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Processo n.º 725/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., notificada do Acórdão n.º 31/2013, de 15 de janeiro, que indeferiu a reclamação apresentada, veio solicitar a respetiva aclaração, nos termos dos artigos 666.º, n.º 2 e 669.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 69.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), em requerimento com o seguinte teor:
«(...)
I
Na Reclamação apresentada e decidida pelo Douto Acórdão de 15-01-2013, a Requerente arguiu a Nulidade de que, nos termos previstos pela alínea c) do n.º 1 do art.º 668º do CPC, por contradição entre os seus fundamentos e a respetiva conclusão, padecia a Douta Decisão sumária que, nos presentes Autos não admitiu o Recurso de constitucionalidade.
II
No Douto Acórdão de 15-01-2013 a respetivas fls. 16, afirma-se, relativamente àquela arguida Nulidade e como dali se transcreve que: “Com efeito, é manifestamente evidente que, não tendo o recurso de constitucionalidade interposto pela (ora) reclamante preenchido os requisitos processuais que se inferem dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do respetivo objeto – algo que emerge de forma absolutamente calara da decisão sumária, e que aqui se reitera, atenta a reclamação apresentada.”
III
A passagem do Douto Acórdão supra transcrita presta-se, contudo, a diferentes interpretações, não tendo sido mesmo possível da mesma alcançar o sentido ao que ali se decide, relativamente à referida Nulidade arguida.
IV
Na verdade, não é evidente, nem patente, ou mesmo captável, o sentido de tal Decisão quanto àquela Nulidade arguida, permitindo a mesma face ao que ali se apura com incidência na decisão de direito expressada, concluir, quer em sentido de que a contradição não se verificou, quer igualmente em sentido de que a mesma teve efetiva verificação.
V
Com efeito, resulta da referida passagem do Douto Acórdão de 15-01-2013, que a mesma se debruça sobre a conclusão que levou à tomada da Decisão sumária de “não pode[r] o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do respetivo objeto [do Recurso]”, todavia ali não se mostrando pronunciada qualquer consideração – requerida na Reclamação apresentada – sobre a contradição entre aquela conclusão e os fundamentos em que assentou, e dos quais, por adequado raciocínio lógico, deveria à mesma, consequentemente, ter sido extraída em sentido oposto.
VI
Pois, relativamente ao que conduziu àquela Douta Decisão Sumária, no sentido de o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do objeto do Recurso apenas se escreve na passagem transcrita em II que é “algo que emerge de forma absolutamente clara da decisão sumária”.
VII
Ora, o facto de ali se afirmar ser “algo que emerge de forma absolutamente clara”, sem qualquer referência aos concretos fundamentos que foram postos em causa na Reclamação apresentada, por não poderem constituir suporte daquela Douta Decisão sumária, permite interpretar o que se escreve na referida passagem do Douto Acórdão de 15-01-2013, em sentido de que, sendo óbvia e impositiva aquela Decisão tomada tais fundamentos não carecem estar garantidos, podendo, consequentemente, haver lugar a contradição entre estes e a conclusão que, dos mesmos possa ser extraída.
VIII
A passagem do Douto Acórdão de 15-01-2013, supra em II transcrita pelo concreto modo como está expressada, parece admitir, como verificada a Nulidade arguida na Reclamação, e que ali igualmente parece surgir justificada pela própria não admissão do Recurso que, na Douta Decisão Sumária, por oposição com os respetivos fundamentos, não havia sido alcançada.
IX
É, pois, mister esclarecer a dúvida suscitada pela referida passagem do Douto Acórdão de 15-01-2013, que, de forma ambígua, não se pronunciando sobre os concretos fundamentos apontados na Reclamação apresentada como contraditórios com a Douta Decisão sumária tomada, não afasta, clara e inequivocamente, a verificação da Nulidade arguida.
X
E, a considerar-se verificada a Nulidade arguida na Reclamação cuja verificação por nenhuma forma se poderá justificar – mesmo que pelo (imposto) fim superior com a mesma alcançado de não admissão do Recurso e que o Douto Acórdão de 15-01-2013 reitera – deveria a mesma ter sido obrigatória e consequentemente suprida.
XI
Suprimento que, por não se mostrar feito naquele Douto Acórdão de 15-01-2013, mais adensa a dúvida suscitada pela referida passagem transcrita, que, assim, ao invés parece corroborar, justificando e não suprindo aquela Nulidade, cujo afastamento se impunha ter sido feito de forma clara e sem lugar a ambiguidade a que, efetivamente, conduz.
(...)»
Por mera cautela, a reclamante veio também arguir, em requerimento autónomo, a nulidade do Acórdão n.º 31/2013, louvando-se nos seguintes argumentos:
«(...)
I
A Requerente requereu, em Requerimento autónomo, e nesta mesma data, ACLARAÇÃO do Douto Acórdão de 15-01-2013, proferido nos Autos à margem supra referenciados.
II
Tal aclaração foi requerida por, naquele Douto Acórdão resultar ambígua a Decisão relativa à verificação de Nulidade arguida na Reclamação sobre a qual aquele Aresto recaiu.
III
Nulidade ali arguida, na referida Reclamação, por se constatar contradição entre a Douta Decisão sumária tomada, nos presentes Autos, em sentido da não admissão do Recurso de constitucionalidade e, os fundamentos concretos que, referidos em seu sustento, deveriam obrigatoriamente, e por correto e adequado raciocínio lógico, ter conduzido a Decisão em sentido oposto.
IV
A passagem do Douto Acórdão de 15-01-2013 que, nos termos do Requerimento de Aclaração suscitando dúvidas, torna ambíguo o sentido da Decisão nele tomada relativa à verificação da Nulidade arguida, deverá, pois, ser objeto do devido esclarecimento.
V
Todavia, caso venha a ser a indeferida a referida ACLARAÇÃO e, consequentemente, se não venha a esclarecer o sentido que agora, de forma ambígua, conduz a que se tenha considerado verificada a Nulidade arguida e que o Douto Acórdão de 15-01-2013 deveria necessariamente ter feito suprir, aqui se argui assim, POR MERA CAUTELA, a NULIDADE de que igualmente padece aquele Douto Acórdão.
VI
Com efeito, o Colendo Tribunal Constitucional assume, em Decisão Coletiva, a fls. 16 do Douto Acórdão de 15-01-2013, a Douta Decisão sumária que, singularmente, havia decidido que o mesmo não podia tomar conhecimento do Recurso interposto nos presentes autos.
VII
Porém, na Douta Decisão sumária objeto da Reclamação sobre que incidiu o Douto Acórdão de 15-01-2013 – que, como supradito, assume tal Douta Decisão (cfr. último parágrafo de respetivas fls. 16) – foram invocados, para alcançar, e em respetiva fundamentação os argumentos, as asserções e os fundamentos em que a (ali) Recorrente assentou o Requerimento de interposição do Recurso não admitido.
VIII
Argumentos, asserções e fundamentos do Requerimento de Recurso de constitucionalidade, que constituem aquela fundamentação da Douta Decisão sumária reclamada e que a integram por transcrição dos mesmos feita a fls. 1 e 2 naquela Douta Decisão.
IX
Argumentos, asserções e fundamentos, dos quais, como se expendia na Reclamação apresentada, devia ter sido extraída consequência lógica em sentido da tomada de conhecimento, por esse Colendo Tribunal Constitucional, do objeto do Recurso em causa.
X
Ora, tendo o Douto Acórdão de 15-01-2013 assumido a Douta Decisão Sumária, sem o necessário afastamento claro, expresso e inequívoco, da Nulidade de que a mesma padecia e oportunamente arguida – e, como supradito, caso aquela Nulidade não seja afastada em Decisão relativa à requerida ACLARAÇÃO – forçoso se torna concluir que, do mesmo modo, se verifica ocorrer também naquele Douto Acórdão, o mesmo vício que, por igual motivo, gera idêntica cominação.
XI
O não afastamento claro e inequívoco, da Nulidade arguida, que, verificada na Douta Decisão sumária, se consolidou nos termos expressados na passagem do Douto Acórdão de 15-01-2013, constante do último parágrafo de respetivas fls. 16, e objeto do Requerimento de ACLARAÇÃO referido, impõe o respetivo suprimento.
XII
Pois, e com efeito, só após tal suprimento, operado pela invocação de adequados fundamentos dos quais se possa extrair, por consequência lógica a Douta Decisão sumária e o Douto Acórdão de 15-01-2013 assume, se pode tal Nulidade considerar devidamente afastada, o que, naquela passagem do Douto Aresto se não logra ter feito, especialmente quando ali se refere relativamente à fundamentação – sem qualquer referência concreta aos respetivo suporte – que a mesma “emerge de forma absolutamente clara da decisão sumária, e que aqui se reitera”.
XIII
Pois, o fim alcançado pela Douta Decisão sumária tomada, reiterada e assumida pelo Douto Acórdão de 15-01-2013, não pode ser justificada sem o adequado recurso a concretos fundamentos que permitam conduzir à Decisão que contempla tal fim, não bastando, consequentemente, uma referência genérica, como a transcrita em XII, que tão só afirme a “absoluta clareza” da Decisão anteriormente tomada.
XIV
Consolidada, assim, pelo Douto Acórdão de 15-01-2013 a Nulidade arguida anteriormente, padece este, consequentemente, de igual vício que, assente nos mesmos motivos e termos arguidos relativamente à Decisão sumária que o mesmo assume e integra em Decisão coletiva, e os quais, para todos os efeitos aqui se dão por inteiramente reproduzidos, aqui desde já se argui POR MERA CAUTELA, a referida NULIDADE para o caso de, por qualquer razão, vir a ser indeferida a ACLARAÇÃO que, nesta mesma data, daquele Douto Aresto, foi igualmente apresentada.
XV
NULIDADE que, assim, em caso de indeferimento do Requerimento de ACLARAÇÃO autonomamente apresentado, se argui, com os efeitos legais inerentes, nos termos do art.º 668º, n.º 1 al. c) do CPC, por, no Douto Acórdão de 15-01-2013, se verificarem, na respetiva passagem aqui supra indicada e referida, as mesmas causas que, na Douta Decisão sumária a que adere, deram lugar à contradição entre os fundamentos e a conclusão que, ali, dos mesmos se extraiu.
XVI
NULIDADE que o Douto Acórdão de 15-01-2013 implicitamente admite como verificada e ali, por consequência, igualmente assumida, especialmente com o que expressa, na referida passagem de respetivas fls. 16 (último parágrafo) em sentido da sua justificação, feita através da própria Decisão de não admissão do Recurso de Constitucionalidade, tão só sustentada em que, como dali se transcreve sendo “manifestamente evidente que, não tendo o recurso de constitucionalidade interposto pela (ora) reclamante preenchido os requisitos processuais que se inferem dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do respetivo objeto”. (sublinhado nosso)
(...)»
2. Já o Acórdão n.º 31/2013 assentou no seguinte arrazoado:
«(...)
6. No entanto, quanto ao mais, nada na reclamação apresentada pela reclamante permite sustentar a pretendida alteração da decisão sumária proferida pelo relator.
Recorde-se, com efeito, que no requerimento de recurso de constitucionalidade interposto, a reclamante esclareceu querer ver analisada “a inconstitucionalidade que resulta da não aplicação dos conceitos normativos ínsitos às normas dos art.ºs 13º, 32º, nºs 1 e 5, 18º, 29º, 30º da CRP, cuja aplicação é obrigatoriamente direta por força dos artºs 17º e 18º nº 1 da CRP e do art.º 668º, nº 1 al. b) do CPC que deu lugar à inconstitucionalidade operada por interpretação desta norma em sentido que afastou os conceitos normativos que subjazem às normas dos artºs 205º, nº 1 e 20º, nº4 da CRP.” Tendo sido levantadas pela então recorrente duas questões de constitucionalidade, em ambas considerou a decisão sumária não se verificarem os pressupostos processuais de que está depende a admissibilidade dos recursos de constitucionalidade interpostos nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, por lhes faltar o objeto normativo - pressuposto, aliás, comum a todos os recursos interpostos no âmbito do processo de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Ora, relativamente à primeira das questões levantadas, crê a reclamante “que, face à representação que fez das questões de constitucionalidade e à respetiva suscitação feita de forma processualmente adequada com invocação das normas constitucionais com cujos conceitos normativos não podia contender, antes deveria ser conforme, a interpretação das normas aplicáveis em sustento do iter de raciocínio conducente à formação da decisão jurisprudencial, não pode o Recurso em causa, por nenhuma forma, ser enquadrado entre os que se qualificam como de amparo.”
Reiterando, neste ponto, o que foi dito na decisão sumária, é manifesto que a pretensão da reclamante carece de objeto normativo, dado que em momento algum da sua intervenção processual logrou identificar as normas jurídicas infraconstitucionais (objeto de controlo) cujo acerto com o parâmetro constitucional predica inquinado, bastando-se com uma referência genérica à inconstitucionalidade da não aplicação de “conceitos normativos” ínsitos a uma série de preceitos constitucionais. Pressuposto, portanto, do controlo normativo exercido pelo Tribunal Constitucional é que esteja em causa a (des)conformidade constitucional de normas ou de interpretações normativas delas extraídas – algo que limpidamente não acontece no caso vertente.
Quanto à segunda das questões mencionadas, contesta a reclamante o acerto da decisão sumária exarada, atento o facto de, no requerimento de interposição de recurso, ter invocado “a falta absoluta de motivação” da decisão recorrida, «que assim dá lugar à referida violação do conceito normativo das normas do art.º 205º, n.º 1 e do art.º 20º, n.º 4 da CRP em interpretação do disposto no art.º 668º, nº 1 al b) do CPC, que assim viola tais conceitos por absoluta falta de fundamentação do ato jurisdicional que assim deixa sem tutela adequada a questão submetida a juízo por não ter sido decidida com correta Administração da Justiça que foi devidamente requerida» - (os itálicos são nossos).
Porém, também aqui não logra a reclamante refutar a validade da argumentação expedida na decisão sumária. De facto, para que na questão apontada se vislumbrasse um objeto normativo, necessário seria que a reclamante houvesse destacado ou autonomizado, a partir do preceito em causa, uma norma ou segmento normativo desta cuja constitucionalidade, embora veiculada na decisão recorrida, estivesse em desacerto com a Constituição (cfr. o Acórdão n.º 551/01, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Não é isso que ocorre, dado que a reclamante se limita a afirmar que não houve fundamentação, sem cuidar de especificar em que medida tal ausência decorre do entendimento normativo partilhado pelo tribunal relativamente ao artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Do exposto resulta, ainda, que tampouco assiste razão à reclamante quando, relevando a contradição entre o raciocínio expedido na decisão sumária e a respetiva conclusão, invoca a nulidade daquela decisão, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil. Com efeito, é manifestamente evidente que, não tendo o recurso de constitucionalidade interposto pela (ora) reclamante preenchido os requisitos processuais que se inferem dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do respetivo objeto – algo que emerge de forma absolutamente clara da decisão sumária, e que aqui se reitera, atenta a reclamação apresentada.
(...)».
3. O Ministério Público, notificado do pedido de aclaração e reclamação de nulidade, pugna pelo indeferimento de ambos.
II. Fundamentação
4. A requerente solicita aclaração do Acórdão n.º 31/2013, argumentando para o efeito que este não se pronunciou sobre os concretos fundamentos avançados na reclamação, os quais sustentariam a existência de contradição na decisão sumária reclamada. Com efeito, naquela reclamação, a requerente sustentara que a fundamentação da decisão sumária deveria ter conduzido a conclusão ou consequência lógica contrária à que efetivamente fez vencimento, e que se traduziu num juízo de não conhecimento do objeto do recurso.
Ora, face a este arrazoado, o acórdão em causa limitou-se a demonstrar a inexistência da contradição apontada, tendo em conta a conclusão – já vertida na decisão sumária, mas que aí se reiterou e fundamentou - de não preenchimentos dos pressupostos processuais a que se acha subordinado o recurso de constitucionalidade interposto pela reclamante.
Conclui-se, nessa medida, nada haver a aclarar.
O requerente argui também, em requerimento autónomo, a nulidade do citado acórdão, com fundamento no facto de este, não tendo suprido a nulidade de que padecia a decisão sumária – talqualmente invocado na reclamação apresentada – estar ferido de igual vício. Como se deixou suficientemente claro no acórdão que ora se aprecia, a decisão sumária não é contraditória, resultando dela limpidamente os fundamentos que sustentaram o juízo proferido, circunstância que obsta à existência das nulidades apontadas.
III. Decisão
5. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o pedido de aclaração do acórdão proferido, bem como a arguição de nulidade do mesmo.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 20 de março de 2013. – José Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.