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Processo n.º 438/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 30 de abril de 2013 (fls. 380 a 390), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, em 31 de janeiro de 2013 (fls. 369), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 03 de dezembro de 2012 (fls. 342 a 350), por intempestividade do mesmo, nos termos do artigo 75º, n.º 1, da LTC.
2. Da reclamação constam as seguintes conclusões, que ora se reproduzem:
«I - A norma vertida na al. c) do Art 19.° do DL n.º 522/85 de 31 de dezembro, com a interpretação dada pelo Tribunal a quo, viola o art. 13°, 2° e 266° da Constituição da República que consagram os princípios da igualdade e da não discriminação e da proporcionalidade ou da proibição do excesso.
II - A questão que aqui se trouxe, reporta-se em específico à alínea c), onde se lê:
“c) Contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influencia do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado.“
III - Em todas as restantes situações, que não a circunstância da condução legalmente habilitado, a jurisprudência, maioritariamente, defende a necessidade de um nexo causal entre a conduta do condutor e a produção do acidente.
IV - Com efeito, defende que não basta estar etilizado, mas agir sobre a influência do álcool, o mesmo se diga quanto aos estupefacientes ou outras drogas.
V - E quando ocorra o abandono do sinistrado, a jurisprudência entende que a Seguradora tem de provar que do abandono resultou dano maior para o sinistrado, ou seja, que o estado daquele agravou-se pelo facto de não ter sido socorrido pelo condutor.
VI — Ora, a nosso ver, a previsão da al. c) pretende abarcar todas as situações em que a seguradora pode exigir e invocar o direito de regresso do condutor.
VII - E se, conforme supra referido, para que as mesmas possam ser invocadas e acionando o direito de regresso da seguradora, esta tem de estabelecer o nexo causal, mesmo terá de ocorrer quando em causa está a condução sem habilitação legal, sob pena cie se violar o princípio da igualdade, constitucionalmente protegido.
VIII - O subterfugio no elemento literal, não pode colher na situação em apreço.
IX - Com efeito, os elementos comuns a todas as situações previstas na alínea c) é: Contra o Condutor...
X - E só é condutor — neste caso de veículo automóvel — aquele que conduz e que está a praticar ato de condução, em via pública.
XI - Pois, só nesta circunstância, de exercício da atividade de condução, na via pública, o condutor precisa de estar legalmente habilitado para aquele efeito.
XII - Consequentemente quando o legislador ordinário utiliza a expressão Condutor já está a pressupor um ato ou ação de condução.
XIII - Naquela alínea, o legislador pretendeu contemplar um conjunto de situações similares: aquelas em que a seguradora pode invocar o direito de regresso.
XIV - Pelo que, aquelas circunstâncias não podem ser tratadas de forma desigual pela Lei, ou seja, o nexo causal tem cie ser estabelecido, de igual modo, quando se trate da condução sem habilitação legal.
XV - Não pode o mero facto de não possuir habilitação ser suficiente para acionar o direito de regresso da seguradora, esta tem de provar que foi a condução, no caso concreto do ora Recorrente, que contribuiu para o acidente e que tal resultou do facto de não possuir habilitação legal.
XVI - Ora, dos Autos resulta o inverso:
c) o Recorrente e ora Reclamante não contribuiu em exclusivo para a produção do acidente;
d) e provou-se da sua destreza e habilidade para tripular o veiculo identificado nos Autos,
XVII - Com efeito, e com relevância para o presente recurso, ficou provado na matéria assente:
(…)
XVIII - Ora, resulta dos factos provados que o condutor, Recorrente e ora Reclamante agiu com a diligência própria de um condutor normal e que possuía a capacidade habilidade e destreza para a condução daqueles veículos.
IXX - Nomeadamente, que tripula veículos similares desde o ano de 1973, sem que alguma vez tivesse sido interveniente num acidente de viação.
XX - Não querendo aqui minimizar a imposição legal de que para conduzir é necessário um título, também, não se pode deixar de referir no seio das presentes conclusões, que é a prática/experiencia de condução que reforça a habilidade e destreza na condução, relativamente à figura do condutor.
XXI - Sendo certo que, o R., Recorrente e ora Reclamante, com tantos anos de experiencia de condução, terá maior habilidade e destreza do que qualquer condutor que inicie a prática da condução e lhe seja entregue o título que o habilita a conduzir.
XXII - Acresce que, e reiterando o já supra referido na motivação, o legislador pretendeu abarcar na al. c) do art. 19.° do DI n.° 522/85, todas as hipóteses em que a seguradora pode invocar perante o condutor o direito de regresso.
XXIII - E se para as outras situações, é necessário que a seguradora estabeleça o nexo causal para invocar o direito de regresso, forçoso é que o mesmo ocorra no caso da condução sem habilitação legal, sob pena de se tratarem de forma diferente, situações que são iguais: as que possibilitam à seguradora invocar o direito de regresso perante o condutor.
XXIV - A não ser necessário que a seguradora faça prova do nexo causal, violaria a referida alínea o princípio da igualdade e da não discriminação, constitucionalmente previsto no artigo 13.° da Constituição da Republica Portuguesa.
XXV - Requer-se que seja declarada a inconstitucionalidade da alínea c) do artigo 19.0 do Decreto-Lei nº 522185, quando interpretada no sentido da aplicação automática do direito de regresso da Seguradora no caso de condução sem habilitação legal, sem necessidade de estabelecer o nexo causal entre aquela circunstância e a produção do acidente.
XXVI - Reconhecida a supra aludida inconstitucionalidade, de natureza material, deverá ser o Acórdão recorrido ser revogado e mantida a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que absolveu o R., Recorrente e ora Reclamante do pedido.» (fls. 388 a 390)
3. Em sede de vista, ao abrigo do n.º 2 do artigo 77º da LTC, o Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes termos:
«1. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de outubro de 2012, concedeu revista e revogou o acórdão recorrido, da Relação de Lisboa, condenando o Réu A. a pagar à A. Companhia de Seguros B., S.A., a quantia de 55.777,42 € acrescida de juros vencidos e vincendos, á taxa de 4% contados desde a citação até integral pagamento.
2. O Réu foi notificado por carta enviada em 29 de outubro de 2012, presumindo-se, por isso, notificado em 2 de novembro de 2012.
3. Teria, pois, dez dias a contar daquela data para interpor recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 75.º, n.º 1, da LTC).
4. Como se vê a fls. 334, certificou-se que o acórdão transitou em 12 de novembro de 2012.
5. O recorrente interpôs recurso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para o Tribunal Constitucional em 3 de dezembro de 2012, ou seja, muito para além do prazo.
6. Face à manifesta intempestividade do recurso, não há necessidade de nos pronunciarmos sobre a circunstância de o recurso ter sido dirigido e apresentado no Tribunal Constitucional e não no Supremo Tribunal de Justiça, como seria devido (artigo 76.º, n.º 1, da LTC).
7. Como também não haverá que averiguar da inverificação de outros requisitos de admissibilidade, como o da não suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade e o da interpretação questionada não corresponder à aplicada.
8. Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Desde logo, regista-se que o reclamante não apresenta nenhum argumento que contrarie a conclusão, extraída pelo despacho reclamado, de acordo com a qual o recurso de constitucionalidade foi interposto fora do prazo legal fixado pelo n.º 1 do artigo 75º da LTC.
Ora, a reclamação deduzida é flagrantemente improcedente, visto que o requerimento de interposição de recurso foi apresentado apenas em 03 de dezembro de 2012. Ora, na medida em que se recorria de acórdão notificado por via postal, enviado em 29 de outubro de 2012 – e, portanto, presumindo-se notificado em 02 de novembro de 2012 –, o prazo de 10 (dez) dias fixado no n.º 1 do artigo 75º da LTC já se encontrava, há muito, ultrapassado, na medida em que o referido acórdão havia transitado em julgado em 12 de novembro de 2012.
Assim sendo, face ao disposto no n.º 1 do artigo 75º da LTC, mais não restava ao tribunal recorrido do que concluir – como o fez – pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade, com fundamento na sua intempestividade. Confirma-se, pois, integralmente o teor da decisão reclamada.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 15 de julho de 2013 . – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro