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Processo n.º 244/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(...)
1. Importa desde já salientar, que no presente recurso estão em causa direitos fundamentais de qualquer cidadão, mormente o direito à liberdade de cidadãos condenados em penas de prisão elevadíssimas.
2. Ora, por decisão sumaria n.º 114/2013 proferida a fls., e da qual ora se reclama, entendeu o Exmo. Sr. Relator dever rejeitar o recurso interposto pelo arguido.
3. Ora, não pode o ora Reclamante concordar com tal decisão porquanto tal decisão colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1 da Constituição de República Portuguesa, da aplicação de lei penal mais favorável, previsto no artigo 29.º, n.º 4 da C.R.P., da mínima restrição dos direitos liberdades e garantias, previsto no artigo 18.º, n.º 2 e 3 da C.R.P., e com os direitos de defesa do arguido em processo penal, in casu, o recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da C.R.P., este ultimo visto em conjugação com o principio de lei penal mais favorável, da proibição da retroatividade desfavorável e imposição da retroatividade favorável, e com o principio da igualdade.
4. As normas em discussão no presente caso - artigo 400.º e artigo 432.º - relativas ao recurso, são as vulgarmente designadas pela doutrina normas processuais materiais, que se caracterizam por serem normas que “condicionam a efetivação da responsabilidade ou contendem diretamente com direitos do arguido ou do recluso”.
5. E porque o são ensina TAIPA DE CARVALHO que “à sucessão das leis penais materiais sejam aplicados os princípios da irretroatividade de lei favorável e da retroatividade da lei favorável, pois, deste direito repressivo e da consequente proibição da retroatividade das suas normas desfavoráveis só se excluem as normas processuais penais que se referem aos “atos de pura técnica processual”, valendo aqui, e só aqui o principio da aplicação imediata - tempus regist actum-, respeitando-se os atos praticados e “não podendo ser postos em questão, na sequencia de uma lei nova, quer esta seja ou não favorável à pessoa perseguida.”
6. A aplicação dos artigos citados, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto. Impõe-se ainda para total cumprimento do princípio da igualdade, entre nós, consagrado no artigo 13.º, n.º 1 da C.R.P.
7. Dispondo o referido preceito constitucional que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, sendo que o acórdão uniformizador acima referido, vem, salvo melhor opinião, colidir com este princípio.
8. A lei processual, no que concerne aos recursos, com a nova redação do artigo 400.º, n.º 1 alínea f), que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto, traduz um agravamento sensível (...) da situação processual do arguido, nomeadamente mediante uma limitação do seu direito de defesa face à anterior redação que lhe permita o recurso ao STJ, que “será ainda evitável” mediante a aplicação daquelas normas na redação que lhes era dada anteriormente à alteração ao processo penal.
9. Assim, se temos que o texto da lei comporta apenas um sentido sempre terá de ser esse o sentido da norma.
10. Pelos motivos acima explanados, ao não se admitir o recurso em causa foram violados os artigos 13.º, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 20 de fevereiro de 2013, apresentando para o efeito requerimento com o seguinte teor:
«(...)
1. O arguido foi condenado no 2.º Juízo de Competência Criminal do Tribunal Judicial da Maia pela prática em coautoria, de 1 crime de furto simples p. e p. pelo art. 203º, nº 1 do C. Penal: a pena de 4 meses de prisão; em autoria material, e em concurso real de 25 crimes de furto simples, p. e p. pelos arts. 203º, nº 1 do C. Penal: na pena de 4 meses de prisão por cada um deles; em coautoria material, e em concurso real, de três crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelos arts. 256.º, nº1, al. e) e n.º 3, por referência ao artigo 255.º, al. a), do Código Penal na pena de 9 meses de prisão por cada um deles; em autoria material, e em concurso real, de 20 crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelos arts. 256.º, nº 1, al. e) e n.º 3, por referência ao artigo 255.º, al. a), do Código Penal na pena de 9 meses de prisão por cada um deles; em autoria material, de 1 crime de descaminho ou destruição de objetos colocados sob o poder publico, p. e p. pelo art. 355.º, do Código Penal na pena de 1 ano de prisão.
2. Foi o arguido condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (meses) de prisão.
3. Inconformado interpôs recurso para o Digníssimo Tribunal da Relação do Porto por entender que houve erro por parte do Tribunal a quo na apreciação da prova produzida em julgamento, pois, no mínimo subsistiam dúvidas razoáveis quanto à prática dos factos pelo arguido.
4. Até o princípio in dubio pro reo foi violado uma vez que em caso de dúvida o coletivo optou por condenar o arguido.
5. Por outro lado, atentas as suas condições pessoais, o seu percurso de vida o seu desejo em se ressocializar, deveria ter-lhe sido aplicada uma pena mais leve, mais próxima do seu mínimo legal, o que satisfaria os fins de prevenção geral e especial, mostrando-se violados os artigos 70.º e 71.º do Código Penal e o artigo 32.º da CRP.
6.Assim não entendeu o Digno Tribunal da Relação do Porto que negou provimento ao recurso.
7. Dessa decisão interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo o mesmo sido indeferido nos termos dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal.
8. Ora, no caso em apreço estamos efetivamente perante uma situação de uma confirmação pelo Tribunal da Relação do Porto de uma decisão da primeira instância, cuja pena aplicada é inferior a 8 anos.
9. De acordo com os supra indicados artigos não é permitido o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nesta situação.
10. Todavia, de acordo com o C. P. Penal anterior tal situação era possível.
11. Estamos, assim, em presença de um problema de aplicação da Lei no tempo.
12... “Num caso de sucessão de leis penais, havendo normas mais favoráveis num e noutro dos regimes, há que comparar as consequências concretas que da aplicação de uma e outra lei resultam e aplicar de maneira completa aquela cujos resultados sejam menos gravosos para o arguido.”
13. Assim analisando ambos os regimes penais, facilmente concluímos que o anterior é mais favorável ao arguido.
14. Como refere Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, I, 2001, página 281, “...para se determinar se uma Lei é mais favorável ao arguido do que outra, avaliam-se as consequências no seu conjunto e no caso concreto.” (ponderação concreta)
15. Pertinentemente, Américo Taipa de Carvalho, in sucessão de Leis Penais, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1997, pág. 191, salienta que não é necessário proceder a uma avaliação concreta, quando é evidente, numa simples consideração abstrata, que uma das Leis é claramente mais favorável que a outra.
16. O que se verificou no caso em apreço.
17. Discutida na doutrina é a questão de saber se a ponderação deve ser unitária ou diferenciada.
18. Ponderação unitária significa que é a Lei na sua totalidade, na globalidade das suas disposições, que deve ser aplicada; a ponderação diferenciada, considerada a complexidade de cada uma das Leis e a relativa autonomia de cada uma das disposições, defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições de cada Lei, podendo, portanto, acabar por se aplicar ao caso sub judice, disposições de ambas as leis (vide Taipa de Carvalho, ob. Cit., pág. 192, 193).
19. A doutrina maioritária entende que se deverá optar pela ponderação unitária, pois, caso contrario, o julgador estaria a criar novos regimes, e a não aplicar o mais favorável de entre os vigentes desde a prática do ilícito até à decisão, violando, desse modo, o princípio da separação de poderes.
20. O Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 03/11/2005, publicado em DR Série I-A, de 19/12/2005 (Ac. n.º 11/2005) decidiu que “sucedendo-se no tempo leis sobre o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, não poderão combinar-se, na escolha do regime concretamente mais favorável, os dispositivos mais favoráveis de cada uma das leis concorrentes.”
21. Aliás tal Venerando Tribunal, na motivação do Assento publicado em 17/03/1989, ao defender uma ponderação global e aplicação de uma das Leis em bloco, considerou que “não é lícito construir regimes particulares pela conjugação de elementos de uma e outra Lei, com prejuízo da quebra de coerência e a obtenção de um resultado aberrante, ainda que concretamente vantajoso para o agente.”
22. Assim deve aplicar-se o C.P.Penal na sua versão anterior ao caso em apreço, por ser mais favorável ao arguido, em obediência ao disposto no artigo 2.º, n.º 4 do Código Penal.
23. Ora, é indesmentível que a aplicação da lei nova, vem agravar retroactivamente a situação jurídico-processual do arguido, vedando-lhe um grau de recurso que anteriormente lhe era reconhecido.
24. E porque assim é impõem-se a aplicação do antigo artigo 400.º, n.º 1, alínea f) e artigo 432.º, n.º 1, alínea b), na redação anterior à Lei 48/2007, de 28 de agosto, por forma a cumprir-se os comandos constitucionais.
25. Dispunha o mencionado artigo que “não é admissível recurso (...) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a 8 anos, mesmo em caso de concurso de infrações”, fazendo uma clara alusão à moldura penal aplicável do crime objeto de recurso.
26. Ora, essa moldura penal, no caso vertente, tem como limite máximo 8 anos de prisão, de acordo com o disposto nos artigos n.º 203.º, e 204.º, nº 2, Código Penal, permitindo, desta forma, a possibilidade de recurso ao arguido/recorrente.
27. A nova redação introduzida no artigo 400.º, n.º 1, alínea f), pela Lei 48/2007 já acima referida veio, no entanto, consagrar que “não é admissível recurso (...) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”, fazendo, por sua vez, incidir a resposta à admissibilidade de recurso sobre a pena concretamente aplicável.
28. No caso dos atos a pena aplicada foi de 6 anos e 6 meses de prisão efetiva, pela prática de factos ocorridos durante a vigência da anterior redação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do C.P. Penal, mediante aplicação da lei nova, o que jamais entenderemos como posição adotável, seria efetivamente de recusar o recurso interposto pelo arguido a fls...
29. Sobre esta questão pode ver-se o acórdão uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2009, publicado em Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19 de março de 2009, que “nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do C.P. Penal, na redação anterior à entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela Relação após a entrada em vigor da referida lei, em processo-crime a que seja aplicável pena de prisão superior a 8 anos, que confirme decisão de 1.ª instância anterior aquela data.”
30. Não obstante, entende o arguido recorrente, salvo melhor opinião, que o acórdão uniformizador referido, colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da aplicação da lei penal mais favorável, previsto no artigo 29.º, n.º 4 da C.R.P., da mínima restrição dos direitos liberdades e garantias, previsto no artigo 18.º, n.º 2 e 3 da C.R.P., e com os direitos de defesa do arguido em processo penal, in casu, o recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da C.R.P., este último visto em conjugação com o princípio da lei penal mais favorável, da proibição da retroatividade desfavorável e imposição da retroatividade favorável, e com o princípio da igualdade.
31. Dúvidas parecem não existir de que as normas em discussão no presente caso – artigo 400.º e artigo 432.º - relativas ao recurso, são as vulgarmente designadas pela doutrina normas processuais materiais, que se caracterizam por serem normas que “condicionam a efetivação da responsabilidade ou contem diretamente com direitos do arguido ou do recluso.”
32. E porque o são ensina Taipa de Carvalho que “à sucessão das leis penais materiais sejam aplicados os princípios da irretroatividade de lei favorável e da retroatividade de lei favorável”, pois, deste “direito repressivo” e da consequente proibição da retroatividade das suas normas desfavoráveis só se excluem as normas processuais penais que se referem “aos atos de pura técnica processual”, valendo aqui, e só aqui, o princípio da aplicação imediata – tempus regit actum – respeitando-se os atos praticados e “não podendo ser postos em questão, na sequência de uma lei nova, quer esta seja ou não favorável à pessoa perseguida.”
33. A aplicação dos artigos citados, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 26 de agosto. Impõe-se ainda para total cumprimento do princípio da igualdade, entre nós, consagrado no artigo 13.º, n.º 1 da CRP.
34. Dispondo o referido preceito constitucional que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei”, sendo que o acórdão uniformizador acima referido, vem, salvo melhor opinião, colidir com este princípio.
35. A lei processual, no que concerne aos recursos, com a nova redação do artigo 400.º, n.º 1 alínea f), que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto, traduz um “agravamento sensível (...) da situação processual do arguido, nomeadamente mediante uma limitação do seu direito de defesa face à anterior redação que lhe permitia o recurso ao STJ, que será “ainda evitável” mediante aplicação daquelas normas na redação que lhes era dada anteriormente à alteração ao processo penal.
36. Assim, se temos que o texto da lei comporta apenas um sentido sempre terá de ser esse o sentido da norma.
37. Pelos motivos acima explanados, ao não se admitir o recurso em causa foram violados os artigos 13.º, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
38. Pelo que e por todo o exposto, e face ao quanto vem estabelecido nos nºs 2 a 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (aprovada pela Lei nº 28/82 de 15 de novembro), encontra-se o recorrente face à situação de que é inequívoco que nos presentes autos se encontram já para si irremediável e completamente esgotados todos os meios ou recursos jurisdicionais ordinários, que lhe possibilite, de acordo com a previsão do artigo 280º da Constituição, reagir contra a decisão de não admissão do recurso com a qual com a previsão do artigo 280.º da Constituição, reagir contra a decisão de não admissão do recurso com a qual continua a não poder conformar-se.
39. Nestes termos,
40. E porque, como referido, o recorrente continua inconformado com a decisão proferida pelo Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça dela vem agora o recorrente, porque estão em tempo e para tal têm legitimidade (Cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 72º da Lei do T. Constitucional), interpor recurso para o Tribunal Constitucional, o qual deverá subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito suspensivo (cfr. nº 4 do artigo 78º da Lei do Tribunal Constitucional).
41. De facto e de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade e a desconformidade com os mais básicos princípios constitucionais, atento o disposto nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do T. Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 67º da Lei do Tribunal Constitucional (com os efeitos previstos no artigo 68º seguinte).
42. Tudo isto por manifesta violação do artigo 13º da Constituição e do “Princípio da Igualdade” que ali é estabelecido.
43. Pretende assim, o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com a norma constitucional acima referida.
44. Termos em que, observados que estão os formalismos legais para tal previstos, porque para tal o recorrente tem legitimidade, está em tempo e está representado por advogado (cfr artºs 72º nº 1 al. b), 75º e 83º da Lei do T. Constitucional),
45. Requere a V. Exª., que desde já considere validamente interposto recurso da decisão deste Tribunal da Relação do Porto para o Tribunal Constitucional, seguindo-se os ulteriores termos, sendo certo que as respetivas alegações que o motivado serão produzidas já no Tribunal ad quem, de acordo com o disposto no artigo 79º da Lei do Tribunal Constitucional e no prazo aí previsto.
2. Portanto, em decisão da 1.ª instância, foi o recorrente condenado numa pena única de 6 anos e 6 meses de prisão. Tendo o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de outubro de 2012, confirmado a decisão condenatória proferida pela 1.ª instância, interpôs o recorrente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse objeto do despacho de não admissão, de 7 de janeiro de 2013, com fundamento na alínea f), do n.º 1, do artigo 400.º, do Código de Processo Penal. Inconformado, o recorrente apresentou reclamação em requerimento de fls. 12, a qual seria indeferida em decisão proferida em 20 de fevereiro de 2013.
3. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Não é isso que sucede in casu. Com efeito, o levantamento da questão de constitucionalidade levado a cabo pelo recorrente quer na reclamação relativa ao despacho de não admissão do recurso, quer no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional não se afigura processualmente adequado. Ao longo daqueles requerimentos, o recorrente assaca diretamente o vício de inconstitucionalidade ao acórdão uniformizador e à decisão recorrida, algo que por si só frustra a clareza e adequação da suscitação, visto que entre nós não têm consagração as figuras da queixa constitucional ou do recurso de amparo. Atente-se, para o efeito, no ponto 30.º do requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional:
«(...)
Não obstante, entende o arguido recorrente, salvo melhor opinião, que o acórdão uniformizador referido, colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da aplicação da lei penal mais favorável, previsto no artigo 29.º, n.º 4 da C.R.P., da mínima restrição dos direitos liberdades e garantias, previsto no artigo 18.º, n.º 2 e 3 da C.R.P., e com os direitos de defesa do arguido em processo penal, in casu, o recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da C.R.P., este último visto em conjugação com o princípio da lei penal mais favorável, da proibição da retroatividade desfavorável e imposição da retroatividade favorável, e com o princípio da igualdade.
(...)»
Essa inadequação perpassa, na verdade, todo o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, como é possível perscrutar nos seus pontos 33.º, 36.º, 37.º, 42.º e 43.º, para além de que o recorrente não esclarece devidamente quais as normas e princípios constitucionais violados (parâmetro de controlo), que oscilam entre o direito ao recurso, o princípio da igualdade e o princípio da clareza e precisão das normas jurídicas (cfr. os pontos 35.º, 36.º e 42.º):
«(...)
33. A aplicação dos artigos citados, na redação anterior à Lei n.º 48/2007, de 26 de agosto. Impõe-se ainda para total cumprimento do princípio da igualdade, entre nós, consagrado no artigo 13.º, n.º 1 da CRP.
(...)
35. A lei processual, no que concerne aos recursos, com a nova redação do artigo 400.º, n.º 1 alínea f), que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 28 de agosto, traduz um “agravamento sensível (...) da situação processual do arguido, nomeadamente mediante uma limitação do seu direito de defesa face à anterior redação que lhe permitia o recurso ao STJ, que será “ainda evitável” mediante aplicação daquelas normas na redação que lhes era dada anteriormente à alteração ao processo penal.
36. Assim, se temos que o texto da lei comporta apenas um sentido sempre terá de ser esse o sentido da norma.
37. Pelos motivos acima explanados, ao não se admitir o recurso em causa foram violados os artigos 13.º, 29.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa.
(...)
42. Tudo isto por manifesta violação do artigo 13º da Constituição e do “Princípio da Igualdade” que ali é estabelecido.
43. Pretende assim, o recorrente a apreciação da constitucionalidade das normas jurídicas em causa, por ambiguidade e falta de clareza dessas mesmas normas jurídicas, por colidirem em função dessas debilidades com a norma constitucional acima referida.
(...)»
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca minimamente em crise a decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, no facto de a questão de constitucionalidade não ter sido suscitada de forma clara e adequada.
Ora, não introduzindo a reclamação apresentada quaisquer argumentos que possam reverter o juízo de não conhecimento plasmado na decisão sumária contestada, cumpre aqui - tão-só - reiterar tal juízo, recordando os fundamentos que lhe estiveram subjacentes. Com efeito, confirma-se a partir quer da reclamação do despacho de não admissão do recurso (fls. 12), quer do requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, que o recorrente não autonomiza de forma adequada os componentes habituais de uma questão de constitucionalidade, visto que assaca diretamente à decisão recorrida os vícios de inconstitucionalidade invocados, lançando, destarte, dúvidas sobre o objeto e o parâmetro de controlo.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 24 de abril de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.