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Processo n.º 75/13
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação apresentada tem o seguinte teor:
«(...)
A., S.A., ora recorrente, notificada da Decisão Sumária n.º 104/, vem reclamar da mesma para a conferência nos termos do artigo 78.º-A, n.º 3 Lei 28/82, com os seguintes fundamentos, vem dizer o seguinte:
A decisão pugnou pela não admissão do recurso porque entende que a ratio decidendi do Acórdão do Tribunal da Relação não coincide com a questão suscitada no recurso de apelação da recorrente e consequente recurso da decisão arbitral.
A douta decisão afirma que a ratio decidendi reside na aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações, por se entender que uma indemnização que deve ser “mais elevada do que se se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com atual capacidade edificativa” (fls. 658), o que nos deixa deveras perplexos por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, o trecho do acórdão citado não constitui qualquer juízo argumentativo levado a cabo pelo Tribunal da Relação nem corresponde ao critério normativo por ele aplicado. Pelo contrário, o Tribunal da Relação menciona aquele critério claramente como obiter dictum, no momento em se refere ao Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2011 (a fls. 658), mas não o aplica diretamente ao caso vertente. Ao caso vertente, como veremos, o Tribunal da Relação sustenta-se essencialmente e como ratio decidendi no facto de o prédio se encontrar registado a favor dos expropriados em data anterior à entrada em vigor do PDM de Matosinhos. É o que claramente resulta do parágrafo, a fls. 658 que começa com “No caso dos autos...” bem como de toda a argumentação expendida no Acórdão que retoma a pari passu o mesmo argumento: cfr. a fls. 662 a menção à ratio da norma do artigo 26.º, n.º 12 que é a de tutela de expectativas de valorização fundiária que os proprietários dos terrenos “vão criando e consolidando a partir do momento em que adquirem tais terrenos”.
O conteúdo normativo que fundamenta o acórdão e cuja interpretação está em causa, é, portanto, a hipótese e qualificação legal da situação em função do artigo 26.º, n.º 12 CE. Parece óbvio que avaliar uma parcela de acordo com a envolvente, contrariamente ao destino admitido pelo instrumento de gestão territorial à data da DUP, implicará sempre um valor superior, o que contraria os desígnios constitucionais e legais da justa indemnização.
Ora, a questão reside aqui.
Qual é o iter argumentativo e consequente resultado normativo que conduzem à aplicação ao caso do artigo 26.º, n.º 12?
Qual é o sentido que permite derrogar de uma só pena um regime jurídico - o dos instrumentos de gestão territorial que vincula imperativamente todos os cidadãos -, que, sem que se perceba claramente, deixa de ser aplicável à avaliação pericial e à decisão em sede de expropriações por utilidade pública?
Certamente não está em causa aferir se se trata de um terreno agrícola ou de um terreno apto para construção, antes está em causa a aplicação do artigo 26.º, n.º 12 como fundamento autónomo - assente no mero facto de o prédio pertencer em data anterior ao Plano aos mesmos proprietários, ora expropriados -, para alavancar o reconhecimento de um destino económico diferente do que o admitido pelo Plano Diretor Municipal em vigor à data da DUP.
É esta interpretação e resultado interpretativo que estão em causa nos presentes autos e foram eles que efetivamente constituíram a ratio decidendi do Tribunal da Relação.
Dito isto, o thema decidendum é a aplicação analógica ou extensiva (realce-se o difícil que é querer equiparar duas formas, que na sua génese e natureza são formas distintas de interpretação) do artigo 26.º, n.º 12.
Afirma o Acórdão a fls. 656 que a parcela estava onerada por uma “zona non aedificandi” e que por isso não podia ser classificada como apto para construção. Para tal vai beber ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2011 parte da fundamentação. Aqui se inclui o que a douta decisão entende que é o thema decidendum.
Afirmando o Acórdão em seguida, o sentido normativo da sua interpretação ao artigo 26.º, n.º 12 CE - o verdadeiro thema decidendum:
“O preceito em apreço pressupõe a concorrência do seguinte circunstancialismo temporalmente sequencial: o expropriado é proprietário de um terreno que, aquando da sua aquisição, é classificável como ‘solo apto para construção’; tal terreno é posteriormente classificado pelo plano diretor municipal, de urbanização ou de pormenor de forma a ser-lhe retirada a sua capacidade edificativa; o terreno em causa vem a ser objeto de expropriação.”
Rematando depois,
“Verificado este condicionalismo, o terreno expropriado, ainda que não possa continuar a ser classificado como ‘solo apto para construção’, o respetivo proprietário, por virtude da desafetação determinada no processo expropriativo, deve ser indemnizado como se o fosse, segundo o critério apontado pelo n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações”.
Aqui está, sem margem para dúvidas a interpretação formulada pelo Tribunal, tendo sido nela que ele assentou a sua decisão.
Não estão em causa solos agrícolas e muito menos a determinação de um seu pretenso valor intermédio. O Tribunal afirma, sem qualquer dúvida que, independentemente do prescrito no PDM, o solo terá que ser ficcionado como tendo um destino construtivo equivalente ao dos solos que lhe são próximos, apenas porque foi expropriado de quem já antes da entrada em vigor do PDM, era seu proprietário.
Ou seja, entende o Tribunal da Relação que o artigo 26.º, n.º 12 permite reconhecer capacidade edificativa a uma parcela que sem margem para dúvidas não tinha por força do Plano Diretor Municipal
Pelo que o pedido de fiscalização concreta coincide com o thema decidendum do Tribunal ad quo: que seja julgada inconstitucional a interpretação do artigo 26.º, n.º 12 do Código de Expropriações quando através desta norma se reconhece para uma parcela em área verde de proteção ou parque uma capacidade construtiva que viola as normas urbanísticas previstas no Instrumento de gestão territorial em vigor, maxime o Plano Diretor Municipal
Estamos em crer que certamente resultou de um lapso a presente decisão, caso contrário, a fundamentação da mesma não corresponde aos presentes autos.
Acresce que não tem o recorrente capacidade de adivinhação para incluir nas suas alegações expressis verbis o que vai ser julgado e como vai ser julgado pelo Tribunal, contudo e é seu ónus, que preveja o sentido normativo que aquele possa tomar. Foi o que fez de forma diligente e cuidada.
Pelo exposto não há razão séria e juridicamente e processualmente fundada para não conhecer do presente recurso, pois o thema decidendum coincide com o objeto do presente recurso, pelo que deve o mesmo ser admitido, seguindo os seus termos até final.
(...)»
3. Notificado para o efeito, o recorrido pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., S.A., melhor identificada nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), pretendendo ver apreciadas as seguintes questões de constitucionalidade:
«(...)
§ 2. Está em causa a aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações e o facto do douto acórdão ter reconhecido:
(ii) aptidão construtiva a uma parcela em zona condicionada;
(iii) tendo aquela sido valorada com uma capacidade que viola o disposto no Plano Diretor Municipal em vigor para a parcela.
De acordo com a posição firmada pelo douto acórdão, uma parcela poderá ser classificada como solo apto para construção por aplicação autónoma do artigo 26.º, n.º 12, desde que o expropriado seja proprietário da parcela expropriada antes da aprovação do instrumento de gestão territorial em vigor, invocando para o efeito o princípio da igualdade entre os expropriados e os vizinhos não expropriados (cfr. fls. 657-658 dos autos). Socorrendo-se do mesmo dispositivo, conclui ainda o Tribunal a fls. 662 dos autos que, a capacidade construtiva deve ser aferida de acordo com a ocupação existente na envolvente, na qual se funda a expectativa dos expropriados e não de acordo com o previsto e admitido pelo instrumento de gestão territorial.
(...)
b) Pretende-se que o Tribunal aprecie:
(i) a inconstitucionalidade resultante da aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do Código das Expropriações quando através desta norma se reconhece para uma parcela em área verde de proteção ou parque uma capacidade construtiva que viola as normas urbanísticas previstas no Instrumento de gestão territorial em vigor, maxime o Plano Diretor Municipal.
E
(ii) a inconstitucionalidade do artigo 26.º, n.º 12 do Código de Expropriações quando através desta norma se reconhece uma indemnização por perda de capacidade construtiva verificada através de um instrumento de gestão territorial, sem que se tenha demonstrado existir qualquer manipulação urbanística das regras aplicáveis.
(...)»
2. Por despacho do Secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas de 14 de setembro de 2004, publicado no Suplemento ao Diário da República, n.º 241, II Serie, de 13 de outubro de 2004, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação da parcela identificada pelo n.º 52, com a área de 5.249 m2, propriedade dos expropriados B. e C., sendo a entidade expropriante “A., S.A.”.
Efetuada, em 11 de novembro de 2004, a vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, e tendo a expropriante tomado posse administrativa da parcela em 28 de janeiro de 2005, teve lugar a arbitragem, cujo acórdão, datado de junho de 2006, classificando o solo como “apto para construção”, atribuiu à parcela expropriada o valor de € 238.377,06, correspondente à soma do valor do terreno (€ 235.890, 06) e das benfeitorias (€ 2.487) – fls. 158 e ss. Expropriante e expropriado interpuseram recurso da decisão arbitral, pugnando pela fixação da indemnização nos montantes globais de, respetivamente, € 44.616, 50 e de € 1.388.684, 76.
Teve lugar a diligência instrutória de avaliação, tendo sido apresentados dois laudos, um, subscrito pelos peritos nomeados pelo Tribunal e pelos expropriados, que fixou a indemnização em € 789.837 – nele incluído o valor do terreno e das benfeitorias – outro, subscrito pelo perito indicado pela expropriante, a fixar a indemnização em € 50.600, 36. A sentença aderiu ao laudo maioritário dos peritos, fixando a indemnização em €789.837.
Seguiu-se o recurso interposto pela entidade expropriante, junto do Tribunal da Relação do Porto, em cujo requerimento, com pertinência para as questões de constitucionalidade supra identificadas, se concluiu o seguinte:
«(...)
7ª: As zonas que se encontram condicionadas no seu uso e ocupação não podem ser avaliadas como se solos urbanos fossem imediatamente aptos para construção.
8ª: A parcela não se consubstanciava num solo apto para construção por força do regime regulamentar que o vinculava: o Plano Diretor Municipal.
9ª: O destino económico traçado terá de respeitar o prescrito no PDM de Matosinhos, instrumento jurídico que visa restabelecer a igualdade entre proprietários ao afetar o uso e ocupação do solo de acordo com o ius aedificandi.
10ª: A interpretação pugnada pelo Tribunal a quo ao aplicar os artigos 25, nº 2 al c) e 26º, nº 12 do Código das Expropriações é inconstitucional, quando reconhece, para as áreas da parcela classificadas pelo Plano Diretor Municipal em Área Verde de Proteção ou Parque, capacidade construtiva superior à que resulta do Plano Diretor Municipal.
11ª: O tribunal ao fixar determinada indemnização está a pronunciar-se postumamente sobre o ius aedificandi da parcela expropriada e da existência de uma legítima expectativa juridicamente tutelada na esfera jurídica do expropriado, o que, como tal e ao abrigo do princípio da igualdade, pressupõe que se indague das possibilidades do integral e válido deferimento dessa mesma capacidade edificativa à data da Declaração de Utilidade Pública não fora a existência de uma expropriação.
(...)
20ª: O artigo 26º, nº 12 faz protelar a atribuição da indemnização pela expropriação por plano (uma vez que, e segundo os esclarecimentos dos peritos, a indemnização deve compensar o facto do expropriado não ter podido construir na parcela por força da previsão do espaço canal) à ocorrência de um facto futuro e incerto – a realização de obra – e por critérios que não eram os existentes à data do facto danoso (a classificação operada pelo plano).
21ª: Não bastam por isso meros indícios, é necessário provar a existência de um nexo de causalidade entre a classificação prevista pelo PDM e a presente DUP.
22ª: O que manifestamente não é possível estabelecer, uma vez que a perda patrimonial resulta do Plano e respetiva aprovação e não da expropriação.
23ª: O Tribunal a quo ao justificar a capacidade construtiva e o índice de 1m2/m2 com base no artigo 26º, nº 12, realiza uma interpretação inconstitucional do mesmo, quando imputa à expropriação a perda da capacidade construtiva da parcela, uma vez que aquela perda resulta, não da expropriação, mas de uma opção do Plano Diretor Municipal;
24ª: Esta interpretação viola por isso princípios da igualdade, na sua dimensão externa, proporcionalidade e justa indemnização (artigos 13º, nº 1, 18º, nº 2 e 3 e 62º, nº 2 CRP).
25ª: Ao realizar tal interpretação o Tribunal a quo está a beneficiar os expropriados aos lhes conceder uma indemnização por expropriação de plano, quando está vedada aos demais proprietários em zona verde ou de proteção nos termos gerais do direito e consequente inconstitucionalidade, nos termos do artigo 143º do RJIGT.
(...)
27ª: Sem conceder, ainda que se defenda a aplicação do artigo 26º, nº 12 CE, para permitir a classificação do solo como apto para construção, o seu preço não pode ser determinado somente pelas pretensas expectativas edificatórias que a sua localização potencia.
28ª: O Tribunal a quo ao fixar o valor do solo em zona condicionada como se tratar de um solo em zona de construção, violou o princípio da igualdade na sua dimensão interna ao não corrigir o valor de mercado obtido por aplicação de critérios que não representam as condicionantes reais e jurídicas que oneram a parcela e que em momento algum permitem equiparar o valor da parcela como terreno classificado como urbano.
29ª: Pelo que, mesmo admitindo a aplicação do artigo 26º, nº 12, a avaliação terá que incluir a aplicação de fatores corretivos que assegurem a determinação do real valor dos mercados, designadamente aplicando-se o fator corretivo a título de taxas de esforço/risco, no valor máximo de 15%, sob pena de interpretação inconstitucional do artigo 23º e 26º CE por violação do princípio da igualdade e artigo 13º, nº 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18º, nº 2 e 3 CRP e princípio da justa indemnização, artigo 62º, nº 2 CRP.
(...)
37ª: Devem, ainda, por imperativo de igualdade, logo de acordo com o princípio da justa indemnização, ser considerados todos os fatores objetivos que bulam na formação do preço de mercado de uma parcela expropriada sob pena de se realizar uma interpretação inconstitucional dos artigos 23º, nº 1 e 26º CE por violação do princípio da igualdade e artigo 13º, nº 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18º, nº 1 e 2 CRP e o princípio da justa indemnização e artigo 62º, nº 2 CRP, que aqui expressamente se invoca;
45ª: É mandatório considerar o encargo que representa um contrato de arrendamento existente nos autos, inquina a avaliação e frustra o alcance da justa indemnização previsto nos artigos 23º, nº 1 e 26º CE, pelo que por imperativo constitucional devem ser considerados todos os fatores objetivos que bulam com formação do preço de mercado sob pena de se realizar uma interpretação inconstitucional dos artigos 23º, nº 1 e 26º CE por violação do princípio da igualdade e artigo 13º, nº 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18º, nº 1 e 2 CRP e o princípio da justa indemnização e artigo 62º, nº 2 CRP, que aqui expressamente se invoca.
46ª: Não está por isso a natureza autónoma do encargo, nem a natureza autónoma da indemnização devida pela ablação do direito de propriedade, o que está em causa é a não contabilização de todos os fatores objetivos que influenciam o valor de mercado da parcela, último critério que permite repor a situação patrimonial do expropriado.
47ª: A interpretação pugnada pelo Tribunal a quo dos artigos 23º, 26º e 30º CE é inconstitucional quando não toma em consideração nem deduz o custo que qualquer interessado (incluindo o expropriado) teria que suportar para rentabilizar a parcela para um fim diferente daquele que existia à data da DUP e constituía o objeto dos contratos de arrendamento existentes.
48ª: Ao não ter corrigido o valor da indemnização em conformidade com a realidade de facto e de direito da parcela, não se determinou o valor real e de mercado para a parcela, pelo que foi violado princípio da igualdade e artigo 13º, nº 1 CRP, princípio da proporcionalidade e artigo 18º, nº 1 e 2 CRP e o princípio da justa indemnização e artigo 62º, nº 2 CRP.
(...)»
Instado a pronunciar-se, o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão com data de 8 de novembro de 2012, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
3. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Sucede que o presente recurso de constitucionalidade não dá cumprimento cabal a estes requisitos. A primeira questão de constitucionalidade levantada pela recorrente no seu requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional resulta, recorde-se, “da aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do Código de Expropriações quando através desta norma se reconhece para uma parcela em área verde de proteção ou parque uma capacidade construtiva que viola as normas urbanísticas previstas no Instrumento de gestão territorial em vigor, maxime o Plano Diretor Municipal”, por violação dos artigos 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 62.º, n.º 2, da CRP. No entender da recorrente, subjacente à decisão recorrida está o entendimento de que “uma parcela poderá ser classificada e avaliada como solo apto para construção por aplicação autónoma do artigo 26.º, n.º 12, desde que o expropriado seja proprietário da parcela expropriada antes da aprovação do instrumento de gestão territorial em vigor”.
Uma tal dimensão normativa não foi, porém, ratio decidendi – leia-se, fundamento determinante – da decisão recorrida, o que pressupõe – naturalmente – a existência de coincidência entre a interpretação normativa contestada pela recorrente e aquela que foi efetivamente sufragada pelo tribunal a quo (v. o Acórdão n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Com efeito, não se vislumbra de que forma a interpretação normativa veiculada pela decisão recorrida pode implicar uma violação das normas urbanísticas previstas no instrumento de gestão territorial em vigor. Ocorre, simplesmente, que o tribunal a quo, interpretando os preceitos legais pertinentes, decidiu aplicar o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, apurando, em consequência, para a respetiva parcela, uma indemnização que deve ser “mais elevada do que se se tratasse apenas de terreno agrícola, mas menos elevada que a devida aos terrenos com atual capacidade edificativa” (fls. 658).
Já a segunda questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente tem que ver novamente com o artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações “quando através desta norma se reconhece uma indemnização por perda de capacidade construtiva verificada através de um instrumento de gestão territorial, sem que se tenha demonstrado existir qualquer manipulação urbanística das regras aplicáveis.”
Esta questão de constitucionalidade não foi, no entanto, suscitada pela recorrente durante o processo. É sobejamente conhecida a forma como a jurisprudência constitucional vem entendendo este pressuposto processual. Como se explica no Acórdão n.º 220/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), «a locução “durante o processo” exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão da constitucionalidade, em termos de a mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide. Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso da parte que dela participa. Aí a questão da constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o feito submetido a julgamento, só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O interesse processual na validação da norma (G. Canotilho e V. Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronta, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis.»
Ora, confirma-se a partir do requerimento de recurso para o Tribunal da Relação do Porto que o tribunal recorrido não foi antecipadamente confrontado com a interpretação normativa agora em análise, pelo que nada obstando a que o tivesse sido, deve a suscitação promovida no recurso de constitucionalidade vertente ter-se, necessariamente, por intempestiva.
Assim sendo, há que concluir que não se acham cumpridos os pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, alínea ao abrigo da qual o presente recurso de constitucionalidade é interposto.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante em nada machuca o acerto da decisão sumária proferida. Com efeito, o juízo de não conhecimento agora objeto de reclamação fundou-se no não preenchimento, pelo recurso de constitucionalidade interposto, dos pressupostos processuais inferidos a partir da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, concretamente, na circunstância de a primeira das interpretações normativas cuja constitucionalidade se contestou não ter sido ratio decidendi da decisão recorrida, e de a segunda não ter sido objeto de suscitação durante o processo, obstando – nessa medida – a que o tribunal recorrido sobre ela se debruçasse.
Argumenta a reclamante que a decisão recorrida, isto é, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, espelha com rigor a interpretação normativa vertida no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, e que tem que ver com a “aplicação do artigo 26.º, n.º 12 do Código de Expropriações quando através desta norma se reconhece para uma parcela em área verde de proteção ou parque uma capacidade construtiva que viola as normas urbanísticas previstas no Instrumento de gestão territorial em vigor, maxime o Plano Diretor Municipal”, por violação dos artigos 13.º, 18.º, n.ºs 2 e 3 e 62.º, n.º 2, da CRP. Desse jeito, conclui não haver “razão séria e juridicamente e processualmente fundada para não conhecer do presente recurso, pois o thema decidendum coincide com o objeto do presente recurso.”
Ora, não há dúvida de que a questão de direito dirimida pelo tribunal recorrido se prende com a aplicação in casu do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações. Sucede que, talqualmente se afirmou na decisão sumária reclamada, não deflui do acórdão recorrido que essa aplicação se haja traduzido numa violação “das normas urbanísticas previstas no Instrumento de gestão territorial em vigor, maxime, o Plano Diretor Municipal”. Na verdade, este concreto e preciso segmento do entendimento normativo impugnado afigura-se já uma extrapolação da reclamante a partir da decisão recorrida, pelo que, não tendo nela suficiente respaldo, não pode assumir-se como seu fundamento determinante.
Não logrando a reclamante demonstrar, na reclamação apresentada, a total coincidência entre a interpretação normativa que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional e a interpretação normativa efetivamente sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto, há que concluir – novamente – pelo não preenchimento dos requisitos processuais associados ao recurso de constitucionalidade vertente, e, consequentemente, pelo acerto da decisão sumária objeto de reclamação.
III. Decisão
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 9 de abril de 2013.- José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.