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Processo nº 285/2001 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): Ministério Público Recorrido(s): R... I. Relatório:
1. O presente recurso vem interposto, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, da sentença do Juiz da 3ª Vara Cível da Comarca do Porto, de 24 de Janeiro de 2001, para apreciação da constitucionalidade da norma constante do artigo 6º, nº 1, alínea g), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, a que a sentença recusou aplicação, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Como a norma que constitui objecto do recurso já tinha sido apreciada por este Tribunal, e o relator entendeu não haver razões para dissentir da decisão então prolatada; proferiu decisão sumária, concedendo provimento ao recurso e revogando a sentença recorrida quanto ao julgamento da inconstitucionalidade.
2. É desta decisão que, agora, reclama o PROCURADOR-GERAL ADJUNTO em funções neste Tribunal, dizendo:
1. Não se contesta naturalmente a existência de um precedente jurisprudencial sobre a questão de constitucionalidade suscitada.
2. Afigurando-se, porém – e com visto a evitar uma irremediável cristalização da jurisprudência – que tal circunstância não deverá, em absoluto, precludir uma eventual reapreciação da questão de constitucionalidade suscitada, nomeadamente face à enunciação de razões ou argumentos, de natureza inovatória, que tornem racionalmente discutível a solução acolhida e a uma alteração na composição deste Tribunal Constitucional, em momento ulterior à prolação do aresto invocado.
3. Sendo certo que – na decisão recorrida – se procede explicitamente a uma análise crítica da solução que fez vencimento no referido acórdão nº 453/97, em termos que – salvo melhor opinião – tornam a questão de constitucionalidade normativa suscitada susceptível de discussão ou controvérsia no plano jurídico-constitucional.
4. O que implicará que a mesmo não deva, no caso, perspectivar-se como
'simples', sendo – a nosso ver – pertinente uma reapreciação da solução que fez vencimento no referido aresto, à luz da argumentação expendida na decisão ora impugnada e implicando tal reponderação que os presentes autos devessem seguir a sua normal tramitação, com produção de alegações pelas partes.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Escreveu-se na decisão sumária o seguinte: A questão de constitucionalidade que constitui objecto de recurso é uma questão simples. De facto, no presente caso, estão em causa, como se lê na sentença, 'juros devidos com base na mora de pagamento de uma indemnização atribuída judicialmente numa acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação'; e esses juros constituem rendimento que aquele artigo 6º, nº 1, alínea g), sujeita ao pagamento de IRS. Ora, a norma constante deste artigo 6º, nº 1, alínea g), já este Tribunal a apreciou ratione constitutionis, no acórdão nº 453/97 (publicado no Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1999), tendo concluído que, 'com a interpretação que aí inclui os juros de mora no pagamento de uma indemnização por acidente de viação', ela não é inconstitucional. Não há razões para dissentir desta jurisprudência que, por isso, aqui se reitera. Assim sendo – e pelos fundamentos do citado acórdão nº 453/97, para os quais se remete -, conclui-se que o mencionado artigo 6º, nº 1, alínea g), na apontada interpretação, não é inconstitucional. Concluindo-se do modo apontado, há que conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no que toca ao julgamento da questão de constitucionalidade, a fim de ser reformada em conformidade com o juízo de não inconstitucionalidade da norma aqui sub iudicio.
5. O reclamante diz que a questão de constitucionalidade, que constitui objecto deste recurso, é 'susceptível de discussão ou controvérsia no plano jurídico-constitucional'. Não impugna, porém, a solução que a decisão reclamada lhe deu. Apenas afirma que essa questão não deve, «no caso, perspectivar-se como
'simples'».
É, então, legítimo perguntar se, num caso como o dos autos, em que o recurso interposto pelo Ministério Público foi provido, o recorrente pode, depois, fazer uso do meio processual previsto no artigo 78º-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional só porque considera 'pertinente uma reapreciação da solução' dada
à questão de constitucionalidade. No fundo, do que se trata é de perguntar pela legitimidade do reclamante para impugnar uma decisão relativamente à qual ele se não diz em desacordo. A pergunta tem sentido, porque a reclamação é, de facto, o meio para impugnar a decisão sumária, com vista a obter a sua revogação, e não um instrumento que se destine tão-só a reabrir o debate que antes foi feito sobre determinada questão de constitucionalidade.
Afirmar isto é concluir que, não tendo o reclamante impugnado o julgamento de não inconstitucionalidade constante da decisão sumária, tem a reclamação que ser indeferida.
6. Não fique, contudo, por dizer que, no caso, se verifica o pressuposto para se ter proferido uma decisão sumária, que é o de se tratar de uma questão simples. De facto, a questão é simples – esclarece o nº 1 do citado artigo 78º-A –
'designadamente por a norma já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal ou por ser manifestamente infundada'. Ora, a questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso já tinha sido decidida no citado acórdão nº 453/97. O facto de ela ser 'susceptível de discussão ou controvérsia no plano jurídico-constitucional' não lhe retirou a natureza de questão simples. Até porque todas as questões jurídico-constitucionais são sempre susceptíveis de discussão ou controvérsia. Só deixaria de ser uma questão simples, se ao Tribunal tivessem sido suscitadas dúvidas sobre o bem fundado da solução dada pelo citado acórdão nº 453/97 à referida questão de constitucionalidade.
7. Fechado o parêntesis, há que indeferir a reclamação.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a reclamação apresentada.
Lisboa, 27 de Junho de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida