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Processo nº 348/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
A – Relatório
1 – A., lda, reclama para a conferência, ao abrigo do disposto
no n.º 3 do art.º 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual
versão (LTC), da decisão sumária proferida pelo relator, no Tribunal
Constitucional, que decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade
interposto da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central
Administrativo Sul, de 16 de Janeiro de 2007, que julgou extinta a instância por
inutilidade superveniente da lide relativamente aos recursos interpostos da
sentença do Tribunal Tributário de 1.ª Instância, de 19 de Fevereiro de 2004
(que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora reclamante
contra a liquidação adicional de IRC) e do despacho de 10 de Outubro de 2003
(que indeferiu pedido da ora reclamante de produção de prova pericial e de serem
juntos aos autos determinados documentos).
2 – Fundamentando a sua reclamação, assim discorreu a
reclamante:
«A. Lda., já melhor identificada nos autos, tendo sido notificada da decisão
sumária proferida pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator dos presentes autos, no
sentido de não ser tomado conhecimento do recurso, vem, em relação à mesma e nos
termos do artigo 77° nº 1 da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal
Constitucional) apresentar
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
O que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1) A decisão sumária ora questionada considerou que o que estava em causa no
presente recurso não é a interpretação dada pelo TCA Sul aos artigos 34° do CPT
e 48° da LGT, como invocado pela reclamante, mas antes normas de natureza
adjectiva que determinavam a impossibilidade superveniente da lide,
2) Não se indicando, no entanto, quais.
3) E daí ter sido decidido sumariamente não tomar conhecimento do recurso.
4) Sem quebra do merecido respeito, entende a reclamante que a questão não foi
bem perspectivada na decisão tomada.
5) Com efeito, o que a ora reclamante quis – e quer – colocar em causa foi a
interpretação dada pelo TCA Sul aos artigos 34° do CPT e 48° da LGT, uma vez que
são estes que determinaram a decisão tomada.
6) A invocação de normas de natureza adjectiva ou processuais, como considerou a
decisão sumária que eram as que efectivamente estariam em causa, são uma mera
sequência da interpretação feita dos supra referidos normativos.
Ou seja:
7) O direito processual ou adjectivo é a mera aplicação no âmbito do processo do
direito substantivo.
8) Pelo que é em relação a este último tipo de normas que a reclamante
pretendeu, no seu entender correctamente, ver apreciada a conformidade
constitucional da interpretação feita pelo TCA Sul.
9) E nesta matéria entende também a reclamante que os ditos preceitos legais do
CPT e da LGT não podem ser aplicados de forma automática e meramente tabelar.
10) Isto uma vez que a reclamante pode ter interesse em ver apreciada a
legalidade do acto praticado pela DCCI e não apenas saber se o mesmo é, ou não,
eficaz em relação a si.
11) Bastando para tal considerar a hipótese de se encontrar pendente um processo
– crime de natureza fiscal –, cuja manutenção ou prosseguimento esteja
dependente da legalidade do acto de liquidação.
12) E para aferir da legalidade, ou não, do acto tributário necessário se
tornaria prosseguir com a apreciação da impugnação judicial e subsequente
recurso.
13) Ou seja, o efeito útil da apreciação do recurso reflecte-se não só na
análise da legalidade do acto tributário como também noutras questões que com
tal se encontram estritamente conexas.
14) Pelo que a mera inexigibilidade do imposto, por força da prescrição, não é
suficiente para esgotar todos os efeitos do acto praticado por aquela,
15) Efeitos esses que ainda podem vir a ter influência sobre a esfera jurídica
da reclamante.
16) Sendo que este interesse da reclamante na apreciação do acto tributário
praticado pela DGCI, e pelas razões supra referidas, é, também ele merecedor de
tutela jurídica.
17) Tutela esta que resultará de uma apreciação que a reclamante merece e tem o
direito de obter dos tribunais no que tange à validade do acto praticado pela
DCCI e que aquela questionou.
18) Pois que a tal o impõe o artigo 20° da CRP.
19) «Da conjugação do artigo 20º com outras disposições constitucionais e, mais
concretamente, com os artigos 204º, 268º e 280º decorre que a plenitude do
acesso à jurisdição se aplica inclusivamente nos casos em que os particulares
pretendem defender jurisdicionalmente os seus direitos ou interesses legalmente
protegidos perante os poderes públicos.
20) A conclusão vale, indiscutivelmente, em relação a quaisquer actuações
administrativas lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos dos
particulares.»[1][2]
21) «A garantia de acesso ao direito e aos tribunais (nº 1), embora esteja
inserida no capítulo relativo aos direitos fundamentais, não se restringe
naturalmente à defesa dos direitos fundamentais. O direito à protecção jurídica
estende-se a todos e quaisquer direitos e interesses legalmente protegidos (nº
1).»[3][4]
22) Ora e como será bom de ver, com a apreciação da validade do acto, e que a
reclamante considera inválido, conseguiria esta ver afastar de si o cutelo de
eventual responsabilidade criminal,
23) Pois que a manutenção do acto, sem apreciação da falta de validade do mesmo
nos termos que a reclamante sempre sustentou, coenvolve a manutenção de eventual
responsabilidade criminal desta.
24) Ora, é sabido que no nosso Estado de Direito o jus puniendi tem a sua
concretização máxima na responsabilização criminal dos cidadãos.
25) Pelo que a simples manutenção de tão aguçado cutelo sobre a reclamante, e
que poderá não ser afastada caso a validade do acto tributário praticado não for
judicialmente apreciada, repita-se, é de per se suficiente para se considerar
que existe um interesse[5] verdadeiramente digno de tutela e que exige que os
argumentos vertidos por aquela no processo tributário sejam apreciados.
26) O que não se consegue com a simples declaração de prescrição da putativa
dívida tributária.
27) Pelo que entende a reclamante que tese adversa à por si sustentada, e como
já antes tinha referido, a coloca numa situação de indefesa inadmissível.
28) Como se sustenta também pela vizinha Espanha.
29) «Ciertamente, en sentido estricto, la indefension va a ser el resultado de
la privación o limitación del derecho de defensa que comprende la possibilidad
real de alegar y/o probar.
Este derecho puede encajarse, según el TC, también en el derecho a la tutela
judicial efectiva del artículo 24.1 CE, ademas de su reconocimiento expreso en
el artículo 24.2 CE.»[6][7]
30) E como já se decidiu no Tribunal Constitucional:
31) «I – O direito de defesa do demandado e indiscutivelmente um direito de
natureza processual que esta ínsito no direito de acesso aos tribunais, nos
termos do nº 1 do artigo 20 da Constituição.
Quando este preceito estatui que a todos e assegurado o acesso ao direito e aos
tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a
justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, e manifesto que
tanto abrange os demandantes que recorrem aos tribunais para fazer valer as suas
pretensões, como os demandados que ficam sujeitos a jurisdição do tribunal da
causa e que tem o direito de se opor a tais pretensões.»[8]
32) «I – A articulação dos artigos 206º e 268º nº 3 da Constituição com o artigo
20º nº 2 impõe que se faça uma interpretação alargada deste preceito no sentido
de que a garantia judiciária assegura o acesso aos tribunais não só para defesa
de direitos mas também de interesses legalmente protegidos.»[9][10]
33) Ora, interesse legítimo já se viu que a reclamante ainda mantém.
34) Pelo que não admite a Lei Fundamental que o seu artigo 20°, que se encontra
integrado na sua Parte I atinente aos Direitos e Deveres Fundamentais é bom não
olvidar, seja interpretado de forma restritiva como é feito pela decisão sumária
tomada.
35) Deste modo entende a reclamante que aquela decisão deve ser revogada e
substituída por uma outra que faça prosseguir a apreciação do recurso por si
interposto. ´
CONCLUSÕES
I. A decisão sumária ora questionada considerou que o que estava em causa no
presente recurso não é a interpretação dada pelo TCA Sul aos artigos 34º do CPT
e 48º da LGT, como invocado pela reclamante, mas antes normas de natureza
adjectiva que determinavam a impossibilidade superveniente da lide, e daí se ter
decidido sumariamente não tomar conhecimento do recurso.
II. A reclamante quis, e quer, colocar em causa foi a interpretação dada pelo
TCA Sul aos artigos 34º do CPT e 48º da LGT uma vez que são estes que
determinaram a decisão tomada.
III. A invocação de normas de natureza adjectiva ou processuais, como considerou
a decisão sumária que eram as que efectivamente estariam em causa, são uma mera
sequência da interpretação feita dos supra referidos normativos uma vez que
direito processual ou adjectivo é a mera aplicação no âmbito do processo do
direito substantivo.
IV. Pelo que é em relação a este último tipo de normas que a reclamante
pretendeu ver apreciada a conformidade constitucional da interpretação feita
pelo TCA Sul.
V. E nesta matéria entende também a reclamante que os ditos preceitos legais do
CPT e da LGT não podem ser aplicados de forma automática e meramente tabelar uma
vez que aquela pode ter interesse em ver apreciada a legalidade do acto
praticado pela DGCI e não apenas saber se o mesmo é, ou não, eficaz em relação a
si.
VI. Bastando para tal considerar a hipótese de se encontrar pendente um processo
– crime de natureza fiscal –, cuja manutenção ou prosseguimento estivesse
dependente da legalidade do acto de liquidação.
VII. E para aferir da legalidade, ou não, do acto tributário necessário se
tornaria prosseguir com a apreciação da impugnação judicial e subsequente
recurso.
VIII. Ou seja, o efeito útil da apreciação do recurso reflecte-se não só na
análise da legalidade do acto tributário como também noutras questões que com
tal se encontram estritamente conexas.
IX. Sendo que este interesse da reclamante na apreciação do acto tributário
praticado pela DGCI, e pelas razões supra referidas, é, também ele merecedor de
tutela jurídica.
X. Tutela esta que resultará de uma apreciação que a reclamante merece e tem o
direito de obter dos tribunais no que tange à validade do acto praticado pela
DGCI e que aquela questionou pois que a tal o impõe o artigo 20º da CRP.
XI. Ora e como será bom de ver com a apreciação da validade do acto, e que a
reclamante considera inválido, conseguiria esta ver afastar de si o cutelo de
eventual responsabilidade criminal pois que a manutenção do mesmo, sem
apreciação da falta da sua validade nos termos que a reclamante sempre
sustentou, coenvolve a manutenção de eventual responsabilidade criminal desta.
XII. E a simples manutenção de tão aguçado cutelo sobre a reclamante, e que não
se afasta se a validade do acto tributário praticado não for judicialmente
apreciada repita-se, é de per se suficiente para se considerar que existe um
interesse verdadeiramente digno de tutela e que exige que os argumentos vertidos
por aquela no processo tributário sejam apreciados.
XIII. Pelo que entende a reclamante que tese adversa à por si sustentada, e como
já antes tinha referido, a coloca numa situação de indefesa inadmissível.
XIV. E no mesmo sentido do propugnado pela aqui reclamante se pronuncia aquela
que se tem por melhor doutrina da vizinha Espana supra citada bem como os
arestos do próprio Tribunal Constitucional supra referidos.
XV. Ora, interesse legítimo já se viu que a reclamante ainda mantém pelo que não
admite a Lei Fundamental que o seu artigo 20º, que se encontra integrado na sua
Parte I atinente aos Direitos e Deveres Fundamentais é bom não olvidar, seja
interpretado de forma restritiva como é feito pela decisão sumária tomada.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá a presente reclamação merecer
provimento e, em consequência, ser revogada a decisão sumária tomada e
substituída a mesma por uma outra que ordene a prossecução do recurso até final,
tudo o mais com as consequências legais.».
3 – A decisão sumária reclamada tem o seguinte teor:
«1. Nos autos de impugnação judicial deduzida em 2 de Dezembro de 1999 no
Tribunal Tributário de ia Instância de Leiria por A. Ldª relativamente à
liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas
referente ao ano de 1993, no que ora releva, foi, por despacho proferido em 10
de Outubro de 1999 pelo Juiz daquele Tribunal, indeferida a pretensão da
impugnante no sentido de produzida prova pericial e de serem juntos aos autos
determinados documentos, o que motivou aquela impugnante a, do assim decidido,
recorrer para a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central
Administrativo.
Tendo, por sentença exarada em 19 de Fevereiro de 2004, sido julgada
improcedente a impugnação, dela recorreu a impugnante para a Secção de
Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo.
Por acórdão de 16 de Janeiro de 2007, aquele Tribunal Central julgou extinta a
instância por inutilidade superveniente da lide relativamente aos recursos
interpostos da sentença de 19 de Fevereiro de 2004 e do despacho de 10 de
Outubro de 2003.
A tal aresto foi carreada a seguinte fundamentação: —
“(…)
B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. A única questão a decidir, de conhecimento oficioso,
consiste em saber se ocorreu a prescrição da obrigação tributária cuja anulação
se peticiona, não sendo de conhecer de quaisquer outras ao responder-se
afirmativamente.
3. A matéria de facto.
(...)
4. Passemos então a conhecer da prescrição da obrigação tributária, questão que
é de conhecimento oficioso, tanto pelo tribunal, como pela própria administração
tributária, nos termos do disposto no art. 259° do CPT e hoje 175° do CPPT.
Esta, como é sabido, constitui um efeito jurídico que apenas contende com a
exigibilidade da obrigação de pagamento do tributo que constitui o objecto
imediato do acto tributário, e que não interfere com a legalidade do acto de
liquidação.
Como referem, Diogo Leite de Campos e outros … a prescrição pode até ocorrer sem
que tenha tido lugar o acto de liquidação, dado que a mesma está referida
directamente à dívida tributária e aos factos tributários.
Ora, como se sabe, a dívida tributária é uma dívida que emerge na Ordem Jurídica
logo que, na prática da vida, ocorram os pressupostos de facto que preencham os
abstractamente enunciados no Ta[t]bestand da norma de tributação (incidência).
E nos termos do disposto no então art. 120° do Código de Processo Tributário
(CPT) e hoje no art. 99° do Código de Procedimento e de Processo Tributário
(CPPT), na impugnação judicial são apreciados os vícios que afectem a validade
do acto impugnado, consubstanciados em qualquer ilegalidade. E estas são apenas
as que afectem a validade ou existência do acto, como se deduz da finalidade do
processo de impugnação judicial, então prevista no art. 143° do CPT e hoje no
art. 124° do CPPT.
As circunstâncias posteriores à prática do acto, que não afectam a sua validade,
mas que possa afectar a exigibilidade da obrigação tributária liquidada são
fundamento de oposição à execução fiscal, nos termos do art. 204° do CPPT
(anteriormente do art. 286° do CPT), não podendo em regra, ser apreciadas em
processo de impugnação judicial.
Não poderão, em regra, ser utilizados como fundamentos de impugnação judicial,
factos que não afectem a validade dos actos, mas apenas tenham a ver com a sua
eficácia, como é o caso da falta de notificação ou da prescrição.
A prescrição, por não ter que ver com a legalidade do acto de liquidação,
sendo-lhe posterior, nada tem a ver com essa legalidade, mas apenas com a
exigibilidade da obrigação criada com a liquidação, não constituindo por isso,
em princípio, um fundamento válido de impugnação judicial.
Esta constitui também a jurisprudência largamente dominante no Supremo Tribunal
Administrativo, como nos dá conta Jorge Lopes de Sousa – In Código de
Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2ª Edição, pág. 463, cuja lista
de acórdãos aí publica na nota de rodapé 494.
Apenas em casos restritos, em sede de impugnação judicial, se poderá admitir,
conhecer da prescrição da obrigação tributária, e que se reconduzirão àqueles
casos em que o pagamento do tributo se não mostre efectuado e também não tenha
sido conhecido em sede da própria execução fiscal, tendo em vista apreciar a
manutenção da utilidade no prosseguimento da lide de impugnação judicial.
A razão subjacente a este entendimento reside em que não tem qualquer interesse
continuar a discutir a legalidade de uma obrigação tributária, quando o devedor
já não pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la, e que a prescrição é de
conhecimento oficioso, tanto pelo tribunal, como pela própria administração
tributária, nos termos do disposto no art. 259° do CPT e hoje 175° do CPPT.
Nos demais casos, a prescrição da obrigação tributária, deverá ser apreciada em
sede de oposição à execução fiscal constituindo um fundamento válido para esse
efeito – cfr. art. 286° nº 1 d) do CPT e hoje, art. 204° nº 1 do CPPT.
No mesmo sentido se pronuncia Diogo Leite de Campos ... desde que a obrigação
não esteja paga nem esteja instaurado processo de execução fiscal para a sua
cobrança coerciva, o processo de impugnação judicial apresenta-se então, como
sendo o meio judicial que propiciará a tutela mais eficaz e efectiva do direito
do contribuinte, dado que obviará à instauração do processo de execução e à
prática, nele, de actos que poderão prejudicar seriamente o contribuinte (como a
penhora).
…
Nas outras hipóteses não abrangidas na condição posta, a prescrição só poderá
ser invocada como fundamento de oposição.
E a pág. 274: … essa prescrição abarca, também, a parte dos impostos abolidos
que não estejam ainda paga (imposto e juros) cujo pagamento esteja ao abrigo de
qualquer regime excepcional de pagamento em prestações previsto na lei.
É que pago o imposto extinguiu-se a correspondente obrigação da relação jurídica
respectiva, não fazendo mais sentido, e sendo impossível fazer extinguir, pela
prescrição, o que já não existe, tendo já sido extinto, ainda que por outro
fundamento!
Satisfeita uma obrigação que entretanto prescreveu, torna-se a mesma em
obrigação natural, logo não exigível, não podendo contudo, ser repetida a
prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita,
ainda quando feita com ignorância da prescrição, como dispõem as normas dos
art°s 304° e 403° do Código Civil.
No caso, tendo em conta que foi a execução fiscal que foi instaurada em primeiro
lugar, antes da dedução da impugnação judicial, foi por aquela que se operou a
interrupção da prescrição nos termos do disposto no art. 34º do CPT, não havendo
lugar a nova interrupção da instância por efeito da instauração da mesma
impugnação, por tal prazo prescricional, então, não se encontrar em curso, mas
antes se encontrar já interrompido.
Nos termos do disposto no art. 34° do CPT, então com entrada em vigor em
1.7.1991, o prazo de das obrigações tributárias era de dez anos, e desde o
início do ano seguinte àquele em tiver facto tributário, interrompendo porém o
decurso de a dedução da reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a
instauração da execução.
A Lei Geral Tributária (LGT), com entrada em vigor em 1.1.1999, veio encurtar
tal prazo prescricional para oito anos, continuando a prever uma idêntica
interrupção da prescrição por efeito da dedução de alguma daquelas espécies
processuais, mas veio introduzir um nº 3 no seu art. 49º, inovatoriamente,
atribuindo efeitos de suspensão do decorrer desse prazo, em virtude de paragem
das mesmas espécies processuais, por pagamento ou prestação legalmente
autorizada.
Há assim que decidir qual dos dois regimes em presença é aplicável no caso,
tendo em conta a diferente duração de cada um deles.
Dispõe para estes casos a norma geral do art. 297° nº 1 do Código Civil, que a
lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado
na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o
prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que,
segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.
No caso, no âmbito da vigência do CPT, iniciando-se o decurso desse prazo em
1.1.1994, descontando o período de um ano de efeito interruptivo, o mesmo
completar[-se-ia] em 3 1.12.2004, e pela LGT, o mesmo completar[-se-ia) em 3
1.12.2007, contado nos mesmos termos, pelo que nos termos desta norma do Código
Civil não pode deixar de se aplicar o regime do CPT, então em vigor, por
primeiro se completar.
E nem a norma do art. 12° nº 3 da LGT, que prescreve a aplicação imediata das
normas processuais, impõe solução diversa, por a mesma só se reportar às normas
processuais, sendo que não têm tal qualificação as normas que prev[e]êm os
prazos de prescrição, as quais comungam da natureza de normas atribuídas por lei
substantiva, pelo que tal aplicação retroactiva do prazo de prescrição da lei
nova ofenderia, directamente, o princípio da igualdade tributária.
Tendo a execução fiscal sido instaurada em 28.5.1998, interrompeu-se nesta data
o prazo prescricional em curso, mas como a mesma esteve parada, sem qualquer
tramitação, na então Repartição de Finanças de Alvaiázere, entre 3.12.1999 e
13.11.2002 (data esta cm que foi, além do mais, proferido o citado despacho de
reversão), cessou tal efeito interruptivo, somando-se neste caso o tempo que
decorreu desde então com o que ocorreu até à data da mesma instauração, ou seja,
e em termos mais simples, tal prazo contado continuadamente, completar[-se-ia]
em 3 1.12.2004, mas como há a acrescer um ano por força da sua interrupção,
completou-se em 31.12.2005, pelo que actualmente, há muito tal prazo se tinha
completado, desta forma se verificando a prescrição da obrigação tributária do
IRC impugnado e ainda subsistente.
No âmbito da aplicação da norma do art. 34º do CPT, como anteriormente no âmbito
da aplicação do art. 27° do CPCI, a prestação de garantia pelo executado ou a
realização da penhora na execução fiscal, não constituem causa interruptiva ou
suspensiva da contagem deste prazo prescricional, por a lei a não prever,
desinteressando, pois conhecer, se as mesma ocorreram ou não, redundando mesmo
em se alcançar um efeito perverso, se a um executado que a tivesse prestado,
tendo actuado diligentemente, o prazo prescricional se suspendesse
indefinidamente, nunca se completando, relativamente àquele outro que a não
prestara e que poderia ver o mesmo prazo se completar, solução que o legislador
não pode ter querido, tendo em conta o comando contido na norma do art. 9º nº 3
do Código Civil.
Por força do completamento do prazo prescricional é de declarar extinta a
instância por inutilidade superveniente da lide, não se conhecendo do objecto de
ambos os recursos.
(...)”
Do aresto cuja fundamentação jurídica acima se encontra extractada recorreu a
impugnante para o Tribunal Constitucional, fazendo-o por intermédio de
requerimento em que consignou: -
“A. Lda., recorrente já melhor identificada nos autos, tendo sido notificada do
acórdão neles prolatado, vem, nos termos e para os efeitos do artigo 70º, nº 1,
alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional) e
280°, nº 1, alínea b) da CRP, suscitar a inconstitucionalidade da interpretação
que naquele foi feito dos artigos 34° do CPT e 48° da LGT, o que faz nos termos
e com os fundamentos seguintes:
1. A decisão ora questionada que declarou prescrita a alegada obrigação
tributária da recorrente apenas lhe foi dada a conhecer com a prolação do
presente acórdão.
2. Pelo que nunca antes disso poderia a recorrente ter suscitado a questão da
inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 34° do CPT e 48° da LGT nos
termos em que foi feita pelo acórdão.
3. Entende assim a recorrente que, com o atravessar do presente articulado aos
autos se encontra a cumprir com o artigo 70°, nº 1, alínea b) da Lei nº 2 8/82,
de 15 de Novembro.
4. E pelo mesmo caminho segue quem escreveu que:
«O pressuposto da invocação prévia da inconstitucionalidade ‘durante o
processo’, exigido para a admissibilidade do recurso previsto do artigo 280°, nº
1, alínea b), da Constituição e no artigo 70°; n°1, alínea b), da Lei nº 28/82,
de 15 de Novembro, deve ser tomado, não num sentido puramente formal, tal que a
inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância, mas num
sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em
que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão. Ou seja: a
inconstitucionalidade haverá de suscitar-se antes de esgotado o poder
jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a mesma questão de
inconstitucionalidade respeita; entendimento este que decorre do facto de se
estar justamente perante um recurso para o Tribunal Constitucional, o que
pressupõe obviamente uma anterior decisão do tribunal a quo sobre a questão de
constitucionalidade que é objecto do mesmo recurso.
Deste modo, porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação
da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não
constitui um erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem
toma esta obscura ou ambígua, há-se ainda entender-se que o pedido de aclaração
de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em
princípio, meios idóneos e atempados para suscitar questão de
inconstitucionalidade.
Só não será assim quando justamente o poder jurisdicional se não haja esgotado
na sentença, ou então nalguma situação de todo excepcional em que o interessado
não disponha de oportunidade processual para levantar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão.»
5. Entendeu-se no acórdão em causa que, por ter ocorrido a prescrição da alegada
obrigação tributária da recorrente, se deveria julgar extinta a instância por
inutilidade superveniente da lide;
6. Não se tendo, em consequência, conhecido do objecto dos recursos.
7. Isto por adesão à corrente jurisprudencial de que não tem qualquer interesse
continuar a discutir a legalidade de uma obrigação tributária quando o devedor
já não pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la.
8. Sem quebra do merecido respeito, entende a recorrente não ser de acolher na
plenitude este entendimento,
9. Pois que a recorrente podia manter interesse na apreciação da legalidade do
acto tributário questionado.
10. Bastando para tal considerar a hipótese de se encontrar pendente um processo
– crime de natureza fiscal –, cuja manutenção ou prosseguimento estivesse
dependente da legalidade do acto de liquidação.
11. E para aferir da legalidade, ou não, do acto tributário necessário se
tomaria prosseguir com a apreciação da impugnação judicial e subsequente
recurso.
12. Ou seja, o efeito útil da apreciação do recurso reflecte-se não só na
análise da legalidade do acto tributário como também noutras questões que com
tal se encontram estritamente conexas.
13. Acresce por outra via o que segue:
14. Por força dos artigos 8° e 55º, ambos da LGT, a DGCI encontra-se
estritamente vinculada ao princípio da legalidade.
15. E é o que decorre, aliás, também do artigo 266° da CRP.
16. «Por força do preceituado no art. 266° da C.R.P, esta actividade tem de ser
levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os
direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os
princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade.»
17. «Outra parte tem índole total ou parcialmente material, constituindo o
desenvolvimento de normas constitucionais substantivas.
São o caso dos princípios da legalidade, igualdade, proporcionalidade e justiça,
[...]»
18. Ora, ao não serem apreciadas as razões que a recorrente julga ter, e
vertidas nas suas alegações de recurso, tal acto praticado mantém a sua
validade;
19. Apenas não lhe podendo ser exigida a obrigação criada com o acto de
liquidação.
20. Mas, e como sobredito, encontrando-se a DGCI estritamente vinculada ao
princípio da legalidade não pode a mesma praticar actos tributários ilegais.
21. E como a recorrente entende que o acto por aquela praticado foi ilegal,
assiste-lhe o direito de que a mesma venha a ser apreciada e declarada pelo
tribunal.
22. Isto atento o princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração no
artigo 20°, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
23. Que na Lei Fundamental elevou à categoria de direito fundamental;
24. E que se destina à salvaguarda de qualquer direito ou interesse legítimo e
não apenas de direitos fundamentais.
25. Pois que a tutela jurisdicional efectiva não se esgota na questão de poder
ser exigida coercivamente à recorrente a prestação tributária de que a DGCI se
arrogava,
26. Antes se complementa com a declaração de ilegalidade do acto contra si
praticado.
27. Uma vez que só com a anulação de tal acto praticado face à aqui recorrente,
e que esta considera que é inválido, é que se erradica do Mundo do Direito um
acto ilegal.
28. E para que se proceda a tal anulação, repita-se, só com a prossecução e
apreciação dos recursos interpostos é que tal se pode obter,
29. E não com a sua não apreciação por inutilidade superveniente da lide.
30. «De qualquer modo, ninguém pode ser privado de levar a sua causa
(relacionada com a defesa de um direito ou interesse legítimo e não apenas de
direitos fundamentais) à apreciação de um tribunal, pelo menos como último
recurso. Por isso, o art. 20° consagra um direito fundamental independentemente
da sua recondução a direito, liberdade e garantia ou a direito análogo aos
direitos, liberdades e garantias.»
31. «b) A garantia de acesso aos tribunais é uma garantia plena. Por isso,
sempre que sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses
legalmente protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que
se materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso
aos tribunais.»
32. E prosseguem os Ilustres Tratadistas;
33. «c) da conjugação do artigo 20º com outras disposições constitucionais e,
mais concretamente, com os artigos 204°, 268°e 280°decorre que a plenitude do
acesso à jurisdição [S]e aplica inclusivamente aos casos em que os particulares
pretendem defender jurisdicionalmente os seus direitos ou interesses legalmente
protegidos perante os poderes públicos.»
34. Sendo ainda bom não olvidar que o comando vertido no artigo 20º da CRP tem
reprodução, no que [à] justiça administrativa respeita, no artigo 268° nº 4 do
mesmo diploma.
35. «A ideia da tutela jurisdicional efectiva aproxima o nº 4 do artigo 20°, nºs
1 e 5, o que, aliás, a doutrina tal como a jurisprudência já tinham notado. Mas,
é hoje, inegavelmente mais clara a vigência desse princípio e a força dos seus
subprincípios (de que o nº 4 faz elenco exemplificativo).
Os nºs 4 e 5 privilegiam uma visão subjectivista do contencioso administrativo
(em termos da função, mas também em termos da estrutura ou natureza). Daí: a
primazia absoluta da tutela jurisdicional efectiva dos direitos e interesses
legalmente protegidos.»
36. Em suma;
37. A não apreciação das razões invocadas pela recorrente nas suas alegações de
recurso impedem-na de poder erradicar do ordenamento jurídico um acta
administrativo inválido,
38. Acto esse em que é directamente visada.
39. Colocando-a, assim, numa situação de indefesa que a Constituição não
permite.
40. E se a nossa Constituição não o permite, também em outros ordenamentos
jurídicos que nos são próximos, in casu Espanha, tal questão foi também já
abordada.
41. Tendo aquela que se tem por melhor doutrina pronunciado da forma que segue:
42. «Afirma Gonzalvez Montes que ‘la indefension tal y como hoy se concibe hace
referencia más bien al conjunto de circunstancias que pueden impedir una eficaz
defensa dei litigante, esto es la indefension há de relacionarse hoy
inexcusablemente com el genérico derecho de defensa ínsito de alguna manera en
la norma constitucional dei artículo 24, de forma más genérica en su primer
párrafo y de forma más especfica o com manifestaciones más concretas en el
párrafo segundo’. Ciertamente, en sentido estricto, la indefension va a ser el
resultado de la privactón o limitación del derecho de defensa que comprende la
possibilidad real de alegar y/o probar.
Este derecho puede encajarse, según el TC, también en el derecho a la tutela
judicial efectiva dei artículo 24.1 CE. ademas de su reconocimiento expreso en
el artículo 24.2 CE.»
43. E quanto à questão da necessidade de apreciação, por via judicial, da
legalidade do acto de liquidação de imposto por o mesmo se encontrar conexo com
outras questões, designadamente a prossecução de processo-crime por manutenção
ou não como válido do dito acto, prossegue o mesmo Autor:
44. «Dada la dificultad que existe para determinar si la omisión del trâmite de
defensa há causado real y efectivamente esse prejuicio, el TC admite que sea
‘razonablemente posible’. Esto es lo más acertado.»
45. Ora e como será bom de ver pode causar não apenas um prejuízo meramente
potencial mas antes um real e efectivo a prossecução do dito processo-crime se
não for apreciada a (i)legalidade do acto de liquidação de imposto cuja
apreciação foi submetida a tribunal.
46. Entende, pois, a recorrente, que a interpretação feita pelo acórdão aqui
colocado em crise dos artigos 34º do CPT e 48° da LGT, quando interpretados no
sentido de que não tem qualquer interesse continuar a discutir a legalidade de
uma obrigação tributária quando o devedor já não pode ser compelido
coercivamente a satisfazê-la pelo que deve declarar a extinção da instância por
inutilidade superveniente da lide, padece de inconstitucionalidade material por
violação dos artigos 20°, nº 1 e 268°, nº 4 da Constituição da República
Portuguesa.
CONCLUSÕES
a) A decisão ora questionada que declarou prescrita a alegada obrigação
tributária da recorrente apenas lhe foi dada a conhecer com a prolação do
presente acórdão pelo que nunca antes disso poderia a recorrente ter suscitado a
questão da inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 34° do CPT e 48°
da LGT nos termos em que foi feita pelo acórdão.
b) Entendendo, assim, a recorrente, que com o atravessar do presente articulado
aos autos se encontra a cumprir com o artigo 70°, nº 1, alínea b) da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro como aliás também sufragado pela jurisprudência supra
citada.
c) Entendeu-se no acórdão que, por ter ocorrido a prescrição da alegada
obrigação tributária da recorrente se deveria julgar extinta a instância por
inutilidade superveniente da lide, não se tendo, em consequência, conhecido do
objecto dos recursos; Isto por adesão à corrente jurisprudencial de que não tem
qualquer interesse continuar a discutir a legalidade de uma obrigação tributária
quando o devedor já não pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la.
d) A recorrente podia manter interesse na apreciação da legalidade do acto
tributário questionado bastando para tal considerar a hipótese de se encontrar
pendente um processo-crime de natureza fiscal cuja manutenção ou prosseguimento
estivesse dependente da legalidade do acto de liquidação.
e) E para aferir da legalidade, ou não, do acto tributário necessário se tomaria
prosseguir com a apreciação da impugnação judicial e subsequente recurso; Ou
seja o efeito útil da apreciação do recurso reflecte-se não só na análise da
legalidade do acto tributário como também noutras questões que com tal se
encontram estritamente conexas.
f) Por força dos artigos 8° e 55° da LGT a DGCI encontra-se estritamente
vinculada ao princípio da legalidade e é o que decorre, aliás, também do artigo
266° da CRP.
g) Ora ao não serem apreciadas as razões que a recorrente julga ter, e vertidas
nas suas alegações de recurso, tal acto praticado contra ela mantém a sua
validade; Apenas não lhe podendo ser exigida a obrigação criada com o acto de
liquidação.
h) Mas, e como sobredito, encontrando-se a DOCI estritamente vinculada ao
princípio da legalidade não pode a mesma praticar actos tributários ilegais e
como a recorrente entende que o acto por aquela praticado foi ilegal assiste-lhe
o direito de que a mesma venha a ser apreciada e declarada pelo tribunal.
i) Isto atento o princípio da tutela jurisdicional efectiva com consagração no
artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e que a Lei Fundamental
elevou à categoria de direito fundamental.
j) A tutela jurisdicional efectiva não se esgota na questão de poder ser exigida
coercivamente à recorrente a prestação tributária de que a DGCI se arrogava,
antes se complementa com a declaração de ilegalidade do acto contra si
praticado.
k) Uma vez que só com a anulação de tal acto praticado face à aqui recorrente, e
que esta considera que é inválido, é que se erradica do Mundo do Direito um acto
ilegal e para que se proceda a tal anulação, repita-se, só com a prossecução e
apreciação dos recursos interpostos é que tal se pode obter, e não com a sua não
apreciação por inutilidade superveniente da lide.
l) Sendo ainda bom não olvidar que o comando vertido no artigo 20° da CRP tem
reprodução, no que á justiça administrativa respeita, no artigo 268°, nº 4 do
mesmo diploma.
m) A não apreciação das razões invocadas pela recorrente nas suas alegações de
recurso impedem esta de poder erradicar do ordenamento jurídico um acto que
considera inválido, acto esse em que era directamente visada.
n) Colocando-a, assim, numa situação de indefesa que a Constituição não permite;
E se a nossa Constituição não permite também em outros ordenamentos jurídicos
que nos são próximos, in casu Espanha, tal questão foi também já abordada
conforme citação supra feita.
o) E quanto à questão da necessidade de apreciação, por via judicial, da
legalidade do acto de liquidação de imposto por o mesmo se encontrar conexo com
outras questões, designadamente a prossecução de processo-crime por manutenção
ou não como válido do dito acto, também se pronunciou o Autor acima citado.
p) Ora e como será bom de ver pode causar não apenas um prejuízo meramente
potencial mas antes um real e efectivo a prossecução do dito processo-crime se
não for apreciada a (i)legalidade do acto de liquidação de imposto cuja
apreciação foi submetida a tribunal.
q) Entende, pois, a recorrente, que a interpretação feita pelo acórdão aqui
colocado em crise dos artigos 34° do CPT e 48° da LGT, quando interpretados no
sentido de que não tem qualquer interesse continuar a discutir a legalidade de
uma obrigação tributária quando o devedor já não pode ser compelido
coercivamente a satisfazê-la, pelo que deve declarar a extinção da instância por
inutilidade superveniente da lide, padece de inconstitucionalidade material por
violação dos artigos 20°, nº 1 e 268°, nº 4 da Constituição da República
Portuguesa.
Pelo que, na procedência da presente invocação de inconstitucionalidade, deverá
a apreciação da legalidade do acto tributário ser efectuada com o prosseguimento
do presente processo no Tribunal Central Administrativo Sul.”
Por despacho de 27 de Fevereiro de 2007, o Relator do Tribunal Central
Administrativo admitiu o recurso.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do art. 76º da Lei
nº 28/82, de 15 de Novembro), e porque se entende que o recurso não deveria ter
sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do art. 78°-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do
objecto da presente impugnação.
Como se abarca do «relato» supra efectuado, intenta a impugnante a interposição
do recurso agora em apreço com vista a ser aferida a compatibilidade
constitucional dos preceitos constantes dos artigos 34º do Código de Processo
Tributário aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, e 48° da Lei
Geral Tributária aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro, quando
comportem uma interpretação de harmonia com a qual “não tem qualquer interesse
continuar a discutir a legalidade de uma obrigação tributária quando o devedor
já não pode ser compelido coercivamente a satisfazê-la, pelo que deve declarar a
extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”, pois que, em seu
entender, deveria o acórdão do Tribunal Central Administrativo debruçar-se sobre
o «mérito» da causa, ou seja, apreciar “da legalidade do acto tributário”
(note-se que a impugnante não faz, no requerimento de recurso para este órgão de
fiscalização concentrada de constitucionalidade, a mínima referência à
manutenção de interesse na apreciação, pelo dito Tribunal Central, do recurso
interlocutório entretanto interposto).
Os citados preceitos apresentam a seguinte redacção: ─
ARTIGO 34°
Prescrição das obrigações tributárias
1. A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais
curto estiver fixado na lei.
2. O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que
tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3. A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução
interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver
parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano,
somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver
decorrido até à data da autuação.
Artigo 48°
[redacção conferida pela Lei no 55-B/2004, de 30 de Dezembro]
Prescrição
1. As dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo
de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que
se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da
data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor
acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja
efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se
conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou,
respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
2. As causas de suspensão ou interrupção da prescrição aproveitam igualmente ao
devedor principal e aos responsáveis solidários ou subsidiários.
3. A interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz
efeitos quanto ao responsável subsidiário se a citação deste, em processo de
execução fiscal, for efectuada após o 5º ano posterior ao da liquidação.
O acórdão querido recorrer, como bem resulta da transcrição supra levada a
efeito, entendeu, em face dos cabidos preceitos da lei ordinária e não olvidando
as regras de contagem mais favorável do prazo de prescrição – aceitando-se que,
entre esses preceitos, se contam os acima reproduzidos –, que a dívida
tributária originadora da liquidação relativamente à qual foi deduzida a
impugnação judicial, encontrava-se já prescrita. E, em face de tal juízo, que
acarretava a impossibilidade de exigência da obrigação tributária em causa,
perfilhou a óptica de acordo com a qual, inexistindo essa impossibilidade, a
impugnação da liquidação em apreço – liquidação essa que já não podia produzir
efeitos – deixava de ter utilidade, o que conduzia à extinção da instância de
impugnação, por inutilidade superveniente.
Tendo em conta esta realidade processual, é por demais evidente que não foram os
preceitos desejados ser analisados por banda do Tribunal Constitucional aqueles
que serviram de suporte jurídico à decisão principal do acórdão sub specie.
Na realidade, a verdadeira decisão deste foi a de considerar a instância de
impugnação como inútil atendendo a que, estando prescrita a obrigação
tributária, a liquidação objecto da impugnação deixava de ter razão de ser, pois
que era inexigível o quantum tributário liquidado.
Claro que, para alcançar a conclusão de que a obrigação tributária estava já
prescrita, foi necessário servir-se do preceituado na lei ordinária – e
repete-se aqui a aceitação de que os preceitos acima transcritos foram
convocados no acórdão.
Simplesmente, a razão de ser do decidido – ou seja, o julgar extinta a instância
de impugnação por impossibilidade superveniente –, como é bom de ver, não podia
estear-se naqueles normativos ínsitos nos artigos 34° do Código de Processo
Tributário e 48° da Lei Geral Tributária (que, no discurso do aresto, apenas
serviram, por si ou em conjugação com outros atinentes ao modo de se saber como
se alcança e deve contar o prazo prescricional e qual o prazo a ter em atenção
em termos de favorabilidade, se, no tempo, se postarem prazos diversos), mas
sim, e só, nas normas adjectivas que regem a extinção da instância por
impossibilidade superveniente.
Daqui se extrai, em consequência, que aquela razão de ser não repousou nos
preceitos agora queridos sindicar, o que tanto basta para que do objecto do
recurso em causa se não tome conhecimento, e isto independentemente da questão
de saber se, atento o decidido, a impugnante poderá ser perspectivada como
«parte vencida» para efeitos de se aferir da sua legitimidade para recorrer para
este Tribunal e se, também em face do decidido, «o hipotético interesse na
análise do acto tributário» da liquidação, poderia, perante essa característica,
ser atendido para efeitos de abrir o pretendido recurso de constitucionalidade.
Custas pela impugnante, fixando-se a taxa de justiça em seis unidades de
conta.».
4 – A recorrida (Fazenda Pública) não respondeu.
B – Fundamentação
5 – Como resulta da decisão sumária, ora reclamada, a decisão
pretendida recorrer constitucionalmente não conheceu dos recursos interpostos de
decisões do tribunal tributário de 1.ª instância (sentença que julgou
improcedente a impugnação e despacho que indeferiu a produção de provas) por ter
ajuizado que se configurava uma situação de “extinção da instância por
inutilidade superveniente da lide”, resultando tal inutilidade, no caso, da
circunstância de haver constatado que a obrigação tributária cuja legalidade se
impugnava judicialmente se achava prescrita à face dos preceitos constantes dos
artigos 34º do Código de Processo Tributário aprovado pelo Decreto-Lei nº
154/91, de 23 de Abril, e 48° da Lei Geral Tributária aprovada pelo Decreto-Lei
nº 398/98, de 17 de Dezembro.
Se pode admitir-se, em abstracto, que o juízo de inutilidade
do prosseguimento da instância por a obrigação tributária cuja legalidade se
impugna no processo judicial se encontrar prescrita, feito pela decisão
pretendida recorrer, não corresponde a qualquer inevitabilidade jurídica, bem
podendo admitir-se existirem situações em que essa inutilidade da lide não
ocorra, o que é certo é que não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a
correcção de tal juízo decisório, tomado no plano do direito
infraconstitucional.
É por isso que não cabe ao Tribunal Constitucional apurar se
existe interesse processual em agir, por a decisão do processo de impugnação
poder produzir efeitos jurídicos fora do domínio desse concreto processo, como
seja num processo crime concreto levantado contra a impugnante ou em outros
domínios, sem embargo de a existência desse interesse apenas poder ser
determinada em concreto relativamente ao impugnante e não em abstracto ou a
título hipotético, ao contrário do que parece inferir-se da sua argumentação,
dado nunca afirmar a existência dessas situações em concreto, e não lhe caber
legitimidade para defender, em abstracto, o cumprimento da legalidade
administrativa.
É por demais evidente que a extinção da instância por
inutilidade da lide é um efeito jurídico-processual que é e foi declarado pelo
tribunal a quo com base em normas que regem sobre o processo, tenham elas sido
ou não (como aconteceu no caso) explicitamente mencionadas.
A instância não é mais do que a relação jurídico-processual
que se constitui pela interposição em juízo de uma acção para fazer valer ou
defender um direito ou interesse legalmente protegido, concedido pela ordem
jurídica ou pelo direito substantivo. Ela é apenas o instrumento ou veículo
formal de realização do direito subjectivo ou interesse legalmente protegido
concedido pela ordem jurídica. Daí que ele seja um veículo apto para realizar os
direitos da mesma natureza titulados em pessoas diferentes.
Se o funcionamento desse instrumento se torna inútil para a
realização do direito subjectivo ou interesse legalmente protegido, a instância
não pode deixar de extinguir-se, sob pena de o prosseguimento da lide deixar de
corresponder a um exercício da função jurisdicional mas apenas um exercício
académico.
É esta a teleologia que subjaz ao art.º 287.º, alínea e) do
Código de Processo Civil, sendo que este preceito não deixa de espelhar um
princípio geral de direito processual ou adjectivo.
Ao decretar a extinção da instância por inutilidade
superveniente da lide, o tribunal a quo pronunciou-se apenas sobre a
subsistência da relação processual, ou seja, fundou-se em razões meramente
processuais.
O juízo anteriormente feito sobre a verificação de uma
situação de prescrição da dívida tributária assume-se como um mero dado de facto
susceptível de se integrar na hipótese da norma que prevê a possibilidade da
extinção da instância.
A extinção da instância não correspondeu, deste modo, a
qualquer efeito jurídico que fosse distraído dos artigos 34º do Código de
Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, e 48°
da Lei Geral Tributária, aprovada pelo Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro,
pois da sua aplicação apenas o tribunal retirou a conclusão de que a obrigação
impugnada estava prescrita.
A extinção da instância correspondeu a um juízo autónomo sobre
os reflexos sobre a relação processual de uma certa causa – na situação, a
prescrição da dívida, mas que poderão ser tantas quantas aquelas que forem
susceptíveis de tornar a decisão a proferir no futuro no processo em uma
pronúncia simplesmente académica.
Temos, assim, de concluir que a reclamação não merece
deferimento.
C – Decisão
6 – Destarte, atento tudo o exposto, o Tribunal Constitucional
decide indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20
UCs.
Lisboa, 29 de Maio de 2007
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos
[1] Jorge Miranda e Rui Medeiros in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo 1, a
pp. 186/187
[2] Sublinhado da reclamante
[3] J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP Constituição da República
Portuguesa Anotada Artigo 1º a 107°, a pp. 410
[4] Sublinhado da reclamante
[5] Para já não dizer um direito mas como referem os tratadistas supra citados,
e que a reclamante acompanha, bastará um interesse legítimo para que o acesso
aos tribunais não possa ser vedado
[6] Gregorio Serrano Hoyo in La prohibición de indefensión y su incidência en el
proceso, Editorial Comares, a pp. 12
[7] Sublinhado da reclamante
[8] Acórdão do Tribunal Constitucional, de 22/06/1995, Processo nº 94-0156 in
http://www.dgsi.pt
[9] Acórdão do Tribunal Constitucional, de 20/01/1988, Processo nº 87-0174 in
http://www.dgsi.pt
[10] Sublinhado da reclamante