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Processo n.º 36/2013
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., arguido nos autos principais, não se conformando com a decisão sumária do relator que não conheceu do recurso, dela reclamou para esta conferência, alegando que, contrariamente ao que nela se sustentou, invocou perante o Tribunal Constitucional, no respetivo requerimento de interposição, questão de inconstitucionalidade normativa, tal como o havia feito, em observância do correspondente ónus legal, perante o Supremo Tribunal de Justiça, de cuja decisão interpôs o presente recurso de constitucionalidade. O não conhecimento do recurso, por razões meramente formais, sustenta-se ainda, implica interpretação inconstitucional dos artigos 70.º e 75.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC) e 265.º a 266.º-A do Código de Processo Civil (CPC), por violação dos artigos 202.º, 13.º, 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), sendo certo que, a verificarem-se os apontados vícios, o relator demonstrou ter compreendido a questão de inconstitucionalidade cuja apreciação se requereu.
O Ministério Público, em resposta, defende ser de indeferir a reclamação pois que as razões nela invocadas não abalam os fundamentos da decisão reclamada, que se lhe afiguram acertados.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Estando em causa o recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a lei impõe expressamente, como condição do seu conhecimento, que a parte tenha previamente suscitado a questão de inconstitucionalidade que pretende ver (re)apreciada pelo Tribunal Constitucional (artigo 72.º, n.º 2, da LTC). E um tal ónus legal só se pode ter por observado, determina este último normativo legal, quando a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Assim sendo, tendo o reclamante recorrido para o Tribunal Constitucional da decisão do Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação que deduziu nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal (CPP), o que importa, desde logo, verificar é se nela o reclamante invocou, perante essa última instância, a inconstitucionalidade dos artigos 400.º, 432.º e 399.º do Código de Processo Penal (CPP), referenciados no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, ou de interpretação deles extraída, e se o fez pela forma adequada a obrigar o Tribunal recorrido a dela conhecer.
Analisando o teor da reclamação deduzida pelo arguido, ora reclamante, no Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que nela se pugnou pela admissão do recurso interposto para essa instância por estar em causa, na perspetiva do reclamante, «o uso que, em primeira instância, o Tribunal da Relação fez – ou não – dos princípios gerais de direito penal e processual penal do contraditório, presunção de inocência e ‘in dubio pro reo’», intervindo o Supremo Tribunal de Justiça, na sua reapreciação, como segunda instância de recurso, em garantia do direito ao duplo grau de jurisdição que a Constituição reconhece ao arguido (artigo 32.º, n.º 1).
Ora, a esse propósito, o arguido limitou-se a sustentar que «não admitir o recurso em causa representa, na prática, a supressão de um grau de jurisdição e, consequentemente, do direito ao recurso, com a inconstitucionalidade que tal implica», dirigindo, assim, o juízo de censura constitucional à decisão que, nesse circunstancialismo, rejeitou o recurso, e não a uma norma jurídica concreta, designadamente aos agora sindicados artigos 400.º, 432.º e 399.º do CPP, ou a interpretação acolhida com base nesses dispositivos legais.
E se é certo que na reclamação também se invocam, em contexto argumentativo, os juízos de inconstitucionalidade que o Tribunal Constitucional formulou, em dois arestos aí identificados (Acórdãos nºs. 597/2000 e 287/2005), sobre o artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, a verdade é que neles se apreciaram diferentes dimensões interpretativas do citado preceito legal, não resultando dos termos da invocação que o reclamante, através dela, pretendesse que o Tribunal recorrido apreciasse uma ou outra questões de inconstitucionalidade normativa, ou ambas, antes julgadas pelo Tribunal Constitucional.
E não tendo o reclamante rigorosamente identificado, por referência ao complexo legal referenciado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, qual a concreta interpretação da lei que reputava violadora da Constituição, é evidente que não observou, pela forma adequada, o ónus legal de prévia suscitação da questão de inconstitucionalidade em termos de o Tribunal recorrido estar obrigado a dela conhecer, como imposto pelas disposições conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC.
A não verificação de um tal pressuposto processual inviabiliza, só por si, o conhecimento do objeto do recurso, não se justificando, pois, em face disso, averiguar se o recorrente incluiu no objeto do recurso questão de inconstitucionalidade que, por não normativa, não era suscetível de ser apreciada no presente recurso, como também sustentado pelo relator e rebatido pelo reclamante.
Ora, estando em causa vício que, por natureza, não é suscetível de sanação, nem por via do artigo 75.º-A, nºs. 5 e 6, da LTC, que apenas se destina ao suprimento de meros vícios formais do requerimento de interposição do recurso, nem por via dos invocados artigos 265.º a 266.º-A do CPC, em particular do n.º 2 do referido artigo 265.º, cuja aplicação implica precisamente a sanabilidade da falta do pressuposto processual, não se afigura que a decisão de não conhecimento do recurso, que nele se baseia, implique violação dos preceitos constitucionais dos artigos 202.º, 13.º, 20.º e 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Na verdade, o direito de acesso ao direito e aos tribunais, na vertente do direito ao recurso, não impõe, como é evidente, a ausência de condições processuais ao seu exercício, pelo que, constituindo o ónus processual de prévia suscitação – que o reclamante, por facto que lhe é exclusivamente imputável, não observou – exigência processual justificada e imposta pela necessidade de assegurar que o Tribunal Constitucional apenas intervenha como verdadeira instância de recurso, não se vê como, com base em tais direitos fundamentais, se possa reclamar a prolação de uma decisão de mérito, no presente recurso, sem que se verifiquem os pressupostos processuais legalmente exigidos para tanto.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 23 de maio de 2013. – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.