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Processo nº 240/99
3ª Secção Relator : José de Sousa e Brito
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional :
1. As assistentes M... e I... recorreram para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo 70, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal Militar de 25 de Fevereiro de 1999, que revogou o despacho do juiz auditor do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 6 de Março de 1998, o qual determinara manter o pedido de extradição formulado e a validade dos mandatos de captura referentes ao réu A..., e que julgou extintas, por prescrição, as penas global e parcelares aplicadas ao mesmo réu. Também o promotor de justiça, que representa o Ministério Público junto do Supremo Tribunal Militar, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição, conjugado com os artigos 285º do Código de Justiça Militar, 70º, nº 1, alínea b) e 72º da Lei nº 28/82, relativamente ao mesmo acórdão do Supremo Tribunal Militar de 25 de Fevereiro de
1999 (de que o promotor de justiça pedira aclaração) e ainda ao acórdão desse Tribunal de 25 de Março de 1999 (que decidiu sobre o pedido de aclaração).
2. Para entendimento dos requerimentos de interposição do recurso (cfr. infra, nº 7 e 8) é indispensável relatar a marcha do processo em que se inserem. A... foi julgado, à revelia, no 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, vindo a ser condenado, por acórdão de 27 de Julho de 1981, como autor moral de quatro crimes previstos pelo artigo 216º, nº 4 (falsificação de documento autêntico) do Código Penal de 1886 e de um crime previsto pelo artigo 424º, § 4º (promoção dolosa) do mesmo Código, e material de outro crime previsto pelo mesmo artigo
424º, § 4º, de dois crimes previstos pelo artigo 228º (promoção dolosa) do mesmo Código e do crime previsto pela Lei Constitucional nº 8/75, de 25 de Julho
(funcionário da Direcção-Geral de Segurança, pertencente às categorias de pessoal dirigente e pessoal técnico de investigação criminal, superior e auxiliar, até chefe de brigada, inclusive, e/ ou funcionário da sua antecessora Polícia Internacional e de Defesa do Estado, das categorias de pessoal de direcção e investigação, até chefe de brigada, inclusive). Por consequência, foi o réu condenado nas penas de três anos de prisão maior por cada um dos crimes previstos pelos referidos artigos 216, nº 4 e 228º, de três anos de prisão maior e quatro meses e quinze dias de multa à razão de 20$00 por dia, por cada um dos crimes previstos pelo artigo 424 § 4º e de vinte e dois meses de prisão pelo crime da Lei nº 8/75. O mesmo acórdão aplicou ao réu alguns perdões e, em cúmulo jurídico das penas subsistentes, condenou o réu na pena unitária de oito anos de prisão maior e nove meses de multas a 200$00 por dia, multa esta na alternativa de seis meses de prisão. Por acórdão do referido 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de 12 de Fevereiro de 1990, foi decidido julgar extinto o procedimento criminal pelos crimes que o citado réu A... foi acusado e condenado, com excepção de infracção do artigo 1º, alínea b) da Lei nº 8/75 e, face aos perdões já aplicados, declarar extinta a pena imposta pela aludida infracção. Deste acórdão foi interposto recurso pelas assistentes I... e M... para o Supremo Tribunal Militar, que, por acórdão de 24 de Maio de 1990 lhe deu provimento, em parte, revogou o acórdão recorrido e decidiu ainda que:
'a) O procedimento criminal contra [...] A... está findo, correndo o prazo para prescrição das respectivas penas, prazo que, não havendo alteração por interrupção ou início de execução, se completará em [...] 27 de Julho de 1996 , em relação ao[s] réu[s] [...] A...; b) Sobre as penas unitárias impostas [...] para além do perdão de seis (6) meses decretado pelo acórdão de 8 de Julho de 1982 deste Supremo Tribunal incide ainda o perdão de [...] dezoito (18) meses de prisão em relação ao réu A..., nos termos do artigo 13º, nº 1, alínea b) da Lei nº 16/86 citada.' A conclusão da alínea a) foi fundamentada pelo acórdão no artigo 585º do Código de Processo Penal de 1929 segundo o qual 'a prescrição da pena, imposta a um réu condenado à revelia, começará a contar-se desde a data em que foi proferida a sentença condenatória', pelo que o acórdão concluiu que 'quando foi proferido o acórdão de 27 de Junho de 1981, iniciou-se o prazo para a prescrição da pena'.
3. Em 6 de Março de 1998, o juiz auditor do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa proferiu despacho em que entendeu que as penas aplicadas ao abrigo da Lei Constitucional nº 8/75 não podem prescrever e, por isso, determinou que se mantinha o pedido de extradição formulado e a validade dos mandados de captura referentes ao réu A.... O réu recorreu do despacho, alegando estar extinta a sua responsabilidade criminal, por força da prescrição - não interrompida - da pena unitária aplicada, por decurso do prazo legalmente estabelecido. As assistentes contra-alegaram, concluindo que: a) as penas aplicadas ao abrigo da Lei nº 8/75 são imprescritíveis pois só assim será alcançado o objectivo daquela lei excepcional; b) Não tendo havido, no caso vertente, trânsito em julgado do Acórdão que condenou o recorrente, não está fixado o momento a partir do qual deverá ser contada a prescrição da pena aplicada, nos termos do artº
122º, nº 2 do Código Penal; c) no caso sub judice os perdões das penas só serão efectivos após o trânsito em julgado, que não aconteceu, da decisão condenatória, não sendo possível aplicar um perdão a uma pena que não se encontra ainda fixada; d) em consequência, o perdão não extingue, no caso vertente, as penas aplicadas ao recorrente. O promotor de justiça no Supremo Tribunal Militar emitiu parecer em que conclui: a) é de dar provimento ao recurso quanto à pena aplicada ao réu A... não ser imprescritível; b) conforme se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Militar de
24 de Maio de 1990, o procedimento criminal contra o réu A... está findo, tendo esta decisão transitado em julgado, o procedimento criminal terminou quando foi proferida a decisão condenatória, em 27 de Junho de 1981; c) a decisão constante do citado acórdão de 24 de Maio de 1990, em que a pena aplicada ao réu A... prescreveu em 27 de Julho de 1996, é uma decisão condicional de natureza opinativa, pelo que não transitou, não havendo caso julgado; d) o regime mais favorável ao réu A... é o do Código Penal de 1886 pelo que, tendo sido ele condenado em 27 de Julho de 1981, a prescrição da pena só ocorrerá em 27 de Julho de 2001, a não ser que haja, entretanto, início de execução ou interrupção.
4. Por acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, o Supremo Tribunal Militar deu provimento ao recurso, embora por fundamentos diferentes, revogou o despacho recorrido e julgou extintas, por prescrição, as penas global e parcelar aplicadas ao recorrente. Na fundamentação do decidido, disse, nomeadamente, este acórdão :
' Nos termos mesmos do despacho recorrido, a imprescritibilidade das penas aplicadas ao abrigo da Lei nº 8/75, isto é, in casu, a de vinte e dois meses de prisão pela infracção ao artº 1º, alínea b) da citada lei, dispensava o abordar de outras questões. Porém, os perdões já decretados a incidirem somente sobre essa pena, no caso das demais, impostas ao abrigo do Código Penal, terem prescrito, levariam à extinção dela e, consequentemente, à extinção da acção penal contra o recorrente. Daí que haja necessidade de se analisar, em relação a este, se existe causa de extinção, seja do procedimento criminal, seja das várias penas a ele impostas. Relativamente ao procedimento criminal é indiscutível que a sua prescrição não existe no que toca às infracções previstas na Lei nº 8/75, de 25 de Julho ex vi do disposto no artigo 11º da mesma lei que preceitua 'o procedimento criminal pelos factos a que se refere o presente diploma é imprescritível'. Será, porém, igualmente imprescritível o procedimento criminal pelos crimes comuns cometidos pelos autores daquelas infracções e sujeitos a julgamento simultâneo nos tribunais militares? Uniformemente quer este Supremo Tribunal, quer os tribunais militares de instância decidiram sempre pela prescritibilidade do procedimento criminal relativamente a tais crimes. O Mmº Juiz Auditor recorrido vem, todavia, no seu despacho de sustentação, defender a tese contrária, com base em três fundamentos: não ser admissível que possa prescrever o procedimento criminal por crimes mais graves do que os previstos na dita Lei nº 8/75, não poder esta lei reproduzir todas as normas incriminadoras das leis penais gerais e serem tais crimes julgados nos tribunais militares. Estes argumentos não têm consistência. Quanto ao primeiro, ter-se-á que referir a razão de ser da imprescritibilidade dos factos incriminados pela Lei nº 8/75. Esta veio criar, nos seus artigos 1º a 5º, diversas infracções, que anteriormente o não eram, a maior parte das quais praticadas antes da publicação da lei, mais concretamente entre 28 de Maio de 1926 e 25 de Abril de 1974. Ora, se o legislador não tivesse decretado a imprescritibilidade do procedimento criminal relativamente às mesmas infracções, muitas destas poderiam prescrever na mesma altura da sua criação, o que, para além de traduzir uma desigualdade entre os incriminados, frustraria a intenção de alei, que era, como se vê do respectivo preâmbulo, obter uma punição de todos eles. Contudo, relativamente aos crimes comuns, não se impunha a mesma necessidade de declarar imprescritível o respectivo procedimento criminal já que as normas incriminadoras existiam desde há muitas dezenas de anos. Assim, bem se compreende que o legislador tivesse decretado a imprescritibilidade apenas das infracções criadas na altura, independentemente do nível da sua punibilidade. Necessário não era, se o legislador tivesse querido tornar imprescritível também o procedimento criminal pelos crimes comuns, reproduzir na Lei nº 8/75 todas as normas incriminadoras. Bastar-lhe-ia dizer no artigo 11º 'o procedimento criminal pelos factos a que se refere o presente diploma, bem como pelas actividades criminosas referidas no nº 2 do artigo 6º, é imprescritível'. Finalmente, o facto de tais crimes serem julgados nos tribunais militares resulta, por um lado, de se desejar a conexão subjectiva relativamente a todos os réus e, por outro, da circunstância de na altura, vigorar ainda o foro pessoal nos tribunais militares aos quais estavam sujeitos os elementos das extintas P.I.D.E. e D.G.S. (artº 365º, nº 5, alínea e) do Código de Justiça Militar de 1925). Assim, mantém-se a jurisprudência fixada por todos os tribunais militares de ser prescritível o procedimento criminal pelos crimes comuns julgados nos mesmos tribunais de harmonia com o artigo 13º, nº 2 da mencionada Lei nº 8/75 (cfr. quanto a esta questão o acórdão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa de
27/7/81, a fls. 53 vº a 55 vº deste processo). Seja como for, a possibilidade da prescrição do procedimento criminal relativamente aos crimes comuns pelos quais o recorrente foi acusado e condenado foi definitivamente afastada pelo acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Maio de 1990 (fls. 75 e seguintes). Como se relatou, o 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa, por acórdão de 12 de Fevereiro de 1990, julgou extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o recorrente, relativamente aos crimes comuns. Tal aresto, porém, foi revogado, com o voto de vencido do primitivo Relator Conselheiro Manuel Lopes, que votou pela sua confirmação, pelo citado acórdão deste Supremo Tribunal de 24 de Maio de 1990, que decidiu que o procedimento criminal contra o recorrente estava findo, correndo o prazo para prescrição das respectivas penas. No seu despacho de sustentação o Mmº Juiz Auditor recorrido parece levantar dúvidas quanto à validade desse acórdão, imputando-lhe duas nulidades essenciais, as previstas nas alíneas a) (ilegal composição do Tribunal) e d)
(preterição de formalidade determinada na lei sob pena de nulidade), do artigo
458º do Código de Justiça Militar, dado o impedimento do Relator do mesmo aresto. Não tem, porém, razão, por três motivos. Em primeiro lugar, porque tal impedimento não existe, como se decidiu definitivamente em relação ao presente processo pelo acórdão de fls. 154 e seguintes. Em segundo lugar, porque de tal impedimento, mesmo a verificar-se, não resultaria a ilegal composição do Tribunal, só existente nos casos a non judice ou se o Tribunal não tiver a composição fixada na lei – 1 ou 2 juizes relatores
(juizes Conselheiros ou Desembargadores da magistratura judicial) e 4 a 8 oficiais generais das Forças Armadas, no activo ou na reserva, todos devidamente nomeados, empossados e no exercício das suas comissões, mas sim uma mera irregularidade sanada pela não arguição do vício. E quanto à formalidade preterida não se apura qual seria. Finalmente, porque mesmo que nulidade houvesse no aludido aresto, o seu trânsito em julgado a sanaria e dele resultaria, como resultou, um caso julgado que se impõe erga omnes no processo, de acatamento obrigatório para todos e cuja recusa de aplicação constitui denegação de justiça. Sobre este tema, diga-se ainda que se este Supremo Tribunal tivesse sufragado a tese do Exmº Conselheiro Manuel Lopes, teria sido confirmado o acórdão então recorrido e a acção penal quanto ao recorrente já estaria extinta desde então. Seja como for, o caso julgado resulta do dito aresto impõe que este Supremo Tribunal, acatando-o e independentemente do entendimento que agora tenha sobre a questão, considere que o procedimento criminal relativamente ao recorrente está findo, correndo o prazo para a prescrição das penas desde 27 de Julho de 1981. Serão, porém, tais penas imprescritíveis? O despacho recorrido entendeu ser imprescritível a pena pela infracção prevista na Lei nº 8/75, podendo a questão pôr-se em relação a todas as penas impostas. Diga-se, desde já, que se entende que tal imprescritibilidade não existe. Efectivamente, não há qualquer disposição legal que decrete tal imprescritibilidade e necessário era que houvesse para se afastar as normas sobre prescrição constante das várias leis penais. Dar-se ao artº 11º da Lei nº
8/75, como faz o despacho recorrido, a interpretação extensiva de forma a ler-se
'o procedimento criminal e as penas' onde só está escrito 'procedimento criminal' é fazer-se a exegese da lei ao contrário de todos os princípios da hermenêutica jurídica. Como se viu, a imprescritibilidade do procedimento criminal pelas infracções criadas pela Lei nº 8/75 tem a sua razão de ser no evitar da imediata prescrição de algumas delas. Porém, quanto à prescrição das penas, tal fundamento não existe pois o respectivo prazo correria sempre após a condenação, em pleno regime democrático e por largo período de tempo. Quanto ao elemento histórico – o preâmbulo da lei, nele se lê que o legislador quis a punição de todos os responsáveis e elementos da D.G.S. e polícias suas antecessoras. Ora, punição é a aplicação da pena, não a sua execução. Daí justificar-se a criação retroactiva de infracções pelo exercício de determinados cargos, funções ou actividades, mas não a imposição ex vi lege do cumprimento de pena que só os tribunais decretariam, podendo até haver absolvições. No direito comparado, as legislações excepcionais relativas aos crimes de genocídio e outros cometidos em tempo de guerra pelos nazis e seus colaboradores prevêm a imprescritibilidade do procedimento criminal, mas não a das penas. Por outro lado, sendo a Lei nº 8/75 um diploma de carácter excepcional por dispor em contrário de outras normas constitucionais, a sua interpretação extensiva é vedada em prejuízo do réu. No que toca aos crimes comuns, a proibição da prescrição das penas, não havendo, como se viu, imprescritibilidade do procedimento criminal, em sequer podia estar contida no teor do citado artigo 11º. E, além disso, causaria uma intolerável desigualdade com os condenados por tais crimes e cujas penas tivessem prescrito antes de 25 de Julho 1975, mesmo pertencentes à Direcção Geral de Segurança ou polícias suas antecessoras. Também aqui o acatamento do caso julgado formado elo citado acórdão de 24/5/90 que decidiu que estava a correr o prazo de prescrição das penas, afasta a imprescritibilidade destas. Resta apurar qual a data da prescrição da pena global imposta ao recorrente. Deixa-se de lado a questão de se saber se a prescrição deve ocorrer em relação à pena global ou a cada uma das penas parcelares, já que o resultado, como se verá, é o mesmo. Decidiu o acórdão de 24 de Maio de 1990 '... correndo o prazo para a prescrição das respectivas penas, prazo que, não havendo alteração, por interrupção ou início de execução, se completará em... 27 de Julho de 1996, em relação aos réus... A...'. O ilustre Promotor de Justiça sustenta que esta decisão tem natureza opinativa exigindo decisão do 2º Tribunal Militar Territorial de Lisboa. Salvo o devido respeito, o Exmº Promotor olvida que os Tribunais, na parte decisória dos seus arestos, não emitem opiniões, nas decisões que, transitadas em julgado, se impõem erga omnes e têm de ser acatadas, concorde-se ou não com elas. Assim, porque o acórdão deste Supremo tribunal de 24 de Maio de 1990, transitado em julgado, fixa a data de 27 de Julho de 1996 para a prescrição da pena imposta ao recorrente, sendo certo que até então se não verificou facto interruptivo da mesma prescrição ou início do cumprimento da dita pena, tem de se concluir que tal prescrição ocorreu na referida data, com as consequências que a lei impõe.'
5. Acrescenta o mesmo acórdão:
'No final das suas alegações orais, o Exmº Promotor de Justiça, depois acompanhado pelas assistentes veio requerer a declaração de inconstitucionalidade das normas dos artigos 677º e 666º do Código de Processo Civil e 148º do Código de Processo Penal de 1929 e de outras normas aplicáveis, por violação dos artigos 3º, 29º, nº 4, 32º e 203º da Constituição.'
6. É o seguinte o teor do requerimento que o Promotor de Justiça ditou para a acta no final das suas alegações na parte aqui relevante:
'No parecer constante de folhas 168 a 176 dos autos, conclui-se que:
«A decisão constante do acórdão de 24 de Maio de 1990, processo 49/C/9/E/90, em que a pena aplicada ao réu A... prescreve em 27 de Julho de 1996, é uma decisão condicional de natureza opinativa, pelo que não transitou, não havendo assim, salvo melhor opinião que ter em atenção tratar-se de caso julgado».
Caso se entenda que a mencionada opinião, constante do acórdão de 24 de Maio de 1990, transitou em julgado ou que se encontra extinto o poder jurisdicional do juiz, quanto a ex officio alterar aquela opinião, requere-se que sejam declaradas inconstitucionais as normas dos artigos 677º e 666º do Código de Processo Civil, 148º, do CPP de 1929, ou outras que naquela matéria sejam aplicadas, por violação dos artigos 3º, 29º, nº 4, 32º e 203º da Constituição da República, porquanto a interpretação daquelas normas no sentido de que uma opinião condicional e para o futuro (1990 para 1996), deste Supremo Tribunal Militar, ainda que expressada como decisão constitui caso julgado que indiscutivelmente obriga ao seu cumprimento, ou relativamente a ela está extinto o poder jurisdicional do juiz, viola os artigos mencionados da Lei Fundamental, tanto mais que no presente processo, claramente se verifica que a inadequada aplicação da lei, no acórdão de 24 de Maio de 1990, conduz a contra legem que o réu A..., veja o prazo de prescrição da pena diminuído em 5 (cinco) anos'.
7. Sobre este requerimento se pronunciou o acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, nos seguintes termos:
'Reconhece-se que o presente acórdão aplicou implicitamente o disposto nos artigos 666º, nº 1 e 677º do Código de Processo Civil ao considerar, por um lado que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria em causa» e, por outro, que «a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação». Também se admite que foi aplicada a norma que impede a reapreciação da matéria definitivamente decidida por caso julgado. Mas, salvo o devido respeito, não se vê que tais normas violem qualquer preceito constitucional maxime os invocados pelo requerente. De facto, a afirmação de que «uma opinião condicional e para o futuro constitui caso julgado» é a mera expressão da opinião do ilustre requerente. Este Supremo Tribunal considerou que as decisões dos seus acórdãos não são opiniões, mas decretos judiciais. E quanto a ser condicional e para o futuro também não há óbice que impeça, tal como sucede na aplicação da suspensão da pena ou na concessão da liberdade condicional sub conditione, uma decisão com tal conteúdo. E o facto de o requerente entender que o acórdão transitado 'claramente se verifica a inadequada aplicação da lei', tal entendimento, como é evidente, não belisca a força obrigatória no processo do decidido até por se Ter de reconhecer que são os Juizes e não os representantes das partes, que definem e estatuem a adequada aplicação da lei. A discordância do decidido na conclusão de um acórdão transitado em julgado, não autoriza, obviamente, o seu não acatamento. No que toca à inconstitucionalidade invocada, tem-se que o disposto nos artigos
3º (soberania e legalidade) e 203º (independência dos tribunais) nada tem a ver com a questão invocada. Por outro lado, também se não compreende como a definição do caso julgado
(artigo 666º, nº 1 do Código de Processo Civil) ou a constatação do esgotamento do poder jurisdicional do Juiz (artigo 677º do Código de Processo Civil), ou ainda o respeito do caso julgado, podem violar a proibição de penas retroactivas, salvo se mais favoráveis (artigo 29º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa) ou as garantias de defesa do arguido (artigo 32º da Constituição da República Portuguesa). Diga-se até que a procedência da tese do ilustre requerente conduziria à agravação da situação do ora recorrente. O caso julgado é um esteio do processo criminal, com base no princípio da segurança jurídica e da estabilidade das decisões judiciais O seu afastamento violaria, sem dúvida, as garantias de defesa do arguido e a própria segurança da Sociedade. Daí que não se reconheça a existência de qualquer inconstitucionalidade nas normas referentes ao caso julgado aplicado implicitamente por este acórdão'.
8. Do acórdão do Supremo Tribunal Militar de 25 de Fevereiro de 1999 recorreram para o Tribunal Constitucional as assistentes (cfr. supra, nº 1), as quais no requerimento de interposição do recurso, invocaram que no referido acórdão foram aplicados os artigos 677º e 666º do Código do Processo Civil e 148º do Código de Processo Penal, no sentido de que uma opinião condicional e para o futuro do Supremo Tribunal Militar, ainda que expressada como decisão, constitui caso julgado que indiscutivelmente obriga ao seu cumprimento, ou relativamente a ela está extinto o poder jurisdicional. Tal entendimento, segundo as recorrentes, viola directamente os artigos 3º, 29º, nº 4 e 203º da Constituição e os princípios da legalidade da aplicação da lei penal globalmente mais favorável ao acusado e da independência dos tribunais, respectivamente, consagrados.
9. Igualmente recorreu para o Tribunal Constitucional o promotor de justiça, relativamente ao referido acórdão de 25 de Fevereiro de 1999 e ainda ao acórdão do mesmo Tribunal de 25 de Março de 1999 (cfr. supra, nº 1). Quanto ao acórdão de 25 de Fevereiro de 1999 invocou a 'inconstitucionalidade das normas dos artigos 677º e 666º, do Código de Processo Civil e 148º, do Código de Processo Penal de 1929, que no douto acórdão em exame foram aplicadas em entendimento restrito, violando-se os artigos 3º, 29º, nº 4 e 203º, da Constituição, e o princípio da legalidade de aplicação da lei penal', transcrevendo a passagem do requerimento ditado para acta no final das alegações orais acima reproduzida (nº 6). Quanto ao acórdão de 25 de Março de 1999 que decidiu sobre o requerimento de aclaração do anterior acórdão de 25 de Fevereiro, que o mesmo promotor de justiça tinha interposto, invocou a inconstitucionalidade da norma do artigo
460º, do Código de Justiça Militar, por violação do artigo 32º, nº 5 da Constituição, na interpretação que é efectuada no acórdão em exame, e ainda a inconstitucionalidade da norma do artigo 460º, do Código de Justiça Militar, por violação dos artigos 203º e 205º, nº 1, da Constituição, e direito ao recurso previsto no artigo 32º também da Constituição, no entendimento que o dever de fundamentação de direito e de facto é uma garantia integrante do conceito de Estado de direito democrático, constante do artigo 2º, da Constituição.
10. O Supremo Tribunal Militar admitiu quer o recurso interposto pelas assistentes, embora 'com dúvidas (dar o seu acordo à arguição de inconstitucionalidade não é o mesmo que arguir a inconstitucionalidade)', quer os recursos interpostos pelo promotor de justiça, todos com efeito meramente devolutivo (artigo 78º, nº 3 da Lei nº 29/82). O presidente do Tribunal Constitucional, atenta a conjugação do disposto nos artigos 69º e 78º, nº 3 da Lei do Tribunal Constitucional, e no artigo 737ª, nº
2 do Código de Processo Civil, bem como o modo como o recurso do promotor de justiça subiu ao Tribunal Constitucional tal como o interposto da mesma decisão pelas assistentes, determinou a junção dos autos daquele recurso aos deste
último.
11. As assistentes alegaram, tendo dito em conclusão:
'A) A decisão do Acórdão cuja inconstitucionalidade se pretende aferir está ligada ao constante do Acórdão de 24/5/90 do seguinte teor: «...correndo o prazo para a prescrição das respectivas penas, prazo que, não havendo alteração, por interrupção ou início de execução, se completará em ... 27 de Julho de 1996 em relação aos réus ... A...»; B) Tal decisão tem natureza meramente opinativa sendo insusceptível de formar caso julgado; C) A interpretação em contrário feita do artigo 148 do Código de Processo Penal no Acórdão recorrido é, assim, ilegal pois não cabe no citado normativo que não inclui os actos opinativos nos actos susceptíveis de trânsito em julgado; D) Neste sentido «o caso julgado penal é limitado à parte decisória mas poderá estender-se aos motivos quando estes, de per si, constituam questões destinadas a preparar a solução final, mas nunca quando se trate de meras premissas, raciocínios, temas jurídicos ou matéria opinativa, não posta ao tribunal no caso concreto» (Acórdão da Relação de Coimbra, de 25/6/65, Jur. Rel.- 11º, 537); E) Esta interpretação do artigo 148º do Código de Processo Penal e por arrastamento dos artigos 677º e 666º do Código de Processo Civil entra em colisão com os artigos 3º e 203º da Constituição da República Portuguesa; F) Na verdade as normas constitucionais citadas definem alguns princípios essenciais nomeadamente o princípio de que «os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei»; G) Como ensinam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira «II - Sendo independentes, em conjunto, dos demais poderes do Estado, os tribunais são também independentes entre si (pois cada um é órgão de soberania de per si), salvo as relações de hierarquia ou supraordenação dentro de cada ordem ou categoria de tribunais e sem prejuízo da cooperação que todos devem uns aos outros na administração da justiça (cfr. artigo 209º)» (in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª ed. - Vol. - pág. 315); H) Ora o princípio constitucional da independência dos tribunais é ferido quando, como é o caso, meros actos opinativos têm o efeito de decisões com a inerente possibilidade de poderem formar casos julgados; I) Dito de outra forma: o princípio da independência dos tribunais não se compagina com a sua vinculação a actos que não constituam uma decisão de outro tribunal por terem natureza meramente opinativa; J) A tal inconstitucionalidade conduz a interpretação feita do artigo 148 do Código de Processo Penal no Acórdão recorrido ferindo o princípio dos tribunais nos termos resultante dos artigos 3º e 203 da Constituição da República Portuguesa.
12. O Ministério Público alegou apenas quanto às questões de inconstitucionalidade relativas ao acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, tendo terminado com as seguintes conclusões:
'1. A Lei nº 8/75, de 25 de Julho, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs
16/75 e 18/75, foi mantida em vigor pela Constituição em sede de disposições finais e transitórias, ressalvando-a enquanto lei constitucional e não na qualidade de lei ordinária.
2. A Lei nº 8/75 e o artigo 309º da versão originária da Constituição (artigo
298º da 1ª revisão constitucional e 294º das revisões que lhe sucederam) não são inconstitucionais.
3. São constitucionalmente ilegítimas as normas que desrespeitem as leis pré-constitucionais recebidas (recepção material) pela Lei Fundamental, não tendo sido, porém, interposto o pertinente recurso de constitucionalidade do acórdão de 24 de Maio de 1990, que decidiu que o procedimento criminal contra, entre outros, o réu A..., está findo, correndo o prazo para a prescrição das respectivas penas, prazo que, não havendo alteração, por interrupção ou início de execução, se completará em 27 de Julho de 1996.
4. O recurso interposto para este Tribunal dos acórdãos de 25 de Fevereiro de
199 (de que foi pedida aclaração) e de 25 de Março de 1999 não pode proceder, pois as normas dos artigos 677º e 666º do Código de Processo Civil e 148º do Código de Processo Penal de 1929 não violam as normas e os princípios constitucionais invocados. Na verdade, o disposto nos artigos 3º (soberania e legalidade) e 203º (independência dos tribunais) nada tem a ver com a questão suscitada. Por outro lado, não se descortina como os artigos 666º, nº 1 e 677º do Código de Processo Civil e 148º do Código de Processo Penal possam infringir o artigo 29º, nº 4 e o artigo 32º, ambos a Constituição.
13. O recorrido alegou, oferecendo as conclusões seguintes:
'1. Ao estabelecer que «o procedimento criminal contra os réus C... e A... está findo, correndo o prazo para prescrição das respectivas penas, prazo que, não havendo alteração, por interrupção ou início de execução, se completerá em 27 de Julho de 2001 e 27 de Julho de 1996, em relação aos réus C... e A..., respectivamente», o Supremo Tribunal Militar, no seu douto aresto de 24 de Maio de 1990, decidiu quanto ao momento da prescrição de tais penas, não se tratando este de um acto opinativo.
2. Este mesmo Tribunal Superior ao reconhecer, no seu douto Acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, que o seu Acórdão de 24 de Maio de 1990 havia já integralmente transitado em julgado, não poderia deixar de se conformar com o juízo de que a prescrição das penas aplicadas ao ora Recorrido ocorrera já em 27 de Julho de 1996.
3. Não se fez, neste último aresto, interpretação desconforme à Constituição do artigo 148º, do Código de Processo Penal de 1929, porquanto não se reconheceu força de caso julgado a qualquer opinião que dele, de resto, não consta.
4. Não há violação dos preceitos constitucionais invocados pelos Recorrentes - artigos 3º, 29º, nº 4, 32º e 203º todos da Constituição da República Portuguesa
- por referência à interpretação feita das normas aplicadas e no qual se funda o douto acórdão de 25 de Fevereiro de 1999, nomeadamente dos citados artigos 148º do Código de Processo Penal de 1929 e 666º, nº 1 e 677º do Código de Processo Civil.
II
14. Há que manter a decisão de admissibilidade dos recursos, incluindo o das assistentes, proferida pelo Tribunal a quo, apesar das dúvidas por este manifestadas, decidindo estas no mesmo sentido em que ela as resolveu. Faz aqui fé o conteúdo da sentença recorrida, nos termos da qual o promotor de justiça,
'depois acompanhado pelas assistentes, veio requerer a declaração de inconstitucionalidade das normas dos artigos 677º e 666º do Código de Processo Civil e 148º do Código de Processo Penal de 1929, ou outras que nesta matéria sejam aplicadas, por violação dos artigos 3º, 29º, nº 4, 32º e 203º da Constituição'. Tudo se passa, portanto, como se as assistentes tivessem igualmente subscrito o requerimento ditado para a acta pelo promotor de justiça e atrás transcrito (supra, nº 6).
15. O objecto do recurso restringe-se às questões de inconstitucionalidade normativa suscitadas pelas assistentes, uma vez que o Ministério Público não alegou quanto às questões suscitadas pelo seu representante junto do Supremo Tribunal Militar relativamente ao acórdão de 25 de Março de 1999 e conclui pela improcedência do recurso quanto ao acórdão de 25 de Fevereiro de 1999. Com efeito, o objecto do processo pode ser reduzido nas alegações, conforme jurisprudência indisputada do Tribunal (cfr. o Acórdão nº 20/97, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36, pp.197, ss.).
Em relação a cada questão de inconstitucionalidade, há que identificar a norma que foi aplicada na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo.
A decisão do acórdão recorrido, que foi impugnada quanto à inconstitucionalidade da norma nela aplicada, foi a que julgou que a decisão, do acórdão de 24 de Maio de 1990, de que corre o prazo para a prescrição da pena em que é condenado o réu A..., prazo que, não havendo alteração, por interrupção ou início de execução, se completará em 27 de Julho de 1996, transitou em julgado com o trânsito em julgado do mesmo acórdão de 24 de Maio de 1990. Esta decisão, conjuntamente com a verificação de que se não verificou facto interruptivo da mesma prescrição ou início de cumprimento da dita pena, é o fundamento da decisão final do acórdão que julgou extinta, por prescrição, as penas global e parcelares aplicadas ao mesmo réu.
O acórdão recorrido reconheceu ter aplicado implicitamente a norma expressa no artigo 666, nº 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual
'proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa', assim como a definição normativa expressa no artigo
677º do mesmo Código, segundo a qual 'a decisão considera-se passada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário, ou de reclamação'. Também admite que foi aplicada a norma que impede a reapreciação da matéria definitivamente decidida por caso julgado. O acórdão não identifica a fonte ou fontes da norma mas o artigo 148º do Código de Processo Penal de 1929 aplicável ao processo é certamente uma aplicação dessa norma no processo penal, quando dispõe que 'se em um processo penal se decidir, por acórdão, sentença ou despacho com trânsito em julgado, que os factos constantes dos autos não constituem infracção, ou que a acção penal se extinguiu quanto a todos os agentes, não poderá propor-se nova acção penal pelos mesmos factos contra pessoa alguma'.
Por seu lado, as recorrentes afirmam nas alegações que o acórdão recorrido interpretou o artigo 148º do Código de Processo Penal no sentido de que a referida 'decisão' sobre a data em que se completa o prazo para a prescrição da pena é uma decisão do Tribunal nos termos do artigo 148º do Código de Processo Penal de 1929. Como o acórdão recorrido não invoca o artigo 148º, há que interpretar as recorrentes como significando que o acórdão implicitamente aplicou o artigo 148º nessa interpretação. Certo é que o acórdão de 24 de Maio de 1990 decidiu que a acção penal se extinguirá por prescrição em certas datas quanto a todos os agentes na condição de não haver interrupção de prescrição nem início de execução, não decidiu que a acção penal se extinguiu, que é a hipótese do artigo 148º. Ora é precisamente a possibilidade de extensão do artigo 148º à hipótese em que a decisão se refere ao facto futuro da extinção (por prescrição, sob condição da inexistência de facto interruptivo ou início de execução) que é contestada pelas recorrentes como inconstitucional. O artigo 148º, na interpretação arguida de inconstitucionalidade, implicaria então uma norma segundo a qual, se em processo penal se decidiu por acórdão com trânsito em julgado, que a acção penal se extinguirá decorrido o prazo da prescrição fixado no acórdão, não poderá propor-se nova acção penal pelos mesmos factos contra pessoa alguma depois do prazo. Pode aceitar-se que a decisão recorrida implicitamente aplicou esta última norma, mesmo quando não a invocou e se fundamentou antes em outras normas do sistema, que igualmente a implicariam (como seja a norma que impede a reapreciação da matéria definitivamente decidida por caso julgado, invocada no acórdão). Mas então é quanto basta para considerar a questão de inconstitucionalidade do artigo 148º nessa interpretação como correctamente formulada no processo pelas recorrentes. Objecto do recurso são, portanto, os artigos 148º do Código de Processo Penal de
1929, na interpretação que se acaba de referir bem como os artigos 666º, nº 1 e
677º do Código de Processo Civil, na interpretação de que a sentença que fixa o prazo da prescrição é uma sentença ou decisão no sentido dos mesmos artigos. Não há outras normas que se integrem no objecto do recurso, sendo certo, como justamente observa o Ministério Público, que não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade por violação da Lei nº 8/75, de 25 de Julho, e do artigo 309º da versão originária da Constituição (artigo 298º da 1ª revisão constitucional e 294º das revisões que lhe sucederam).
16. Dizem as recorrentes nas alegações que o acórdão do Supremo Tribunal Militar de 24 de Maio de 1990, ao decidir que o prazo de prescrição da pena aplicada ao réu A... se completará em 27 de Julho de 1996, se não houver alteração por interrupção ou início de execução, 'não decidiu, prevê' e que 'é um acto opinativo'. No requerimento de interposição do recurso tinham retomado a afirmação, do requerimento ditado para a acta pelo promotor de justiça, de que é
'uma opinião condicional e para o futuro' do Supremo Tribunal Militar, 'ainda que expressada como decisão'.
Como o Supremo Tribunal Militar no Acórdão de 24 de Maio de 1990 considerou essa referida sua própria decisão como verdadeira decisão judicial que incluiu na parte decisória do mesmo acórdão transitado em julgado, e voltou a considerar no acórdão recorrido de 25 de Fevereiro de 1999 'que as decisões dos seus acórdãos não são opiniões, mas decretos judiciais', a afirmação das recorrentes só pode querer significar que a decisão em causa sendo uma previsão, não pode, por natureza, ser uma decisão judicial, independentemente da intenção do Tribunal que a proferiu.
A valer o argumento das recorrentes, ele valeria genericamente e não apenas para a hipótese dos autos. Se assim fosse, a inclusão das sentenças que fixam prazos de prescrição nos conceitos de 'decisão' e 'sentença' usados nos artigos 148º do Código de Processo Penal 1929 e 666º, nº 1 e 677º do Código de Processo Civil teria o efeito de atribuir a força de caso julgado a actos (meras previsões) de natureza essencialmente diferente. Ora relativamente a tais actos não valeriam as razões da relevância constitucional dos casos julgados, nomeadamente as limitações do poder jurisdicional dos juizes na apreciação dos casos que devem decidir e que derivam da existência de casos julgados anteriores. Tal parece ser o sentido da invocação pelas recorrentes das normas constitucionais relativas à independência e à soberania dos tribunais.
Não tem o Tribunal que entrar na questão conceptual, de carácter filosófico, de saber se algumas sentenças judiciais ou até todas, têm a natureza de previsões, ou se têm a natureza de actos normativos, de determinações de consequências jurídicas, de actos constitutivos de efeitos jurídicos, de comandos ou de normas concretas. Também não cabe ao Tribunal Constitucional julgar se o tribunal recorrido interpretou correctamente as normas jurídicas que aplicou, mas apenas se essas normas jurídicas, na configuração em que foram aplicadas pelo tribunal recorrido, violam a Constituição. Neste processo as questões constitucionais resumem-se a saber se pode o legislador delimitar o
âmbito de certas normas relativas ao caso julgado, de modo a incluir nelas os pronunciamentos dos tribunais que fixam prazos de prescrição de penas. Essas normas são as que constituem o objecto do recurso como atrás se definiu.
Assim sendo, não se vê como as normas dos artigos 148º do Código de Processo Penal de 1929, 666º, nº 1 e 677º do Código de Processo Civil, na interpretação em que foram aplicadas no acórdão recorrido, podem violar os artigos 3º e 203º da Constituição (os únicos invocados pelos recorrentes nas alegações), os quais se referem à soberania nacional e à legalidade democrática
(artigo 3º) e à independência dos tribunais (artigo 203º). A soberania e a independência dos tribunais manifestam-se, nomeadamente, no princípio do respeito pelo caso julgado, que é desenvolvido e aplicado, mas não contrariado, pelas normas em questão.
III
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recursos. Custas pelos recorrentes particulares, fixando-se a taxa de justiça em quinze Ucs. Lisboa, 12 de Julho de 2001 José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Messias Bento Luís Nunes de Almeida