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Processo n.º 149/95 Conselheiro Messias Bento
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. O PROVEDOR DE JUSTIÇA, ao abrigo do disposto no artigo 281º, n.º 2, alínea d), da Constituição e do artigo 51º, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, vem requerer se declare a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas que – tal como fixado em definitivo, após o esclarecimento de fls.
95/96, prestado em resposta ao 'despacho de aperfeiçoamento' de fls. 94 – são as constantes dos seguintes preceitos legais, que, a seguir, se transcrevem: a) Artigo 85º, n.º 1, alínea a), ponto 4, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho: Artigo 85º Condições de passagem à reforma
1 – Transita para a situação de reforma o militar dos quadros da Guarda na situação de activo ou de reserva que: a) Tendo prestado cinco ou mais anos de serviço:
............................................
4) Atinja o limite de idade fixado por lei. b) Artigo 1º, n.ºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 170/94, de 24 de Junho
[estabelece regras para os militares da GNR que se encontrem na situação de reserva e para o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública
(PSP) que estejam na situação de pré-aposentação], tanto na sua redacção originária, como na que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 259/94, de 22 de Outubro. Esta última é a seguinte: Artigo 1º
1 – Transitam automaticamente para a situação de reforma ou aposentação, nos termos legais: a) Os militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) que se encontrem na situação de reserva, nos termos do artigo 77º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, há mais de cinco anos fora de efectividade de serviço; b) O pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP) na situação de pré-aposentado, nos termos do artigo 77º do Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.º 151/85, de 9 de Maio, com a redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 447/91, de 27 de Novembro, que se encontre nessa situação há mais de cinco anos fora de efectividade de serviço. c) Os oficiais oriundos do quadro de complemento do Exército integrados na Polícia de Segurança Pública ao abrigo do Decreto-Lei n.º 632/75, de 14 de Novembro, que se encontrem na situação de reserva, nos termos do Decreto-Lei n.º
214/85, de 28 de Junho, há mais de cinco anos, fora da efectividade de serviço.
2 – Os militares da GNR e o pessoal com funções policiais da PSP que, na reserva ou na pré-aposentação, reúnam as condições de acesso à reforma ou à aposentação com a pensão correspondente a 36 anos de serviço são automaticamente reformados ou aposentados.
3 – Até perfazer os 70 anos de idade, o pessoal que se encontre actualmente na situação de reserva ou de pré-aposentação e que tenha transitado, ou venha a transitar, para a reforma ou para a aposentação por aplicação das disposições do presente diploma não poderá auferir pensão de valor inferior à remuneração ou pensão a que teria direito na situação antecedente, líquida das quotas para a Caixa Geral de Aposentações e calculadas em função do posto, escalão e tempo de serviço que esse pessoal possuía na data em que ocorreu aquela transição.
A diferença da redacção transcrita relativamente à redacção originária reside unicamente num acrescento no nº 1: o da alínea c). c) Artigo 2º, n.ºs 1, 2 e 3 do mesmo Decreto-Lei n.º 170/94: Artigo 2º
1 – O disposto no artigo anterior reporta os seus efeitos a 1 de Julho de 1994.
2 – O encargo com as pensões de reforma ou de aposentação será suportado pela Caixa Geral de Aposentações, com efeitos a partir de 1 de Julho de 1994.
3 – A Caixa Geral de Aposentações fixará as pensões transitórias que resultem da aplicação do n.º 1, que serão processadas e abonadas, até ao mês da publicação das pensões definitivas, pelos orçamentos das respectivas forças de segurança, sem prejuízo de posterior reembolso por aquela Caixa.
d) Artigo 2º do Decreto-Lei n.º 259/94, de 22 de Outubro: Artigo 2º Com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 170/94, de 24 de Junho, aquele diploma abrange todos os militares da Guarda Nacional Republicana, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública e os oficiais oriundos do quadro de complemento do Exército integrados na Polícia de Segurança Pública ao abrigo do Decreto-Lei n.º 632/75, de 14 de Novembro, com efeitos a partir de 1 de Julho de 1994. e) Artigos 11º, n.º 5, 19º, n.ºs 1, 2 e 3, e 22º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
59/90, de 14 de Fevereiro (estabelece as regras sobre o estatuto remuneratório dos oficiais, sargentos e praças da GNR e da Guarda Fiscal): Artigo 11º Suplementos
5 – O montante do suplemento é fixado em percentagem sobre a remuneração base mensal auferida pelo interessado, com arredondamento para a centena de escudos imediatamente superior, de acordo com o seguinte faseamento: a) 9,5%, de 1 de Outubro de 1989 a 31 de Dezembro de 1990; b) 12%, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1991; c) 14,5%, a partir de 1 de Janeiro de 1992.
Artigo 19º Forma de cálculo
1 – A remuneração do pessoal na situação de reserva é igual à 36ª parte da remuneração base mensal do respectivo posto multiplicada pela expressão em anos do número de meses de serviço contados para a reserva, o qual não pode ser superior a 36.
2 – À remuneração base referida no número anterior acresce, para efeitos de cálculo da remuneração de reserva e nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo
47º do Estatuto da Aposentação, o suplemento de serviço nas forças de segurança, quando a passagem dos militares à situação de reserva se tenha verificado ou venha a verificar-se em qualquer dos seguintes casos: a) Terem atingido o limite de idade estabelecido para o respectivo posto; b) Sejam julgados fisicamente incapazes para o serviço activo por competente junta de saúde, que comprove ser a incapacidade resultante de acidente ocorrido em serviço ou por motivo do mesmo ou de doença ocorrida no serviço ou por motivo do mesmo; c) Contem mais de 36 anos de serviço e requeiram, nos termos estatutários, a passagem à situação de reserva; d) Por declaração do próprio, sob proposta do comandante-geral, fundamentada em conveniência de serviço, desde que tenha [Rectificação do texto originalmente publicado, onde se lia 'contem'] 20 ou mais anos de serviço. Artigo 22º Regime de transição
2 – A remuneração a considerar para efeitos da transição referida no n.º 1 é a que resulta do valor correspondente à remuneração base decorrente do Decreto-Lei n.º 101/89, de 29 de Março, actualizada a 12%, acrescida do montante do suplemento abonado nos termos do Decreto-Lei n.º 191/88, de 28 de Maio, e do montante das remunerações acessórias a que eventualmente haja direito.
2. Fundamentos do pedido. A) A razão de fundo do pedido de declaração de inconstitucionalidade formulado pelo Provedor de Justiça encontra-se sintetizada no artigo 3º do seu requerimento inicial, quando aí se escreve, com referência aos Decretos-Leis nºs
170/94 e 259/84, que 'tais diplomas alteram significativamente a situação jurídica dos militares e agentes que prestam serviço nas forças de segurança, actualmente nas situações de reserva e de pré-aposentação, colocando-os numa posição desfavorável relativamente ao regime anterior, ao abrigo do qual foi efectuada a sua passagem'. Tal alteração ou desfavorecimento terá ocorrido a três diferentes níveis, correspondentes às três diferentes 'questões' que o requerente seguidamente enuncia (e que acabam, aliás, por ir além da situação que começa por evocar):
1ª. A primeira (e central) é a que titula de reforma compulsiva, e tem a ver como a passagem obrigatória a essa situação nos termos do artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94. Tudo está em que, até aí, o pessoal na reserva (ou na pré-aposentação) abrangido por este preceito só passava à reforma aos 70 anos, e, a partir de então, passa quando se verificar qualquer das circunstâncias nele previstas: ora isto irá designadamente impedir que a pensão de aposentação seja calculada por um escalão remuneratório mais elevado (consequência que não é afastada pelo regime transitório do nº 3 daquele artigo); por outro lado, o novo regime vale mesmo para quem já estava na reserva (ou pré-aposentação) à data daquele diploma e tinha passado a essa situação na base de outro quadro legal; por último, não se criou, diversamente do sucedido noutras situações de redução de efectivos, qualquer regime compensatório dos efeitos lesivos;
2ª. A segunda questão é a do cálculo da remuneração. Trata-se basicamente da alteração introduzida pelo nº 1 do artigo 19º do Decreto-Lei nº 59/90 no modo de cálculo da remuneração da reserva – alteração que implicitamente se tem por desfavorável e que (acrescenta-se) afectará mais sensivelmente 'os militares compulsivamente reformados' (impedidos de poderem decidir sobre a passagem, ou não, a essa situação e de ponderarem, nessa decisão, o montante previsível da pensão de reforma);
3ª. A terceira e última questão é a do suplemento de serviço nas forças de segurança, previsto pelo artigo 11º do Decreto-Lei nº 59/90 (diploma que reestruturou o estatuto remuneratório aplicável à Guarda Nacional Republicana e, então, ainda à Guarda Fiscal). A questão está em que, considerando-se que tal suplemento tem natureza idêntica ao anterior 'suplemento de serviço nas forças de segurança', criado pelo Decreto-Lei nº 191/88, a sua aplicação, nos termos do nº 5 daquele artigo 11º, veio dar origem (alega-se) a um decréscimo de remunerações, relativamente ao que os militares na efectividade de funções receberiam, se se 'tivesse respeitado o estabelecido no Decreto-Lei nº 191/88', isto é, os índices e a percentagem nele definidos; por outro lado, no tocante aos militares na reserva, fora da efectividade de serviço, a atribuição de tal suplemento só tem lugar verificando-se alguma das circunstâncias (que se prendem com o fundamento da passagem àquela situação) previstas no artigo 19º, nº 2, do Decreto-Lei nº 59/90, quando tal limitação não existia quanto ao anterior suplemento.
B) É neste contexto que o Provedor de Justiça passa a desenvolver os
'fundamentos' do pedido de declaração da inconstitucionalidade das normas que ficaram transcritas, fundamentos esses que se reconduzem, por um lado, ao vício orgânico de violação da reserva legislativa parlamentar, e, por outro, aos vícios substanciais da violação do princípio da igualdade e da violação de
'valores tutelados pelo princípio do Estado de direito' (fórmula, esta última, com que se pretende referir, ao fim e ao cabo, a violação do princípio da protecção da confiança jurídica). Assim, e em necessário resumo da longa argumentação expendida pelo requerente:
(a). O direito fundamental de liberdade de escolha da profissão e de acesso em condições de igualdade e liberdade à função pública (artigo 47º da Constituição) não pode deixar de proteger também a manutenção ou permanência na profissão escolhida, dentro ou fora daquela função, representando assim os mecanismos de reforma compulsiva uma limitação ou restrição desses direitos. A sua fixação, que é perfeitamente admissível, há-de pois ocorrer sob a forma de lei da Assembleia da República ou decreto-lei autorizado, por exigência do artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição [actualmente, artigo 165º, n.º 1, alínea b)]. Não sendo esse o caso do diploma que aprovou o Estatuto dos Militares da GNR, o ponto 4 da alínea a) do artigo 85º do mesmo Estatuto, 'ao antecipar a idade de reforma' [sic], padece de 'vício orgânico', por violação daquele preceito constitucional;
(b). As soluções de 'regime transitório' [sic] adoptadas pelas normas constantes do artigo 1º, nºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 170/94 (tanto, evidentemente, na redacção originária como na que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 259/94), bem como do artigo 22º, n.º 2 (é este o único número expressamente incluído no pedido) do Decreto-Lei n.º 59/90 trazem consigo uma 'discriminação infundada', porquanto:
– o legislador não obviou à 'desigualdade criada pelo novo regime entre militares na reserva ainda abrangidos pelo novo regime e militares na reserva já fora do seu alcance';
– 'onde a diversidade não existia – entre militares ainda na reserva – criou um calendário de transição incompleto';
– e não estabeleceu qualquer regime visando obstar aos efeitos lesivos da reforma compulsiva, como eventuais bonificações ou indemnizações, incentivando a passagem à reforma ou aposentação voluntária, à semelhança de regimes criados para situações com idêntico fundamento de redução de efectivos. Por outro lado, a norma do n.º 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 59/90 especifica e restringe, infundadamente, às situações aí previstas, a atribuição do suplemento de serviço nas forças de segurança, revogando a norma do artigo
2º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 191/88, de 28 de Maio, que o efectivava indistintamente. Por consequência – alega o requerente – as normas indicadas violam o princípio da igualdade, consignado no artigo 13º da Constituição. E a violação do mesmo princípio vem o requerente a imputá-la ainda, nas 'conclusões' do seu requerimento, ao nº 3 do artigo 19º e ao nº 5 do artigo 11º do Decreto-Lei nº
59/90, mas sem que em lugar algum de tal requerimento especifique o fundamento dessa imputação [respeitará implicitamente à primeira, quando muito, o que se diz no art. 42º do mesmo requerimento];
(c) Finalmente, sendo que 'as normas em apreço afectam situações constituídas ao abrigo de disposições legais ora revogadas', importa ver qual a natureza dessas situações e em que medida essa afectação seria possível. Ora:
– no que toca à perda de suplemento de serviço nas forças de segurança por alguns reservistas (nº 2 do artigo 19º da Lei nº 59/90), 'trata-se inequivocamente da perda de direitos fundados em lei anterior';
– quanto a 'eventuais posições subjectivas constituídas pelos militares na reserva e frustradas pela aprovação da [...] legislação de 1990-1994', é 'menos líquida a sua configuração como direitos subjectivos', mas não deixarão de ser
'expectativas jurídicas, isto é, direitos embrionários', tanto mais que 'foram geradas na lei'. Concretamente: 'no momento da opção pela situação de reserva, o militar que o fez antes dos Decretos-Leis nºs 59/90 [...], 265/93 […] e 170/94
[…], gerou a legítima expectativa de permanecer um certo número de anos que lhe permitissem, mais tarde, a reforma com determinados benefícios'. Ora, expectativas ou interesses deste tipo são 'também merecedores de tutela constitucional'. Esta tutela não se traduz na proibição geral de irretroactividade da lei, que a Constituição não consagra, mas no 'princípio da protecção da confiança do cidadão na lei vigente', que se extrai, como o Tribunal Constitucional tem feito, do princípio do Estado de direito, e que impõe 'limites de razoabilidade autêntica' à 'retroactividade possível'. Esses limites ou 'parâmetros de razoabilidade' reconduzem-se a um 'pressuposto' – a prossecução de outros valores constitucionais – e a três requisitos: a 'necessidade', a
'previsibilidade' e a 'razoabilidade ou tolerabilidade da retroacção'. Ora:
– face aos objectivos prosseguidos com os diplomas em causa (actualização e sistematização das normas militares estatutárias desde a última reforma, nos anos 60 e 70, racionalização dos recursos humanos, reconhecimento de um elevado número de militares na situação de reserva para as necessidades do País, desenvolvimento e regulamentação dos princípios gerais em matéria de emprego público, remuneração base e suplementos, tendo em conta as realidades funcionais específicas da condição militar), 'o pressuposto da prossecução de outros valores constitucionais parece verificado, mas não por via directa e imediata'
(os objectivos legislativos prendem-se muito nitidamente com a execução e desenvolvimento da Lei de Bases do Estatuto da Condição Militar – Lei n.º 11/89, de 1 de Junho – e do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho), e é, 'pelo menos duvidoso, que se admita a justificação da retroactividade sobre situações jurídicas consolidadas no passado, para uma prossecução mediatizada dos valores consagrados na Lei Fundamental';
– quanto à 'necessidade', 'não é difícil admitir que uma solução transitória mais alargada fosse possível e exigida por razões de igualdade';
– quanto à 'previsibilidade', está-se perante alterações 'que não eram facilmente previsíveis', sendo que, nomeadamente, 'o cidadão nada retiraria do Decreto-Lei n.º 191/88, de 28 de Maio, nem do seu preâmbulo, sobre a precariedade de alguma das suas disposições' e que ao 'tempo da aprovação dos Decretos-Leis n.ºs 59/90 [...], 265/93 [...], e do Decreto-Lei n.º 170/94 [...], não houve qualquer modificação de vulto nas estruturas económicas, políticas e sociais da realidade portuguesa';
– por fim, existe 'uma clara desproporção entre o sacrifício exigido aos militares que tinham efectuado a sua transição para a reserva e os interesses públicos assim contemplados': 'na verdade, os militares em apreço, não teriam, porventura, passado à reserva, ou nela não teriam permanecido nas mesmas circunstâncias. São incalculáveis as repercussões que tal modificação teve nas suas vidas. Todavia, e seguramente, sofrem o prejuízo causado pela perda do suplemento de serviço nas forças de segurança (caso não estejam ao abrigo dos n.ºs 2 e 3 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 59/90) e auferirão uma pensão de reforma qualitativamente inferior àquela que poderiam contar na passagem à reserva'. Em suma: 'tais disposições não se destinam directamente à prossecução de valores expressos na Constituição, nem se revelam indispensáveis a tal objectivo, nem tão pouco se afiguram razoavelmente previsíveis ao tempo da sua entrada em vigor, mostrando-se desproporcionadas, arbitrárias e infundadas'. Daí que o requerente conclua que as normas constantes do ponto 4 da alínea a) do n.º 1 do artigo 85º do Estatuto dos Militares da GNR e do artigo 11º, n.º 5, do artigo 19º, n.ºs 1, 2 e 3, e do artigo 22º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/90, violam o princípio da confiança dos cidadãos na ordem jurídica, que se funda no artigo 2º da Constituição. C) A argumentação do Provedor de Justiça, que acabou de resumir-se, é desenvolvida no seu requerimento com referência directamente à situação dos militares da Guarda Nacional Republicana na reserva. Mas, no final do mesmo, vem o requerente aduzir que 'o anteriormente expendido aplica-se à Polícia de Segurança Pública (PSP), enquanto destinatária do previsto no segmento da norma referente ao pessoal com funções policiais da PSP, contida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94, de 22 de Outubro'. Na verdade – alega – 'ocorre, do mesmo modo, e com os mesmos fundamentos, a preterição dos princípios da igualdade e da confiança', o que gera, assim, 'a inconstitucionalidade do segmento que manda aplicar as regras aqui discutidas à PSP'; e da mesma forma – acrescenta – 'repete-se a situação referente à inconstitucionalidade orgânica deste preceito', já que o legislador regulou, sem competência originária ou derivada, matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias. São estes os vícios de inconstitucionalidade que, nas 'conclusões' do requerimento, se retomam quanto ao artigo 2º de Decreto-Lei nº 259/94.
3. Resposta do órgão autor das normas. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º
3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro reafirmou a plena conformidade constitucional de todas as normas objecto do requerimento apresentado pelo Provedor de Justiça. Resumir-se-á, também, a argumentação para tanto expendida.
(a) Quanto à tese da inconstitucionalidade orgânica, diz-se o seguinte, tendo directamente em vista a norma do ponto 4) da alínea a) do n.º 1 do artigo 85º do Estatuto dos Militares da GNR:
– essa norma não implica qualquer restrição aos direitos ou liberdades consignados no artigo 47º da Constituição, pois o não é (uma restrição do acesso
à função pública) a fixação de um limite de idade para além do qual os militares na reserva transitam para a reforma. A verdade é que o dito artigo 47º 'não garante aos cidadãos a posse, e muito menos a posse vitalícia, de um lugar nos quadros da função pública, mas apenas a liberdade e a igualdade de condições de que todos eles devem beneficiar na candidatura a tais lugares e a proibição de critérios arbitrários ou de favor político';
– ainda que pudesse ser aceite a ideia de que o direito de acesso à função pública implica o direito de nela permanecer, tal direito de permanência sempre teria de ser entendido dentro dos pressupostos resultantes da configuração dada pela lei às carreiras da função pública, pelo que tendo a Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, estabelecido, nos seus artigos 14º e 15º, um termo final, em consequência de idade, para o exercício de funções militares (sendo, aliás, tal regra imposta pela natureza das coisas e constituindo, por isso, um limite inerente ao próprio conteúdo do direito de manter funções), 'o legislador governamental não criou uma restrição ao alegado direito de permanência nas funções, apenas deu a necessária concretização a um limite estabelecido, em abstracto, pela Lei n.º
11/89';
– a redução do limite de idade não pode ser vista como uma restrição do direito de permanecer em funções, ou como uma ampliação do direito à reforma, mas apenas como um mero pressuposto ratione temporis do exercício de ambos os direitos – o que é reconhecido, de resto, pelo próprio Provedor de Justiça, o qual 'acaba por afastar o regime dos direitos, liberdades e garantias ao invocar o princípio da confiança e não o n.º 3 do artigo 18º da Constituição para fundamentar a alegação de inconstitucionalidade material das normas objecto do seu requerimento'.
(b) No que concerne à alegada violação do princípio da igualdade, a mesma é afastada pelo Primeiro-Ministro com base nos seguintes argumentos:
– quanto ao dito 'regime transitório' adoptado pelo artigo 1º, n.ºs 1, 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 170/94, bem como pelo artigo 22º do Decreto-Lei n.º 59/90, não se vê em que o mesmo pode ser considerado discriminatório ou ofensivo do princípio de igualdade, uma vez que nele estão contemplados todos os militares na reserva, com excepção daqueles que por força do próprio critério de transição e de outros dispositivos legais, se encontram em situação diferente e, nessa medida, são objecto de tratamento diferenciado;
– quanto à atribuição do suplemento de serviço às forças de segurança, nos termos do n.º 2 do artigo 19º do Decreto-Lei n.º 59/90, tal norma não acarreta qualquer supressão de abonos ou remunerações a que os militares na reserva tivessem direito antes do Decreto-Lei n.º 59/90, pois este diploma, ao aprovar o novo regime remuneratório dos militares da GNR, estabeleceu no artigo 22º que a inserção na nova estrutura remuneratória se fizesse para o escalão a que corresponde igual remuneração, considerando nela incluída o suplemento abonado nos termos do Decreto-Lei n.º 191/88, de 28 de Maio, e as remunerações acessórias a que eventualmente haja direito; o suplemento de serviço a que se refere o artigo 19º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 59/90 tem de ser encarado como um novo complemento remuneratório, alicerçado em critérios de natureza diferente daqueles que se encontravam previstos no Decreto-Lei n.º 191/88, não podendo tais critérios serem considerados arbitrários, uma vez que com a adopção dos mesmos a lei pretende premiar os militares que passaram à reserva por limite de idade, incapacidade física ou após uma longa permanência no activo, em detrimento daqueles que nessa situação ingressaram prematuramente e por vontade própria: a diferenciação 'encontra plena justificação', pois, 'em valores tão relevantes e atendíveis como reconhecer a dedicação ao serviço militar, expressa na duração da permanência no activo, ou compensar adequadamente os militares cuja passagem à reserva não está normalmente associada ao desempenho de actividades profissionais alternativas'.
(c) Quanto à invocada violação do princípio da confiança, decorrente do princípio do Estado de Direito democrático, o Primeiro-Ministro começa por salientar que o nosso direito constitucional não consagra qualquer princípio geral de proibição da retroactividade, pelo que apenas cabe, sim, face a uma norma retroactiva, aferi-la à luz do princípio da confiança, para verificar se há aí uma retroactividade 'intolerável', já que só esta será de excluir; mas, depois, esclarece que importa, aliás, não confundir o problema da retroactividade com o da protecção da confiança, pois que esta pode mesmo ser posta em causa por leis não retroactivas. E é neste contexto geral que, com referência às normas concretamente em causa, aduz, no essencial, o seguinte:
– ao fixar um período máximo de permanência na reserva, ou ao diminuir a idade de reforma, a lei nova está a regular o conteúdo de situações duradouras, independentemente dos factos que lhes deram origem, devendo ser aplicada imediatamente, 'sem que isso represente qualquer retroactividade';
– apesar de ser verdade que 'quando os militares passaram à reserva não conheciam qualquer limite temporal para aí permanecerem', nunca de tal facto se poderiam retirar expectativas de tal modo legítimas e fundadas que se possa dizer que os militares não podiam e não deviam contar com a alteração do regime jurídico da reserva; a actividade legislativa só pode estar limitada pelo princípio da confiança se o legislador objectivamente a tiver transmitido ao cidadão; no caso em análise isso não aconteceu, pelo que se mantém intacta a liberdade constitutiva e de auto-revisibilidade da função legislativa;
– quanto ao cálculo da remuneração dos militares na reserva e ao suplemento de serviço, 'não há, de facto, em nenhum dos casos, qualquer diminuição da retribuição global dos reservistas', uma vez que o anterior suplemento de serviço foi integrado na retribuição do militar para efeitos de inserção no novo sistema; o que acontece é que o novo sistema retributivo previu a evolução crescente do vencimento dos militares (e dos reservistas) por efeito da progressão nos escalões referentes a cada posto, não podendo significar qualquer afectação de expectativas o facto de o reservista não vir a atingir o escalão máximo no tempo de reserva.
4. Discutido o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal, foi aprovado quanto nele se expunha, seja quanto às questões prévias, seja quanto às questões de fundo que há que resolver. Fixada, desse modo, a orientação do Tribunal, foram os autos distribuídos ao relator. Cumpre, agora, decidir tais questões, de harmonia com a orientação fixada.
II. Fundamentos:
5. As questões prévias:
5.1. As normas dos nºs 1, 2 e 3 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 170/94. O requerente inclui estas normas na enumeração que consta do intróito do seu requerimento, mas já o não faz nas 'conclusões' do mesmo, ao sintetizar os vícios que imputa a cada preceito impugnado. Advertido para o facto pelo 'despacho de aperfeiçoamento' de fls.94, veio, de todo o modo, insistir em que o pedido abrangia também essas normas. A verdade, porém, é que debalde se procurará, ao longo de todo o requerimento do Provedor de Justiça, e salvo a dita referência no intróito, uma alusão só que seja a tais normas. Designadamente, em nenhum lugar desse requerimento se identificam 'as normas ou os princípios constitucionais [por ela] violados' – sequer por remissão implícita, como seria o caso se se dissesse (o que, efectivamente, também não se diz) que a sua inconstitucionalidade seria
'consequencial'. Quer isto dizer que, relativamente às normas em epígrafe, o requerente não chegou a cumprir a exigência estabelecida no nº 1, in fine, do artigo 51º da Lei do Tribunal Constitucional – o que deverá acarretar a consequência de não se conhecer do pedido, quanto a elas (cfr., ainda, o nº 4 do artigo citado e o nº 1 do subsequente artigo 52º).
5.2. As normas dos artigos 11º, n.º 5, 19º, n.ºs 1, 2 e 3, e 22º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/90. a) O Decreto-Lei n.º 59/90, de 14 de Fevereiro, foi expressamente revogado pelo artigo 25º do Decreto-Lei n.º 504/99, de 20 de Novembro, diploma este que estabelece o regime remuneratório aplicável aos oficiais, sargentos e praças da Guarda Nacional Republicana. Por força do 'princípio do pedido', expresso no artigo 51º, n.º 5, da Lei do Tribunal Constitucional, e de acordo com a jurisprudência deste Tribunal (cfr., por exemplo, Acórdão n.º 531/00, Diário da República, II Série, 9 de Janeiro de
2001, pp. 368 e ss.), não pode operar-se a 'convolação' do objecto do processo – os mencionados artigos do Decreto-Lei n.º 59/90 – nas normas do diploma revogatório que tenham um eventual conteúdo preceptivo correspondente ou semelhante ao das normas que integram o objecto do pedido. b) Mas, por outro lado, conforme jurisprudência reiterada do Tribunal, o facto de as normas objecto de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, haverem sido, entretanto, revogadas não impossibilita automaticamente o conhecimento desse pedido (atentos os efeitos ex tunc que aquela declaração, em princípio, produzirá: artigo 282º, nº 1, da Constituição): ponto é que o conhecimento do pedido conserve, no caso, utilidade ou interesse relevante. Importa, pois, averiguar se um tal interesse ou utilidade relevantes se verificam, na hipótese, relativamente às normas em epígrafe.
Tais normas respeitam à definição e ao cálculo de remunerações e a sua aplicação foi-se operando em cada processamento (por via de regra mensal) dessas remunerações, que constituiu – é hoje entendimento adquirido jurisprudencialmente – um acto administrativo a se. O que significa, por outro lado, que, relativamente àqueles desses actos que não foram objecto de impugnação contenciosa, ter-se-á formado (salvo alguma eventual circunstância impeditiva) caso resolvido – o qual, segundo a jurisprudência do Tribunal: v. Acórdão nº 804/93, em AcTC, 26º vol., 1993, pp. 51 e ss. – pode logo dizer-se, é de equiparar a 'caso julgado', para o efeito de excluir a possibilidade de as correspondentes situações serem afectadas pela declaração de inconstitucionalidade da norma à sombra da qual foram criadas (artigo 282º, nº
3, da Constituição). Ora, pode ter-se por certo que, se não a totalidade, pelo menos a quase totalidade dos actos de processamento de remunerações dos militares da GNR praticados na vigência e com aplicação das normas em epígrafe não foram objecto de impugnação contenciosa, e terão feito caso resolvido. Donde que, a vir a concluir-se, por hipótese, pela inconstitucionalidade dessas normas, a correspondente declaração, com força obrigatória geral, só poderia produzir efeitos nalgumas situações residuais que porventura subsistissem, por terem sido objecto de impugnação. Só que o Tribunal tem entendido que, em tal tipo de hipóteses, o conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade de normas revogadas deixa de ter interesse juridicamente relevante – pois que seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta para os (residuais) casos concretos em que a aplicação da norma subsistiu (neste sentido, cfr., entre outros, Acórdãos n.ºs 17/83 e 453/95, in Diário da República, II Série, de
31-1-84 e de 7-10-95, respectivamente, e ainda os Acórdãos n.º 786/96, in AcTC,
34º vol., pp. 23 e ss., e n.º 270/00, proferido no Processo n.º 154/95). Como pode ler-se no citado Acórdão n.º 786/96: Na situação presente, a aplicação da norma passou certamente pela prática de actos administrativos de que poderá ter decorrido um de dois desfechos, conforme tenha havido (ou não) recurso contencioso. Se houve recurso contencioso ou ainda puder haver, não é indispensável nem adequada a fiscalização abstracta para resolver o caso, abrindo-se sempre a via do recurso de constitucionalidade. Se não houve recurso contencioso, o acto administrativo acabou por se consolidar na ordem jurídica, deixando de ser impugnável. Nesta última hipótese, tal consolidação, mesmo não constituindo caso julgado em sentido estrito, por não proceder de decisão judicial, há-de, no entanto, a ele ser equiparada para efeito do disposto no artigo 282º, nº 3, da Constituição (no sentido dessa equiparação, cfr. Acórdão nº 804/93, Diário da República, II Série, de 31-1-94).
Independentemente, porém, da pertinência desta abordagem do problema, e deixando entre parênteses o efeito de 'caso resolvido' que se terá geralmente operado quanto à aplicação das normas ora em causa (ou, pelo menos, o seu reflexo para a questão neste momento em análise), uma outra ordem de considerações, com persistente curso na jurisprudência do Tribunal, sempre conduzirá, em todo o caso, à inutilidade do conhecimento do pedido quanto às mesmas normas. Com efeito, e como se afirmou, nomeadamente, no Acórdão n.º 497/97 (AcTC, 37º vol., 1997, pp. 73 e ss.): De acordo com a jurisprudência, reiterada e uniforme, deste Tribunal, face à revogação de uma norma, manter-se-á o interesse na declaração da sua eventual inconstitucionalidade «toda a vez que ela for indispensável para eliminar efeitos produzidos pelo normativo questionado, durante o tempo em que vigorou» e essa indispensabilidade seja evidente, por se tratar da eliminação de efeitos produzidos constitucionalmente relevantes (por todos, citem-se os acórdãos nºs
804/93, 806/93, 186/94 e 57/95, publicados no Diário da República, II Série, de
31 de Março, 29 de Janeiro, 14 de Maio de 1994 e 12 de Abril de 1995, respectivamente). Já, porém, não existe – neste modo de ver – interesse jurídico relevante no conhecimento de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma norma entretanto revogada, naqueles casos em que não se vislumbre nele qualquer alcance prático, atendendo à circunstância de o Tribunal, a declarar eventualmente a inconstitucionalidade, não dever deixar de, por razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo, limitar os seus efeitos, nos termos do nº 4 do artigo 282º da CR, de modo a deixar incólumes os produzidos pela norma antes da sua revogação. Em tais situações, como vem entendendo este Tribunal (e acompanhamos de perto o citado acórdão nº 57/95), «em que é visível a priori que o Tribunal Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de qualquer sentido útil a declaração de inconstitucionalidade que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica que conclua, desde logo, pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito.
Ora, esta doutrina é plenamente aplicável à hipótese sub judicio – como o mostra ou confirma, de resto, o modo como o Tribunal, ainda recentemente, tratou situações com algum paralelismo. Foi o caso do Acórdão nº 254/00 (Diário da República, I Série-A, nº 119, de 23 de Maio de 2000, pp. 2304 e ss.), em que – tendo decidido declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias normas atinentes ao reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras, ao abrigo do descongelamento gradual dos escalões, efectuado na sequência do Novo Sistema Retributivo – o Tribunal limitou os efeitos da inconstitucionalidade 'por forma a não implicar a liquidação das diferenças remuneratórias correspondentes ao reposicionamento,
[...] devido aos funcionários, relativamente ao período anterior à publicação' do acórdão, e sem prejuízo das situações ainda pendentes de impugnação. Considerou-se então: In casu, de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral incidente sobre os normativos sub specie e a respeito da qual não houvesse limitação de efeitos, haverá de resultar o «reposicionamento» dos funcionários em causa, cujo número, embora indeterminado, é, certamente, acentuado; e, além disso, se não houver limitação de efeitos, resultará ainda a percepção da diferença remuneratória correspondente a esse «reposicionamento». Só que, essa percepção, para além de, como é claro, haver de implicar a realização de inúmeras actividades de natureza administrativa e burocrática com vista a ser alcançado o processamento «retroactivo» das diferenças remuneratórias, com óbvio reflexo perturbante nos serviços, acarretaria ainda acentuadas repercussões a nível orçamental.
As considerações acabadas de citar foram também acolhidas pelo Acórdão n.º
531/00, já referido, proferido em processo em que se questionava o reposicionamento dos docentes da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário nos escalões introduzidos ao abrigo do Novo Sistema Retributivo.
No caso dos autos, o que está em causa são normas respeitantes ao estatuto remuneratório dos oficiais, sargentos e praças da Guarda Nacional Republicana, designadamente a fixação do montante dos suplementos previstos no artigo 11º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 59/90, a forma de cálculo da remuneração do pessoal na situação de reserva, prevista no artigo 19º do mesmo diploma, e o regime de transição para nova estrutura remuneratória, a que se refere o artigo 22º do citado diploma. Ora, num tal caso (e sem considerar, ao menos para o que agora interessa, o efeito de caso resolvido que se houvesse formado), uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral incidente sobre as normas referidas, entretanto revogadas, relativamente à qual não houvesse limitação de efeitos nos termos previstos no n.º 4 do artigo 282º da Constituição, implicaria o novo cálculo do montante dos suplementos a atribuir e da remuneração do pessoal na situação de reserva (pelo menos, deste), exigindo a realização de inúmeras actividades de natureza administrativa e burocrática, acarretando, também aqui e à semelhança do referido no Acórdão n.º 254/00, atrás citado, um 'óbvio reflexo perturbante nos serviços' e eventuais 'acentuadas repercussões a nível orçamental'. Assim sendo, as mesmas razões de segurança jurídica que determinaram a limitação de efeitos nos acórdãos citados sempre haveriam de impor a limitação de efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que viesse a ser proferida no presente processo, nomeadamente quanto às normas ora em causa.
Posto isto, seja pela consideração primeiro enunciada, seja, em definitivo, porque o caso dos autos configura uma daquelas situações em que o Tribunal Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de sentido útil a declaração de inconstitucionalidade que porventura viesse a proferir, conclui-se pela inutilidade superveniente do conhecimento do pedido quanto às normas em epígrafe.
6. A norma do artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94: No requerimento do Provedor de Justiça, esta norma só é objecto de tratamento específico, na parte da 'fundamentação' desse requerimento, com referência ao seu segmento relativo ao 'pessoal com funções policiais da PSP' [cfr. supra, nº
3, alínea C)]. A 'limitação' que assim é feita não deixa de causar alguma perplexidade, já que a norma em causa é desde logo relevante para delimitar o preciso alcance do regime introduzido pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94 quanto aos militares da GNR. Mas, pese essa perplexidade, na verdade só nessa dimensão é expressamente considerada. Assim – e não obstante nas 'conclusões' do requerimento tal preceito já vir referido sem qualquer especificação – afigura-se que o pedido, que a respeito dele se formaliza em tais conclusões, há-de entender-se como consequência e, portanto, em consonância com a fundamentação antes invocada, de sorte que abrangerá só aquele seu referido segmento. De qualquer modo, também se afigura que o julgamento que a norma merecer nesse segmento não será diferente daquele que sobre ela recairia, quando considerada em toda a sua extensão preceptiva.
7. Delimitação precisa do âmbito do pedido. Em face do que precede, o objecto do processo circunscrever-se-á às normas constantes:
(a). do artigo 85º, n.º 1, alínea a), ponto 4, do Estatuto dos Militares da GNR, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93;
(b). do artigo 1º, nºs 1, 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 170/94, tanto na redacção originária como na introduzida pelo Decreto-Lei n.º 259/94;
(c). do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 259/94, no segmento em que se reporta ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública.
8. As questões de fundo.
8.1. Precedente jurisprudencial. As questões suscitadas no pedido sub judicio são semelhantes àquelas que foram colocadas no processo em que foi tirado o Acórdão n.º 786/96 (AcTC, 34º vol.,
1996, pp. 23 e ss.), proferido em processo de fiscalização abstracta sucessiva desencadeado, também ele, pelo Provedor de Justiça. a) As normas submetidas à apreciação do Tribunal nesse outro processo foram precisamente as que, antes das agora em preço, tinham vindo já, por um lado, encurtar a idade da passagem à reforma e o tempo de permanência na reserva dos militares dos quadros permanentes das Forças Armadas e, por outro lado, as que, inseridas no diploma de adaptação do sistema retributivo desses militares aos princípios gerais do Novo Sistema Retributivo da Função Pública, restringiam o
âmbito da atribuição aos militares das Forças Armadas na reserva do suplemento de condição militar. Tratava-se, mais concretamente:
– das normas das alíneas b) e c) do artigo 174º (depois, 175º) do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34-A/90, de 24 de Janeiro, as quais determinavam (a segunda, na redacção já da Lei nº 15/92) a passagem à reforma dos militares que, respectivamente, atingissem 65 anos de idade ou completassem, seguida ou interpoladamente, cinco anos na situação de reserva fora da efectividade do serviço – normas essas a que acresciam as dos artigos 11º e 12º do dito Decreto-Lei nº 34-A/90, que estabeleciam um
'calendário' de aplicação gradual do disposto naquelas alíneas e um regime transitório para o cálculo da pensão de reforma;
– da norma do artigo 17º, nº 2, do Decreto.-Lei nº 57/90, de 14 de Fevereiro, na sua versão originária e na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 98/92, de acordo com as quais o 'suplemento de condição militar' não era abonado a todos os militares na reserva, mas apenas aos que tivessem passado, ou viessem a passar, a tal situação em determinados casos. Relativamente às normas estatutárias citadas, invocou o Provedor de Justiça a violação da reserva relativa de competência legislativa parlamentar, com referência ao artigo 47º da Constituição, e a violação do princípio da confiança; relativamente às normas estabelecendo os referidos calendário e regime transitório, a violação do princípio da igualdade; e, relativamente às normas sobre o abono do mencionado 'suplemento', além da violação deste último princípio, também a do princípio da confiança. b) O paralelismo é flagrante. Com efeito:
- às normas do Estatuto dos Militares das Forças Armadas e do Decreto-Lei nº
34-A/90 correspondem, no presente processo, as normas do Decreto-Lei nº 170/94
(que vieram dispor, não em termos exactamente idênticos, mas perfeitamente paralelos, para a GNR), acrescidas agora do preceito do Estatuto dos Militares da GNR sobre limite de idade e do artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94 (invocado em rigor apenas, como se viu, quanto à PSP);
- às normas sobre a atribuição do 'suplemento da condição militar', do Decreto-Lei nº 57/90, correspondem, no presente processo, as relativas à atribuição, aos militares da GNR na reserva, do 'suplemento por serviço nas forças de segurança' (artigo 19º do Decreto-Lei nº 59/90), mas acrescidas agora de outras deste diploma, o qual, por sua vez, se destinou, e na mesma data, a operar, quanto à GNR, o mesmo que aquele primeiro diploma quanto às Forças Armadas, ou seja, a adaptação do respectivo estatuto remuneratório ao Novo Sistema Retributivo da Função Pública.
Por sua vez, é a mesma 'tríplice violação de normas e princípios constitucionais', como se disse no Acórdão n.º 786/96, que vem agora invocada - e invocada, deve acrescentar-se, através de um desenvolvimento argumentativo paralelo (até textualmente) ao do pedido que esteve na origem daquele aresto (o pedido de agora é, praticamente, decalcado nesse outro). Verificam-se, no entanto, diferenças na imputação desses três vícios a cada uma das normas ou grupos de normas questionados no presente processo – mas sem que isso se revista de especial relevo, como oportunamente se verá. c) Ora, no Acórdão nº 786/96 o Tribunal – após afastar o conhecimento do pedido, no tocante a algumas das normas por ele abrangidas [v. II, A) e B)] – veio a não julgar verificado qualquer dos vícios imputados às restantes, e a não declarar a inconstitucionalidade de nenhuma delas. Assim:
- não considerou que a alínea b) do artigo 174º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas (que fixava em 65 anos a idade da passagem à reforma) violasse a reserva legislativa parlamentar. Para lograr tal conclusão, porém, não chegou a confrontar essa norma com o âmbito da mesma reserva, definido em conexão com o artigo 47º da Constituição, e isso porque entendeu que qualquer questão de inconstitucionalidade orgânica da dita norma sempre estaria prejudicada, no caso, pelo facto de o diploma que aprovou o Estatuto a que ela pertence haver sido sujeito ao processo de ratificação que culminou na Lei nº 27/91 [v. II, C)];
- não considerou que, fosse a norma que estabelecia um 'calendário' de aplicação gradual da regra da passagem à reforma aos 65 anos (artigo 11º, nº 1, do Decreto-Lei nº 34-A/90), fosse a que definia o âmbito dos militares na reserva com direito ao 'suplemento de condição militar' (artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 57/90, tanto na redacção originária, como na redacção do artigo
7º do Decreto-Lei nº 98/92), violassem o princípio da igualdade [v. II, D) e E)];
- não considerou que qualquer das normas antes referidas violasse o princípio da confiança, ínsito na ideia do Estado-de-direito [v. II, F)]. Pois bem: o primeiro dos juízos acabados de enunciar (porque idênticas vicissitudes do processo legislativo não ocorreram quanto aos diplomas cujas normas, no caso presente, são questionadas do ponto de vista orgânico) não é transponível, no seu desenvolvimento argumentativo, para a apreciação do pedido sub judicio. Já o serão, em certa medida, os demais - em termos, de todo o modo, a precisar ulteriormente, tendo em conta o perfil 'específico' de algumas normas relativamente às quais foram emitidos (assim, nomeadamente, a norma relativa ao
'calendário' de aplicação da idade da reforma, porque norma semelhante não foi adoptada quanto aos militares da GNR) e as normas que 'subsistem' como objecto do presente processo (cfr. supra, II, esp. nº 6). É o que por agora importa registar.
8.2. A questão da alegada inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 85º, n.º 1, alínea a), ponto 4, do Estatuto dos Militares da GNR. Apesar do paralelismo global que ocorre entre o pedido do Provedor de Justiça ora em apreço e o acabado de evocar, já existe, no entanto, uma acentuada diferença de conteúdo – e é o que deve começar por assinalar-se – entre a norma ora em epígrafe e as do Estatuto dos Militares das Forças Armadas a que nesse anterior pedido foi imputado o vício de inconstitucionalidade orgânica. Com efeito – e retendo destas últimas apenas aquela que o Tribunal apreciou: a alínea b) do artigo 174º (depois, 175º) – temos que nela se fixa uma idade para a passagem obrigatória à reforma (alterando o anterior regime, do Decreto-Lei n.º 514/79, de 28 de Outubro, que fixava essa idade em 70 anos); ao passo que o preceito em epígrafe não estabelece qualquer idade para a passagem à situação de reforma, limitando-se a dispor que transita para essa situação de reforma o militar dos quadros da Guarda, no activo ou na reserva que, tendo prestado cinco ou mais anos de serviço, atinja 'o limite de idade fixado por lei'. Pressupõe-se, por conseguinte, que haverá um limite de idade, e que o atingi-lo será um obrigatoriamente determinante da passagem à reforma do militar dos quadros da Guarda, mas deixa-se a fixação desse limite para outro lugar normativo.
Ora, desta simples verificação já decorre que a circunstância – relativa ao alcance desse preceito – invocada pelo Provedor de Justiça para fundamentar a violação, pela norma constante do ponto 4 da alínea a) do n.º 1 do artigo 85º do Estatuto dos Militares da GNR, da reserva legislativa da Assembleia da República, efectivamente não ocorre. Essa circunstância, como se deixou dito, é a de que tal norma anteciparia a idade da reforma dos militares da GNR. Ora, consoante resulta do próprio teor da mesma norma e acabou de evidenciar-se, não só não é exacto isso, como nem sequer aí se estabelece qualquer idade para a reforma: o preceito limita-se a pressupor o limite de idade (impondo a passagem obrigatória à reforma) estabelecido no outro lugar da lei, ou a remeter para o mesmo.
A consideração que antecede é quanto basta para concluir pela improcedência da imputação a essa norma do vício de 'usurpação' da competência legislativa parlamentar, definida no (então) artigo 168º, nº 1, alínea b), com referência ao artigo 47º da Constituição.
8.3. A questão da alegada inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 259/94. a) Recorda-se que, pela razão oportunamente dada (supra, nº 6), a norma em epígrafe só deverá ser considerada incluída no objecto do pedido na parte em que se refere a pessoal da PSP. Afigura-se, porém, que, mesmo se apreciada em todo o seu âmbito pessoal de aplicação, o juízo a emitir sobre ela, do ponto de vista da questão de constitucionalidade agora em apreço, não se alteraria, como, aliás, já se referiu. b) Dito isto, recorda-se também [cfr. supra, nº 2, C)] que no pedido do Provedor de Justiça se refere simplesmente, relativamente à mesma norma, e no ponto que ora interessa, que '[se] repete [...] a situação referente à inconstitucionalidade orgânica deste preceito': remete-se, portanto, para o já alegado, no tocante a esse tipo de inconstitucionalidade, quanto a outra ou outras normas. Ora, a única norma cuja inconstitucionalidade orgânica já havia sido invocada fora a do artigo 85º, alínea a), ponto 4, do Estatuto dos Militares da GNR, sendo que tal invocação se baseou na circunstância e no fundamento analisados no numero anterior. Daqui – e face a uma tão sumária fundamentação do pedido - que deva inferir-se ser pelas mesmas (ou paralelas) razões que o requerente entende que o artigo 2º, agora em apreço, padece de vício de competência. Ou seja: por ele vir determinar a antecipação da idade de aposentação, agora quanto ao pessoal da PSP aí referido - o que implicaria a regulação de matéria atinente aos direitos, liberdades e garantias, e mais precisamente ao direito do artigo
47º da Constituição, sem autorização prévia da Assembleia da República, e, portanto, com infracção do disposto no artigo 168º (actual artigo 165º), n.º 1, alínea b), da Constituição. c) Pois bem: o sentido e o objectivo do artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94 (cfr. o respectivo preâmbulo) é o de definir o âmbito pessoal e temporal de aplicação do Decreto-Lei nº 170/94, 'esclarecendo' e explicitando o alcance do disposto no artigo 2º, nº 1, deste outro diploma – preceito que, há-de entender-se, foi por ele substituído. No fundo, o que nele se diz é que o regime desse primeiro decreto-lei é de aplicação, por um lado, permanente e, por outro lado, imediata, sendo aplicável, a partir de 1 de Julho de 1994, aos próprios membros das corporações aí mencionadas que já se encontravam na reserva ou na pré-aposentação aquando da respectiva emissão.(E a ressalva ou 'excepção' do nº
3 do artigo 1º compreende-se: é que se trata aí de um regime 'transitório', que não há que aplicar a 'todos', mas só aos membros das ditas corporações que se acabou de destacar). Significa isto que, tal como acontecia com a norma precedentemente analisada, tão-pouco o artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94 procede ao encurtamento ou sequer
à fixação do limite de idade para a passagem à reforma. Mas então, se é assim, valem, quanto a ele, as considerações antes feitas, relativamente àquela outra norma – o que tanto basta para excluir a procedência da arguição da sua inconstitucionalidade orgânica.
8.4. A questão da alegada violação do princípio da igualdade pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94 e pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94. a) Recordar-se-á que o artigo 1º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 170/94 veio determinar a passagem automática para a situação de reforma dos militares da GNR que se encontrem na situação de reserva, nos termos definidos no respectivo Estatuto, há mais de cinco anos fora de efectividade de serviço. Por seu turno, o mesmo artigo 1º, n.º 1, determinou, de igual modo, na respectiva alínea b), a passagem automática para a situação de aposentação do pessoal da PSP com funções policiais na situação de pré-aposentado, igualmente nos termos da lei aplicável, que se encontre nessa situação há mais de cinco anos fora de efectividade de serviço. Finalmente, a alínea c) do mesmo preceito, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 259/94, estabeleceu a mesma regra de passagem automática para a situação de reforma relativamente aos oficiais oriundos do quadro de complemento do Exército integrados na Polícia de Segurança Pública que se encontrem na situação de reserva há mais de cinco anos fora de efectividade de serviço. O n.º 2 do artigo 1º citado estabeleceu que os militares da GNR e o pessoal com funções policiais da PSP que, na reserva ou na pré-aposentação, reúnam as condições de acesso à reforma ou à aposentação com a pensão correspondente a 36 anos de serviço são automaticamente reformados ou aposentados. Finalmente, o nº 3 do mesmo artigo 1º estabeleceu um regime transitório nos termos do qual, até perfazer os 70 anos de idade, o pessoal que se encontre actualmente na situação de reserva ou de pré-aposentação e que tenha transitado, ou venha a transitar, para a reforma ou para a aposentação por aplicação das disposições do presente diploma não poderá auferir pensão de valor inferior à remuneração ou pensão a que teria direito na situação antecedente, líquida das quotas para a Caixa Geral de Aposentações e calculadas em função do posto, escalão e tempo de serviço que esse pessoal possuía na data em que ocorreu aquela transição.
O regime descrito (dos três números do preceito legal ora em causa) é – como resulta claro – um regime sem diferenciações: aplica-se, sem qualquer excepção, e por igual, a todos quantos se integrem nas categorias de pessoal por ele abrangidos e venham a estar em qualquer das situações por nele previstas. Não se vê, pois, como possa implicar violação do princípio da igualdade.
A respeito deste princípio (e como mais uma vez se disse, por exemplo e justamente, no Acórdão nº 786/96: v. nº 21), é jurisprudência firme do Tribunal que a sua violação pressupõe, para além da desigualdade das posições das pessoas, ou apesar dela, a fundamentação de discriminações 'em motivos que não oferecem um carácter objectivo e razoável' (Acórdão nº 44/84, de 22 de Maio de
1984, AcTC, 3º vol., 1984. p. 133; Acórdão n.º 786/96, de 19 de Junho de 1996, AcTC, 34º vol., 1996, p. 41). Ora, no caso do regime introduzido pelo Decreto-Lei n.º 170/94, de 24 de Junho, não está sequer em causa qualquer discriminação que se torne necessário apreciar à luz de critérios de razoabilidade e de proporcionalidade impostos pelo artigo 13º da Constituição.
Tal 'necessidade' ou 'cabimento' ainda poderia compreender-se, se o regime em causa incluísse – como incluía o regime correspondente, aplicável aos militares das Forças Armadas, apreciado no Acórdão nº 786/96 (v. supra, nº 9) – um qualquer calendário para a aplicação gradual do novo limite de idade para passagem à situação de reforma ou aposentação, com a previsão de diferentes idades de reforma ou aposentação em diferentes datas. Mas tal, sequer, não acontece na situação agora em apreço, em que o legislador se limitou a estabelecer uma solução transitória (o do n.º 3) destinada a evitar qualquer decréscimo do valor das pensões que já estavam a ser recebidas, solução essa também de aplicação uniforme, e que, assim, não chega a relacionar-se com o
âmbito de protecção da norma do artigo 13º da Constituição. b) Quanto ao artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94, com a interpretação que se apontou atrás [supra, 8.3., c)] – e essa é a única interpretação que o texto legal verdadeiramente consente - valem, mutatis mutandis, as considerações precedentes.
Convém sublinhar, e deixar inteiramente clara, essa interpretação, em particular quanto à 'excepção' nele referida. Tal 'excepção' só pode, na verdade, ser interpretada no sentido de que o regime transitório do nº 3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94, de 24 de Junho, apenas se aplica aos militares da Guarda Nacional Republicana, ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública e aos oficiais oriundos do quadro de complemento do Exército integrados na Polícia de Segurança Pública ao abrigo do Decreto-Lei nº 632/75, de 14 de Novembro, que já se encontrassem na situação de reserva ou pré-aposentação em 1 de Julho de 1994, mas se aplica a todos eles: isto é aplica-se-lhes (aos que estavam em qualquer dessas situações em 1 de Julho de 1994) quer tenham logo passado à reforma nessa data, quer tenham passado a esta outra situação depois, inclusivamente após o Decreto-Lei nº 259/94. E isso é assim, porque esse é – repete-se – o sentido que resulta dos seus próprios dizeres; e, depois, porque qualquer interpretação que favorecesse os reservistas, que passaram à reforma logo em 1 de Julho de 1994 relativamente àqueles que apenas passaram a essa situação (de reforma) depois dessa data (e nomeadamente depois do Decreto-Lei nº
259/94) seria constitucionalmente inadmissível, pois que careceria de fundamento racional ou material capaz de a justificar.
8.5. A questão da eventual violação do princípio da confiança pelo ponto 4 da alínea a) do nº 1 do artigo 85º do Estatuto dos Militares da GNR, pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94, e ainda pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94. a) Preliminarmente cumpre advertir para que, de modo diverso do que aconteceu, relativamente às normas equivalentes aí em causa, no pedido a que deu lugar o Acórdão nº 789/96, no presente pedido o Provedor de Justiça não chegou a invocar explicitamente a violação, pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94, do princípio da confiança [cfr. supra, nº 3, B), alínea c)]. O facto não deixa de gerar perplexidade, porquanto é na 'inovação' introduzida por esse preceito que se situa, afinal, um dos fulcros da problemática de constitucionalidade que nessa perspectiva vem suscitada. Mas a isso acresce que, no presente caso – afastado que está o conhecimento do pedido, por inutilidade, no tocante às normas do Decreto-Lei n.º 59/90, relativas ao suplemento de serviço nas forças de segurança – essa problemática só mesmo subsiste quanto à antecipação da idade de reforma ou aposentação, que entronca exactamente no dito artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94. Sendo assim, e porque o Tribunal pode apreciar as normas que lhe são submetidas
à luz de outros princípios constitucionais, para além dos invocados, não se deixará de analisar o preceito em causa também sob a perspectiva do princípio da confiança. b) Como ficou oportunamente referido, o Acórdão n.º 786/96 representa um precedente não de todo despiciendo relativamente à situação ora sub judicio, em razão de um certo paralelismo que se verifica entre os problemas de constitucionalidade suscitados no presente processo e parte dos que nesse aresto foram apreciados. Pois bem: é agora altura de dizer que tal paralelismo se manifesta mais precisa e justamente quanto ao problema da eventual violação do princípio da confiança, em consequência da antecipação da idade de reforma. Isso explicará que na análise dessa questão se vá aproveitar e seguir de perto a linha argumentativa daquele Acórdão – e, em primeira linha, justamente com referência ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94. c) Antes, porém, dir-se-á já do ponto 4 da alínea a) do nº 1 do artigo 85º do Estatuto dos Militares da GNR – e isso porque o seu próprio sentido e alcance normativos (já evidenciados: v. supra, nº 8.2.) são suficientes, por si, para excluir que dele possa decorrer qualquer violação do princípio da confiança, na perspectiva que subsiste (ou noutra).
É que, não alterando ou estabelecendo esse preceito, por si, a idade de passagem
à reforma ou aposentação, falha logo o pressuposto em que no pedido se faz assentar tal violação, e tornaria compreensível que se discutisse acerca da sua ocorrência ou não. Em suma: estamos perante uma norma face à qual não tem sentido suscitar a questão de constitucionalidade agora em causa. d) Posto isto, e retomando então a linha argumentativa do Acórdão nº 786/96, com primária referência ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94: Entendeu-se aí que, face ao modo como a questão da violação do princípio da confiança vinha colocada, a sua análise deveria passar pela sucessiva resposta: primeiro, à questão de saber se ocorria, no caso, uma aplicação retroactiva da lei, da qual já pudesse extrair-se uma violação do princípio da confiança; e, depois, não ocorrendo retroactividade, se ocorria, de todo o modo, uma violação do princípio da confiança, constitucionalmente censurável (cfr., para a formulação precisamente adoptada naquele aresto, Ac TC, 34º vol., p. 23).
Ora, quanto ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94, agora em causa, não poderá concluir-se diferentemente do que se fez no Acórdão nº 786/96, relativamente às normas então em apreço. Na verdade, dessa norma considerada quer na sua redacção originária, quer na redacção do Decreto-Lei n.º 259/94, pode afirmar-se, tal como se fez no Acórdão n.º 786/96, mutatis mutandis, que 'o legislador centrou a sua atenção na regulação de situações jurídicas em que certos factos passados surgem como referência. A alteração do limite de idade para a reforma não vem afectar situações jurídicas constituídas – mas apenas expectativas criadas – nem vem regular qualquer facto anterior como o do ingresso na carreira, elegendo-o apenas como referência' (cfr. loc. cit, p. 47). E isso porque – considerando directamente que a situação agora em presença – quem exerce funções como militar da GNR ou exerce funções policiais na PSP não é titular de um direito subjectivo a ser reformado ou aposentado na idade estabelecida no momento do seu ingresso em tais funções, ou no momento da passagem à reserva, mas apenas de uma expectativa com esse sentido.
Tal norma - seja ela retroactiva ou retrospectiva – não viola o princípio da protecção da confiança, como vai ver-se.
Convém recordar que este Tribunal tem sempre entendido que, fora do domínio penal, em que a retroactividade in peius é constitucionalmente inadmissível (cf. o artigo 29º, nºs 1, 3 e 4, da Constituição), do domínio fiscal, em que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva (cf. artigo
103º, n.º 3, da Constituição) e, bem assim, fora do domínio das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, em que a lei não pode ser retroactiva (cf. o artigo 18º, n.º 3, da Constituição), uma lei retroactiva não é, em si mesma, inconstitucional [cf., entre outros, o acórdão n.º 95/92 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 21º, páginas 341 e seguintes)]. Fora dos domínios apontados, uma lei retroactiva (ou uma lei retrospectiva) só será inconstitucional, se violar princípios ou disposições constitucionais autónomos, que é o que sucede quando ela afecta, 'de forma inadmissível, arbitrária ou demasiado onerosa', direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos. Num tal caso, com efeito, a lei viola aquele mínimo de certeza e de segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito, do qual se exige que organize a 'protecção da confiança na previsibilidade do direito, como forma de orientação de vida' (cf. o acórdão n.º
303/90 e também o acórdão nº 287/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume
17º, páginas 277 e seguintes e 159 e seguintes). Por conseguinte, apenas uma retroactividade (ou uma retrospectividade) intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária (é dizer: insuportável) os direitos ou expectativas legitimamente fundadas dos cidadãos, viola o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de Direito democrático
[cf., por último, os acórdãos 329/99, 321/2000 e 173/2001 (Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999, de 8 de Novembro de 2000 e de 7 de Junho de
2001, respectivamente)].
Ora – e para além de quaisquer outras considerações que eventualmente pudessem aduzir-se – há logo uma circunstância que afasta, na situação em presença, aquela intolerabilidade (se não dever dizer-se mesmo mais do que isso): é que a expectativa mais digna de protecção dos destinatários do preceito em presença
(que por esta vão ser imediatamente afectados) – a saber, a do recebimento, até
à anterior idade da reforma, (70 anos) de uma remuneração ou pensão de certo quantitativo – está assegurada pelo regime transitório do nº 3 do artigo 1º em apreço.
Sublinha-se que a disciplina constante desta norma (ou seja, da norma do artigo
1º, nº 3, do Decreto-Lei nº 170/94), com o sentido que atrás se explicitou, em nada foi afectada pelo artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94, como resulta do que se disse antes. Ela aplica-se, pois, nos exactos termos que atrás se indicaram.
e) Resta, por último, o artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94, na dimensão que se considerou integrar o objecto do pedido. Em boa verdade, porém, essa norma – e seja nessa sua dimensão, seja nas demais – ou nada acrescenta ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94, no ponto agora relevante (o da aplicação imediata deste outro preceito, em termos de abranger quem já estava na reserva ou na pré-aposentação), ou então vem justamente explicitar e tornar clara essa dimensão da aplicação temporal do mesmo preceito. Assim sendo, não haverá sequer que analisá-la separadamente (ou, de qualquer modo, não se justificará fazê-lo), do ponto de vista de uma eventual violação do princípio da confiança.
As considerações que levam a afastar tal violação no tocante ao artigo 1º do Decreto-Lei nº 170/94 levam necessariamente, pois, a concluir que tão-pouco tal violação se verificará quanto ao artigo 2º do Decreto-Lei nº 259/94. III. Decisão: Pelos fundamento expostos, o Tribunal decide:
(a) Não tomar conhecimento do pedido de declaração da inconstitucionalidade das seguintes normas:
(1). das normas constantes dos nºs 1, 2 e 3 do artigo 2º do Decreto-Lei nº
170/94, de 24 de Junho;
(2) das normas constantes dos artigos 11º, n.º 5, 19º, n.ºs 1,2 e 3, e 22º, n.º
2, do Decreto-Lei n.º 59/90, de 14 de Fevereiro;
(b) Não declarar a inconstitucionalidade das seguintes normas:
(1). da norma constante do artigo 85º, n.º 1, alínea a), ponto 4, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho;
(2). da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 170/94, de 24 de Junho, quer na redacção originária, quer na redacção do Decreto-Lei n.º 259/94, de 22 de Outubro;
(3). da norma constante do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 259/94, de 22 de Outubro, na parte em que se refere ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública.
Lisboa, 20 de Junho de 2001 Messias Bento Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa