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Processo n.º 247/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 28 de fevereiro de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 187/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Do artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC decorre que o recorrente tem o ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie. Notificado para indicar, com precisão, as normas cuja apreciação pretende, o recorrente continua a não satisfazer este requisito do requerimento de interposição de recurso. Tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 2, da LTC).
Constitui entendimento reiterado deste Tribunal que o recorrente pode requerer a apreciação de uma norma, considerada esta na sua totalidade, em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos, o Acórdão n.º 232/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Mas, neste último caso, tem «o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional» (Acórdão n.º 21/2006, disponível no mesmo local), uma vez que o objeto do recurso é definido no requerimento de interposição de recurso (cf., entre outros, os Acórdãos n.ºs 286/2000 e 293/2007, disponíveis no mesmo local).
Ora, é esta enunciação, clara e percetível, do exato sentido normativo dos preceitos legais em causa que falta no requerimento de interposição de recurso e no aperfeiçoamento subsequente. Apesar de o recorrente ter especificado a “interpretação” de determinados preceitos legais – não integralmente coincidentes com aqueles que constam agora do aperfeiçoamento do requerimento – nos seguintes termos: “quando verificada a omissão de audição do arguido nos termos do n.º 4 do art. 215º do CPP, e existindo um despacho judicial a admitir essa irregularidade, sem, contudo o revogar para deixar de produzir efeitos, nomeadamente quanto à elevação de prazo de duração de prisão preventiva, não pode a providência de Habeas Corpus apreciar a sua correção”».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, com os seguintes fundamentos:
«De acordo com a decisão sumária agora censurada, o recorrente não cumpriu o ónus de enunciar de forma clara e percetível o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
Ora, salvo sempre o devido respeito, este ónus foi cumprido, pelo menos, com suficiente clareza.
E assim nada impede este Tribunal Constitucional de delimitar o sentido normativo e conhecer da questão.
Assim já aconteceu em variadíssimas decisões deste Tribunal, quando o sentido normativo identificado pelo recorrente no seu recurso não foi exatamente aquele que foi objeto de decisão pelo Tribunal Constitucional, como é exemplo a proferida no processo 739/09 - relator: Conselheiro Vítor Gomes;
E na verdade, aproveitando o acórdão 21/2006 a que se faz referência na decisão sumária agora sujeita a reclamação, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adotado, por ser incompatível com a Lei Fundamental.
E neste sentido, não nos parece que a interpretação das normas legais identificadas e precisadas pelo recorrente, impeçam que os operadores jurídicos em geral fiquem a saber, em caso de desconformidade com a Constituição, qual o sentido daquela norma que não podem adotar.
E de facto, o recorrente identificou a exata interpretação normativa que considerou inconstitucional, recorrendo às exatas palavras usadas na decisão recorrida:
- Ora, no entendimento de que o suprimento da irregularidade do despacho que declarou a excecional complexidade do procedimento se basta com a concessão ao requerente da oportunidade para se pronunciar sobre a matéria, não implicando a revogação de tal despacho, não se manifesta a ocorrência de um abuso de poder.
- Não pode, pois a providência ser utilizada para apreciar a correção ou incorreção dessa decisão judicial uma vez que, nela não se evidencia um qualquer atentado arbitrário à liberdade do requerente.
- Não cabe, pois, no âmbito da providência excecional do habeas corpus a sua apreciação.
Refere-se ainda, quando verificada a omissão de audição do arguido nos termos do n.º4 do art. 215º do CPP, e existindo um despacho judicial a admitir essa irregularidade, sem, contudo o revogar para deixar de produzir efeitos, nomeadamente quanto à elevação de prazo de duração de prisão preventiva, não pode a providência de Habeas Corpus apreciar a sua correção.
Não deve ser ignorado, que o arguido se socorreu do teor de um acórdão do S.T.J. – nosso negrito - que, ainda mais clarifica a posição do recorrente neste recurso, e que consta do recurso agora apresentado
(...)
O despacho que declarou a especial complexidade assentou, pois, na negação aos peticionantes desse direito de audição, que constitui uma garantia fundamental da defesa do arguido (art. 32º, nº 1da Constituição), abrangendo todas as decisões que possam pessoalmente afetá-lo, e que assume especial relevância naquela situação, uma vez que a declaração de especial complexidade determina a prorrogação do prazo de prisão preventiva.
A negação do direito de audição, violando o núcleo das garantias de defesa do arguido, constitui um abuso de poder, que invalida o despacho que declarou a especial complexidade do processo.
Por isso, sendo o prazo da prisão preventiva de 10 meses, por força do nº 2 do art. 215º do CPP, constata-se que esse prazo já decorreu (uma vez que os peticionantes se encontram presos desde 8.1.2009), pelo que a petição de habeas corpus tem fundamento, nos termos da al. c) do nº 2 do art. 222º do CPP.
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público respondeu vem dizer o seguinte:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 187/2013,não se conheceu do objeto do recurso porque o recorrente, mesmo após ter sido notificado do despacho-convite de fls. 216, não enunciara, de forma clara e percetível, qual o exato sentido dos preceitos legais que indicava.
2º
Na verdade, lendo o requerimento de interposição do recurso, embora se entenda o que pretende o recorrente, não se vislumbra a enunciação clara, precisa e concisa de uma questão de inconstitucionalidade que se pretenda ver apreciada.
3º
Para demonstrar essa falta de clareza, bastará colocar as seguintes perguntas: Se o Tribunal conhecesse do mérito, que interpretação normativa iria apreciar? O que deveria constar da parte decisório do Acórdão?
4º
Seguramente que não poderia ser o que o recorrente refere no requerimento.
5.º
Ora, definir de forma clara e precisa o objeto do recurso é um ónus que recai, exclusivamente, sobre os recorrentes, não podendo o Tribunal substituir-se-lhes.
6.º
O recorrente afirma que recorreu às exatas palavras do acórdão recorrido e é verdade.
7.º
Só que, nessa parte do acórdão, apreciava-se o pedido e os fundamentos invocados, não uma questão de inconstitucionalidade e muito menos de natureza normativa.
8.º
O que o recorrente podia e devia ter feito era, recorrendo e utilizando o afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, enunciar claramente uma questão de inconstitucionalidade normativa, o que não fez, apesar das oportunidades de que dispôs.
9.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso por o recorrente não ter satisfeito um dos requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade interposto – a indicação da norma cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (artigo 75.º-A, n.º 1, parte final, da LTC). Mais concretamente, entendeu-se que o reclamante não enunciou, clara e percetivelmente, no requerimento de interposição de recurso e no aperfeiçoamento subsequente, o exato sentido normativo dos preceitos legais cuja apreciação pretendia.
Para contrariar o decidido, o reclamante começa por sustentar que cumpriu o ónus da indicação da norma cuja apreciação pretende com suficiente clareza, nada impedindo o Tribunal Constitucional de delimitar o sentido normativo e conhecer da questão. Sucede, porém, que é sobre o recorrente que impende o ónus de delimitar o sentido normativo do preceito legal/dos preceitos legais que considera inconstitucional. O cumprimento de tal ónus não representa simples observância do dever de colaboração das partes com o Tribunal, mas constitui, antes, o preenchimento de um requisito formal essencial ao conhecimento do objeto do recurso (Acórdão n.º 200/97, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
O reclamante argumenta, ainda, que recorreu às exatas palavras usadas na decisão recorrida, reproduzindo-as na presente reclamação. Só que, como bem destaca o Ministério Público, tais palavras inserem-se na apreciação do pedido e dos fundamentos invocados, não tendo o recorrente extraído delas a norma aplicada como razão de decidir. E, por isso, não especificou, no requerimento de interposição de recurso e no aperfeiçoamento subsequente, o sentido normativo dos preceitos do Código de Processo Penal cuja apreciação pretendia.
O recorrente não o fez, em termos de o Tribunal, no caso de julgar inconstitucional tal norma, a poder enunciar na decisão, de modo a que os destinatários dela e os operadores do direito em geral fiquem a saber que esses preceitos legais não podem ser aplicados com um tal sentido (entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 106/99 e 21/2006, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Nem sequer quando especificou que determinados preceitos do Código de Processo Penal devem ser julgados inconstitucionais quando interpretados e aplicados, «quando verificada a omissão de audição do arguido nos termos do n.º 4 do art. 215.º do CPP, e existindo um despacho judicial a admitir essa irregularidade, sem, contudo o revogar para deixar de produzir efeitos, nomeadamente quanto à elevação de prazo de duração de prisão preventiva, não pode a providência de Habeas Corpus apreciar a sua correção». Este enunciado é apenas significativo da realidade fática relativamente à qual importava decidir.
Importa, pois, confirmar a decisão sumária prolatada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 9 de maio de 2013. - Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.