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Processo n.º 208/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(...)
A., Recorrente e ora Reclamante, melhor identificado nos autos à margem referenciados, notificado da Decisão Sumária n.º 188/2013, nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 78°-A, da Lei 28/82, de 15/11 (doravante LOTC), VEM RECLAMAR DESSA Decisão
DIRIGINDO A PRESENTE RECLAMACÃO PARA A CONFERÊNCIA DESSE VENERANDO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz com os fundamentos seguintes:
A - O ora Reclamante não se conforma com a Douta Decisão Sumária n.º 188/2013 que lhe foi agora notificada.
B - O mesmo entende ter dado cumprimento ao disposto na LOTC, pelo que transcreve, integralmente, a sua Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, para que o mesmo possa ser analisado e sejam retiradas as devidas ilações do aí reclamado e de como foi dado cumprimento ao disposto na referida Lei, pelo que de seguida vai transcrito que:
“1º - O Reclamante não se conformou com o Despacho de Arquivamento da sua Queixa-Crime que apresentou contra os Arguidos B. e C., pelo que decidiu requerer a Abertura de Instrução, conforme consta de fls... dos presentes autos.
2º - Efetuadas as diligências de recolha de prova, concretamente, as inquirições das Testemunhas, os interrogatórios dos Arguidos e as declarações do Assistente, todas recolhidas em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal de Loures, conforme consta de fls.. dos presentes autos, onde se encontram as Atas que têm plasmados os referidos atos instrutórios.
3º - Na sequência do referido, foi realizado Debate Instrutório, tendo o Tribunal de Instrução proferido Despacho de Não Pronúncia quanto aos Arguidos B. e C., agentes da PSP, conforme consta de fls... dos presentes autos.
4º - O ora Reclamante, porque não se conformou com o Despacho de Não Pronúncia que fora proferido, após ter requerido a duplicação da prova recolhida na Fase de Instrução, conforme consta de fls.. dos autos, bem como após ter procedido à audição e apreciação da mesma,
5º - Veio interpor Recurso contra a Decisão proferida de Não Pronúncia, versando o Recurso sobre Matéria de Facto e sobre Matéria de Direito, tal como consta de fls... dos presentes autos.
6º - O Tribunal de Instrução proferiu Despacho de Não Admissão do Recurso interposto pelo ora Reclamante, por entender que o mesmo é extemporâneo, fundamentando que o disposto no n.º 4, do artigo 411 º do CPP (Código de Processo Penal) não se aplica ao Recurso sobre a Matéria de Facto que incida sobre o Despacho de Não Pronúncia, conforme consta de fls... dos presentes autos.
7° - Ora, o que o Reclamante, com o seu Recurso, pretendia era que fosse reapreciada a prova gravada, por entender, tal como alegou, que os factos que foram declarados durante a realização dos atos instrutórios, os quais foram apreciados pelo Tribunal de que se recorre, levariam, forçosamente, à prolacção de um Despacho diferente do que foi proferido, concretamente, de um Despacho de Pronúncia contra os Arguidos B. e C..
8° - O Reclamante, no Recurso que interpôs, contra o Despacho de Não Pronúncia, deu cumprimento ao disposto no n.º 3, do artigo 412º do CPP, assim como pretende a reapreciação da prova gravada, pelo que deverá entender-se que o n.º 4, do artigo 411º do CPP deve ser aplicado à interposição do Recurso do ora Reclamante, devendo ser proferido Despacho que admita o mesmo.
9º - Concorre para este entendimento, o facto de no disposto no n.º 4, do artigo 411º, do CPP, não ter sido feita nenhuma referência, pelo Legislador, em relação à limitação da aplicação desse normativo legal apenas à prova oralmente produzida em sede de Audiência de Julgamento e considerada em Sentença, como o Tribunal de que se recorre fundamentou no seu Despacho de Não Admissão do Recurso.
10º - Na opinião do Reclamante encontra-se demonstrado que foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3, do artigo 412º do CPP, bem como que o nº 4, do artigo 411º, do mesmo diploma legal, tem também aplicação no caso concreto, porque se trata de prova recolhida e gravada, a qual permite ao Tribunal de Recurso apreciar e decidir, com base nessa reapreciação da prova gravada, da bondade do Recurso.
11º - A extensão do prazo de interposição do Recurso, prevista nesse n.º 4, do artigo 411º do CPP visa permitir ao Recorrente analisar e apreciar a prova gravada e elaborar e alegar de Facto sobre essa prova gravada, o que, invariavelmente, tem a mesma necessidade de dispêndio de tempo nessa apreciação, seja num Recurso sobre um Despacho de Não Pronúncia ou numa Sentença, pelo que, o Recorrente não pode ser penalizado, pelo facto de a decisão que é objeto do seu Recurso não ser uma Sentença, nem aprova gravada não ter sido recolhida em Audiência de Julgamento
12° - Mais se refere, em acrescento ao já supra referido que, se a intenção do Legislador tivesse sido a de que as interposição de Recurso sobre Despacho de Não Pronúncia apenas se regessem norma do nº 1, do artigo 411º do CPP, tê-lo-ia dito, ou referindo no nº 4, do mesmo artigo que a previsão constante do mesmo se aplicava apenas às Sentenças, ou teria feito referência conclusiva de que este Recurso ora em apreço apenas teria 20 dias para ser interposto.
13° - Mais se adianta que, o Legislador se pretendesse dar a especificidade que o Despacho de Não Admissão do Recurso pretende impor à interposição do Recurso do Despacho de Não Pronúncia, concretamente, através do afastamento da aplicação do disposto nesse n.º 4, do artigo 411º do CPP, teria, certamente, legislado essa especificidade, por exemplo no Instituto da Instrução, como fez em relação às matérias constantes do artigo 310º do CPP.
14º - No entanto, não o fez
15º - O que o Legislador pretendia era que, em todos os Recursos que versassem sobre Decisões, onde tivesse havido prova gravada, em que o Recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada, pelo facto de tal reapreciação implicar um aumento do ónus de alegar, deveria esse Recorrente ter uma extensão do prazo de interposição quanto ao Recurso pretendido, extensão essa que como é evidente, deve também ser aplicada ao Recurso que incida sobre um Despacho de Não Pronúncia, desde que este verse sobre Matéria de Facto e implique a reapreciação da prova gravada, como no caso concreto.
16º - Se o cenário hipotético de aplicar, ao presente caso e no que respeita ao prazo de Interposição de Recurso, apenas o disposto no nº 1, do artigo 411º do CPP, no que não se concede, na modesta opinião do Reclamante, estariam a ser violados os princípios constitucionais previstos no n.º 1, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), pois estar-se-ia a impossibilitar o Recorrente de beneficiar do prazo de interposição do Recurso previsto no n.º 4, do artigo 411º do CPP, apenas pelo facto de a Decisão recorrida não ter sido uma Sentença, ainda que a Sentença e o Despacho de Não Pronúncia ponham termo ao Processo Judicial onde forem proferidas, pois é manifesto que o Despacho de Não Pronúncia põem termo ao andamento do Processo na parte que respeita aos Arguidos B. e C., sendo certo que o Recorrente teve que despender, como já se disse supra, idêntico tempo para ouvir a prova gravada e elaborar o seu Recurso, tivesse sido ele interposto contra uma Sentença, ou como no presente caso, uma vez que nas duas hipóteses o Recurso versaria sobre a reapreciação da prova gravada.
17º - Mais se refere que também o princípio constitucional previsto no n.º 5, do artigo 32º da CRP, na modesta opinião do Reclamante, se mostra violado, caso a Decisão de Não Admissão do Recurso Interposto seja mantida, uma vez que o exercício do contraditório, quanto ao Despacho de Não Pronúncia fica impedido, apenas por uma interpretação que se mostra extensiva da Lei Processual Penal, pois pretende-se produzir efeitos jurídicos que não estão previstos no âmbito desta Lei Processual Penal
Pelo exposto, deverá V. Ex.ª Ilustre Desembargador Presidente desse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, analisando e ponderando toda a matéria da RECLAMAÇÃO supra alegada, que foi produzida contra a manutenção do Despacho de Não Admissão da Interposição do Recurso do Recorrente A., uma vez que, na modesta opinião do Reclamante, foi o mesmo proferido contra o disposto no n.º 4, do artigo 411º do CPP e contra o espírito do Legislador que, manifestamente não tinha qualquer intenção de limitar a aplicação do prazo de interposição de Recurso, previsto nesse nº 4 do artigo 411º apenas às Sentenças, pois se o pretendesse teria legislado isso mesmo, pelo que as disposições referentes aos Recursos, onde esse nº 4 do artigo 411º do CPP se inclui deve ser aplicada a todos os Recurso em que, no mesmo, seja objeto a reapreciação da prova produzida e gravada, pelo que deverá V. Exª revogar o Despacho de que se RECLAMA e, seja o mesmo substituído por outro que ADMITA o RECURSO que foi interposto pelo ora Reclamante, fazendo assim JUSTIÇA”.
C – Ora da leitura e análise da Reclamação supra transcrita é patente, porque alegado nessa Reclamação ao Despacho de Não Admissão do Recurso interposto do Despacho de Não Pronúncia, que a interpretação dada ao nº 4, do artigo 411º do CPP, pelo Tribunal aquando da prolacção desse Despacho de Não Admissão do Recurso, no sentido de que o prazo de 10 dias aí estipulado não se aplica ao Recurso interposto do Despacho de Não Pronúncia, está ferida de Inconstitucionalidade, porque violadora dos n.º 1 e nº 5, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
D – Mais se refere que, nesse mesmo Despacho de Não Admissão do Recurso interposto se fundamentou que o Recurso era extemporâneo, atenta a disposição legal prevista no n.º 1, do artigo 411º do CPP, ou seja, é manifesto que o n.º 4, desse mesmo artigo 411º não foi aplicado devido à interpretação do Tribunal de Instrução em como o mesmo não se aplica a mais casos, para além das Sentenças.
E – Assim sendo, o ora Reclamante continua a entender e a pugnar pela verificação da inconstitucional do n.º 4, do artigo 411º do CPP, quando interpretado nos termos em que o fez o Tribunal de Instrução, levando o mesmo, no momento da análise do caso concreto, da interpretação da Lei e da subsunção dos Factos ao Direito, consequente e erradamente, a aplicar o nº 1, desse mesmo artigo 411º do CPP ao caso concreto, pelo que a norma que constava no n.º 4, do artigo 411º do CPP (entretanto revogada pelo artigo 3º da Lei n.º 20/2013, de 20/02), quando interpretada no sentido de que não deveria ser aplicada aos Recursos de Decisões Instrutórias de Não Pronúncia, onde se pedia a Reapreciação da Prova Gravada, é manifestamente inconstitucional, porque violadora do disposto nos n.º 1 e n.º 5, do artigo 32º da CRP.
F – Esta convicção do ora Reclamante, é reforçada pelas recentes alterações à Legislação Processual Penal, nomeadamente, com a revogação desse mesmo n.º 4, do artigo 411º, pelo disposto no artigo 3º da Lei n.º 20/2013, de 20/02, o que só demonstra que o Legislador, em nenhum momento, quer na data da interposição do Recurso, quer na presente data. quis que as interposições de Recursos sobre Despachos de Não Pronúncia, com Reapreciação de Prova Gravada, tivessem um regime de prazos diferente do aplicado às Sentenças. em igual situação de Reapreciação de Prova Gravada, pelo que, inclusive, a revogação do n.º 4 e a alteração do n.º 1, do artigo 411º, por força da Lei n.º 20/2013, de 20/02, atento ainda à pendência do presente Processo Crime n.º 496/10.2PBLRS, que determina, numa interpretação a contrario do disposto n.º 2, do artigo 4º dessa mesma Lei n.º 20/2013, que as alterações e revogações previstas nessa mesma Lei devem ser aplicadas aos processos pendentes.
Assim sendo, deverão V.as Ex.as, Venerandos Juízes Conselheiros, decidir pela inconstitucionalidade da norma constante do n.º 4, do artigo 411º do CPP, quando interpretada no sentido em que a mesma não se aplica aos Recursos de Reapreciação da Prova Gravada, quando interpostos de Despacho de Não Pronúncia, uma vez que tal interpretação é violadora do disposto nos n.º 1 e n.º 5, do artigo 32º da CRP, pois tal interpretação impunha, consequentemente, a aplicação da anterior redação do n.º 1, do mesmo artigo 411º do CPP.
Mais se refere e requer que, o espírito da Lei, no disposto no n.º 4, do artigo 411º do CPP, ia no sentido de que o prazo de 10 dias aí previsto também se aplicava aos Recursos de Reapreciação da Prova Gravada, quando interpostos de Despacho de Não Pronúncia, pois se assim não fosse, a revogação desse mesmo n.º 4, do artigo 411º do CPP não teria sido legislada no artigo 3º da Lei n.º 20/2013, de 20/02, já em vigor, alterações e revogações essas que se aplicam a todos os processos pendentes, salvo no disposto no n.º 2, do artigo 4º dessa mesma Lei n.º 20/2013, que não tem relevo no presente caso.
Nos termos do supra exposto, deverão V.as Ex.as revogar a Decisão Sumária n.º 188/2013 e proferir uma outra que admita o presente Recurso e conceda prazo para deduzir Alegações e Conclusões, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA.
(...)»
3. O Ministério Público, no seu parecer, pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II: Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferida em 12 de fevereiro de 2013, que indeferiu a reclamação incidente sobre o despacho de fls. 111. Invoca o recorrente, no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, a “inconstitucionalidade material do n.º 4, do artigo 411º do Código de Processo Penal, no caso em que esse dispositivo legal é interpretado e aplicado no sentido em que deve ser rejeitado, por extemporaneidade, o Recurso da Decisão Instrutória de Não Pronúncia, interposto dentro do prazo da extensão prevista nesse normativo legal, ainda que o Recurso verse sobre Matéria de Facto, concretamente, sobre a Reapreciação da Prova recolhida nas Diligências Instrutórias efetuadas e, corretamente, gravada em suporte informático, por se entender que essa extensão de 10 dias, prevista nesse n.º 4, do artigo 411º do CPP, apenas é aplicável aos Recursos a interpor de Sentenças ou Acórdãos Finais, incorrendo assim em violação do disposto nos n.ºs 1 e 5, do artigo 32.º.”
2. Assim, não se conformando com a decisão instrutória de não pronúncia proferida em 24 de setembro de 2012, interpôs dela o recorrente recurso, nos termos do disposto nos artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, alínea i) e 408.º, todos do Código de Processo Penal (CPP). O tribunal recorrido – o Tribunal Judicial da Comarca de Loures – não admitiu o recurso (fls. 111), com fundamento em extemporaneidade, nos termos do n.º 1 do artigo 411.º, do CPP. Na reclamação apresentada, o recorrente contestou o acerto de tal despacho, louvando-se para o efeito nos seguintes argumentos:
«(...)
1º - O Reclamante não se conformou com o Despacho de Arquivamento da sua Queixa-Crime que apresentou contra os Arguidos B. e C., pelo que decidiu requerer a Abertura de Instrução, conforme consta de fls... dos presentes autos.
2º - Efetuadas as diligências de recolha de prova, concretamente, as inquirições das Testemunhas, os interrogatórios dos Arguidos e as declarações do Assistente, todas recolhidas em sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática do Tribunal de Loures, conforme consta de fls...dos presentes autos, onde se encontram as Atas que têm plasmados os referidos atos instrutórios.
3º - Na sequência do referido, foi realizado Debate Instrutório, tendo o Tribunal de Instrução proferido Despacho de Não Pronúncia quanto aos Arguidos B. e C., agentes da PSP, conforme consta de fls...dos presentes autos.
4º - O ora Reclamante, porque não se conformou com o Despacho de Não Pronúncia que fora proferido, após ter requerido a duplicação da prova recolhida na Fase de Instrução, conforme consta de fls... dos autos, bem como após ter procedido à audição e apreciação da mesma.
5º - Veio interpor Recurso contra a Decisão proferida de Não Pronúncia, versando o Recurso sobre Matéria de Facto e sobre Matéria de Direito, tal como consta de fls...dos presentes autos.
6º - O Tribunal de Instrução proferiu Despacho de Não Admissão do Recurso interposto pelo ora Reclamante, por entender que o mesmo é extemporâneo, fundamentando que o disposto no n.º 4, do artigo 411º do CPP não se aplica ao Recurso sobre a Matéria de Facto que incidia sobre o Despacho de Não pronúncia, conforme consta de fls...dos presentes autos.
7º - Ora, o que o Reclamante, com o seu Recurso, pretendia era que fosse reapreciada a prova gravada, por entender, tal como alegou, que os factos que foram declarados durante a realização dos atos instrutórios, os quais foram apreciados pelo Tribunal de que se recorre, levariam, forçosamente, à prolacção de um Despacho diferente do que foi proferido, concretamente, de um Despacho de Pronúncia contra os Arguidos B. e C..
8º - O Reclamante, no Recurso que interpôs, contra o Despacho de Não Pronúncia, deu cumprimento ao disposto no n.º 3, do artigo 412º do CPP, assim como pretende a a reapreciação da prova gravada, pelo que deverá entender-se que o n.º 4 do artigo 411º do CPP deve ser aplicado à interposição do Recurso do ora Reclamante, devendo ser proferido Despacho que admita o mesmo.
9º - Concorre para este entendimento, o facto de no disposto no n.º 4, do artigo 411º, do CPP, não ter sido feita nenhuma referência, pelo Legislador, em relação à limitação da aplicação desse normativo legal apenas à prova oralmente produzida em sede de Audiência de Julgamento e considerada em Sentença, como o Tribunal de que se recorre fundamentou no seu Despacho de Não Admissão do Recurso.
10º - Na opinião do Reclamante encontra-se demonstrado que foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3, do artigo 412º do CPP, bem como que o n.º 4, do artigo 411º, do mesmo diploma legal, tem também aplicação no caso concreto, porque se trata de prova recolhida e gravada, a qual permite ao Tribunal de Recurso apreciar e decidir, com base nessa reapreciação da prova gravada, da bondade do Recurso.
11º - A extensão do prazo de interposição do Recurso, prevista nesse n.º 4, do artigo 411º do CPP visa permitir ao Recorrente analisar e apreciar a prova gravada e elaborar e alegar de Facto sobre essa prova gravada, o que, invariavelmente, tem a mesma necessidade de dispêndio de tempo nessa apreciação, seja num Recurso sobre um Despacho de Não Pronúncia ou uma Sentença, pelo que, o Recorrente não pode ser penalizado, pelo facto de a decisão que é objeto do seu Recurso não ser uma Sentença, nem a prova gravada não ter sido recolhida em Audiência de Julgamento.
12º - Mais se refere, em acrescento ao já supra referido que, se a intenção do Legislador tivesse sido a de que as interposição de Recurso sobre Despacho de Não Pronúncia apenas se regessem pela norma do n.º 1, do artigo 411º do CPP, tê-lo-ia dito, ou referindo no n.º 4, do mesmo artigo que a previsão constante do mesmo se aplicava apenas às Sentenças, ou teria feito referência conclusiva de que este Recurso ora em apreço apenas teria 20 dias para ser interposto.
13º - Mais se adianta que, o Legislador se pretendesse dar a especificidade que o Despacho de Não Pronúncia do Recurso pretende impor à interposição do Recurso do Despacho de Não Pronúncia, concretamente, através do afastamento da aplicação do disposto nesse n.º 4, do artigo 411º do CPP, teria, certamente, legislado essa especificidade, por exemplo no Instituto da Instrução, como fez em relação às matérias constantes do artigo 310º do CPP.
14º - No entanto, não o fez,
15º - O que o Legislador pretendia era que, em todos os Recursos que versassem sobre Decisões, onde tivesse havido prova gravada, em que o Recorrente pretenda a reapreciação da prova gravada, pelo facto de tal reapreciação implicar um aumento do ónus de alegar, deveria esse Recorrente ter uma extensão do prazo de interposição quanto ao Recurso pretendido, extensão essa que como é evidente, deve também ser aplicada ao Recurso que incida sobre um Despacho de Não Pronúncia, desde que este verse sobre Matéria de Facto e implique a reapreciação da prova gravada, como no caso concreto.
16º - Se o cenário hipotético de aplicar, ao presente caso e no que respeita ao prazo de interposição de recurso, apenas o disposto no n.º 1, do artigo 411º, do CPP, no que não se concede, na modesta opinião do Reclamante, estariam a ser violados os princípios constitucionais previstos no n.º 1, do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), pois estar-se-ia a impossibilitar o Recorrente de beneficiar do prazo de interposição do Recurso previsto no n.º 4, do artigo 411º do CPP, apenas pelo facto de a Decisão recorrida não ter sido uma Sentença, ainda que a Sentença e o Despacho de Não Pronúncia ponham termo ao Processo Judicial onde forem proferidas, pois é manifesto que o Despacho de Não Pronúncia põem termo ao andamento do Processo na parte que respeita aos Arguidos B. e C., sendo certo que o Recorrente teve que despender, como já se disse supra, idêntico tempo para ouvir a prova gravada e elaborar o seu Recurso, tivesse sido ele interposto contra uma Sentença, ou como no presente caso, uma vez que nas duas hipóteses o Recurso versaria sobre a reapreciação da proba gravada.
17º - Mais se refere que também o princípio constitucional previsto no n.º 5, do artigo 32º da CRP, na modesta opinião do Reclamante, se mostra violado, caso a Decisão de Não Admissão do Recurso Interposto seja mantida, uma vez que a o exercício do contraditório, quanto ao Despacho de Não Pronúncia fica impedido, apenas por uma interpretação que se mostra extensiva da Lei Processual Penal, pois pretende-se produzir efeitos jurídicos que não estão previstos no âmbito desta Lei Processual Penal.
O Tribunal da Relação de Lisboa indeferiu a reclamação apresentada, motivando o recurso de constitucionalidade que agora se aprecia.
1. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
2. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Não é isso que sucede in casu, dado que o recorrente não suscitou tempestivamente, leia-se, durante o processo, uma qualquer questão de constitucionalidade normativa. Recorde-se, com efeito, que não tendo consagração entre nós as figuras do recurso de amparo ou da queixa constitucional, o controlo exercido pelo Tribunal Constitucional há de incidir – tão-só – sobre normas jurídicas. Daí a exigência de que o recorrente confronte o tribunal recorrido com uma questão de constitucionalidade dotada de conteúdo normativo, o que pressupõe o levantamento de uma situação de desconformidade entre certos preceitos de direito infraconstitucional, por um lado, e certas normas e princípios constitucionalmente reconhecidos, por outro.
Ora, no caso vertente, o recorrente limita-se a assacar a violação do parâmetro de controlo diretamente ao ato de aplicação do direito, circunstância patente nas alegações 16.º e 17.º da reclamação apresentada. Noutros termos, o recorrente não esclarece cabalmente de onde resulta a questão de inconstitucionalidade invocada, se de uma certa interpretação do n.º 4 do artigo 411.º, do CPP, se da aplicação ao caso do n.º 1 do artigo 411.º, do mesmo Código, ambiguidade que impede o apuramento do caráter normativo da questão suscitada nos autos.
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, no facto de o recorrente (ora reclamante) não ter suscitado tempestivamente uma questão de constitucionalidade normativa.
Como se verifica a partir dos autos, a questão de constitucionalidade fixada no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional não foi suscitada, na reclamação do despacho que não admitiu o recurso interposto pelo recorrente (fls. 2), em termos de poder constituir uma questão de constitucionalidade normativa. Com efeito, atentas as alegações 16.ª e 17.ª daquela reclamação, não resulta evidente o caráter normativo da questão de constitucionalidade invocada, visto que o recorrente não identifica cabalmente a dimensão ou segmento normativo cuja constitucionalidade efetivamente contesta. Tal circunstância, talqualmente sublinhado pela jurisprudência constante deste Tribunal, deve obstar ao conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto (cfr. os Acórdãos n.ºs 199/88 e 178/95, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 28 de maio de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.