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Processo n.º 197/13
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 30 de janeiro de 2013, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da LTC, do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto da Supremo Tribunal de Justiça, em 16 de janeiro de 2013 (fls. 2668 e 2669), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 18 de dezembro de 2012 (fls. 2664), com fundamento na falta de suscitação processualmente adequada da inconstitucionalidade normativa, do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 28 de maio de 2012 (fls. 2453 a 2484), que foi posteriormente confirmado por acórdão proferido pelo mesmo Tribunal, em 16 de outubro de 2012 (fls. 2621 a 2627), que indeferiu arguição de nulidade.
2. A reclamação deduzida pode sintetizar-se do seguinte modo:
«1 – Em 02.11.2012, fez apresentar requerimento em que interpunha recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que “ao dar como assente dada matéria em sede de especificação (as alíneas BB), CC) e DD) deixou de conhecer da relevância da questão às mesmas atinente, aliás suscitada em requerimento (aliás, alegações do aqui R. apelante) junto aos autos e datado de 29.05.2006 - p. 8, a qual se tornou entretanto despicienda face à consagração total da posição defensional do aqui recorrente — e ali R. — aquando da decisão em 1ª instância) de 09.11.2010 -relevância, todavia, readquirida após e em face da decisão do douto acórdão da Relação (a fls. 2367 dos autos e datado de 07.12.2011), [demais que] assumindo a posição de que será entendimento permitido do segmento normativo dos artigos 684° - A, n° 2 e 715°, ambos do CPC, que a parte recorrida -vencedora, quando e porque obteve vencimento total, não poderia ver feita a reapreciação da suficiência/insuficiência da matéria de facto, mesmo que anteriormente suscitada e não decidida expressamente.
Tal interpretação feriria o princípio do “due process” ou processo equitativo, consagrado no artigo 20º, nº 4 da C. Rep. (doc. n° 1)
2 - Tal requerimento foi apresentado dentro do prazo legal a contar da notificação do douto acórdão aclarador de 16.10.2012 (doc. n° 2)
3 - E, porque em tempo, sobre ele recaiu douto despacho datado de 05.12.2012 — cfr. fls. dos autos, com a refª 3171229 - em que, considerando-se que o recorrente não indicara a norma ao abrigo da qual o recurso é interposto, como imposto pelo artigo 75°-A n° 1 da referida LOFTC (...), se convidou o mesmo a suprir a omissão em causa (doc. n° 3).
4 - A isso, respondeu-se em 18.12.2012 - requerimento a fls. 2638 e segs. -, esclarecendo e complementando que:
“ O recurso incide sobre a questão relativa à inconstitucionalidade do segmento normativo dos artigos 684°-A e 715°, ambos do C.P. C., face aos princípios do “due process” (ou processo equitativo) e, por isso, do artigo 20° n° 4 da Constituição da República, espelhado no artigo 3°-A do C.P. C., suscitada em conclusões de uma apelação, no decurso do presente processo - alegações apresentadas em juízo em 29.05.06, a fls. dos autos - e renovada expressamente no requerimento de arguição de nulidades apresentado em juízo em 18.09.2012 — págs. 5 do mesmo requerimento (a fls. dos autos) (doc. n° 4).
5 - É, após este esclarecimento que é proferido o douto despacho que rejeita o recurso por inadmissibilidade.
(…)
II — A razão da respeitosa discordância
11 — Em 29.05.2006, aquando de alegações contra a primeira decisão de mérito, escreveu-se, a págs. 8:
“Em síntese, ao assim decidir, ao negar as reclamações apresentadas pelo recorrente contra o douto despacho saneador, o despacho de fls. dos autos violou o disposto no artigo 511° n° 1 do CPCivil e coartou o direito de defesa consagrado no artigo 20° da Constituição da República. Impõe-se, em consequência, a anulação da decisão de 1ª instância, alterando-se as alíneas BB). CÇ) e DD) da matéria assente e ampliando-se a matéria de facto de modo a abranger o pedido de aditamento à base instrutória - conforme reclamação de fls. 985 dos autos - tudo sob a autorização do comando estabelecido no art. 712° n° 4 do CPCivil. — (doc. n° 6).
12 - Esta questão não foi expressamente analisada na altura, porque, com outros fundamentos, a TESE DO ENTÃO AGRAVANTE (aqui reclamante) OBTEVE PROVIMENTO TOTAL EM 1a INSTÂNCIA. (doc.n°7).
13 - E, após julgamento na sequência do provimento da pretensão do aqui reclamante, o provimento foi, então, de mérito, independentemente da consideração dos elementos suscitados e referidos acima em 11, que não houve que considerar. (doc. n° 8)
Todavia,
14 - interposto recurso desta decisão inteiramente favorável ao aqui reclamante, - repete-se -, favorável independentemente da consideração da questão a cujo propósito se equacionara inconstitucionalidade, por ofender o regime do artigo 20º da C.Rep, como acima se transcreveu,
15 - veio a decisão de mérito a ser revogada.
Ora,
16 - aquando da decisão revogatória na Relação, e apesar de a douta Relação ter concluído, em sede de facto, num sentido que nem sequer fora suscitado pelos então apelantes (AA.),
17 - não entendeu a 2ª instância considerar — aquando da formulação de juízos conclusivos — da suficiência/insuficiência da matéria de facto, face à posição anteriormente suscitada pelo ora Reclamante e não decidida expressamente (!!!)
(…)
22 — Tirando ilações de matéria de facto, sem reequacionar, como devia, agora em sede de conhecimento do mérito em 2 instância, a questão da suficiência da matéria de facto tal como fora equacionada em 29.05.2006 e não analisada por prejudicada pela decisão que anulou a anterior decisão,
23 - a Relação entendeu que a interpretação e subsequente aplicação dos artigos 684-A e 715, ambos do C.P.C., em relação à questão pendente desde 2006, permitia entender precludida a possibilidade de reanalisar a matéria de facto, suscitada anterior e expressamente, porque o apelado antes tivera ganho total.
24 - Porque se tratava de questão atinente à valoração da prova, designadamente a aplicabilidade do artigo 715 do C.P.C.,
25 – suscitou-se essa questão em recurso de revista, - apresentado em 01.03.2012 - figurando nas conclusões r) a ff), onde se diz:
r) O Acórdão recorrido descentrou-se totalmente das alíneas CC), DD) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos, 96, 97, 98 que transcreveu de fls. 2408 a 2410, limitando-se a tirar ilações dos Factos constantes da Alínea BB) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos 91 e 92;
x) (...) O que o acórdão recorrido fez (...) foi retirar ilações de factos alegados e provados (artigo 349° do Código Civil), invocando as regras da experiência e do senso comum. (...) - vide Acórdão STJ de 07-07- 2010 (proc. n° 2273/03.8TBFLG. G1.S1),
y) Mas, ao proceder dessa forma, sem modificar o julgamento dos quesitos 96, 97 e 98, o acórdão recorrido veio dar como provado, por dedução, um nexo de causalidade que, submetido a prova direta em primeira instância, não foi tido como provado e, pior, que colide com os Factos Provados sob os já referidos Pontos 96, 97 e 988;
z) (...) Não se entendendo desta forma, tornar-se-ia contraditória a decisão sobre a matéria de facto considerada na sua globalidade, fazendo subsistir julgamentos opostos quanto aos mesmos pontos de facto. (...) - vide cit. Acórdão STJ de 07-07-2010 (proc. n° 2273/03. 8TBFLG.G1.S1);
ee) O acórdão recorrido acabou por decidir em manifesta e frontal contradição com a decisão de facto por si julgada, ou seja, os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão em si mesma, o que conduz à nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668° do CPCivil ex vi art. 716° nº 1 do CPCivil;
ff) Ou, assim não se entendendo, sempre ocorreu erro de julgamento fundado em erro de interpretação ou de aplicação, pelo menos, dos artigos 563°, 342° n° 1 e 799°do CCivil sobre a decisão de facto, (doc. nº 10)
26 — O douto acórdão (cit. doc. 9) veio a considerar que nada havia a sindicar quanto a violação de lei do processo — os referidos artigos 712° e 722° do CPC, pois que:
[se ] “(...) quando a Relação tenha procedido à alteração da matéria de facto, o Supremo não está impedido de apreciar o uso que a 2ª instância fez dos seus poderes nesse campo (pág. 21);
“( …) é perfeitamente lícito à Relação, como Tribunal da instância, esclarecer a matéria de facto e extrair ilações a partir dos factos provados (...). Quando extravasados esses limites, já ocorre afastamento do que tem de corresponder a deduções lógica e racionalmente fundamentadas, que, enquanto matéria de facto, os artigos 349° e 351 ° do Código Civil consentem (pág. 21);
“(...) está vedado ao STJ afastar ou censurar as ilações retiradas dos factos provados pela Relação quando, baseando-se em critérios desligados do campo do Direito estiverem logicamente fundamentadas, pois que, assim sendo, não integram mais matéria de facto (pág. 22);
E mais adiante (pág. 22):
“(...) a síntese conclusiva factual que o recorrente acusa de carecer de suporte no quadro de facto anteriormente fixado contém-se, a nosso ver, sem qualquer extrapolação, no conjunto, para o efeito convocado pelo Acórdão ... - (sic, fls. 21 e 22 do douto Acórdão de 29.05.2012) — (cfr. cit. doc. 9).
E,
27 - com essa matéria, sem consideração da questão da suficiência e sua constitucionalidade, face ao regime do artigo 20º da C.Rep, expressamente suscitada, e em aberto, desde 2006,
28 - negou a pretensão ao aqui reclamante.
29 - Este, em requerimento de arguição, datado de 18.06.2012, veio, a este respeito dizer:
“(...) Essa contradição só foi possível porque, em devido tempo, invocada uma alteração das alíneas BB), CC) e DD) da Matéria Assente originária (que, como é bom de ver, sempre assim permaneceu), em sede de alegações do aqui réu arguente no âmbito da apelação interposta da sentença inicial de 1ª instância, datada de 16.02.2006 — na sequência, como tinha de ser, da sua própria reclamação r3jcontra o despacho saneador proferido em 18.02.2005 — tal questão não foi, nunca foi decidida nestes autos.
Isto por, o já citado douto aresto da Relação do Porto de 27. 09.2007 (aqui doc. 7) relativo ao agravo, e, depois dele, a douta decisão em 1ª instância (aqui doc. 8) subsequente à audiência de discussão e julgamento que versou sobre a ampliação da base fáctica — quesitos 91 a 98 — terem sido julgadas como totalmente favoráveis ao réu aqui arguente.
E quando, em sede da apelação que imediatamente antecede a presente revista, foi alterada a decisão contra o mesmo réu, essa questão não foi valorada, porque não tinha que ser suscitada.
A preterição dessa análise, se e porque pressupondo uma matéria assente que não o era para o R., que, porque expressamente a discutira, nunca a aceitara, nem aceita, e não a viu analisada,
Traduz-se numa decisão que, permitindo a análise da tese do A., com base na matéria que para este era inquestionável, inviabilizou que fosse analisada a posição processual do Réu.
Tanto mais grave no caso, porque, como agora se vê, foi precisa e fulcralmente por efeito da consideração das já referidas alíneas BB). CÇ) e DD) de tal Matéria Assente, que o Réu ora arguente, veio a ser condenado — cfr. págs. 42 a 44 do Acórdão da Relação do Porto, que é fls. 2408 a 2410 dos autos e termos da confirmação deste pelo Acórdão deste STJ alvo de arguição, especificamente aludidos no extenso parágrafo de págs. 27.
O segmento dos artigos 684°-A n° 2 e 715 do C.P.C. (na redação aplicável) que não permita que, havendo provimento da posição da parte, esta não possa ver apreciada a suficiência/insuficiência da matéria de facto, enquanto o permite à parte recorrente, fere o princípio do processo equitativo — cfr. Prof Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais — Coimbra Editora, 2 Edição, págs. 107 a 109 e nota de rodapé 5) — e, consequentemente, o artigo 20° n° 4 da Constituição da República.
Questão de inconstitucionalidade que, enfim, fora já aflorada em sede de alegações do aqui réu arguente no âmbito da apelação interposta da sentença inicial de ¡a instância, datada de 16. 02.2006. — vide págs 3 a 8 (Capítulo 11) das alegações de recurso do aqui réu A., que deu entrada nos autos em 29.05.2006. (...) (doc. n° 11).
30 — Vê—se, pois, que a questão da constitucionalidade suscitada durante
o processo — alínea b) do n° 1 do artigo 70 da LTC -, foi renovada aquando desta arguição em 18.06.2012.,
31 — Tal alegação mereceu a resposta constante do douto acórdão de 16.10.2012, onde se diz:
“Numa palavra, os termos da arguição do vício são os já imputados ao Acórdão da Relação, a nulidade foi apreciada e rejeitada, razão por que, agora, não sendo caso de nulidade sequencial, de comissão incompatível com o conhecimento do idêntico vício anteriormente arguido, só poderia falar-se de erro de julgamento, matéria relativamente à qual o poder jurisdicional se encontra esgotado.
Não ocorre, pois, a alegada nulidade”. — (cfr. fls. 4 do cit. Doc. n° 2)
32 — É deste, pois, que, em 02.11.2012, se interpõe o recurso que acabou por ser rejeitado. [51 Cfr. Capítulo 11, sob a epígrafe Da impugnação do despacho proferido sobre a reclamação apresentada pelo recorrente contra o despacho saneador, da peça de alegações remetida a juízo em 29.05.2006.
33 — Não parece, pois, exata a afirmação de que não foi aplicada norma ou violado princípio cuja impugnação, em sede de constitucionalidade, se mantivesse em discussão no processo (sic), como se escreveu no douto despacho que rejeitou liminarmente o recurso.
34 — A reanálise da matéria de facto, mesmo nos termos do artigo 712, no, b) do C.P.C., implica consideração de todos os elementos fornecidos pelo processo.
35 — E, como se vê das arguições de 2006 e de 01 de março de 2012 — ponto 22 supra - sempre haveria que equacionar a matéria aduzida pelo aqui reclamante, quando se interpretava o artigo 715 do C.P.C, por exigência deste, sob pena de violação do artigo 20 da Constituição da República.
36 — Para tal se desconsiderar teve que se ter feito interpretação dos artigos 715, correlativamente com o artigo 684 — A , do C.P.C., que vedasse essa (re)análise por entender que não o renovara o aqui reclamante,
37 — ou que, mesmo que pretendesse renovar, tal não lhe era lícito porque o 684 - A, sempre e só tal permite a título subsidiário e com o condicionalismo estrito da letra desse segmento normativo.
38 — Porque a questão da suficiência da matéria de facto não se colocava em sede de ja instância para permitir decisão de mérito totalmente favorável ao agui reclamante - nem como tal foi encarada no acórdão revogatório, pois, como se Iê acima — ponto 20 — se limitou a extrair conclusões — não era de prever que tal fosse razão da decisão: não assentou esta de impugnação de pontos determinados da matéria de facto.
39 — Daí que a invocação, aquando do recurso de revista assentasse na questão em aberto desde 2006. Questão suscitada durante o processo , nunca decidida.
40 — pelo que não coberta pela autoridade de caso julgado, sequer formal.
Porque, pois, a questão da inconstitucionalidade do segmento normativo dos artigos 684° — A e 715°, ambos do C.P.C., face aos princípios do due process (ou processo equitativo) e, por isso, do artigo 20° n° 4 da Constituição da República, espelhado no artigo 3°-A do C.P.C., fora suscitada em conclusões de uma apelação, no decurso do presente processo - alegações apresentadas em juízo em 29. 05. 06, a fls. dos autos — e renovada expressamente no requerimento de arguição de nulidades apresentado em juízo em 18.06.2012 — págs. 5 do mesmo requerimento que é doc. 1 1 ora junto (a fls. dos autos), há que reconhecer que se trata de questão suscitada no decurso do processo ainda que não apertis verbis, mas porque pendente, a legitimar o recebimento do recurso interposto em 02. 1 1.2012» (fls. 243 a 257)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se nos termos que ora se resumem:
«7. Não assiste, porém, razão ao ora reclamante, como ele próprio, aliás, acaba por reconhecer, apesar do seu fervor argumentativo, amplamente evidenciado ao longo dos vários milhares de páginas que compõem os presentes autos.
O interessado, com efeito, confirma (cfr. supra nº 4 do presente parecer), que “a questão relativa à inconstitucionalidade do segmento normativo dos artigos 684º-A e 715º, ambos do C.P.C., face aos princípios do «due process» (ou processo equitativo) e, por isso, do artigo 20º, nº 4 da Constituição da República, espelhado no artigo 3º-A do C.P.C., [foi] suscitada em conclusões de uma apelação, no decurso do presente processo – alegações apresentadas em juízo em 29.05.06, a fls. dos autos”.
Ou seja, a questão não foi expressamente apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça, para apreciação, como deveria ter sido, uma vez que é este o Tribunal recorrido e reclamado.
8. O ora reclamante também reconhece, que a questão de constitucionalidade apenas foi “renovada expressamente no requerimento de arguição de nulidades apresentado em juízo em 18.09.2012”.
No entanto, como é bem de ver, não era já esse o momento processualmente adequado para suscitar a questão perante o Supremo Tribunal de justiça, uma vez que se esgotara já o poder jurisdicional do mesmo Tribunal.
9. Pelos motivos invocados, crê-se que a presente reclamação por não admissão de recurso não deverá merecer provimento por parte deste Tribunal Constitucional.»
Posto isto, cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. A questão a decidir apresenta-se como bastante simples e resume-se a verificar se o ora reclamante deu efetivo cumprimento ao ónus de prévia e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade que pretendia ver apreciada por este Tribunal, conforme lhe era exigido pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC.
Importa começar por esclarecer que o reclamante pretendia interpor recurso de constitucionalidade de uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, razão pela qual forçoso seria que tivesse suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa perante aquele tribunal. Não o fez, porém. Conforme o próprio admite, através da reclamação agora deduzida, apenas o fez perante o Tribunal da Relação, através das alegações apresentadas em 29 de maio de 2006.
Ora, em sede de alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o reclamante limitou-se a formular as seguintes conclusões – que este, aliás, transcreve na reclamação ora sob apreciação:
« r) O Acórdão recorrido descentrou-se totalmente das alíneas CC), DD) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos, 96, 97, 98 que transcreveu de fls. 2408 a 2410, limitando-se a tirar ilações dos Factos constantes da Alínea BB) da Matéria Assente e das respostas aos quesitos 91 e 92;
x) (...) O que o acórdão recorrido fez (...) foi retirar ilações de factos alegados e provados (artigo 349° do Código Civil), invocando as regras da experiência e do senso comum. (...) - vide Acórdão STJ de 07-07- 2010 (proc. n° 2273/03.8TBFLG. G1.S1),
y) Mas, ao proceder dessa forma, sem modificar o julgamento dos quesitos 96, 97 e 98, o acórdão recorrido veio dar como provado, por dedução, um nexo de causalidade que, submetido a prova direta em primeira instância, não foi tido como provado e, pior, que colide com os Factos Provados sob os já referidos Pontos 96, 97 e 988;
z) (...) Não se entendendo desta forma, tornar-se-ia contraditória a decisão sobre a matéria de facto considerada na sua globalidade, fazendo subsistir julgamentos opostos quanto aos mesmos pontos de facto. (...) - vide cit. Acórdão STJ de 07-07-2010 (proc. n° 2273/03. 8TBFLG.G1.S1);
ee) O acórdão recorrido acabou por decidir em manifesta e frontal contradição com a decisão de facto por si julgada, ou seja, os fundamentos da decisão estão em oposição com a decisão em si mesma, o que conduz à nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 668° do CPCivil ex vi art. 716° nº 1 do CPCivil;
ff) Ou, assim não se entendendo, sempre ocorreu erro de julgamento fundado em erro de interpretação ou de aplicação, pelo menos, dos artigos 563°, 342° n° 1 e 799°do CCivil sobre a decisão de facto, (doc. nº 10)».
Em nenhum destes excertos se pode discernir a invocação, perante o tribunal ora recorrido, da questão de inconstitucionalidade normativa que o recorrente pretendia vir a ser apreciada pelo Tribunal Constitucional. Só após proferido o acórdão que apreciou o mérito do recurso é que o reclamante viria, através de requerimento de arguição de nulidade, a invocar:
«O segmento dos artigos 684°-A n° 2 e 715 do C.P.C. (na redação aplicável) que não permita que, havendo provimento da posição da parte, esta não possa ver apreciada a suficiência/insuficiência da matéria de facto, enquanto o permite à parte recorrente, fere o princípio do processo equitativo — cfr. Prof Lebre de Freitas, in Introdução ao Processo Civil - Conceito e Princípios Gerais — Coimbra Editora, 2 Edição, págs. 107 a 109 e nota de rodapé 5) — e, consequentemente, o artigo 20° n° 4 da Constituição da República.
Questão de inconstitucionalidade que, enfim, fora já aflorada em sede de alegações do aqui réu arguente no âmbito da apelação interposta da sentença inicial de ¡a instância, datada de 16. 02.2006. — vide págs 3 a 8 (Capítulo 11) das alegações de recurso do aqui réu A., que deu entrada nos autos em 29.05.2006. (...) (doc. n° 11).
Independentemente de saber se essa configuração corresponde, de modo exato, ao objeto do recurso de constitucionalidade que foi objeto de rejeição – questão de que não se conhecerá –, certo é que o requerimento de arguição de nulidade não corresponde à sede própria para confrontar um tribunal recorrido com uma questão de inconstitucionalidade normativa, na medida em que o poder jurisdicional daquele já se esgotou, salvo para conhecer do específico objeto da reclamação, cujos fundamentos se encontram legalmente tipificados – e não abrangem questões de inconstitucionalidade normativa.
Assim sendo, mais não resta que confirmar integralmente a decisão reclamada, com a consequente manutenção da decisão de rejeição do recurso de constitucionalidade interposto.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 20 de março de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.