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Processo n.º 56/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
Relatório
A. propôs ação de investigação de paternidade, pedindo que fosse reconhecida como filha de B..
Os Réus C. e D., além do mais, excecionaram a caducidade da ação.
Foi proferida sentença que julgou procedente esta exceção, absolvendo os Réus do pedido.
A Autora recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 15 de novembro de 2012, revogou a decisão recorrida, julgando inconstitucional a norma contida no artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, quando prevê, para as ações de investigação de paternidade, um prazo geral de caducidade de dez anos contados da maioridade do investigante.
Desta decisão recorreram para o Tribunal Constitucional o Ministério Público e o Réu D., ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da LTC, pedindo a fiscalização de constitucionalidade da norma cuja aplicação foi recusada pelo tribunal recorrido.
Foi proferida decisão sumária que decidiu:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, na redação introduzida pelo artigo 1.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código, ao prever, para as ações de investigação de paternidade, um prazo geral de caducidade de dez anos contados da maioridade do investigante.
b) julgar procedente o recurso, determinando a reforma da decisão recorrida de acordo com o antecedente juízo de não inconstitucionalidade.
A Recorrida A. veio reclamar desta decisão, nos seguintes termos:
“1º
A decisão sumária ora notificada, faz referência ao acórdão n.º 401/2011, que reunido em Plenário que apreciou a constitucionalidade da norma contida no artigo 1817º do Código Civil, na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei 14/2009 de 1 de Abril e decidiu não a julgar inconstitucional.
2º
Todavia, sempre se dirá que o referido Acórdão obteve os votos de vencido dos juízes Joaquim de Sousa Ribeiro, J. Cunha Barbosa, Catarina Sarmento e Castro, José Borges Soeiro. Vítor Gomes, Gil Galvão e Rui Manuel Moura Ramos.
3º
É salientado na declaração de voto, pelo Juiz Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro no citado acórdão, os fundamentos que tradicionalmente se alinhavam no sentido de justificar a fixação de prazos de caducidade, que se revelam nos dias de hoje enfraquecidos, e mesmo desprovidos de dignidade de tutela e de função contrabalanceadora,
4º
Concluiu o mesmo que:
“A natureza dos direitos fundamentais à identidade pessoal e a constituir família reclama a sua vigência plena em todo o ciclo de vida do titular, harmonizando-se mal com soluções limitativas, inibidoras da sua plena realização por critérios de restrição temporal. Na medida em que a acção de investigação de paternidade é condição necessária à sua efectivação, o imperativo de tutela que na consagração constitucional destes direitos vai implicado resulta insatisfeito com a fixação de um prazo de caducidade para o exercício dessa acção, tanto mais que não se descortinam razões adequada e suficientemente justificativas para a sua imposição. Esse juízo é de afirmar ainda que o regime em concreto do prazo de caducidade contenha suficientes salvaguardas da possibilidade real de intentar a acção, pois contende com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade que decisões finalizadas a obter, no presente, o gozo de bens que nuclearmente a constituem possam ser obstaculizadas por uma preclusão resultante do desinteresse, no passado, em tomar essa iniciativa.
Por tudo, é de concluir que a norma do artigo 1817.º, n.º 1, do Código Civil, padece de inconstitucionalidade.”
5º
Por outro lado sempre se dirá que é consabida a discussão jurisprudencial, quer ao nível do Tribunal Constitucional, quer a nível do Supremo Tribunal de Justiça de tal norma, após declaração da inconstitucionalidade do aludido preceito, na redacção anterior, o qual fixava então o prazo de dois anos para a caducidade desse direito de acção, por violação do disposto no artigo 26º da Constituição da República Portuguesa.
6º
Na sequência dessa declaração de inconstitucionalidade, a referida Lei veio prescrever o prazo de 10 anos para o exercício desse direito.
7º
Afigura-se que o exercício desse direito não pode estar sujeito a qualquer limite temporal, sob pena de violação do direito à identidade pessoal verdadeira, consagrado no artigo 26º n.º 1 da CRP.
8º
O reconhecimento do estado de filiação constitui um direito pessoalíssimo, indisponível e imprescritível, que deve ser exercitado sem qualquer restrição, em face dos país ou seus herdeiros,
9º
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, estabelecido no n.º 3 do dito art. 26º da CRP, está interligado com o próprio direito à identidade biológica e pessoal.
10º
Pelo que, o limitar do direito de conhecimento da origem genética consagrado no mesmo preceito constitucional constitui uma violação do princípio da dignidade da pessoa humana.
11º
“É inconstitucional a norma contida no artigo 1817 n.º 1 do CC na recente redacção introduzido pela Lei 14/2009 medida em que é restritiva da possibilidade de investigar a, todo o tempo, a paternidade.” Ac. Tribunal Relação Porto de 15/03/2010
12º
Assim, salvo o devido respeito, entendemos que no mesmo sentido do acórdão supra plasmado a referida Lei 14/2009 de 1 de Abril exatamente pelas mesmas razões que estiveram na sua génese, enferma de inconstitucionalidade pelo que, quando tal vier a ser declarada, como se prevê, a presente decisão será irremediavelmente revogada e substituída por outra que considerará improcedente a referida exceção de caducidade, ordenando-se em consequência a prossecução dos presentes autos até final.
13º
Salvo melhor opinião, é nosso entender que pelas razões que estiveram na origem da declaração de inconstitucionalidade dos antigos artigos em questão, também a presente Lei 14/2009 de 1 de Abril ao fixar em 10 anos o prazo de interposição da ação de investigação é manifestamente inconstitucional.
14º
Mas mais, é nosso entender que a presente Lei, para além de enfermar dos mesmos vícios de inconstitucionalidade que os antigos artigos 1817º c 1842º, veio ainda criar uma nova e flagrante desigualdade de tratamento de todos aqueles que pugnaram e pugnam pelo seu direito à paternidade.
15º
Com efeito, até à declaração de inconstitucionalidade do prazo de caducidade do anterior artigo 1817º todas as pessoas que não se encontravam perfilhadas, apenas beneficiavam do prazo de 2 anos após a maioridade para propor as competentes ações de investigação.
16º
Na verdade, sempre que alguém com mais de 20 anos pretendia investigar as suas origens, era na generalidade dos casos, desaconselhado a fazê-lo, quer pelos serviços do M.P, quer pelos advogados, tudo por causa do prazo de caducidade então previsto no artigo 1817º do Código Civil.
17º
Ora, a nova lei 14/2009 se por um lado ao alargar o prazo, consagra a inconstitucionalidade das redações anteriores daqueles artigos, por outro lado, derroga o direito de todos aqueles que hoje) com mais de 28 anos não puderam por força de uma lei anterior (inconstitucional) exercer o seu direito para além dos 20 anos.
18º
Isto é, um jovem atual beneficia de um prazo de dez anos para além da maioridade, enquanto todos os outros com mais de vinte e oito anos, apenas beneficiaram do prazo de dois anos.
19º
Esta flagrante desigualdade, é também por si só, em nosso entender uma inconstitucionalidade.
20º
Como atrás já se referiu, esta nova Lei 14/2009 de 1 de abril, enferma dos mesmos vícios de inconstitucionalidade que a anterior redação dos artigos 1817 e 1842 do Código Civil, pois vai precisamente contra aquele que era já o entendimento pacífico da jurisprudência.
21º
Veja-se o entendimento expresso por Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República quando nos falam do direito à identidade pessoal, que inclui não apenas o interesse na identificação pessoal, na não confundibilidade com os outros e na constituição daquela identidade, como também, enquanto pressuposto para a autodefinição, o direito 'das próprias raízes, de um direito à historicidade pessoal.
22º
Ainda a este propósito veja-se a tese expendida no douto Acórdão do STJ de 17-04-2008:
I) “ o direito ao conhecimento da ascendência biológica, deve ser considerado um direito de personalidade e, como tal, possível de ser exercido em vida do pretenso progenitor e continuado se durante a ação morrer, correndo a ação contra os seus herdeiros, por se tratar de um direito personalíssimo, imprescritível do filho investigante.
II) Esse direito a conhecer a paternidade, valor social e moral da maior relevância, que se inscreve no direito de personalidade é um direito inviolável e imprescritível.
III) Em nome da verdade, da justiça e dos valores que merecem diferente tutela, deve prevalecer o direito â identidade pessoal, sobre a 'paz social' daquele a quem o mero decurso do tempo poderia assegurar impunidade, em detrimento de interesses dignos de maior proteção, como seja o de um filho poder investigar a sua paternidade, sobretudo se visa genuinamente, uma atuação que o direito não censura, pelo modo como é exercida - artigo 334 do Código Civil.
IV) O acórdão do Tribunal Constitucional de 10-01-2006, publicado no DR de 8-05-2006, I série, pags. 1026 a 1034, decidiu sobre a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo de caducidade do n.º 1 do artigo 1817 do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873 e porque tal declaração implica a remoção da norma do ordenamento jurídico, não pode ela ser aplicada pejos Tribunais, artigo 204º da Constituição da República.
V) Tal declaração de inconstitucionalidade não impõe que o julgador aja com recurso ao art. 10º n.º 3 do Código Civil, tendo que criar norma consonante com o espírito do sistema, porquanto não estamos perante uma lacuna da lei.
VI) A referida declaração de inconstitucionalidade implica que não existe atualmente, prazo de caducidade para a investigação de paternidade, não sendo aplicável o prazo de prescrição ordinária.” In www.dgsi.pt, n.º convencional JSTJ000.
23º
Ora esta nova lei 14/2009 que deveria vir preencher aquela lacuna, veio precisamente contrariar os princípios basilares deste acórdão, nomeadamente quanto ao direito de personalidade de conhecer a paternidade enquanto um direito inviolável e imprescritível.
24º
O direito de conhecer a paternidade é acima de tudo um direito imprescritível, pelo que nunca poderia ter sido conhecida e procedente a exceção da caducidade pelo tribunal a quo.
25º
O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-07-2010, vem dizer o seguinte:
'1. Quanto à caducidade da ação de investigação de paternidade, o artigo 1817º do CC, aplicável por força do art. 1873 CC (redacção do DL n.º 496/77 de 25/11), estabelece um prazo regra (n.º 1) e prazos especiais (n.ºs 3, 4 e 5), consoante a causa de pedir seja diretamente o vinculo ou as presunções legais.
2. Assim no n.º 1 estatui-se que a ação de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dois primeiros anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
3. No n.º 4 estatui-se que se o investigante for tratado como filho pelo pretenso pai, sem que tenha cessado voluntariamente esse tratamento, a ação pode ser proposta até um ano, posterior à data da morte daquele, tendo cessado voluntariamente o tratamento como filho a ação pode ser proposta dentro de um ano a contar da data em que o tratamento tiver cessado.
4. Com a publicação da Lei 14/2009 de 14/04, foram alterados os artigos 1817 e 1842 CC, aumentando-se os prazos de caducidade, cujo artigo 3º impõe a aplicação dessa lei aos processos pendentes - o artigo 1817 prevê agora, o prazo regra de la anos posteriores à maioridade (n.º 1) e prazos especiais (n.º 3, als. a) b) c).
5. Contudo, é dogmaticamente mais consistente a tese da imprescritibilidade deste tipo de ações, por estar em causa o direito à identidade pessoal, no qual se insere a chamado 'direito ao conhecimento da ascendência biológica', enquanto direito fundamental – art.º 26º, n.º 1 CRP. tratando-se de um direito de personalidade imprescritível.
6. Assim, deve entender-se que, nesta matéria, os prazos de caducidade, sejam eles quais forem, traduzem uma restrição desproporcionada ao direito fundamental à identidade pessoal, mais precisamente ao direito de historicidade pessoal, sendo por isso, inconstitucionais as normas dos artigos 1817 e 1842 CC, na redação introduzido pela Lei 14/2009, de 1/04, com o alargamento dos prazos.
7. As ações de investigação de paternidade e de impugnação de paternidade presumida, instauradas pelo filho, não estão sujeitas a prazos de caducidade.”
26º
A nova formulação do n.º 1 do artigo 1817 do CC, conferida pela Lei 14/2009 na medida em que, alargando o prazo de caducidade (de 2 para 10 anos) manteve uma limitação temporal para a propositura da ação, daí a sua inaplicabilidade ao caso concreto.
27º
Na verdade os prazos de caducidade impostos ao investigante, obstando a que a todo o tempo, obtenha o reconhecimento judicial da sua ascendência biológica, traduzem-se numa restrição, violadora dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 18, n.º 2, 26, n.º 1 e 36, n.º 1 da CRP, ou dito por outras palavras, configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade das pessoas.
28º
De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, sobre esta matéria:
'tem-se verificado uma progressiva, mas segura e significativa alteração dos dados do problema constitucionalmente relevantes a favor do filho e da imprescritibilidade da ação, designadamente, com o impulso científico e social para o conhecimento das origens, os desenvolvimentos da genética, e generalização dos testes genéticos de muita elevada fiabilidade. Esta alteração não deixa incólume e equilíbrio de interesses e direitos, constitucionalmente protegidos, alcançado há décadas, e sancionado também pela jurisprudência, empurrando-o claramente em favor do direito de conhecer a paternidade.
Nota-se também um movimento científico e social em direção ao conhecimento das origens, com desenvolvimentos da genética, nos últimos vinte anos, que tem acentuado a importância dos vínculos biológicos, o desejo de conhecer a ascendência biológica tem sido tão acentuado, que se assiste a movimentações no sentido de afastar o segredo sobre a identidade dos progenitores biológicos, mesmo no caso de reprodução assistida.'
29º
Ora, tal alteração dos dados do problema constitucionalmente relevantes que as citadas decisões desenvolvem exaustivamente aponta claramente para a solução da imprescritibilidade da acão de investigação da paternidade/maternidade, ou seja para a falta de justificação e de proporcionalidade que modernamente apoiem a existência de prazos de caducidade condicionando a instauração de tais ações.
30º
De qualquer modo a verdade é que o estabelecimento da paternidade se insere no acervo dos direitos personalíssimos, entre os quais o de conhecer a verdade biológica, ascendência e marca genética, enfim a inserção de cada um, numa genealogia com relevantes reflexos sociais e históricos.
31º
Como concluí Paulo Otero, a identidade pessoal tem uma dimensão absoluta e individual, sendo infungível, indivisível e irrepetível e uma dimensão relativa, com a 'história' ou 'memória' de cada um, própria e exclusiva da sua identidade (in 'Personalidade e identidade Pessoal e genética de Ser Humano - um perfil constitucional de bioética).
32º
E outra não é a conclusão a que tem chegado a jurisprudência do Tribunal Constitucional, que nunca pôs em dúvida que, seja do direito à integridade pessoal, em particular do direito à integridade moral (art, 25, n.º 1), seja do direito à identidade pessoal, pode e deve extrair-se um verdadeiro direito fundamental ao conhecimento da paternidade/maternidade.
33º
Aliás um tal direito inclui o direito à identidade genética própria e em consequência ao conhecimento dos vínculos de filiação 'no ponto em que a pessoa é condicionada na sua personalidade pelo fator genético (cof. Prof Jorge Miranda e Dr. Rui Medeiros in Const. Da Rep. Port. Anotada - 2005, I, 204/205).
34º
Aderindo a estas reflexões e à conceptualização do direito a conhecer a sua ascendência por parte da Autora e de estabelecer um vínculo biológico conducente ao estabelecimento de um vínculo jurídico, podemos concluir que o Estado não pode limitar o assentamento da filiação/identidade pessoal, com limitação de prazos independentemente da sua duração, extensão e 'terminus ad quem'.
35º
Aliás vai nesse sentido a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, plasmada no Ac. do STJ de 14/2006-06A2489, Ac. do STJ de 23/10/2007-07A2736, Ac. do STJ de 31/01/2007 - 06A4303, Ac. do STJ de 17/04/2008 - 08A474, Ac. do STJ de 8/6/2010 - Proc. 1847/08, Ac. do STJ de 21/09/2010 – proc. 4/07, Ac. do STJ de 27/1/2011 – proc. 123/08 e Ac. 6/09/2011 - proc. 1167/10.
36º
Todos afirmando que o direito à identidade pessoal, nele incluído o direito de conhecer e ver conhecida a sua ascendência biológica, configura um direito de índole pessoalíssima e imprescritível consagrado constitucionalmente, dai que o estabelecimento de prazos de caducidade, sejam eles quais forem, a condicionar a instauração de ações de investigação de paternidade/maternidade, traduzem-se em restrições desproporcionadas ao direito à identidade pessoal e ao direito à integridade moral, violadoras da Constituição.
37º
Pelo que, só assim não seria se essas restrições pudessem ser tidas como proporcionais, o que passa por analisar os fundamentos que têm sido utilizados neste sentido, destacam-se entre eles: a segurança jurídica dos pretensos pais e herdeiros, a perda ou 'envelhecimento' das provas, que são no entanto facilmente rebatíveis.
38º
'A questão da sujeição de tais ações a prazo dc caducidade colide obviamente com o direito do investigante a conhecer as suas raízes, a sua filiação biológica, a sua identidade pessoal, o que tem a ver com a dignidade da pessoa humana – arts. 1º n.º 1 e 26º n.º 1 da CR.
39º
Esse direito a conhecer a paternidade, valor social, e moral da maior relevância, que se inscreve no direito de personalidade é um direito imprescritível e invioláve1.
40º
A certeza e a segurança jurídica, em nome da verdade, da justiça e de valores que merecem uma tutela diferente, deve prevalecer o direito à identidade pessoal sobre a paz social daquele a quem o mero decurso do tempo poderia assegurar impunidade, em detrimento de interesses dignos da maior proteção, como seja o de um filho poder a todo o tempo investigar a sua paternidade'.
41º
Neste mesmo sentido o STJ declarou em acórdão proferido a 6 de Setembro do ano de 2011, 'que não se afigura que possam ser invocadas razões de segurança jurídica para limitar por via legislativa o direito de qualquer pessoa ao reconhecimento pessoal ou ainda o direito ao Livre desenvolvimento da personalidade'.
42º
Sublinha ainda que: 'Razões de ordem prático-processual não conferem dignidade para poderem ser invocadas como razões idóneas, válidas e consistentes quando posta' em confronto com os direitos fundamentais fundantes da pessoa humana'
43º
Para o Supremo, o motivo de ordem patrimonial que poderia estar presente na opção do legislador para limitar os prazos legais da investigação 'constitui-se perverso e de frágil consistência estrutural e sistémica para poder ser esgrimido contra valores e princípios essenciais da pessoa humana'.
44º
Por isso mesmo veio considera inconstitucional o n.º 1 do artigo 1871º do Código Civil na redação que lhe foi conferi da pela Lei 14/2009 de 1 de Abril.
Por todo o exposto, deve a presente reclamação ser considerada procedente e, em consequência, ser a douta decisão sumária reformada por outra que determine a não aplicação da norma constante no artigo 1817º, n.º 1 do Código Civil por força do artigo 1873 do mesmo Código, por padecer de inconstitucionalidade ao prever, para as acções de investigação de paternidade, um prazo geral de caducidade de dez anos contados da maioridade do investigante, junto seguindo-se os ulteriores termos processuais.”
O Ministério Público e o Recorrente pronunciaram-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
Conforme se refere na decisão reclamada a constitucionalidade desta norma já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional que, reunido em Plenário, decidiu não a julgar inconstitucional no Acórdão n.º 401/2011.
A argumentação aduzida pela Recorrente nesta reclamação já foi objeto de ponderação nesse aresto.
Não existindo qualquer dado novo que motive uma reponderação do sentido da decisão então tomada, deve o Tribunal manter a sua aplicação, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas da reclamação pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa 20 de março de 2013. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.