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Processo n.º 565/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 366/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A., B., C. e D. e recorrido o Município de Elvas, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, foi interposto recurso, em 07 de maio de 2013 (fls. 70 a 74), da decisão proferida no Tribunal Central Administrativo Sul, em 02 de maio de 2013, para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída do artigo 27º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), quando interpretada em qualquer uma das seguintes interpretações normativas:
i) «4 – (…) no sentido de considerar que apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado» (fls. 82);
ii) «10 – (…) interpretadas no sentido de que não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo “despacho” constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as “sentenças”»
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 19 de junho de 2013 (fls. 88), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. Tratando-se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, forçoso seria que os recorrentes tivessem colocado o tribunal recorrido perante a exata e específica questão de inconstitucionalidade normativa que pretendem ver agora apreciada, suscitando-a, em devido tempo, perante aquele. Sucede porém que, em sede de reclamação para o Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul, os recorrentes limitaram-se às seguintes referências genéricas:
«4 – É deste despacho que se reclama por, no entender dos ora reclamantes, ser ilegal (….) e por a interpretação nele seguida ser manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 268.º, n.º 4 da CRP e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos nos artigos 2º e 20º da CRP.» (fls. 2)
«24 – Perante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de “sentença” e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268.º, n.º 4, o direito de acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2.º, todos da CRP» (fls. 7 e 8)
Ou seja, relativamente a despacho de não admissão de recurso de decisão individualmente tomada pelo juiz de primeira instância, os recorrentes limitaram-se a aludir a uma (alegada) inconstitucionalidade de “interpretação nele seguida”, mas nunca chegaram a precisar ou a detalhar que interpretação normativa seria essa. E muito menos densificaram essa interpretação normativa nos mesmos e exatos termos que só agora vieram a fazer, através de requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade.
Tanto assim é que a decisão recorrida nunca chegou a decidir – ou sequer a ponderar – qualquer questão de inconstitucionalidade normativa relacionada com a aplicação da regra que impõe a reclamação para a conferência de decisão individual proferida por juiz de primeira instância, ainda que esta tenha sido denominada de “sentença”. Bem pelo contrário, a decisão recorrida cinge-se a decidir a questão no plano da legalidade infraconstitucional, fazendo apelo de jurisprudência anterior à apresentação da reclamação, pelos recorrentes, quer do Tribunal Central Administrativo Sul (v.g. Acórdãos de 12/01/2012, Proc. n.º 08262/11, e de 20/09/2012, Proc. n.º 08384/12), quer do Supremo Tribunal Administrativo (v.g. Acórdão de 19/10/2010, Proc. n.º 0542/10), incluindo do respetivo Pleno (v.g. Acórdão de 05/06/2012, Proc. 0420/12).
Sucede porém que, em nenhum momento, se equacionou a específica configuração que os recorrentes vêm agora emprestar à norma extraída do artigo 27º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do CPTA, ou seja quando interpretada em qualquer uma das interpretações normativas já supra identificadas no Relatório do presente acórdão.
Assim sendo, torna-se evidente que não só os recorrentes não suscitaram a inconstitucionalidade destas específicas interpretações normativas, de modo processualmente adequado – conforme lhes era imposto pelo n.º 2 do artigo 72º da LTC –, como, por consequência dessa ausência de suscitação, também a decisão recorrida não chegou a equacionar aquelas específicas interpretações normativas como aplicáveis, sujeitando-as ao necessário juízo de conformidade com o bloco de normatividade constitucional vigente. Por conseguinte, mais não resta que concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do presente recurso, tal como agora configurado pelos recorrentes.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«1. Indeferiu a Exma. Juíza Relatora o recurso interposto pelos Recorrentes por entender que, durante o processo, não precisaram de modo processualmente adequado perante o Tribunal Central Administrativo Sul a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 27.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do CPTA, quando interpretada no sentido de considerar que, não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é inconceptível de recurso, já que proferida por juiz singular (relato r) com a invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso da reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo 'despacho' constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as 'sentenças'.
2. Não se podem, no entanto, os ora reclamantes conformar com esta decisão, porquanto consideram preenchido o requisito previsto no art. 72.º, n.º 2 da Lei do Tribunal Constitucional, por entenderem que,
3. Contrariamente ao que se afirma naquela douta decisão, na reclamação para o Tribunal Central Administrativo Sul que apresentaram colocaram este tribunal perante a exata e específica questão de inconstitucionalidade normativa que pretendem ver apreciado no recurso interposto para o Tribunal Constitucional, não se tendo limitado às 'referências genéricas' constantes dos números 4 e 24 do seu articulado;
4. Assim é que, logo no n.º 4 daquela reclamação, relativamente ao despacho de não admissão do recurso ao abrigo dos artigos 27.º, n.º 1, alínea i) e 29º, n.º 1 do CPTA, os Recorrentes escreveram expressamente que:
'É deste despacho que se reclama por, no entender dos ora reclamantes, ser ilegal por representar uma completa dissonância com o sistema de recursos vertido no art. 142.º, n.º 1 do CPT A, e por a interpretação nele seguida ser manifestamente inconstitucional, por atentar contra os princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito e justiça vertidos 2º e 20º da CRP';
5. Tendo densificado essa sua alegação na matéria vertida nos números 16 a 24 dessa mesma peça processual, onde se pode ler:
6. No n.º 16 da reclamação:
' Ainda que se entenda que o n.º 2 do art. 27.º CPTA permite uma interpretação extensiva, ao ponto de abarcar sob o termo 'despachos', as sentenças, ou seja, usar o termo “despachos', num sentido idêntico ao de 'decisões' na alínea i) do n. º 1 do art. 27. º CPTA ( .. .) é uma aplicação inconstitucional do n. º 2 do art. 27. º do CPTA e da alínea i) do n. º 1 do art. 27º' do CPTA, aplicar os mesmos no sentido de considerar que apesar de um Tribunal apelidar certo ato seu de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender um Tribunal superior que a qualificação dada não estava, afinal, correta e que, como tal, as reações jurisdicionais dessas não se poderiam ter conformado com essa qualificação que os próprios tribunais haviam dado';
7. E no n.º 17:
'Esse entendimento atenta, designadamente, contra os princípios do Estado de Direito Democrático (art. 2. º CRP) e seus corolários ao nível dos princípios derivados de confiança e estabilidade e acesso ao direito (art. 20. º CRP), já que a confiança das partes processuais se vê posta em causa perante quaisquer decisões jurisdicionais, já que deixam de poder confiar na qualificação que os tribunais - órgãos de soberania com competência para administrar a justiça -fazem dos seus próprios atos;'
8. Tendo, ainda, referido no n.º 18 do mesmo articulado que:
“A enveredar-se pelo entendimento defendido no despacho de que se reclama, estar-se-ia «(… ) perante a imposição de um ónus processual às partes no processo de ultrapassarem as qualificações que os próprios tribunais façam dos seus atos, obrigando a que, mesmo sem que essa qualificação tenha sido posta em causa por tribunal superior, as partes julguem e apurem o erro do julgador e enveredem por meio de reação em discordância com o que o próprio tribunal que terá de admitir o meio de reação dispôs em qualificação desse ato» ';
9. E no n. 19 que:
'Enveredar e consagrar tal imposição às partes no processo é claramente inconstitucional por criação de um sistema de indefesa face às garantias de acesso ao direito e justiça (art. 20.º CRP) e ulteriormente face à própria garantia da tutela jurisdicional efetiva (art. 268. º, n. º 4), por violação de um parâmetro de proporcional idade nas imposições colocadas às partes no processo, quanto às condições em que podem utilizar os meios de reação'; ( …) É claramente abusivo e coloca em causa o uso das garantias recursivas ou de reação, colocar a obrigação às partes de usarem meios contenciosos em discordância com a qualificação do ato que o próprio órgão de soberania que julga a questão impôs, quando o nosso sistema de reação contra decisões judiciais assente exclusivamente no pressuposto de qualificação do ato como 'despacho' ou 'sentença' para conduzir as partes no processo aos meios que poderão usar; (… )'; Defronta o princípio da confiança e da estabilidade jurídica do processo - o due process - definir em lei processual que a seleção de meios contenciosos se faz por apelo a um critério de nomição do ato pelo tribunal, para, posteriormente, quando o particular se conforma com essa nominação não vincula e há mesmo o dever de contrariar uma qualificação jurisdicional' ;
10. E no n.º 20 que:
«( ….) a interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo despacho reclamado, «leva a conclusões contrárias aos ditames do Estado de Direito, em que os princípios pro actione não habilitam tais condutas processuais que promovam a indefesa e incerteza das partes que recorrem ao processo para a sua tutela»;
11. Para concluírem no n.º 24 que:
'Perante a contradição no texto da decisão entre a qualificação dada de 'sentença' e a invocação do art. 27.º, n.º 1 do CPTA, não se pode deixar de se admitir o recurso jurisdicional tempestivamente interposto pelos ora reclamantes, sob pena de ser posta em causa a garantia da tutela jurisdicional efetiva, prevista no art. 268. º, n. º 4, o direito de acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20.º, e de ser posto em causa os ditames do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2. º, todos da CRP'.
12. De tais referências resulta que, relativamente ao despacho de não admissão de recurso de decisão individualmente tomada pelo juiz de primeira instância, os ora reclamantes suscitaram concretamente a questão da inconstitucionalidade da interpretação das normas convocadas para a decisão da causa e por ela aplicadas, tendo-o feito de modo direto, explícito e percetível através da indicação das disposições legais sobre cuja interpretação se faz recair a suspeita do vício de inconstitucionalidade;
13. Os recorrentes colocaram, assim, o tribunal recorrido perante a exata e específica questão da inconstitucionalidade normativa que pretendem ver agora apreciada, ou seja: a apreciação da constitucionalidade da norma extraída do art. 27.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do CPTA, quando interpretada em qualquer uma das seguintes interpretações normativas:
a) no sentido de considerar que, apesar do tribunal apelidar o seu ato de sentença e essa ser uma decisão de mérito que remete para um regime de recurso jurisdicional, entender o tribunal superior que a qualificação dada não estava correta, e que, como tal, a reação jurisdicional dessa não se poderia ter conformado com a qualificação que o próprio tribunal havia dado;
b) no sentido de que, não obstante o tribunal designar a decisão como sentença, a mesma é insuscetível de recurso, já que proferida por juiz singular (relator) com invocação da alínea i) do n.º 1 do art. 27.º do CPTA, com o que era obrigatório o uso de reclamação para a conferência, sendo irrelevante a qualificação que o tribunal emissor da decisão dá à mesma, mais considerando que sob o termo “despacho' constante do n.º 2 do art. 27.º do CPTA também se integram por interpretação extensiva as “sentenças' .
14. Deste modo, deve considerar-se que os ora reclamantes suscitaram a inconstitucionalidade destas específicas interpretações normativas, de modo processualmente adequado, respeitando o que lhe era imposto pelo n.º 2 do art. 72.º da LCT, e, em consequência, admitir-se o recurso interposto pelos ora reclamantes.
15. Requer-se, deste modo, a revogação da decisão reclamada e, em consequência, que seja ordenado o prosseguimento dos autos.» (fls. 500)
3. Notificado para o efeito, o recorrido deixou esgotar o prazo sem que tenha vindo aos autos apresentar qualquer resposta.
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. A falta de suscitação processualmente adequada das inconstitucionalidades normativas que constituem objeto do presente recurso vem agora impugnada pelos recorrentes, que alegam uma interpretação distinta do teor de várias passagens da reclamação deduzida perante o Tribunal Central Administrativo Sul.
Vejamos, então.
Quanto ao § 4 da referida reclamação, permanece evidente – tal como já notado pela decisão reclamada –, que, através daquela alegação, os recorrentes não identificaram qualquer concreta interpretação normativa, tendo-se limitado a referir-se, genericamente, à “interpretação nele seguida”.
Por sua vez, quanto aos §§ 16 a 19 da reclamação dirigida ao tribunal recorrido são meras transcrições de excertos de um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, não podendo essa transcrição valer como um ato próprio de vontade de suscitação pelos Recorrentes de uma questão de constitucionalidade que o tribunal recorrido devesse apreciar.
Quanto ao § 20, os recorrentes limitaram-se a utilizar a expressão “a interpretação e aplicação das normas de processo e que é seguida pelo despacho reclamado”. Ou seja, limitaram-se a referências implícitas a uma alegada interpretação normativa, sem nunca ter especificado qual a concreta interpretação teria sido aplicada pelo tribunal recorrido. Pelo contrário, aquela passagem da reclamação limitou-se a confirmar que os recorrentes se cingiram a discordar da decisão então proferida, procurando delinear a sua própria perceção acerca do juízo proferido, mas sem identificar, de modo objetivo e preciso, a específica interpretação normativa aplicada
Por fim, conforme já analisado pela decisão reclamada, o § 24 da reclamação assume uma natureza meramente conclusiva, pelo que se limita a apontar a alegada violação genérica de vários preceitos constitucionais sem que se reporte a uma específica interpretação normativa.
Em suma, a presente reclamação não logrou abalar o bem fundado da decisão sumária recorrida.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 22 de outubro de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.