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Processo n.º 919/12
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A., B. e C., Ld.ª e recorridos D. e E., foi interposto o presente recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 25 de outubro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 62/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«1. Constitui requisito do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional a aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Requisito que não se pode dar por verificado nos presentes autos.
Os recorrentes requerem a apreciação da constitucionalidade de norma que reportam ao artigo 510.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, sendo certo que a decisão recorrida não aplicou qualquer norma por referência a este preceito legal, que incide sobre o despacho saneador. Com efeito, o acórdão recorrido decidiu sobre a admissibilidade do recurso de agravo em 2.ª instância, aplicando as normas pertinentes.
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta, nesta parte, ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).
2. Os recorrentes pretendem também a apreciação da «norma do art.º 700.º, n.º 1, al. e) do CPC que permite, na redação vigente até 31.12.07, julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objeto».
De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Requisito que não se pode dar por verificado.
Quando requereram que sobre a matéria do despacho do relator recaísse um acórdão – e só esta peça processual interessa, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC – os recorrentes não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade reportada àquele preceito legal. Tal obsta, também nesta parte, ao conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vêm agora os recorrentes reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, mediante requerimento onde se lê, entre o mais, o seguinte:
«4. Ora, a magna questão que os recorrentes suscitaram ao longo dos autos nas Instâncias esteve sempre referenciada à inaplicabilidade no caso “sub judice” da norma do art.º 510º, n.º 1, al. b) do CPC.
Efetivamente, esta questão fulcral foi persistentemente repisada em todas as peças processuais após a desadequada e inoportuna prolação do despacho saneador que conheceu parcialmente do método da causa, quando ainda era incipiente a prova fornecida nos autos, porquanto havia que questionar e realizar o julgamento da matéria de facto, nomeadamente com prova testemunhal não podendo naquele momento inoportuno decidir-se logo do mérito da ação, tanto assim que o julgamento veio dar plena razão aos recorrentes.
5. Arriscamo-nos até em considerar que se trata de uma questão de conhecimento oficioso e prioritária, face à relevância substancial de que se reveste para a boa decisão da causa.
E, sendo já difícil aceitar a decisão do STJ de não tomar conhecimento do objeto do recurso, então à luz do direito substancial surge como inesperado e incompreensível uma segunda decisão de não conhecimento do objeto do recurso por parte do Venerando Tribunal Constitucional, uma vez que a problemática da ilegal/inconstitucional aplicabilidade da norma do ART.º 510.º, n.º 1, al. b) do CPC no caso vertente, perspasse todas as peças processuais, após a prolação do DESPACHO SANEADOR de 13.2.08, corrigido em 19.2.08, a Fls. 1.410/1.425.
Por sua vez, a SENTENÇA proferida pelo TJ BARREIRO, em 9.10.12, de Fls – que foi junta ao recurso interposto em 31.10.92, a Fls. 2.898/2.937, para o Venerando Tribunal Constitucional veio confirmar, de forma perentória quão ilegal/inconstitucional foi a aplicação, neste caso concreto, da norma do ART.º 510º, n.º 1, al. b) do CPC, quer pela 1.ª Instância, quer pelas 2.ª e 3.ª Instância.
6. E mesmo que não se queira admitir que o STJ tenha confirmado, pelo menos, implicitamente a aplicabilidade dessa norma, a verdade inequívoca é que no Venerando tribunal da Relação de Lisboa no ACÓRDÃO de 6.3.12, de Fls –, designadamente na apreciação “maxime” dos 5.º e 6.º AGRAVOS, fez-se um SILÊNCIO ENSURDECEDOR quanto à referida norma do ART.º 510.º do CPC a ponto de inexplicavelmente se afirmar e ajuizar que “não resultava dos autos qualquer irregularidade, juridicamente relevante, na forma como foi conduzida a audiência preliminar, não tendo sido postergados quaisquer direitos processuais das partes (!!!)
(5.º AGRAVO).
Surgiu nova insistência no 6.º AGRAVO “Não existem irregularidades a apontar à audiência preliminar que foi realizada” em 13 de fevereiro de 2.008 (!!!).
7. Enfim, é tudo um faz de conta, na medida em que foi preterida a audiência participativa obrigatória de harmonia com as normas dos arts. 73.º, n.º 1, 508º, 508º-A e 510º do Cód. Proc. Civil e a lei e a Constituição devem ser cumpridas.
Na verdade, os Tribunais estão sujeitos à lei (art.º 203º da Lei Fundamental) e nos feitos submetidos a julgamento não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art.º 204.º da CRP).
8. Acresce que as conclusões formuladas nos mencionados AGRAVOS são bem elucidativas relativamente ao disparate absurdo/desatino e a sem-razão de uma aparência ou simulacro da audiência preliminar de 13.2.08, das 14H00 às 17H00, no Tribunal territorialmente incompetente da MOITA !!!, em vez do tribunal territorialmente competente do BARREIRO, em que os recorrentes foram colocados à porta fechada da sala de audiências!!
(…)
10. De facto, é inequívoco que o presente processo cível não podia ser julgado pelo Tribunal da MOITA e sem a precedência de uma audiência de julgamento pública e equitativa, como só veio a suceder com a DOUTA SENTENÇA do TJ BARREIRO proferida, em 9.10.12 pela Exma. SRA. Dra. Juíza FILIPA RODRIGUES.
A efetividade da audiência, com processo justo e leal, não podia, no caso vertente, ser dispensada, estando afastada a possibilidade de se proferirem decisões com base apenas no processo escrito, que continha prova ainda muito incipiente, face à natureza do processo e às complexas questões a resolver e ao circunstancialismo processual muito intrincado e polifacetado.
11. A plena observância do princípio do contraditório impunha nesta situação em que tinha de haver lugar à produção de prova a realização de uma audiência de discussão e julgamento.
“In casu” era absolutamente necessário que a decisão final do processo fosse precedida de uma sessão no TJ BARREIRO, em que, perante este, e com a intervenção das partes fossem realmente discutidas as questões a decidir, após a produção de prova documental e testemunhal.
12. Por isso, a opção do Juiz, em sede de audiência preliminar, no Saneador, neste caso concreto, mostra-se ostensiva e decididamente incompatível com as exigências de um cabal contraditório, porque acaba por postergá-lo por inteiro e não consente uma sua efetivação minimamente aceitável, motivo porque o sentido interpretativo que foi dado às normas dos arts. 508º-A, n.º 1, al. d) e 510.º, n.º 1, al. b) e n.º 3, ambos do CPC, é, nestas circunstâncias, inconstitucionais sendo legítimo censurar, como repetidamente tem sido feito pelos recorrentes, o questionado Despacho Saneador de 13.2.08 de um ponto de vista constitucional com as consequências próprias dessa censura e, daí, que não forma caso legal, nem caso constitucional e nem ainda caso julgado.
13. Efetivamente, a norma de que se serviu o Juiz para prescindir da realização da audiência final para julgar determinadas exceções no despacho saneador de 13.2.08 prejudicou decisivamente a realização do contraditório entre as partes, porquanto tal matéria não podia ainda ser apreciada com base apenas no PROCESSO ESCRITO, antes era estritamente indispensável a abertura, quanto a elas, de uma discussão oral: o seu debate nos articulados não permitia, por isso a realização do contraditório, no seu sentido mais estrito, não ficando esse princípio minimamente salvaguardado (art.º 10.º da DUDH; e art.º 6.º, n.º 1 da CEDH).
14. Mas, felizmente, que a situação factual e jurídica foi bem ajuizada na SENTENÇA FINAL prolatada, em 9.10.12, a Fls –, pelo TJ BARREIRO que respondeu adequada e corretamente a toda a matéria da base Instrutória, sem qualquer espécie de omissão e aplicou acertadamente o douto
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA ASSENTO DO STJ DE 29.11.89 BMJ 391º, 101., nos termos do art.º 17.º, n.º 2 do DL 329-A/95, de 12 de dezembro, como se fosse ACÓRDÃO proferido de harmonia com os arts. 732º-A e 732.º-B do CPC.
III. A PRAXIS RESTRITIVA INUTILIZADORA DO REGIME RECURSIVO CONSTITUCIONAL
15. Por meio de decisões sumárias e sob a invocação de pretextos e pressupostos desrazoáveis e incolores, de mera ordem formal limitativa, o Venerando Tribunal Constitucional deixa de conhecer a questão de fundo e, nessa medida, bloqueia o regime dos direitos, liberdades e garantias (art.º 18.º, n.os 1 e 2 da CRP), e, em consequência, inutiliza o sistema de fiscalização concreta da legalidade/constitucionalidade (art.º 280.º da CRP e art.º 72.º, n.º 2 da LTC)
Aguarda-se pelo recurso de AMPARO.
FACE AO EXPOSTO, deve ser revogada a DECISÃO SINGULAR em crise e substituída por outra que decida admitir o recurso e conhecer do objeto do mesmo».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas D., concluindo pela manutenção da decisão sumária.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Os reclamantes requereram a apreciação de norma que reportaram ao artigo 510.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil. Segundo a decisão sumária reclamada não pode tomar-se conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da aplicação pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, de norma reportada a tal preceito legal.
De toda a argumentação dos reclamantes é pertinente somente a referência que é feita à aplicação implícita, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, da norma cuja apreciação pretendiam. Sem razão. Na decisão recorrida foram aplicadas, como razão de decidir, normas atinentes à admissibilidade do recurso de agravo em 2.ª instância, tendo sido confirmado despacho do relator no sentido de «não tomar conhecimento do objeto do recurso, por este ser inadmissível, julgando-o findo – arts 700.º, nº1, al. e), 700.º, nº3, 726.º e 762.º, nº1, do C.P.C.», na redação anterior a 2007, (cf. fl. 2831 e ss.).
2. Os reclamantes requereram também a apreciação da constitucionalidade da «norma do art.º 700.º, n.º 1, al. e) do CPC que permite, na redação vigente até 31.12.07, julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objeto».
Também nesta parte foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Admitindo que a reclamação também abrange esta parte da decisão sumária, o que é facto é que os reclamantes nada aduzem, de forma expressa, para contrariar o decidido. E o que é facto é que, quando requereram que sobre a matéria do despacho do relator recaísse um acórdão, não suscitaram qualquer questão de inconstitucionalidade relativa àquele artigo do Código de Processo Civil, o que obsta ao conhecimento do objeto do recurso, face ao disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC (cf. fl. 2736 e ss.).
Em suma, há que confirmar a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.