ao que fora decidido pelas competentes instâncias do Partido;
b) na sequência dessa participação foi instaurado processo disciplinar ao ora autor, que apresentou a sua defesa escrita em 30 de Novembro daquele ano, tendo sido levadas a efeito determinadas diligências instrutórias;
c) em Novembro, ainda de 2000, o ora autor deu a conhecer ao Presidente do Grupo Parlamentar do CDS/PP a sua intenção de abandonar tal Grupo, pelo que aquele Presidente, em 7 desse mês, transmitiu ao Presidente da Assembleia da República que, a partir de tal dia, o Engº J... deixou de integrar o Grupo Parlamentar do CDS/PP;
d) em 22 de Maio de 2001 o Conselho Nacional de Jurisdição do CDS/PP elaborou um documento intitulado “RELATÓRIO” que, por entre o mais:-
- deu por assentes os seguintes factos:-
- “1. A existência de uma determinação, por parte dos órgãos dirigentes do Partido, de que a posição a adoptar, por parte dos deputados do CDS-PP, em relação à Proposta de Lei relativa ao Orçamento Geral do Estado para o ano de
2001 seria a do voto contra;
2 . A comunicação da tomada de posição referida em 1. aos órgãos de comunicação social;
3. A comunicação pública por parte do participado de que viabilizaria a Proposta de Lei, se o Primeiro Ministro acedesse a um conjunto de exigências;
4. As tentativas de dissuasão para que o participado não tomasse tal atitude;
5. A manutenção da intenção, por parte do participado que de facto com o seu voto viabilizou o Orçamento Geral do Estado para 2001;
6. O abandono, voluntário, do Grupo Parlamentar pelo participado, antes da votação da Proposta de Lei;
7. O convite endereçado pelo Presidente do Partido ao participado para que este encabeçasse a lista de candidatos a deputados pelo Distrito de Viana do Castelo
às eleições legislativas de 1999;
8. A assunção, pelo participado, de que exerceria o seu mandato de acordo com os compromissos assumidos perante o seu eleitorado;
9. A participação deu entrada nos serviços do partido no dia 13 de Novembro de
2001;
10. No dia 13 de Novembro de 2001, o participado exercia as funções de Deputado
à Assembleia da República e era filiado no Partido Popular CDS-PP”;
- discreteou sobre: questões de legitimidade do Conselho Nacional de Jurisdição; questões da delimitação objectiva e subjectiva da competência disciplinar; matéria constitucional referente aos deputados; relações entre estes, a sua representação do País e os círculos por onde foram eleitos; a sua liberdade de exercício do mandato; a sujeição dos deputados, enquanto militantes partidários, à disciplina do partido, com a consequente possibilidade de estes poderem ser sujeitos a procedimento disciplinar, em sede partidária e caso não observem as respectivas regras de organização; os fins dos partidos políticos e a sua inserção constitucional; a consideração de que as decisões disciplinares não têm qualquer efeito sobre o exercício do cargo de deputado, apenas tendo consequências sobre a sua situação interna no partido; os limites da intervenção da disciplina partidária, em que esta é exigível quanto
às situações de votação das propostas de lei dos Orçamentos de Estado; os deveres, consignados nos respectivos Estatutos, dos membros do CDS/PP;
- subsumiu os factos tidos por demonstrados à análise jurídica antecedentemente efectuada e acima sintetizada, concluindo que o participado violou “a alínea d) do nº 2 do artigo 6º dos Estatutos, pois não acatou as directrizes dos órgãos do Partido, criando até obstáculos ao seu fortalecimento (alínea e) do mesmo preceito)”;
- ponderou circunstancionalismo, que entendeu como depoente a favor do participado;
- entendeu que, in casu, a sanção aplicável era a de expulsão, “atenta a gravidade objectiva e subjectiva da infracção”, mas, tendo em conta o mencionado circunstancionalismo, rematou com a seguinte “CONCLUSÃO”, que se transcreve:-
“Reunido, na sua sede, em 22 de Maio de 2001, o Conselho Nacional de Jurisdição do Partido Popular CDS PP tomou a decisão final quanto ao processo disciplinar nº 2/2000, movido contra o filiado Eng. J..., tendo a mesma já sido comunicada às partes nos termos previstos.
Assim, decide o Conselho Nacional de Jurisdição, por unanimidade, que o comportamento do Participado, tal qual resultou provado, integra objectiva e subjectivamente a violação dos deveres consignados nas alíneas d) e e), do nº
1, do artigo 6º dos Estatutos do Partido Popular CDS-PP, e, atenta a sua gravidade, justifica a aplicação da pena de expulsão.
Todavia, tendo em conta a boa militância assumida pelo Participado desde longa data, e os serviços inequivocamente prestados ao Partido a vários níveis, julgamos que estes factos constituem circunstâncias atenuantes suficientes para substituir a pena de expulsão pela de suspensão.
Em virtude da infracção ter sido praticada no exercício do seu mandato de deputado da Assembleia da República, entendeu este Conselho que a suspensão do participado deve manter-se até ao final da actual legislatura”;
e) - cópia do documento em causa foi, por intermédio de carta registada expedida em 23 de Maio de 2001, enviada ao ora autor, nesse mesmo dia lhe tendo sido, por meio de fax, transmitida a acima transcrita
“CONCLUSÃO”;
f) - o autor enviou ao Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição do CDS/PP uma carta, datada de 6 de Junho de 2001, na qual solicitava a “reapreciação do processo disciplinar” e, numa outra carta, datada do dia 13 seguinte, escreveu:-
“1. Em 6 de Junho de 2001, formulei a V.Ex.ª um pedido de reapreciação do processo disciplinar,
Independentemente do mérito do pedido de reapreciação, deve o Conselho de Jurisdição esclarecer e aclarar as situações que infra se referem, para que no presente e no futuro não subsistam quaisquer equívocos.
2. Nos termos da missiva de 23 de Maio, comunica-me o Conselho de Jurisdição ‘o relatório relativo ao processo disciplinar 02/2000’.
2.1. A comunicação supra referida não contém, a notificação expressa de qualquer medida punitiva, como acto deliberativo definitivo do Conselho de Jurisdição.
O relatório apenas se reporta ao que o Conselho Nacional de Jurisdição ‘entendeu’, mas em nenhum suporte documental vem referida a deliberação que incorpore uma decisão final, situação a esclarecer e aclarar.
3. É referido na parte final que o Conselho ‘entendeu’ que a suspensão do participado deve manter-se até ao final da actual legislatura.
O entendimento precedentemente sublinhado enferma de erro quanto aos seus pressupostos uma vez que jamais fui notificado ou por qualquer meio tomei conhecimento da declaração de suspensão.
Por regra natural não pode manter-se a suspensão de quem nunca foi suspenso de participar na vida interna do partido.
A situação invocada deve também ser reapreciada e de modo claro aclarada e esclarecida”;
g) - por carta datada de 20 de Julho de 2001 o Presidente do Conselho Nacional de Jurisdição do CDS/PP transmitiu ao autor, para o que ora interessa: que o pedido de reapreciação do processo disciplinar era desprovido de razão, e isso pela circunstância de tal Conselho decidir em
única instância, não estando a figura da reapreciação prevista, quer estatutária, quer regulamentarmente, sendo que, ainda que a reapreciação fosse algo de permitido, só haveria lugar a ela caso surgissem factos novos, o que, na situação em presença, não ocorria; que, de todo o modo, informava o autor que em
23 de Maio de 2001 o Conselho Nacional de Jurisdição tomou uma decisão final, constante do «relatório», do qual foi dado conhecimento ao impetrante, sendo tal decisão clara, por isso que a referência a «entendimento» contida naquele
«relatório» não deixava de corresponder “à faculdade pela qual se apreendem e se entendem julgam as coisas” em face da pena cominável e das circunstâncias atenuantes que se deram por provadas.
Cumpre decidir.
4. E decidir, antes de tudo, se se estará perante extemporaneidade na propositura da presente acção, circunstância, aliás, invocada pelo impugnado.
Em face da factualidade descrita é de concluir que, efectivamente, a acção sub specie foi intentada a destempo.
Na realidade, e tendo em conta o que se dispõe nos artigos 6º, nº 2, alíneas d) e e), 7º, nº 1, alínea d), 55º, nº 1, alínea b),
61º e 62º, todos dos Estatutos do Partido Popular CDS-PP (cfr., também, os artigos 1º, 2º, 8º e 16º do Regulamento do Processo Disciplinar do CDS/PP), o Conselho Nacional de Jurisdição, que é o órgão de controlo a quem compete julgar em última instância todos os assuntos de natureza contenciosa, nomeadamente as questões de carácter estritamente disciplinar que envolvam os filiados do Partido, aplicou ao autor a sanção de suspensão, após a instauração de processo disciplinar, por isso que entendeu que aquele infringiu a disciplina partidária.
A aplicação dessa sanção resulta inequivocamente do documento elaborado pelo aludido Conselho Nacional e cuja “CONCLUSÃO” acima se encontra transcrita.
A forma como se encontra redigida tal “CONCLUSÃO” não pode deixar de ser entendida por um leitor dotado de mediana capacidade de entendimento, no sentido de que na mesma se inscreve uma deliberação, tomada pelo referido órgão, e de harmonia com a qual foi decidido impor ao filiado objecto do procedimento disciplinar a medida de suspensão dos seus direitos, enquanto membro do Partido, com determinada duração (in casu, até ao final da legislatura que, presentemente, decorre).
Foi remetida ao autor, por carta registada enviada ao autor em 23 de Maio de 2001, cópia da totalidade do documento elaborado pelo Conselho Nacional de Jurisdição.
Não pode deixar de ser reconhecido que o ora autor, após a recepção dessa carta, ficou ciente de que lhe foi aplicada a sanção em crise. De facto, só dessa sorte é explicável que o mesmo tivesse solicitado uma reapreciação do procedimento disciplinar que, obviamente, inclui o sancionamento imposto.
Por força do estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 103º-C, nº 4, e 103º-D, nº 3, ambos da Lei nº 28/82, a impugnação, junto deste Tribunal, das decisões punitivas tomadas em sede disciplinar pelos respectivos órgãos partidários e relativamente a qualquer militante de um partido político, têm de ser apresentada no prazo de cinco dias a contar da notificação da deliberação tomada pelos referenciados órgãos.
Acontece, porém, que a vertente acção unicamente deu entrada neste órgão de administração de justiça em 30 de Julho de 2001, ou seja, muito depois de decorridos os cinco dias a que aludem aquelas disposições conjugadas.
O que vale por dizer, muito depois de decorridos cinco dias contados desde a data em que o impetrante ficou ciente de que o cabido
órgão partidário lhe aplicou a sanção que deseja ver anulada.
Este Tribunal entende que não colhe, pelas razões acima indicadas, o entendimento, sufragado pelo impugnante, de que da aplicação da sanção em causa só foi notificado em 23 de Junho de 2001, ou seja, após ter recebido a carta a que se reporta a alínea g) do ponto 3. supra.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional, por extemporaneidade, não toma conhecimento do objecto da acção em apreço.
Lisboa, 23 de Agosto de 2001 Bravo Serra Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa