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Processo n.º 958/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. e outros, melhor identificados nos autos, reclamam para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 4, do artigo 76.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC), do despacho do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de junho de 2013 (fls. 1126), pelo qual não se admitiu o recurso de constitucionalidade por eles interposto.
2. A reclamação para a conferência assume o seguinte teor:
«(...)
1- Os ora suplicantes, interpuseram oportunamente recurso para o Venerando Tribunal Constitucional do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/06/2013, o qual negou a admissão do referido recurso, por douto despacho de 21/06/2013, não reconhecendo a invocada inconstitucionalidade por referência aos artºs 1311º nº 1 e 1316º do Cód. Civil, com a respetiva subsunção ao artº 62º da Constituição da República Portuguesa.
2 - Na sua petição de recurso, os requerentes alegaram que o recurso era interposto 'ao abrigo do disposto nos artºs 70º, nº 1, als. a) e c) e 72º, nº 1, al. b) ambos da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82 de 15/11)”.
3 – Tal recurso não foi aceite pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, foi assim impedido que os ora reclamantes pudessem expor as razões porque entendem haver um problema de constitucionalidade entre o que foi decidido no Proc. 46/2000 e o que é agora decidido no presente processo.
4 – É desta decisão que os ora suplicantes vêm agora reclamar para o Presidente do Tribunal Constitucional, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 688º nº 1 do CPC e artºs 76º, nº 4 da Lei 28/82 de 15/11.
5 – A guisa de justificação desta reclamação, os ora suplicantes entendem por bem esclarecer o seguinte;
6 – Os ora reclamantes no seu recurso interpuseram quer para o Tribunal da Relação do Porto quer para o Supremo Tribunal de Justiça, levantaram questões de constitucionalidade, sobre as quais nenhuma das Instâncias se pronunciaram sobre o seu conteúdo, apenas proferindo o douto Supremo Tribunal de Justiça o seguinte aresto:
“Não se admite o recurso – em nenhum momento das respetivas conclusões são postas em causa inconstitucionalidade do artº 62º, digo, inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 62º da Constituição da República”.
7 – No entanto, os aqui reclamantes não podem estar de acordo com este simples despacho impedindo que seja analisada uma questão de fundo em que tem por base uma complexidade factual e jurídica que tem a ver com a evolução dos “Baldios”, assim como os seus utilizados ao longo dos três últimos séculos, em que no Acórdão proferido no Proc. 46/2000 é reconhecido que os ora reclamantes utilizavam aquele espaço como seu, pagando foros até 1910 e deixando de pagar a partir dessa data, tendo agora esse douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de que agora se recorre, negado o direito de aquisição por reivindicação de tal trato de terreno, reclamado nestes autos pelos aqui reclamantes.
8 – Sendo, nesta linha de pensamento, que se encontra o ponto fulcral da inconstitucionalidade que seria invocada no recurso para este douto Tribunal Constitucional, para ser doutamente analisado pelo mesmo, no sentido de ser devidamente escalpelizado o direito de aquisição, ou não, do prédio objeto do presente litígio, por parte dos aqui reclamantes.
9 – No sentido de se poder expor as razões que os aqui reclamantes pensam ter sobre aquela área de terreno, por confronto entre os dois Acórdãos divergentes, o proferido nos presentes autos e o proferido no Proc. 46/2000, nomeadamente quanto à titularidade do referido prédio, as expectativas dadas aos reclamantes no Proc. 46/2000, é necessário que previamente o presente recurso seja admitido pelo douto STJ, conforme determina a nossa Lei processual que se aplicava ao tempo, para que este douto Tribunal o possa analisar.
10 – É de salientar ainda, que os ditos Venerandos Tribunais não fundamentam obviamente as razões da sua não admissão, por omissão, nomeadamente o STJ.
11 – Ao não analisarem esta realidade jurídica, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça violou, por omissão os artºs 1311º e 1316º do Cód. Civil e o artº 62º da Constituição da República Portuguesa.
12 – Com esta violação por omissão, os referidos Tribunais violaram também, por ser imanente ao referido ato de omissão, o disposto no artº 70º, nº 1, als. a) e c) e 72º, nº 1, al. b) ambos, da Lei do Tribunal Constitucional.
(...)»
3. Foram os reclamantes autores de uma ação ordinária contra os ora reclamados, pedindo o seu reconhecimento como comproprietários únicos e exclusivos de um prédio, alegadamente adquirido por usucapião. Requereram ainda os autores que fosse ordenado o cancelamento de todas as inscrições prediais atualmente em vigor atinentes aos prédios sob o número 00003/310591 e 00078/090499, da Freguesia de Panchorra, no município de Resende; que fosse ordenada a inscrição da propriedade de tais prédios a seu favor; e que fossem os réus condenados a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre tais prédios. A primeira instância julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os réus do pedido. Inconformados os ora reclamantes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto e, não tendo aí obtido ganho de causa, interpuseram de tal decisão recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Este proferiu acórdão em 30 de maio de 2013, julgando o recurso improcedente:
«(...)
Não há, portanto, como alterar a matéria de facto fixada nas instâncias.
E sendo em exclusivo nessa alteração que os recorrentes fazem repousar, nas suas conclusões, a usucapião que invocam de acordo com o disposto nos arts. 1311º, nº 1 e 1316º do CCivil, o recurso tem necessariamente que improceder.
Sem qualquer violação, sem qualquer perigo ou sombra de violação do disposto no art. 62º da Constituição da República – (1) a todos é garantido o direito de propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
Como podem os recorrentes ver em risco essa garantia constitucional, se previamente não provaram que fossem os proprietários dos prédios que reivindicam ?!!!
(...)»
Na sequência deste aresto, vieram os recorrentes interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, recurso esse não admitido em despacho de fls. 1126, com o seguinte teor:
«(...)
Não se admite o recurso – em nenhum momento das respetivas conclusões vem posta em causa a inconstitucionalidade do artº 62º, digo, inconstitucionalidade por violação do disposto no artº 62º da Constituição da República.
(...)»
Seguiu-se, finalmente, a reclamação que ora se aprecia.
4. Notificado, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
5. Em face do disposto nos autos, nada há a apontar ao despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelos (então) recorrentes. Com efeito, foi tal recurso interposto ao abrigo das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, preceitos que, respetivamente, pressupõem uma decisão de um tribunal que recuse “a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade” e que recuse a “aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado”. Ora, talqualmente se pode ler no despacho de fls. 1126, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de maio de 2013, não recusou a aplicação dos artigos 1311.º, n.º 1, e 1316.º, do Código Civil, com fundamento em inconstitucionalidade, nem tampouco com fundamento em ilegalidade por violação de lei com valor reforçado. Pelo contrário, afirmou reiteradamente não existir qualquer violação do artigo 62.º, da CRP.
Nem se argumente, contra o exposto, que a invocação das mencionadas alíneas do artigo 70.º, n.º 1, da LTC se ficou a dever a um lapso de escrita, porquanto os reclamantes alicerçaram o recurso em tais preceitos não só no requerimento de interposição, mas também na reclamação para a conferência de fls. 1137. Acresce que o requerimento de interposição de recurso, apesar de exíguo e insuficiente, não justificava a prolação, por parte do tribunal recorrido, do despacho-convite a que alude o artigo 75.º-A, n.º 5, da LTC, por este não revestir qualquer utilidade processual.
Atento o não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o recurso de constitucionalidade interposto, o despacho reclamado não merece, pois, qualquer censura.
III. Decisão
6. Termos em que o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar o despacho de não admissão do recurso, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.