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Proc.nº222-B/96 ACÓRDÃO Nº 314/01
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - C..., após prolação dos Acórdãos nºs 603/99 e
111/2000, veio no processo nº 222-A/96, suscitar um incidente, datado de 9 de Março de 2000, pedindo a revogação da condenação em custas constante daqueles arestos, com fundamento na ilegalidade e inconstitucionalidade do artigo 84º, nº2 e segs, da Lei do Tribunal Constitucional e, consequentemente, o Decreto-Lei nº 149-A/83, alterado pelo Decreto-Lei nº 72/90, pelo que os referidos acórdãos são 'absolutamente nulos'.
Entretanto, foi prolatado o Acórdão nº 200/2000, de 04 de Abril de 2000, pelo qual se ordenou a remessa do processo principal ao tribunal recorrido, determinando-se o processamento do incidente por translado, o que se cumpriu.
2. - Em 2 de Maio de 2000, C... veio dizer que, pelo seu requerimento de 9 de Março de 2000, tinha suscitado uma questão, a que chamou
«questão pré-judicial», relativa à ilegalidade, face ao direito comunitário, do normativo interno que impunha a tributação em custas judiciais, pelo que, por força do artigo 234º, 3º parágrafo, do Tratado da Comunidade Europeia, o processo devia ser objecto de reenvio para o Tribunal de Justiça das comunidades Europeias.
Com efeito, no entender do requerente, a parte do Acórdão 200/2000, em que se determina que 'o incidente só será decidido depois de pagas as custas contadas é nulo e de nenhum efeito', pedindo o requerente a reforma da decisão em causa.
Como, porém, o requerente não tinha pago as custas liquidadas e de acordo com o preceituado no artigo 84º , nº8, da Lei do Tribunal Constitucional, o processamento do incidente no translado fica dependente do prévio pagamento dessas custas, foi determinado por despacho exarado no próprio requerimento que este fosse apensado por linha, aguardando o pagamento das custas. No mesmo despacho determinou-se que, enquanto não estivessem pagas as custas qualquer requerimento apresentado terá idêntico tratamento, sem necessidade de despacho prévio.
3. - Na sequência deste despacho, C... vem agora deduzir incidente de suspeição, invocando que o despacho do relator de 14 de Abril de
2000 'constitui prova categórica de que o seu autor - desconsiderando ilicitamente o teor do requerimento sobre que se pronuncia - intenta grosseiramente obstar ao cumprimento, pelo colectivo que integra, do comando imperativo do artº 234º, par. 3º, do Tratado da Comunidade Económica Europeia, em detrimento manifesto dos legítimos direitos e interesses processuais do recorrente', pelo que essa violação consuma os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República
'a competente denúncia'.
Para prova do incidente deduzido, o ora requerente pediu que fosse solicitado por este Tribunal ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias 'a decisão pré-judicial' 'atinente à correcta interpretação do normativo jus-comunitário controvertido no caso, em ordem inclusivamente a saber-se que há, efectivamente, violação pelo colectivo sob suspeição da obrigação de reenvio àquele tribunal supremo europeu das 'questiones juris' pertinentemente antessuscitadas'.
Importa aqui acentuar que o requerente, para além de três outros incidentes de suspeição contra o aqui relator, suscitou também idêntico incidente, com fundamentação similar, em outros processos em que intervieram outros juízes deste Tribunal.
Suscitada a questão da suspeição, foi elaborado pelo relator o seguinte parecer:
'Vem o recorrente C... deduzir incidente de suspeição, invocando que o despacho do relator de 14 de Abril de 2000 (relativo à determinação de apensação por linha do requerimento apresentado pelo ora impugnante, para aguardar o pagamento das custas do processo em que foi condenado) “constitui prova categórica de que o seu autor – desconsiderando ilicitamente o teor do requerimento sobre que se pronuncia – intenta grosseiramente obstar ao cumprimento, pelo colectivo que integra, do comando do artigo 234º, par. 3º do Tratado da Comunidade Económica Europeia, em detrimento manifesto dos legítimos direitos e interesses processuais do recorrente”, pelo que essa violação , na sua óptica, consumará os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República a “competente denúncia”.
Por ora, importa desde já realçar que, para além da deduzida suspeição no presente processo e de três outros incidentes de suspeição deduzidos contra o aqui relator, o requerente veio opor idêntico incidente, e com semelhante fundamentação, em vários outros processos que correm termos neste Tribunal e nos quais intervêm outros magistrados.
Assim, cumpre decidir a arguida suspeição com base no disposto no nº 3 do artigo
29º da Lei 28/82, de 15 de Novembro, nos termos do qual compete ao próprio Tribunal Constitucional a apreciação da suspeição dos respectivos juízes.
Com efeito, torna-se necessário aplicar conjugadamente o nº 3 do artigo 127º do Código de Processo Civil, que dispõe nas alíneas c) e d) que é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam que a acção
(sendo que nesta se devem considerar abrangidas as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido – cfr. o nº 2 do artigo citado) foi proposta para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artigo 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às partes oporem suspeição àquele, o certo é que a situação que resulta do comportamento do requerente no processo aponta para que é seu desiderato obter, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade dos juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, a sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de obter quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o requerente figura como parte.
E isto tendo em conta a forma como é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização da constitucionalidade, pois julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que enquanto perdurasse o actual mandato, seria impossível obter uma decisão nas causas em que esta situação se suscita.
Ora, não podendo o deduzido incidente ser decidido pelo relator, o certo é que se afigura como provável que o Tribunal venha a decidir-se pela improcedência do presente incidente com base num raciocínio segundo o qual a respectiva dedução teve por única finalidade a obtenção da impossibilidade de os juízes deste tribunal poderem intervir, como já referido, e isto tendo em conta, por um lado, a circunstância referida de o requerente ter deduzido noutros processos incidente semelhante e, por outro lado, o facto de se afigurar que a suspeição em apreço não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência, nem tem qualquer correspondência com a realidade.
Acresce que, se entende que os juízes intervenientes no presente processo pautaram a sua actividade por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais.
Neste contexto, e tendo em conta o disposto na parte final do nº 3 do artigo
130º do Código de Processo Civil, é plausível que o Tribunal venha a considerar que o ora requerente agiu movido no único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal de entorpecer ou protelar a acção decisória deste Tribunal, o que redundará na sua condenação como litigante de má fé, facto pelo qual, atento o disposto no nº 7 do artigo 84º da Lei 28/82, determina a sua audição por dois dias.'
4. - O requerente da suspeição respondeu ao parecer, defendendo o reenvio ao Tribunal das Comunidades das dúvidas que suscita.
Cumpre apreciar e decidir a questão da suspeição (nº 3 do artigo 29º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
5. – De harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos 127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, resulta que a pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida a acusação, pode levar as
«partes» a opor-lhe suspeição.
Por outro lado, determina-se no nº 3 do aludido artº 127º que nos casos das alíneas c) e d) do nº 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido – cf. mencionado nº2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artigo 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição àquele, o que é certo é que a situação que resulta do relato acima efectuado – onde avulta a circunstância de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em vários outros processos, por forma a obter a suspeição de outros juízes que não os ora intervenientes nas decisões tomadas nestes autos – aponta inequivocamente para que é desiderato do oponente obter, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade dos Juízes do Tribunal Constitucional
(ou, ao menos a sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o oponente figura como «parte».
E isto tanto mais que, tendo em conta o modo como constitucional e legalmente é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que, enquanto perdurasse o actual mandato dos Juízes em exercício, fosse impossível obter uma decisão nas causas em que o oponente assumisse posição de «parte».
Releva ainda, por outro lado, a circunstância de se entender que a actividade dos Juízes levada a efeito nos presentes autos ter sido pautada exclusivamente por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais, pelo que, de todo em todo, na perspectiva que agora assume este Tribunal, não se poderia desenhar a prática de actos que pudessem ser indiciariamente subsumidos ao cometimento dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação.
Deverá, desta arte, concluir-se que o incidente de suspeição ora oposto não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência com vista a se atingirem as garantias de imparcialidade que devem ser apanágio dos juízes, antes tendo por única finalidade obter a mera recusa dos Juízes intervenientes nestes autos, por forma a que as causas onde o oponente seja «parte» não venham a obter decisão por banda do Tribunal Constitucional.
6. – Em face do exposto, ponderado o prescrito no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil, julga-se sem necessidade de proceder a qualquer diligência de prova, o que consequentemente, acarreta o indeferimento do solicitado na parte final do requerimento inicializador do presente pedido, improcedente a oposição ora deduzida, condenando-se o oponente nas custas processuais e fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Ponderando o que acima se disse e o que se consagra na parte final do artigo
130º do Código de Processo Civil, porque se afigura ao Tribunal inquestionável que a actuação do ora oponente consistente na dedução do incidente ora decidido teve por único móbil um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste Tribunal, nos termos da parte final do nº 3 do artigo
130º do Código de Processo Civil, conexionado com o nº 3 do artº 29º da Lei nº
28/82, condena-se o mesmo oponente como litigante de má fé em dez unidades de conta.
Lisboa, 4 de julho de 2001 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Artur Maurício Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa