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Processo nº 448/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 1599 foi proferida a seguinte decisão sumária:
1. C... e S... vêm recorrer para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 16 de Junho de 2001 (de fls. 1588), ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Visam os recorrentes a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:
a) “artigo 649º (corpo) do CPP 29 conjugado com o artigo 743º (nº 1) do CPC por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição”; b) “al. a) do nº 1 do art. 119º do CP82 por violação do nº 1 do artigo 32º e nº 1 do artigo 205º da Constituição”; c) “2ª parte do § 1º do artigo 371º do CPP 29 por violação do nº 1 do artigo 32º da Constituição”; d) “nº 1 do artigo 156º do CPC por violação do artigo 32º (nºs 1 e 2) e
202º (nº 2 ) da Constituição”.
Afirmam os recorrentes que o acórdão recorrido, ao não aceitar discutir tais inconstitucionalidades, confirmou “de modo implícito a aplicação de tais normas citadas cuja constitucionalidade foi em devido tempo levantada”.
O recurso foi admitido, por despacho de 12 de Junho de 2001, que não vincula o Tribunal Constitucional.
2. Os recursos interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional só podem ter por objecto normas aplicadas pela decisão recorrida (cfr. artigo 79º-C da Lei nº 28/82 e, por exemplo, o acórdão nº 367/94, Diário da República, II Série, de 7.9.94), cuja inconstitucionalidade tenha sido invocada durante o processo (al. b) do nº 1 do artigo 70º e nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Importa pois começar por averiguar se as normas impugnadas foram aplicadas no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, do qual foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional. O referido Acórdão, que veio confirmar o despacho preliminar do relator (de fls. 1579) no sentido da não admissão do recurso do despacho proferido na 1ª instância pelo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, de fls. 1462, pronunciou-se nos seguintes termos:
“Vejamos. Os arguidos foram pronunciados por despacho de pronúncia válido proferido em
19.06.97 e do mesmo foram notificados em 27.06.97. Desse despacho de pronúncia recorreram os arguidos para esta Relação que confirmou a decisão recorrida por acórdão de 20.01.99 – fls. 1279 a 1310 do vol. V. Nesse acórdão desta Relação foi confirmado o despacho de pronúncia com algumas ressalvas – cfr. fls. 1309 vº. Foi para dar execução a essas ressalvas ou correcções que o Mmº Juiz da 1ª instância proferiu o despacho de fls. 1462 no qual se refere que ‘... existe em bom rigor novo despacho de pronúncia face aos termos do artº 366º CPP 29 ainda que por via de meras correcções relativas a lapsos de escrita’. Este despacho foi proferido em 29.9.00.
É então que os arguidos interpõem o presente recurso, no seu dizer, ‘do douto despacho de pronúncia de fls. 1184 a fls. 1189 acrescentado na sequência do douto despacho proferido a fls. 1462’. Ora, o despacho de fls. 1462 não acrescentou rigorosamente nada ao despacho de pronúncia. O que esse despacho fez foi cumprir o determinado no referido Acórdão desta Relação de fls. 1279 e seguintes. Portanto, o despacho de pronúncia que foi confirmado pelo citado Acórdão desta Relação foi ‘acrescentado’ (para usar da expressão utilizada pelos arguidos) por esse Acórdão desta Relação e não pelo despacho de fls. 1462. Esse despacho de fls. 1462 é despacho de simples expediente e, como tal, irrecorrível – artº 646º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal de 1929. Para outro lado, o Acórdão desta Relação que confirmou o despacho de pronúncia foi proferido em 20.01.99 e transitou em julgado. No fundo, o que os arguidos pretendem é recorrer desse acórdão da Relação do Porto aproveitando o facto de o despacho de fls. 1462 falar em ‘novo despacho de pronúncia’ e escudando-se no ‘acrescento’ ao despacho de pronúncia confirmado. Mas, para efeitos de recurso, trata-se, obviamente, do mesmo despacho de pronúncia. A acolher-se a tese dos arguidos de que se trata de um novo despacho de pronúncia, ir-se-ia praticar um absurdo jurídico: esta Relação iria apreciar uma decisão por si prolatada, muito embora por outros Juízes Desembargadores. O recurso não é, pois, admissível. Não sendo admissível o recurso deixa de se colocar a questão da suficiência ou insuficiência do prazo para alegar (inconstitucionalidade invocada) e, do mesmo modo, a questão da prescrição suscitada no âmbito deste recurso, competindo oportunamente à 1ª instância decidir sobre a mesma se entender que já não foi decidida pelo aludido Acórdão desta Relação.
Decisão
Em conformidade, acordam os Juízes desta Relação, confirmando o despacho preliminar do Relator, em não admitir o recurso.”
3. Consideremos cada uma das questões de constitucionalidade suscitadas pelos recorrentes.
Resulta das alegações de fls. 1508, apresentadas no recurso através do qual se pretendeu impugnar o despacho de pronúncia (de fls 1184 e segs.) e o despacho de fls. 1562, que os recorrentes consideram o prazo de 15 dias que lhes foi fixado para apresentarem alegações de recurso “é manifestamente insuficiente para os arguidos elaborarem com cuidado e profundidade as alegações de recurso, pelo que é inconstitucional o artigo 649º (corpo) do CPP 29 conjugado com o artigo 743º (nº 1) do CPC”.
Ora, como refere o Acórdão recorrido, “não sendo admissível o recurso deixa de se colocar a questão da insuficiência do prazo para alegar
(inconstitucionalidade invocada) (...)”. Deste modo, a norma impugnada não foi aplicada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, justamente porque se entendeu não haver recorribilidade do despacho que os arguidos pretenderam impugnar. Não pode assim conhecer-se do recurso de constitucionalidade quanto a esta norma.
4. O mesmo se diga relativamente à invocada inconstitucionalidade da alínea a) do nº 1 do artigo 119º do Código Penal de 1982, relativa à questão da suspensão da prescrição do procedimento criminal, já que a questão não foi conhecida pelo Tribunal da Relação do Porto, que afirmou competir “oportunamente
à instância decidir sobre a mesma se entender que já não foi decidido pelo aludido Acórdão desta Relação”.
5. Pelo que toca à constitucionalidade da segunda parte do § 1º do artigo 371º do Código de Processo Penal de 1929, que determina que apenas cabe recurso do despacho de pronúncia definitiva ou como tal considerado, questão suscitada no requerimento de fls. 1580, importa ter presente que o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto considerou o despacho de fls. 1562 não como um despacho de pronúncia, mas como um “despacho de simples expediente”, razão pela qual o julgou irrecorrível, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 646º do Código de Processo Penal. Consequentemente, o Acórdão recorrido não aplicou a norma impugnada, razão pela qual também nesta parte se não pode conhecer do recurso de constitucionalidade. Ainda que assim não se entendesse, nunca poderia o Tribunal Constitucional substituir-se ao Tribunal a quo, analisando o teor do despacho de fls. 1562 com o objectivo de sindicar o seu verdadeiro alcance e natureza. A este Tribunal cabe apreciar a constitucionalidade das normas aplicadas, e não fiscalizar o modo como os tribunais comuns subsumem os casos que lhes são submetidos às disposições legais aplicáveis.
6. Por último, não pode também o Tribunal Constitucional conhecer da questão da inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 156º do Código de Processo Civil, ainda que se entenda que ele foi aplicado na decisão recorrida. Na verdade, tal inconstitucionalidade não foi suscitada durante o processo, como exige a alínea b) do nº 1 da Lei nº 28/82, e tem repetidamente afirmado a jurisprudência do Tribunal Constitucional. Refira-se, aliás, que não tem qualquer fundamento a afirmação dos recorrentes de que teriam invocado “implicitamente a inconstitucionalidade da interpretação seguida quanto ao nº 1 do artigo 156º do CPC por violação do artigo 32º (nºs 1 e 2) e 202º (nº 2) da Constituição” no requerimento de fls. 1562. O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que este requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo se traduz na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido, proporcionando-lhe desta forma a oportunidade de a apreciar (cfr. nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82). Só nos casos excepcionais e anómalos, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, é que será admissível a arguição em momento subsequente (cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e 160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Ora a inconstitucionalidade agora em causa apenas foi suscitada no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional.
7. Estão, portanto, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Assim, pelos fundamentos indicados, decide-se não conhecer do objecto do presente recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs por cada um.
2. Inconformados, vieram reclamar para a conferência, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Notificado para o efeito, o Ministério Público veio pronunciar-se no sentido da manifesta falta de fundamento, quer da reclamação, quer do pedido de reforma da condenação em custas com que a concluem.
3. Em síntese, discordam da decisão de não conhecimento das questões de constitucionalidade pelas seguinte razões:
– “...quanto à inconstitucionalidade suscitada da al. a) do nº 1 do artº 119º do CPenal 1982”, cujo conhecimento foi afastado na decisão reclamada por se ter entendido “que a questão não foi conhecida pelo Tribunal da Relação do Porto, que afirmou competir ‘oportunamente à instância decidir sobre a mesma se entender que já não foi decidido pelo aludido Acórdão desta Relação’”, porque “o que realmente se passou foi que o Tribunal da Relação recusou apreciar a inconstitucionalidade da al. a) do nº 1 do artº 119º do Cód. Penal 1982, significando em rigor uma tal recusa a aplicação efectiva dessa norma (...)”. Basta ler esta passagem da reclamação para concluir que, efectivamente, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende seja julgada não foi aplicada pelo tribunal recorrido, razão que impede que o Tribunal Constitucional a aprecie, nos termos já apontados na decisão reclamada.
4. – “.. quanto à suscitada inconstitucionalidade da 2ª parte do § 1º do artigo
371º do CPP 29 na determinada interpretação adoptada”, que a decisão reclamada entendeu também não ter sido aplicada, sustentam os reclamantes que “o despacho de pronúncia que se considera definitivo é o proferido a fls. 162 em 29.09.2000
(...)” e que “o Tribunal da Relação ao não admitir o recurso aplicou efectivamente o § 1º daquela norma jurídica, interpretando-o no sentido de inadmissibilidade do recurso por entender que não se estava face ao ‘despacho de pronúncia definitivo ou como tal considerado’. Resulta, assim, claro que os reclamantes discordam da decisão recorrida quanto a um ponto evidentemente estranho ao objecto possível do recurso de constitucionalidade que interpuseram, e que, apesar disso, pretendem que o Tribunal Constitucional o aprecie. A reclamação não pode, portanto, proceder também quanto a esta questão.
5. “.. quanto à inconstitucionalidade da interpretação seguida em relação ao nº
1 do artigo 156º do CPCivil”, questão de que a decisão reclamada não conheceu por não ter sido oportunamente suscitada, os reclamantes sustentam que “é forçoso entender-se que (...) suscitaram efectivamente a inconstitucionalidade em título no requerimento apresentado em 19.03.2001, o que até se evidencia pela referência simples que lhe é feita no douto acórdão de 16.05.2001”. Esta afirmação vem na sequência da afirmação de que nele “alegaram (...) sob o ponto 11. e ss.., em suma, que se justificava que” o Tribunal da Relação do Porto “conhecesse da questão da prescrição por ser de conhecimento oficioso e não estar em definitivo resolvida e ainda que se impunha a apreciação sem delonga dessa questão por estar em causa o núcleo das garantias de defesa dos arguidos e não se justificar que eles continuassem a ser perseguidos criminalmente. Ora apelar ao conhecimento por parte do tribunal da questão da prescrição é indiscutivelmente reclamar o dever de administrar justiça estabelecido no nº 1 do artº 156º do Cód. Proc. Civil”. Nada mais é preciso acrescentar para justificar a confirmação da decisão reclamada também quanto a este ponto, uma vez que os reclamantes reconhecem que não invocaram a inconstitucionalidade em causa.
6. Nada constando da reclamação quanto ao não conhecimento da norma contida no “artigo 649º (corpo) do CPP 29 conjugado com o artigo 743º (nº 1) do Código de Processo Civil”, considera-se que os reclamantes aceitaram a decisão reclamada quanto à parte que lhe diz respeito.
7. Finalmente, os reclamantes vêm pedir a redução da taxa de justiça fixada. Não há, todavia, razão para atender este pedido. Em primeiro lugar, não se pode dar relevância à circunstância de terem sido dois os recorrentes, até porque o recurso aproveitaria a ambos, ainda que apenas tivesse sido interposto por um só (cfr. artigo 74º, nº 3, da Lei nº 28/82). Em segundo lugar, porque foram aplicados os critérios definidos pelo artigo 9º do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro, para graduar o montante das custas a aplicar; note-se que foram várias as questões suscitadas e apenas se excedeu em
1 uc a metade do valor máximo previsto, em geral, pelo nº 2 do artigo 6º do mesmo diploma. Finalmente, porque sempre poderiam os reclamantes ter recorrido à assistência judiciária, se a mesma se justificasse, já que os critérios legais de condenação em custas estão fixados no referido Decreto-Lei, sendo portanto do seu conhecimento.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs por cada um.
Lisboa, 5 de Novembro de 2001 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida