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Proc. nº 665/01 Acórdão nº 479/01 Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:
1. Em autos de apresentação de candidaturas para a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais a realizar no ano de 2001, J..., mandatário para o Concelho de Tondela do Partido Popular, CDS-PP, fez dar entrada, no dia
23 de Outubro de 2001, pelas doze horas, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, a um requerimento em que, “invocando justo impedimento”, requereu “o recebimento das Listas de Candidatura aos órgãos autárquicos do Concelho de Tondela para as próximas eleições autárquicas de Dezembro do corrente ano”
(requerimento de fls. 2 e 3).
Alegou que:
– “por motivo inesperado e de força maior não pôde o mandatário dar entrada na Secretaria Judicial desse Tribunal das diversas candidaturas aos
órgãos autárquicos” do mesmo Concelho, pois que, “o requerente, cerca de 15 minutos antes do encerramento do tribunal, teve fortes tonturas e vómitos, que não lhe permitiram deslocar-se”;
– “a má disposição sentida pelo requerente foi motivo impediente e não previsível para a entrega das listas no tribunal, obrigando o mesmo a solicitar a terceiros que o substituíssem na sua obrigação de depósito no tribunal das candidaturas – o que configura a situação típica de justo impedimento, nos termos do artigo 146º do C.P.C.”;
– “por esse preciso facto, só foi possível fazer a entrega das listas de candidatura na Secretaria Judicial, e por interposta pessoa, cerca de
5 minutos depois do seu encerramento”;
– “a Secretaria Judicial, invocando o fecho dos serviços, não recebeu as respectivas candidaturas”.
Para prova dos factos invocados, ofereceu duas testemunhas, requerendo a designação de dia e hora para a sua inquirição.
O Juiz da Comarca de Tondela, por despacho proferido no mesmo dia 23 de Outubro, invocando o disposto nos artigos 20º, nº 1, 229º, nº 3, e 231º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais
(aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto), e, bem assim, jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional, indeferiu liminarmente o requerimento e, em consequência, não admitiu “o solicitado recebimento das candidaturas do identificado Partido Político às próximas eleições para os
órgãos autárquicos deste concelho” (despacho de fls. 4 a 6 vº dos presentes autos).
2. Notificado deste despacho, o mandatário do Partido Popular, CDS-PP, dele veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, em 25 de Outubro, invocando o disposto no artigo 31º, nº 1, Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais.
Concluiu a alegação produzida do seguinte modo:
“A) É o presente recurso interposto da decisão do Tribunal «a quo» que não admitiu a reclamação apresentada pelo ora Recorrente da rejeição da sua lista; B) O ora Recorrente alegou os motivos pelos quais a lista em causa apenas foi entregue cerca de 5 minutos após o encerramento da secretaria judicial, arrolando duas testemunhas para prova dos mesmos. C) O Tribunal «a quo» não ouviu as testemunhas arroladas pelo ora Recorrente para prova dos factos alegados, o que se traduz numa clara violação do artigo
20º da Constituição da República Portuguesa (CRP). D) Acresce que, como se reconhece na própria decisão recorrida, «... o requerente alega ter recorrido ao auxílio de terceiros para realização da dita entrega, que apenas veio a ocorrer cerca de 5 minutos após o encerramento da Secretaria Judicial...», conforme Doc. 2 [...]. E) Ora, ao suscitar a questão do encerramento da Secretaria Judicial (leia-se da porta de entrada da Secretaria Judicial), o Tribunal «a quo» deveria ter ordenado a realização de diligências probatórias para determinar se a porta de entrada do Palácio da Justiça de Tondela esteve aberta até às 18:00, F) Tanto mais que quer o mandatário, quer a pessoa que em seu nome procurou entregar as listas, tinham nesse mesmo dia, quer pessoalmente, quer por via telefónica, informado o Tribunal de que a mesma iria ser apresentada. G) Se o tivesse feito, ouvindo, por exemplo, as testemunhas arroladas pelas partes, o Tribunal «a quo» teria chegado à conclusão de que a porta de entrada do Palácio da Justiça de Tondela fechou alguns minutos antes das 18:00, H) Até porque este edifício é utilizado por outros serviços públicos que têm um horário de encerramento que habitualmente coincide com o do Tribunal, pelo que é hábito a sua porta ser encerrada antes das 18:00. I) Se o tivesse feito, o Tribunal «a quo» teria chegado à conclusão que o representante do ora Recorrente esteve, antes das 18:00, a tentar aceder ao interior do edifício do Tribunal, só o tendo conseguido cerca de 5 minutos depois daquela hora; J) Se o tivesse feito, teria ouvido o mandatário do Partido Socialista afirmar que o dito representante estava, de facto, antes das 18:00, a tentar entrar no Palácio da Justiça de Tondela, mas que esta encontrava-se fechada, conforme Doc.
3 [...]; K) Finalmente, se o tivesse feito, o Tribunal «a quo» teria concluído que se a porta de entrada no Palácio da Justiça não tivesse sido fechada antes das 18:00, o representante do ora Recorrente teria conseguido chegar antes dessa mesma hora, à porta de entrada da Secretaria Judicial, L) conseguindo, assim, dar entrada da lista em causa dentro do prazo legal. M) O Tribunal «a quo», que suscitou a questão do encerramento da porta da secretaria judicial, não teve em conta na decisão de que ora se recorre nenhum dos factos descritos nos artigos 6º a 13º deste articulado, N) sendo certo que se a questão foi suscitada pelo Tribunal «a quo», este Tribunal tem, salvo melhor opinião, o dever de analisar os factos que lhe estão subjacentes na apreciação da presente petição de recurso. O) Nos termos do artigo 20º nº 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP), a todos é assegurado o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, mediante, designadamente, um processo equitativo (nº 4 do artigo 20º). P) Pelo exposto, a decisão do Meritíssimo Juiz violou assim claramente esse princípio constitucional. Q) Por outro lado, foi também violado o artigo 51º nº 1 da CRP, na medida em que devido ao facto de a porta de entrada no Palácio da Justiça de Tondela ter sido fechada antes das 18:00, por responsabilidade do próprio Tribunal «a quo», impossibilitou que os cidadãos concorrentes às eleições pelo ora recorrente pudessem candidatar-se e ser eleitos a um mandato autárquico. Nestes termos e nos demais de Direito, deve a decisão recorrida ser revogada, ordenando-se, em consequência, a admissão da lista apresentada pelo Partido Popular, CDS-PP às eleições autárquicas no concelho de Tondela, pois só assim se fará justiça.”
Juntou seis documentos: cópia do requerimento inicial apresentado pelo mandatário do Partido Popular, CDS-PP, perante o Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, no dia 23 de Outubro de 2001 (doc. nº 1, cópia do requerimento de fls. 2 e 3); cópia do despacho do Juiz da Comarca de Tondela, proferido no mesmo dia 23 de Outubro (doc. nº 2, cópia do despacho de fls. 4 a 6 vº); quatro declarações, em que os declarantes afirmam que, no dia 22 de Outubro de 2001, às 17h 50m, o mandatário para o Concelho de Tondela do Partido Popular, CDS-PP, J..., foi vítima de uma “indisposição, vómitos e tonturas” (docs. nºs 4 e 5), que, no mesmo dia, às 17h 59m, a porta do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela se encontrava encerrada (docs. nºs 4 e 5) e que, no mesmo dia, a porta exterior do Palácio da Justiça de Tondela se encontrava encerrada antes das 18 horas (docs. nºs 3 e 6).
O Juiz da Comarca de Tondela, por despacho proferido no mesmo dia 25 de Outubro (fls. 29), “considerando a extrema gravidade das afirmações proferidas no requerimento de recurso [...] e nos documentos que o acompanham, que colocam em causa o funcionamento da Secretaria Judicial deste Tribunal”, ordenou ao Secretário de Justiça que prestasse determinadas informações, designadamente sobre o modo e o momento em que se processou o encerramento das portas do tribunal no dia 22 de Outubro de 2001 e sobre a existência ou não de despacho ou decisão a não admitir as listas de candidatos do Partido Popular, CDS-PP.
Prestadas essas informações pelo Secretário de Justiça (fls. 30), o recurso foi admitido em 26 de Outubro, por despacho de fls. 31 a 34 vº.
Lê-se no texto desse despacho, para o que aqui mais directamente releva:
“[...] o subscritor do presente despacho não proferiu qualquer decisão de admissão ou rejeição de quaisquer listas de candidatos do «Partido Popular, CDS-PP», para além da decisão de fls. 4 a 6 destes autos. E essa decisão, como se pode facilmente observar pelo seu conteúdo e pelo teor do requerimento que apreciou, junto a fls. 2 e 3, não se pronunciou sobre qualquer reclamação contra outra decisão deste Tribunal. Nem tal poderia ter sucedido, dado que essa decisão ora invocada pelo recorrente pura e simplesmente não existe!
[...]
[...] a decisão ora impugnada, proferida a fls. 4 a 6 destes autos, limitou-se a apreciar um requerimento avulso em que se alega tão-somente a existência de justo impedimento na prática extemporânea do acto de entrega das listas de candidatos do «Partido Popular, CDS-PP». Nesse requerimento, subscrito pelo ora recorrente, admite-se e afirma-se de forma expressa e inequívoca que o dito acto de entrega foi praticado (ou melhor, tentado) para além do termo do prazo legal de entrega das listas de candidatos – cfr. ponto 4 do requerimento de fls. 2/3. Aliás, só assim se compreende a invocação expressa do instituto do justo impedimento, destinado exactamente à admissão da prática de acto processual fora do prazo – art. 145º, nº 4, do Código de Processo Civil.
[...] essa questão [a questão do encerramento da porta da secretaria judicial] não foi então suscitada, tendo o Tribunal considerado assente o facto do encerramento atempado (logo não prematuro) da Secretaria Judicial – cfr. ponto II-1) da decisão de fls. 4 a 6. E assim foi até pelo facto de o próprio recorrente, no seu requerimento inicial de fls. 2 e 3, não ter, por qualquer modo, questionado a hora de encerramento da Secretaria Judicial – admitindo, ao invés, e nas suas próprias palavras, ter tentado (por intermédio de representante) praticar o acto de entrega das listas de candidatos fora de prazo.
[...] No que respeita ao próprio requerimento de recurso de fls. 12 e ss., importa referir que, na nossa modesta perspectiva, o mesmo se não reconduz ao recurso configurado nos arts. 31º e ss. da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14-08. De facto, essa via de recurso, legalmente tipificada, destina-se à impugnação
«das decisões finais relativas à apresentação de candidaturas» – art. 31º, n.º 1
–, sendo certo que a decisão ora impugnada, proferida a fls. 4 a 6 destes autos, limitou-se a apreciar um requerimento avulso em que se alega tão-somente a existência de justo impedimento na prática extemporânea do acto de entrega das listas de candidatos do «Partido Popular, CDS-PP». Porém, como a decisão ora posta em crise tem como efeito indirecto a não admissão das listas de candidatos do «Partido Popular, CDS-PP» (pois o indeferimento do requerimento de fls. 2/3 determina que não se ordene, como solicitado, o recebimento das listas de candidatos), e por forma a que não seja este Tribunal recorrido a negar ao recorrente o direito de recurso de que se arroga, decide-se:
1. admitir o recurso interposto pelo «Partido Popular, CDS-PP» a fls. 12 e ss. destes autos, para o Tribunal Constitucional;
[...].”
Cumpre agora apreciar e decidir
3. Nos termos do artigo 20º, nº 1, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais (aprovada pela Lei Orgânica nº
1/2001, de 14 de Agosto), “as listas de candidatos são apresentadas perante o juiz do tribunal da comarca competente em matéria cível com jurisdição na sede do município respectivo até ao 55º dia anterior à data do acto eleitoral”.
Considerando que as eleições autárquicas a que o presente recurso se reporta foram marcadas para o próximo dia 16 de Dezembro (Decreto nº 33/2001, de
12 de Setembro), decorre da disposição antes transcrita que o último dia do prazo para a apresentação de candidaturas correspondia ao passado dia 22 de Outubro.
Ora, como resulta dos autos, relativamente aos órgãos autárquicos do Concelho de Tondela, nesse dia 22, até à hora de encerramento da Secretaria do Tribunal Judicial da respectiva Comarca (18 horas – a hora fixada no artigo
229º, nº 3, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais), não tinham sido apresentadas listas de candidatos do Partido Popular, CDS-PP.
Só no dia imediato, pelas doze horas, o mandatário do Partido para o Concelho de Tondela, J..., apresentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, um requerimento em que, “invocando justo impedimento”, requereu “o recebimento das Listas de Candidatura aos órgãos autárquicos do Concelho de Tondela para as próximas eleições autárquicas de Dezembro do corrente ano”
(requerimento de fls. 2 e 3).
O Juiz da Comarca de Tondela, reconhecendo afinal que o prazo fixado no mencionado artigo 20º, nº 1, da Lei que regula a eleição dos titulares dos
órgãos das autarquias locais é um prazo peremptório, e invocando o regime constante do artigo 231º da mesma Lei, indeferiu liminarmente o requerimento e, em consequência, não admitiu o recebimento das listas de candidatos do Partido Popular, CDS-PP.
É deste despacho que vem interposto o presente recurso.
4. Independentemente da questão de saber se no caso dos autos deveria ter sido deduzida pelo recorrente a reclamação a que se refere o artigo 29º, nº
1, da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, ou, dito por outras palavras, independentemente da questão de saber se o despacho aqui em apreciação se configura como uma “decisão final relativa à apresentação de candidaturas”, no sentido do artigo 31º, nº 1, da mesma Lei, para efeitos de admissão de recurso para o Tribunal Constitucional – questão aliás suscitada pelo juiz a quo –, certo é que a pretensão do recorrente não pode proceder.
Na verdade, tendo o recorrente requerido o recebimento, fora de prazo, das listas de candidatura do Partido Popular, CDS-PP, aos órgãos autárquicos do Concelho de Tondela, com a invocação de “justo impedimento”, a verdade é que a lei expressamente afasta neste tipo de processos o regime constante dos nºs 4 e 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil sobre “justo impedimento”.
Com efeito, determina o artigo 231º da Lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais:
“(Direito subsidiário) Em tudo o que não estiver regulado na presente lei, aplica-se aos actos que impliquem intervenção de qualquer tribunal o disposto no Código de Processo Civil quanto ao processo declarativo, com excepção dos nºs 4 e 5 do artigo
145º”.
E justifica-se que assim seja nos processos do contencioso eleitoral.
Aliás, a disposição actual reproduz o artigo 149º-A do Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro, aditado pela Lei nº 14-B/85, de 10 de Julho.
Como o Tribunal Constitucional afirmou no acórdão nº 585/89 (Diário da República, II Série, nº 72, de 27 de Março de 1990, p. 3061, citado no despacho recorrido):
“Trata-se de actos urgentes, cuja decisão não admite quaisquer delongas, uma vez que o seu protelamento implicaria, com toda a probabilidade, a perturbação do processamento dos actos eleitorais, todos estes sujeitos a prazos improrrogáveis”.
Foi este o entendimento do Juiz da Comarca de Tondela, que, no despacho recorrido, sem necessidade de obter a prova dos factos invocados pelo requerente e eventualmente susceptíveis de integrar o conceito de “justo impedimento”, indeferiu o pedido de apresentação, fora de prazo, das listas de candidatura do Partido Popular, com fundamento na norma que, neste tipo de processos, afasta o regime do Código de Processo Civil sobre “justo impedimento”.
5. No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente invoca novos factos e pretende suscitar uma outra questão, relacionada com o eventual encerramento da porta do Palácio da Justiça de Tondela em momento anterior ao fixado na lei.
A questão agora suscitada pelo recorrente é uma questão nova, que não foi apreciada pelo tribunal a quo no despacho recorrido. Por isso, e desde logo, poderia defender-se ser tal questão insusceptível de apreciação pelo Tribunal Constitucional no âmbito do presente recurso.
De todo o modo, ao sustentar o despacho recorrido, disse o Juiz da Comarca de Tondela que, no exercício das suas funções “como Juiz de Direito titular do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela, sorteado para a recepção e processamento das candidaturas apresentadas às eleições autárquicas neste concelho”, “no dia 22 de Outubro de 2001, [...] esteve pessoalmente presente, na Secretaria Judicial deste Tribunal, pelas 18 horas, constatando presencialmente a veracidade das afirmações do Sr. Secretário de Justiça, acima descritas e constantes de fls. 30 destes autos”. E acrescentou que, nessa qualidade, “não tem, nem nunca teve, qualquer dúvida acerca do facto de no dia
22 de Outubro de 2001, pelas 18 horas, quer a porta da Secretaria Judicial, quer a porta do edifício do Tribunal, estarem abertas, tendo sido encerradas após a dita hora, como refere pormenorizadamente o Sr. Secretário de Justiça”.
Tanto basta para demonstrar a inconsistência da argumentação expendida pelo recorrente no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
6. Tendo em conta o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso.
Lisboa, 6 de Novembro de 2001 Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa