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Processo n.º 921/12
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorridos B. e C., o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso, com os seguintes fundamentos (cfr. Decisão Sumária n.º 443/2013, fls. 520-527):
«7. Não se encontra preenchido, no caso em apreço, o pressuposto relativo à efetiva aplicação, pelo Tribunal recorrido, da norma (ou dimensão normativa) cuja constitucionalidade é questionada.
Convém frisar que o Tribunal Constitucional apenas pode conhecer de normas jurídicas que tenham constituído razão determinante da decisão desfavorável ao recorrente (artigo 79.º-C da LTC). Cabe, portanto, aos recorrentes delinear o objeto do recurso de modo que a norma ou interpretação normativa cuja constitucionalidade pretendem ver apreciada corresponda, integral e fidedignamente, à que foi efetivamente aplicada pela decisão alvo de recurso. Sucede, porém, que, nos presentes autos, a «interpretação dada ao artigo 32º, nº1 do Código de Processo Civil» que a recorrente fixou como objeto do recurso não corresponde, precisamente, à adotada pela decisão recorrida. Com efeito, o preceito legal referido pela recorrente no respetivo requerimento de interposição e melhor concretizado na resposta ao convite para aperfeiçoamento do pedido – isto é, o artigo 32º, nº1 do Código de Processo Civil, que, segundo a recorrente, «determina ser obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário [alínea a)], e que foi interpretada pelas instâncias no sentido de essa regra estar na disponibilidade das partes» – não foi aplicado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido com a interpretação alegada pela recorrente (nem, sublinhe-se, nas decisões do Tribunal de 1ª Instância e do Tribunal da Relação de Guimarães de que coube recurso para aquele Tribunal).
Dispõe o artigo 32.º, n.º 1 do Código do Processo Civil vigente o seguinte:
«Artigo 32.º
Constituição obrigatória de advogado
1 – É obrigatória a constituição de advogado:
a) Nas causas de competência dos tribunais com alçada, em que seja admissível recurso ordinário;
b) Nas causas em que seja sempre admissível recurso, independentemente do valor;
c) Nos recursos e nas causas propostas nos tribunais superiores.
2 – (…)
3 – (…)
4 – (…)
8. Ao proceder à interpretação destas normas o Supremo Tribunal de Justiça não as aplicou no sentido de a constituição de advogado estar na livre disponibilidade das partes ou do juiz. Concluiu algo bastante diferente. Concluiu, por aplicação de norma diversa da ora invocada como objeto do recurso de constitucionalidade – a contida no artigo 39.º, n.º 3, do Código do Processo Civil – que, nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se o réu, depois de notificado da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, o processo segue os seus termos.
9. Tal pode ser ilustrado com a seguinte passagem do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fls. 477 a 497, fls. 488-494):
“(…) sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, a questão essencial que importa dirimir consiste em saber se poderá ser declarada, nestes autos, a nulidade da sentença de adjudicação do imóvel ao ali autor, (ora réu), proferida na acção de divisão de coisa comum, com os fundamentos de nulidade absoluta daquele acto judicial de adjudicação, de interpretação inconstitucional do artigo 32º do Código de Processo Civil e de não acatamento de caso julgado anterior, em virtude da ré nesse processo (ora autora) não estar acompanhada de advogado constituído.
4.
4.1. A 1ª questão a decidir é a de saber se a sentença, produzida nessa acção de divisão de coisa comum, estará, porventura, ferida de nulidade processual absoluta, o mesmo sucedendo com o acto de adjudicação, como defende a recorrente, por preterição de alegada formalidade essencial, prevista no artigo 32º, n.º 1 do Código de Processo Civil, quer quanto á acção, quer quanto ao acto de adjudicação.
A resposta a esta questão pressupõe a interpretação dos artigos 32º e 39º do Código de Processo Civil.
Tratando-se, como se tratava, de uma causa da competência de tribunais com alçada, em que era admissível recurso ordinário, não se questiona que na referida acção de divisão de coisa comum era obrigatória a constituição de advogado (vide artigo 32, n.º 1 CPC).
Como é sabido a lei processual estabelece determinados requisitos, indispensáveis para que o tribunal possa pronunciar-se e decidir sobre o mérito da causa e portanto para que possa alcançar o fim principal imediato do processo.
Trata-se dos “pressupostos processuais”, cuja existência confirma a autonomia do direito adjectivo relativamente ao direito substantivo, chamando a atenção para o aspecto importante de que a aplicação do direito substantivo aos casos ou situações concretas da vida real enfrenta questões prévias de direito processual, inconfundíveis com as questões próprias daquele direito material.
“Os pressupostos processuais são, pois, «questões prévias» que ao juiz importa resolver para poder ajuizar da possibilidade de conhecer de mérito, pelo que têm de ser apreciadas prioritariamente como condição de admissibilidade da apreciação do mérito da causa”.
“Isto é, pelo menos em alguns casos, ainda que ao juiz se lhe afigure possível conhecer do mérito, não o poderá fazer sem que previamente se tenha assegurado que os pressupostos processuais se encontram preenchidos.
Isto é assim, porque, como regra, eles constituem requisitos impostos pelo interesse público da correcta administração da justiça, ou condições do exercício da função jurisdicional, e como tal não podem ser postergados pela vontade das partes.
E são de interesse público porque a sua verificação é uma garantia de uma decisão idónea e útil sobre o mérito, aspecto este essencial para uma justa composição do conflito de interesses privados e portanto essencial também para a prossecução da paz social (fim principal e mediato do processo, de interesses público”.
Consequentemente, a grande maioria dos pressupostos processuais são do conhecimento oficioso do tribunal.
Não deixam, por estas razões, de constituir também matéria de defesa do réu, dado o seu estado de «sujeição» ao processo.
Ora, o patrocínio judiciário constitui, nos casos em que a lei o exige, um pressuposto processual. (…)
Tratando-se de um pressuposto processual, tem de estar verificado no início do processo, pelo que a procuração deve acompanhar a petição inicial, quanto ao autor e a contestação, quanto ao réu, como de facto se verificou.
In casu, por força da procuração outorgada pela ré, a referida advogada passou a representá-la em todos os actos e termos do processo (artigo 36º, nº 1 CPC).
Mostra a experiência que, no decurso do processo, se quebram tantas vezes as relações de confiança entre mandante e mandatário, razão por que permite a lei não só revogação como também a renúncia do mandato, exigindo que as mesmas tenham lugar no processo, devendo ser notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária (artigo 39º, nº 1 CPC).
Em caso de renúncia do advogado constituído ao mandato, os efeitos da renúncia em face do mandante, bem como em face da parte contrária, produzem-se a partir da notificação (artigo 39, n.º 2), sendo certo que, enquanto a notificação à parte tem uma função informativa, a notificação ao mandante tem urna função extintiva do mandato, enquanto acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico da renúncia.
Nos casos em que o patrocínio for obrigatório e o mandatário renunciar, estabelece-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial.
Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia deixa de produzir os seus efeitos. Mas produzirá os seus efeitos se, no termo do prazo, a parte não constituir novo mandatário.
Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância, no caso de faltar advogado ao autor, mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, no caso de faltar advogado ao réu (vide artigo 39º, nº 3 CPC).
Como já havia salientado o acórdão recorrido, a recorrente aborda a questão de não constituição de advogado no processo de acção de divisão de coisa comum, como se de falta absoluta de advogado nos autos se tratasse desde o início.
Mas não foi isso o que se verificou.
Como se viu, a ali ré constituiu mandatária, a qual veio posteriormente renunciar à procuração, tendo a respectiva mandante tido conhecimento desse facto, tomando, então, a decisão própria de se não fazer representar doravante por advogado no processo, depois de ser advertida dos efeitos previstos no n.º 3 do artigo 39º do CPC.
Como os critérios que levam à exigência do patrocínio são, atendendo ao caso que ora interessa, o da admissibilidade de recurso ordinário das decisões, em geral, a proferir na causa, é claro que, deixando a ré de estar representada por advogado, não poderia levantar questões de direito.
Como se disse, não estamos, in casu, perante uma situação de falta absoluta de constituição de advogado, isto é de uma falta de advogado ab initio, mas sim de uma falta de advogado, a partir da renúncia de mandato no decurso do processo, da qual a recorrente teve conhecimento e tomou a decisão própria de, a partir daí, prescindir de advogado, não se fazendo representar no processo.
Os efeitos dessa renúncia e a decisão da parte de não constituir novo advogado não podem deixar de lhe ser imputáveis.
A própria lei processual, tomando em devida consideração a dialéctica de interesses ou de direitos em jogo, permite assim que os autos prossigam sem que a parte seja representada por advogado.
Considerou, e bem, o acórdão recorrido que questão diversa seria a de o processo se iniciar e seguir os seus termos até final sem que a parte tivesse constituído advogado algum, sendo esse patrocínio obrigatório.
Tal falta de pressuposto seria susceptível de traduzir uma violação de princípios como o direito de defesa e a igualdade das partes, bem como os de um processo equitativo e de tutela jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 3º, nº 3 e 3º-A, ambos do CPC e artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Estaríamos, em tal hipótese, perante a falta de um requisito imposto pelo interesse público da correta administração da justiça, ou condição de exercício da função jurisdicional, e como tal não poderia ser postergado pela vontade das partes.
No caso em análise, porém, a parte constituiu advogado, pôde conferenciar com o mesmo, informar-se e inteirar-se dos trâmites do processo, estruturar e preparar a defesa dos seus interesses, não correndo os autos à sua revelia nem à revelia da constituição de um advogado.
Enfim, teve a possibilidade de se pronunciar nos autos sobre questões suscitadas, que não envolvessem apreciações de direito e sempre lhe assistiu a faculdade de constituir novo mandatário, em qualquer momento.
Por isso, tendo a ré sido notificada da decisão de adjudicação do imóvel, como o foi dos demais atos praticados nos autos, (vide artigo 255º, n.º 1 CPC), poderia obter a consulta de um advogado e, querendo reagir contra a mesma, interpor, através do mandatário que viesse a constituir, o competente recurso.
Ao invés, nada tendo feito, parece usar o presente meio processual como forma de repristinação do direito ao recurso que se precludiu.
Assim, tendo a autora prescindido da intervenção de novo mandatário, ao manifestar de forma expressa que decidira representar-se a si própria, a circunstância de os autos prosseguirem sem a constituição de novo advogado, pese embora o despacho judicial proferido de «admitir a intervenção sem mandatário por parte da requerida A., pelo menos até que se mostrem suscitadas questões de direito, isto apesar de reconhecer que a acção era de patrocínio obrigatário», não configura, ao contrário do alegado pela autora, uma nulidade absoluta desse processo que afecte a existência e validade da sentença de adjudicação, por falta de audiência da requerida.”
10. Especificamente quanto à pretensa questão de constitucionalidade colocada pela recorrente, o Tribunal recorrido afastou ainda a alegada interpretação normativa que, segundo a recorrente, desrespeitaria a Constituição. E fê-lo nos seguintes termos (fls. 493-494):
“4.2.
Considera, seguidamente, a recorrente que a interpretação do artigo 32º, n.º 1 do Código de Processo Civil, feita pelo acórdão recorrido, no sentido de que de que aquela norma admite estar na disponibilidade das partes a constituição de mandatário, está ferida de inconstitucionalidade por denegar o acesso ao direito, o acesso ao patrocínio judiciário e excluir a possibilidade de a decisão resultar de um processo equitativo, razão pela qual tal interpretação deve ser rejeitada pelos tribunais.
Não tem razão a recorrente.
Em parte alguma do acórdão recorrido se vislumbra que a norma do n.º 1 do artigo 32º do CPC tivesse sido interpretada, como a recorrente parece ter entendido.
Repetindo o que no ponto 4.1. ficou expresso, conclui-se que, no processo de divisão de coisa comum, não deixou de ser assegurado à ré (ora autora) o acesso ao Direito, o acesso ao patrocínio judiciário (a parte foi representada por advogada até à renúncia de mandato), sendo que a ora recorrente teve conhecimento dessa renúncia, teve a possibilidade de constituir novo advogado, (mas ela própria manifestou a sua decisão de não querer fazer), foi notificada de todos os actos e decisões judiciais, deixando que o seu trânsito se verificasse.
Não se verifica, pois, a alegada inconstitucionalidade.”
11. Em consequência conclui-se que, por não ter sido aplicada a norma (interpretação normativa) invocada como “ratio decidendi” da decisão recorrida, não se pode conhecer do objeto do recurso, em estrito cumprimento do artigo 79.º-C da LTC».
2. Notificada da decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, alegando, quanto à admissibilidade do recurso, o seguinte (cfr. fls. 531-533):
«Nos autos de recurso à margem referenciados em que são recorridos B. e C.,
Vem a recorrente A.,
Não se conformando com a decisão sumária n' 443/2013 proferida pela Exma. Senhora Juíza Conselheira Relatora,
Dela reclamar para a conferência, nos termos e ao abrigo do disposto na norma do artigo 78°-A n.º 3 da Lei n.º 28/82 de 15/11, o que fazem com os seguintes fundamentos:
O recurso interposto pela reclamante fundou-se no disposto nos artigos 9°, alínea b), 20°, nºs 2 e 4 da CRP e 70° n.º 1 alínea b) da LTC.
Tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da Lei do Tribunal Constitucional, como ocorre no presente caso, a jurisprudência constitucional vem entendendo, de modo reiterado e uniforme, que são pressupostos específicos deste tipo de recurso, de verificação cumulativa, os seguintes:
1°) Prévio esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70° n.º 2 da LTC);
2°) Tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa;
3°) Que essa inconstitucionalidade tenha sido previamente suscitada pelo recorrente durante o processo, de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de estar obrigado a dela conhecer (artigo 72° n.º 2 da L TC); e
4°) Que a decisão recorrida tenha aplicado, expressa ou implicitamente, como sua ratio decidendi, ou seja, constituindo um dos seus fundamentos normativos, a norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente.
Ver, neste sentido, entre outros, a decisão sumária n° 335/2013 deste tribunal.
Na decisão sumária reclamada entendeu-se que não se verificou o acima referido 4° pressuposto de admissibilidade do recurso, pelo que não se conheceu o objeto do mesmo.
Na verdade, refere-se na decisão reclamada que o STJ concluiu por aplicação do artigo 39° n° 3 e não do artigo 32° n.º 1, ambos do Código de Processo Civil.
A recorrente não se conforma com o teor desta decisão sumária pelos seguintes motivos:
A norma do artigo 32° n.º 1 do Código de Processo Civil foi, efetivamente, aplicada, pelo menos implicitamente, como ratio decidendi, ou seja, constituindo um dos fundamentos normativos, da decisão recorrida, desde logo porque esta não considerou a falta de constituição de advogado como sendo de qualificar como falta absoluta de um pressuposto que tem como consequência a 'inutilização da sentença' (cfr. Anselmo de Castro, Lic. Proc. Civil, 2° Vol. 1964, página 834) e que não faz sentido invocar uma sentença que tem de ser considerada inutilizada, como obstando, por via do caso julgado, à posterior reapreciação das causas da sua nulidade.
Este recurso de constitucional idade é, pois, admissível».
Termos em que deve a decisão sumária reclamada ser revogada e substituída por outra que julgue o recurso interposto como admissível».
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objecto do recurso, com fundamento na falta de aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi da decisão tomada, da norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela recorrente.
3.1. A reclamante vem agora invocar que não se conforma com o teor da decisão sumária, já que, como decorre do teor da reclamação apresentada, nesta decisão se refere que «o STJ concluiu por aplicação do artigo 39.º, n.º 3 e não do artigo 32.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil», alegando, ao invés, a reclamante que «a norma do artigo 32.º, n.º 1 do Código de Processo Civil foi, efectivamente, aplicada, pelo menos implicitamente, como ratio decidendi, constituindo um dos fundamentos normativos, da decisão recorrida, desde logo porque esta não considerou a falta de constituição de advogado como sendo de qualificar como falta absoluta de um pressuposto que tem como consequência a “inutilização da sentença” (cfr. Anselmo de Castro, Lic. Proc. Civil, 2º Vol. 1964, página 834) e que não faz sentido invocar uma sentença que tem de ser considerada inutilizada, como obstando, por via do caso julgado, à posterior reapreciação das causas da sua nulidade».
Ponderadas as razões agora aduzidas pela reclamante para fundar a sua discordância quanto à decisão reclamada, verifica-se que as mesmas não infirmam as conclusões nela alcançadas.
Recorde-se que, segundo a recorrente, ora reclamante, a interpretação normativa alegadamente inconstitucional aplicada pela decisão recorrida seria a que corresponde à norma extraída do artigo 32.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), que determina ser obrigatória a constituição de advogado nas causas de competência de tribunais com alçada em que seja admissível recurso ordinário [alínea a)], e que «foi interpretada pelas instâncias no sentido de essa regra estar na disponibilidade das partes» (cfr. resposta ao convite para aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, fls. 514).
Importa notar que, conforme resulta da decisão reclamada supra transcrita, o tribunal recorrido nunca aplicou, efetivamente, a interpretação normativa reputada de inconstitucional pela ora reclamante. Diversamente, da ponderação feita pelo tribunal recorrido quanto à aplicação das normas constantes dos artigos 32.º e 39.º do Código do Processo Civil, resulta, por um lado, que a decisão teve por fundamento a norma constante do n.º 3 do artigo 39.º, e que, por outro lado, nunca perfilhou a interpretação suscitada pela recorrente da norma contida no n.º 1 do artigo 32.º do CPC, isto é, que a mesma permitiria que no caso de ser obrigatória a constituição de advogado, a mesma se entendesse derivar da livre disponibilidade das partes.
Tal pode ser ilustrado com as seguintes passagens da decisão recorrida, aliás já transcritas na decisão sumária reclamada e que fundaram as conclusões então exaradas (sublinhados acrescentados):
«A 1ª questão a decidir é a de saber se a sentença, produzida nessa acção de divisão de coisa comum, estará, porventura, ferida de nulidade processual absoluta, o mesmo sucedendo com o acto de adjudicação, como defende a recorrente, por preterição de alegada formalidade essencial, prevista no artigo 32º, n.º 1 do Código de Processo Civil, quer quanto á acção, quer quanto ao acto de adjudicação.
A resposta a esta questão pressupõe a interpretação dos artigos 32º e 39º do Código de Processo Civil.
(…)
Mostra a experiência que, no decurso do processo, se quebram tantas vezes as relações de confiança entre mandante e mandatário, razão por que permite a lei não só revogação como também a renúncia do mandato, exigindo que as mesmas tenham lugar no processo, devendo ser notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária (artigo 39º, nº 1 CPC).
Em caso de renúncia do advogado constituído ao mandato, os efeitos da renúncia em face do mandante, bem como em face da parte contrária, produzem-se a partir da notificação (artigo 39, n.º 2), sendo certo que, enquanto a notificação à parte tem uma função informativa, a notificação ao mandante tem urna função extintiva do mandato, enquanto acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico da renúncia.
Nos casos em que o patrocínio for obrigatório e o mandatário renunciar, estabelece-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial.
Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia deixa de produzir os seus efeitos. Mas produzirá os seus efeitos se, no termo do prazo, a parte não constituir novo mandatário.
Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância, no caso de faltar advogado ao autor, mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, no caso de faltar advogado ao réu (vide artigo 39º, nº 3 CPC).
Como já havia salientado o acórdão recorrido, a recorrente aborda a questão de não constituição de advogado no processo de acção de divisão de coisa comum, como se de falta absoluta de advogado nos autos se tratasse desde o início.
Mas não foi isso o que se verificou.
Como se viu, a ali ré constituiu mandatária, a qual veio posteriormente renunciar à procuração, tendo a respectiva mandante tido conhecimento desse facto, tomando, então, a decisão própria de se não fazer representar doravante por advogado no processo, depois de ser advertida dos efeitos previstos no n.º 3 do artigo 39º do CPC.
(…)
Considera, seguidamente, a recorrente que a interpretação do artigo 32º, n.º 1 do Código de Processo Civil, feita pelo acórdão recorrido, no sentido de que de que aquela norma admite estar na disponibilidade das partes a constituição de mandatário, está ferida de inconstitucionalidade por denegar o acesso ao direito, o acesso ao patrocínio judiciário e excluir a possibilidade de a decisão resultar de um processo equitativo, razão pela qual tal interpretação deve ser rejeitada pelos tribunais.
Não tem razão a recorrente.
Em parte alguma do acórdão recorrido se vislumbra que a norma do n.º 1 do artigo 32º do CPC tivesse sido interpretada, como a recorrente parece ter entendido.
(…)».
Ora, com base nestes elementos, a Decisão Sumária n.º 443/2013 concluiu que a alegada interpretação normativa do 32.º, n.º 1º do Código do Processo Civil - cuja inconstitucionalidade é suscitada - não constituiu a base jurídica da decisão judicial recorrida, termos em que não se conheceu do objeto do recurso de inconstitucionalidade interposto.
Reiterando tão só a presente reclamação que a dimensão normativa alegadamente retirada daquele preceito constituiu, ao menos implicitamente, o fundamento normativo da decisão recorrida, o que não se verifica, resta concluir que não subsistem quaisquer fundamentos que justifiquem a alteração da decisão sumária reclamada.
3.2. Em consequência, e sem necessidade de mais desenvolvimentos, conclui-se pela improcedência da presente reclamação.
III. Decisão
4. Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, nos termos dos artigos 7.º e 9.º n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 20 de novembro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral.